Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2319/12.9 TAGMR.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
REENVIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - O vício da contradição insanável da fundamentação só se verifica quando, de acordo com um raciocínio lógico, for de concluir que a mesma, não só não justifica como impõe uma decisão contrária ou, quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se concluir que a decisão não resulta suficientemente esclarecida, dada a colisão entre os fundamentos invocados.
II – No caso, do teor da decisão recorrida, por si só considerado, perfila-se a existência do vício aludido no art. 410º, nº 2, al. b) do CPP, porquanto, perscrutando o raciocínio lógico nele expresso pela Julgadora fica sem se perceber, claramente, o modo como se formou, no essencial, a convicção formulada naquela decisão, quanto ao núcleo fundamental da controvérsia verificada nos autos: por um lado, parece que essa convicção se formou, essencialmente, com base no depoimento da testemunha C.N., técnica da Segurança Social, parecendo ser esta leitura da motivação, sobremaneira, justificada quando, na respectiva formulação, a Sra. Juíza invocou o trecho de um outro depoimento que, conjugando-se com aquele, complementaria o valor probatório do mesmo; mas, por outro lado e bem ao invés, consta da analisada motivação que «os factos dados como provados alicerçaram-se primordialmente e na sua essência, no depoimento prestado (…) pelas testemunhas mencionadas (…), constante da certidão junta aos autos», afirmação de cujo teor literal parece extrair-se que a convicção da Senhora Juíza, afinal, se fundou, primacialmente, «atento o elemento probatório documental fortíssimo junto aos autos», ou seja, nos depoimentos extractados no “documento” constituído pela certidão de um outro inquérito.
III - A ser assim, é certo que a referida testemunha C.N. relatou na audiência de julgamento alguns factos de que teve conhecimento por os ouvir dizer, fora do âmbito destes autos, a outras pessoas – as ditas trabalhadoras e testemunhas – que foram todas também ouvidas na audiência e, nessa medida, sendo indirecto, o seu depoimento poderia ter servido como meio de prova, submetido à livre apreciação da Julgadora, no conjunto de todas as provas cuja valoração não se mostrasse proibida, designadamente do outro referenciado excerto do depoimento complementarmente invocado, dado que a letra da norma do art. 129º nº 1 do CPP é clara no sentido de que só se o juiz não chamar a depor a pessoa a quem a testemunha “ouviu dizer” é que «o depoimento produzido não pode (…) servir como meio de prova…».
IV - Mas, por outro lado, ainda que um documento incluído num processo seja uma prova de cujo conteúdo as partes têm conhecimento e que se considera produzida em audiência e submetida ao contraditório sem necessidade de ser lida para valer em julgamento, bem vistas as coisas, neste caso, a mencionada certidão, para o efeito que ora nos ocupa, não pode ser adquirida como “documento”, no sentido de um «objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto» (art. 362º do CC), antes encerra depoimentos testemunhais que, como quaisquer outras provas, nos termos do art. 355º do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, se não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvadas as provas contidas em actos do processo cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos 356º e 357º do CPP. Ora, devendo o juiz ignorar as provas proibidas, tais depoimentos, constantes, supostamente, do designado “documento” – cujo teor nem sequer foi examinado em audiência, ou assim se terá de entender porque na respectiva acta nada se diz –, não se enquadram em qualquer das previsões dessas normas e, em todo o caso, é insustentável que os mesmos pudessem ser valorizados porque, fazê-lo, equivaleria a permitir que entrasse pela “janela” o que o legislador não quer que entre pela “porta”.
V - A consequência da violação do princípio da imediação e do seu regime constante dos artigos 355º a 357º, do CPP, consiste fundamentalmente na inutilização da prova afectada pelo seu desrespeito que, por isso, não pode ser invocada nem pode valer para o efeito da formação da convicção, sendo que, no caso vertente, o Tribunal formou a sua convicção com base, se não «primordialmente e na sua essência», pelo menos, também nas ditas declarações não produzidas ou examinadas em audiência, como ressalta dos averbados excertos da motivação da decisão da matéria de facto.
VI - Assim, uma vez que na economia da sentença recorrida, o questionado “documento” constituiu elemento probatório que o Tribunal analisou e ponderou em conjunto com outros, designadamente com as declarações da já referenciada testemunha C.N. e com outro elementos, sem que se saiba quais foram os determinantes para a motivação, «não é possível autonomizar ou “expurgar” pura e simplesmente a prova proibida», pelo que se impõe o reenvio do processo para a realização de uma nova audiência de julgamento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum singular nº 2319/12.9TAGMR da Instância Local, Secção Criminal, de Fafe da Comarca de Braga, os arguidos (…), (…) e (…), foram julgados tendo sido decidido por decisão proferida a 10/02/2016 e depositada a 12/02/2016 o seguinte (transcrição):
«1) Condeno o arguido (…), como co-autor material da prática de um crime de burla tributária, p. e p. pelo art.87.º, n.º 1 e 2 do R.G.I.T., na pena de 13 (treze) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, na condição de o mesmo, nesse prazo, pagar 50% do pedido de indemnização civil em que vai condenado, referente ao valor de subsídio de desemprego indevidamente atribuído e respectivos legais acréscimos.
2) Condeno a arguida (…), como co-autora material da prática de um crime de burla tributária, p. e p. pelo art.87.º, n.º 1 e 2do R.G.I.T., na pena de 13 (treze) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos, na condição de a mesma, nesse prazo, pagar 50% do pedido de indemnização civil em que vai condenada, referente ao valor de subsídio de desemprego indevidamente atribuído e respectivos legais acréscimos.
3) Condeno a sociedade arguida (…) pela prática de um crime de burla tributária, p. e p. pelo art.87.º, n.º 1 e 2 e 7.º do R.G.I.T., na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de €12,00 (doze), num total de €3600,00 (três mil e seiscentos euros).
4) Condeno ainda os arguidos nas custas-crime do processo, que se fixam em 2 Uc´s, nos termos do art.8.º do RCP.
5) Procede na totalidade o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social a fls.398 e ss dos autos contra os arguidos, condenando-se solidariamente os mesmos a pagar-lhe a quantia de €8.231,87 (oito mil duzentos e trinta e um euros e oitenta e sete cêntimos), acrescido dos respectivos juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.».
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Inconformados com a referida decisão, os arguidos interpuseram recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«As testemunhas de acusação não confirmaram os factos contantes da acusação.
O Tribunal considerou os factos da acusação provados, apenas com base nas declarações escritas prestadas por aquelas mesmas testemunhas em junho/2012 em sede de processo interno da Segurança Social, cuja instrutora foi a também testemunha Carla n..
Todavia, essas mesmas testemunhas, em sede de julgamento, não confirmaram esses mesmos factos, conforme inquirições supra transcritas.
Ainda antes em Março/2013, as mesmissimas testemunhas, também inquiridas em sede de processo interno da Segurança Social e com vista a instruir este processo (certidão de fls 3 a 63), prestaram declarações condizentes ao que prestaram em sede de julgamento.
Conclui dizendo «Termos em que deve presente recurso ser admitido, julgado procedente por provado e por via dele, serem todos os arguidos absolvidos do crime de que vinham acusados e quando assim não se entenda então, deverão as penas serem alteradas conforme melhor referido nas conclusões, pois que só assim será feita JUSTIÇA».

O Ministério Público apresentou resposta à motivação, pugnando pela improcedência do recurso com as conclusões seguintes:
«A sentença nenhuma censura merece no que à apreciação da prova feita em audiência de discussão e julgamento e no que aos factos de tal prova retirados respeita.
Encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de burla tributária imputado aos arguidos.
Considerando os critérios estabelecidos no artigo 71° do Código Penal, não merece qualquer reparo a medida da pena aplicada aos arguidos, ora recorrentes, atendendo ao grau de culpa por si revelado, bem como às exigências de prevenção geral e especial que ao caso se fazem sentir.
A arguida (…) encontra-se profissionalmente inserida; o prazo concedido para o pagamento (2 anos) é alargado; Não resultam, por isso, dos autos elementos que ponham em causa o juízo de prognose efectuado na sentença no sentido de que se encontram reunidas as condições mínimas para que a obrigação de entregar ao Instituto da Segurança Social o montante de 4.115,94 € possa ser cumprida.
A sentença recorrida não padece de qualquer nulidade nem violou qualquer norma legal.».

Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral adjunta emitiu parecer, sustentando que a decisão de 1ª instância deve ser mantida na sua totalidade à excepção dos períodos da suspensão da pena que devem ser alargados em relação a ambos os arguidos.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.
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Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência, de saber se:
1ª- Foi incorrectamente julgada toda a matéria de facto assente na decisão de 1ª instância, por terem sido valoradas, contra o disposto nos arts. 355º e 356º do CPP, as declarações das testemunhas prestadas em sede de processo interno da segurança social, não confirmadas em audiência de julgamento;
2ª - Face ao valor em causa (€ 8.231,87) e ao disposto nos arts. 106º, n1 e 87º, nº 1 do RGIT, deve ser imposta uma menor medida da pena aos arguidos;
3ª- A suspensão da pena de prisão imposta à arguida (…) não deve ser condicionada ao pagamento de 50% da quantia indemnizatória fixada, dado a mesma auferir apenas o salário mínimo nacional, indispensável à sua sobrevivência condigna.
Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida e respectiva motivação (transcrição):
«1) A sociedade arguida dedicava-se, pelo menos desde 23 de Outubro de 2008, à actividade de fabrico de artigos de vestuário em série e comércio por grosso de vestuário e calçado, - CAE … - tendo-lhe sido atribuído o n.º de pessoa colectiva …, tendo a sua sede na Rua …, Guimarães.
2) Por força do início de actividade, declarado à Administração Fiscal, ficou também a sociedade vinculada ao cumprimento das obrigações que, na qualidade de contribuinte, lhe cabiam perante a Segurança Social, tendo-lhe sido atribuído por esta o n.º ….
3) Desde Outubro de 2008, e de forma ininterrupta, o arguido (…) tomou nas suas mãos os destinos da sociedade arguida, determinando, entre o mais, quais os pagamentos a efectuar e quais os trabalhos a realizar, cabendo-lhes também decidir da admissão de pessoal e dos montantes por estes auferidos.
4) Em Fevereiro de 2009 o arguido (…), na qualidade de representante legal da sociedade arguida (…) e a arguida (…)celebraram um contrato em que esta se obrigava a prestar a sua actividade à empresa, sob a autoridade e direcção desta, mediante retribuição mensal de 1.000,00 €.
5) Desta forma, (…) tornou-se empregada da sociedade arguida (…), sendo declarado perante a Segurança Social como trabalhadora por conta de outrem, ao serviço da referida sociedade no período compreendido entre Fevereiro de 2009 e 31 de Outubro de 2011.
6) Ao longo do referido período foram preenchidas e entregues na Segurança Social as declarações de remuneração da arguida (…) e foram pagos a esta entidade descontos sociais por sua conta.
7) Em 08 de Novembro de 2011 foi requerido pela arguida (…) nos serviços do Instituto de Emprego e Formação Profissional de Fafe a atribuição de subsídio de desemprego ou das prestações substitutivas da perda do rendimento do trabalho.
8) E tal pedido foi instruído com uma declaração de situação de desemprego involuntário por cessação de contrato de trabalho com a sociedade arguida (…) em 31 de Outubro de 2011.
9) O referido pedido de atribuição de subsídio de desemprego foi deferido pela Segurança Social com efeitos e início de concessão da respectiva prestação social desde 08 de Novembro de 2011, tendo-lhe sido deferido o pagamento do mesmo por um período de 1140 dias, com valor diário de 22,22 €.
10) Em consequência, e até 06 de Novembro de 2012, foi pago à arguida (…) o montante global de 8.231,87 € (oito mil duzentos e trinta e um euros e oitenta e sete cêntimos), referentes a 359 dias de subsídio de desemprego.
11) Sucede que, o contrato de trabalho da arguida (…) com a sociedade arguida (…) nunca cessou, sendo que no período compreendido entre 31 de Outubro de 2011 e 06 de Novembro de 2012 a mesma continuou a prestar a sua actividade à referida sociedade (mediante retribuição não concretamente apurada mas seguramente não inferior a 485,00 €).
12) A arguida (…) cumulou assim com a prestação de desemprego a remuneração recebida pela prestação de tal actividade, não preenchendo desde o início da atribuição do subsídio de desemprego a respectiva condição de recursos para a mesma.
13) Deste modo, a arguida (…), pelo menos no período compreendido entre 31 de Outubro de 2011 e 06 de Novembro de 2012 recebeu indevidamente o montante de 8.231,87 € (oito mil duzentos e trinta e um euros e oitenta e sete cêntimos) referente a prestações de subsídio de desemprego.
14) Com a sua conduta atrás descrita, a arguida (…) determinou a administração da Segurança Social a efectuar-lhe atribuições patrimoniais que sabia indevidas, assim obtendo um enriquecimento ilegítimo e prejudicado a Segurança Social em igual montante.
15) O arguido (…), por si e em representação da sociedade arguida (…), e a arguida (…) agiram em comunhão de esforços e direcção de vontades, fazendo crer erroneamente aos serviços da Segurança Social, através da declaração de situação de desemprego involuntário por cessação de contrato de trabalho que o primeiro emitiu conjugado com as declarações e o pedido de atribuição de subsídio de desemprego que a segunda formulou junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional de Fafe, que a arguida (…) se encontrava desempregada desde 31 de Outubro de 2011 e que, desde essa data, não auferia qualquer remuneração proveniente do trabalho, determinando desse modo aqueles serviços ao pagamento do aludido valor referente a subsídio de desemprego.
16) O arguido (…), por si e em representação da sociedade arguida (…) e a arguida (…) agiram com o propósito concretizado de obter para esta última benefício a que sabiam a mesma não ter direito, à custa de um engano que provocaram à Segurança Social, sabendo que causavam a esta entidade prejuízos patrimoniais equivalentes aos montantes indevidamente pagos por esta entidade a título de subsídio de desemprego, no caso no valor global de 8.231,87 € (oito mil duzentos e trinta e um euros e oitenta e sete cêntimos).
17) Agiram ambos, de forma livre, voluntária e consciente, sendo o arguido (…) por si e em nome e no interesse da sociedade arguida.
18) Tinham perfeito conhecimento de que o seu comportamento era proibido por lei.
Mais se provou:
19) Até ao momento ainda não foi reposta nos cofres do Instituto da Segurança Social a quantia indevidamente recebida pela arguida (…) acima referida.
20) O Arguido (…):
a) É empresário e contabilista, declarando uma retribuição mensal não inferior a €1000,00.
b) É divorciado e tem uma filha de 18 anos, que se encontra a estudar, estando obrigado a pagar-lhe uma pensão de alimentos no valor de €250 mensais;
c) Vive em casa arrendada, pagando de renda €160,00 mensais;
d) Como habilitações literárias possui o 12.º ano de escolaridade;
e) Do seu crc junto a fls.486 nada consta averbado.
21) A sociedade arguida:
a) Tem como objecto social a confecção de artigos de vestuário em série e comércio por grosso de vestuário e calçado;
b) Emprega cerca de 40 trabalhadores, sendo cerca de 27-28 na categoria de costureiras;
c) Do seu crc junto a fls.352 nada consta averbado.
22) A arguida (…):
a) É solteira e não tem filhos;
b) Declara auferir o salário mínimo nacional, mencionando que a sua actual categoria profissional é a de distribuidora de obra na sociedade arguida,;
c) Vive com a mãe reformada;
d) Possui o 12.º ano de escolaridade;
e) Do seu crc junto a fls.485 dos autos nada consta averbado.
Factos Não Provados
Não há, com a excepção da duração e data em que cessou a atribuição de subsídio de desemprego, nos termos melhor comunicados antes de se proceder à leitura da sentença.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, na contestação, no pedido de indemnização civil ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.».
Fundamentação da matéria de facto:
«Na sua convicção, o Tribunal teve em conta, a apreciação crítica e conjugada da totalidade da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente e antes de mais, a prova documental junta aos autos, designadamente, a certidão de fls. 04 a 63, extracto de remunerações de fls. 173 a 177, informação de fls. 196 e 197, despacho de atribuição de subsídio de desemprego de fls. 198 e 199, notificação de fls. 200 e 201, informação de fls.202-203, extracto de remunerações de fls. 248 a 253, certidão de sentença de fls. 291 a 350, certidão de matrícula da sociedade arguida de fls. 353 a 358 e de fls.475-482, 487-494, informação da Segurança Social de fls. 360 a 362, certidão de fls.428 e-440, e certificados de registo criminal de fls. 352, 485 e 486, informação de fls.495 e na restante prova, esta produzida em sede de julgamento a saber:
- no depoimento da testemunha de acusação, Idalina F., técnica da Unidade de Prestações de Subsídio de Desemprego a desempenhar funções na Seg. Social em Braga, a qual nunca contactou com os arguidos sabendo contudo da consulta do respectivo ficheiro informático atestar a data em que foi pedido o subsídio de desemprego aqui em discussão, o motivo aí indicado e com que elementos foi instruído, bem como a sua obtenção e deferimento, com indicação do respectivo montante diário e n.º de dias em que foi pago (359 dias), tendo o mencionado subsídio de desemprego sido atribuído visto formalmente a requerente reunir as condições para tal –carreira contributiva mínima que o permitia obter, tendo o pedido de subsídio de desemprego apresentado sido alicerçado em “desemprego involuntário por extinção do posto de trabalho”.
Mais esclareceu que o motivo pelo qual o respectivo pagamento cessou ficou a dever-se a comunicação ao Centro de Emprego por parte da beneficiária de obtenção de nova colocação profissional, pese embora não tenha ficado então esclarecido, como se veio a apurar, que ingressava novamente na sua anterior entidade patronal- ainda que tendo declarado uma nova categoria profissional diferente da anterior (agora distribuidora de obra, anteriormente empregada de escritório).
- no depoimento da testemunha de acusação, Carla N., jurista, a qual instaurou o presente inquérito junto da Segurança Social, a qual de forma viva , esclarecedora e que se afigurou isenta soube informar o que esteve na origem dos presentes autos.
Com efeito, soube a mesma explicar que no âmbito de outro inquérito cuja investigação decorria junto da Seg. Social (Inq. 2587/10.0TAGMR), onde, entre outros, eram também aqui investigados o arguido e a sociedade arguida, e onde se apurava uma falsa carreira contributiva tendo em vista a obtenção fraudulenta de subsídio de desemprego em relação a outra arguida, teve oportunidade de proceder à audição da aqui arguida e uns meses mais tarde à audição de algumas trabalhadoras da empresa, tendo logo aí detectado uma não correspondência entre o por aquela declarado e o por estas atestado, com efeito, as mesmas declararam na data em que foram ouvidas (e que se encontra compreendida entre o período que a arguida beneficiou de subsídio de desemprego) que a aqui arguida trabalhava na empresa como empregada de escritório e inclusive tinha transportado de carro uma delas à diligência de audição junto da Segurança Social, nos termos melhor constantes da certidão junta aos autos e para cujo teor integral se remete.
Fizeram-no então, dizemos nós, de viva memória dado que estavam a falar de factos que então se encontravam a passar e de forma genuína dado então não se terem apercebido que a técnica da Seg. Social tinha detectado a obtenção fraudulenta do subsídio de desemprego obtido pela arguida com a colaboração da sua entidade patronal, na pessoa do seu gerente.
Quanto às restantes testemunhas ouvidas, genericamente as mesmas não se afiguraram credíveis ao Tribunal tendo demonstrado um depoimento comprometido, lacónico, calculado e instruído. Comprometido desde logo atento o laço profissional que maioritariamente ainda as liga directamente ou a seus familiares à aqui sociedade arguida, lacónico e calculado porque sabendo o que aqui está em causa demonstraram apenas uma intencional vontade de afirmar e vincar que a arguida não teria sido vista na empresa durante cerca de um ano, o que sabiam ser pertinente transmitir (tónica comum a todos os depoimentos), sem contudo fazerem acompanhar tal declaração de evidências de conhecimento adicional de causa, designadamente precisar em que período essa ausência teria decorrido, o que a teria motivado (despedimento, baixa médica, apoio ao pai da arguida ou outro), bem como a razão pela qual terá alegadamente regressado para uma categoria profissional diferente mas para a mesma empresa, refugiando-se na alegação de mera relação de trabalho que não de amizade para desconhecerem mais pormenores sobre o que então se teria passado nessa alegada e avançada ausência, o que não logrou convencer o Tribunal, antes tendo o mesmo ficado convicto que o alegado despedimento comunicado para efeitos de Seg. Social não passou de uma farsa, não correspondendo à realidade, tendo sido usado como forma de burlar a Seg. Social e conduzir à atribuição da respectiva subvenção de subsídio de desemprego não devida, visto que a arguida se mantinha no seu posto de trabalho.
Assim sendo, como já acima dito, o depoimento de António I- (fiel de armazém), Idalina P. (costureira), Maria L. (ex-trabalhadora e esposa da testemunha António I.), Maria L. (costureira) e Cristina M. (costureira), Gentil M. (Apoio técnico à produção) não lograram pelas razões acima expostas convencer o Tribunal da bondade do telegraficamente pelas mesmas avançado: uma alegada ausência da arguida da empresa durante um ano, ausência esta que apresentaram de forma genericamente descontextualizada, sem mostrarem conhecimento directo do que terá originado a mesma, cujo motivo globalmente afirmaram ainda hoje desconhecer, pese embora a arguida ainda hoje actualmente trabalhe na empresa, não ignorando certamente as testemunhas o motivo da presente convocatória para julgamento e o que aqui se pretende apurar.
Aliás, atento o elemento probatório documental fortíssimo junto aos autos, constante da certidão acima identificada e respeitante à audição da arguida e suas colegas de trabalho, não lograram tais depoimentos agora prestados e que se pretendiam contrariar e desfazer o anteriormente declarado de forma genuína e espontânea, sequer gerar a dúvida razoável sobre a veracidade dos factos imputados aos arguidos, que o Tribunal considera suficientemente demonstrados.
Aliás, a testemunha Cristina M. acabou até por vir reforçar tal convicção quando, elucidativamente e não percebendo o alcance da pergunta, declarou que regressadas da Segurança Social de carro, onde foram ouvidas, a mesma e a arguida (ambas) ainda retomaram o trabalho da parte de tarde (tendo dirigido o pedido de boleia à arguida e não ao gerente seu patrão, como seria co-natural, caso aquela efectivamente já lá não laborasse).
Acresce dizer que a arguida remeteu-se ao silêncio, tendo apenas prestado declarações quanto à sua situação pessoal e o arguido (…), que inicialmente se remeteu ao silêncio e posteriormente desejou prestar declarações não logrou convencer o Tribunal quando pretendeu justificar e dar credibilidade a tal pseudo despedimento-contrariado por prova forte documental oferecida em sentido contrário- com invocadas dificuldades de pagamento de um salário de €1000,00 à arguida sua empregada de escritório, quando na empresa laboravam já cerca de 27 trabalhadoras e entretanto mais foram contratadas, fazendo ingenuamente fazer crer que apesar desta dimensão de trabalhadores apenas passa uma guia por dia e por isso deixou de precisar de empregada de escritório passando ele próprio a desempenhar tais funções: i. é. a empresa nos últimos tempos até tem crescido, o que conduziu a mais contratações o que estranhamente em vez de implicar um acréscimo de trabalho do escritório até quase o teria tornado desnecessário.
Quanto à re-contratação da arguida para de novo trabalhar na empresa, como o próprio também avançou, tal também ficou a dever-se ao facto de a Segurança Social se encontrar no encalço da arguida, averiguando-a, demonstrando até esse reingresso na firma o quão importante será a manutenção do papel da mesma naquela, que cabe legalmente justificar sem por em causa o argumento engendrado e avançado para o seu pseudo-despedimento, daí a sua alegada alteração de categoria, alteração esta que nos merece reservas, pois apesar da actual categoria declarada ser outra, na prática a mesma sempre poderá afinal continuar a desempenhar as funções de empregada de escritório, para o que revela experiência. Prestou declarações quanto à sua situação pessoal e da sociedade arguida.
Em jeito de conclusão, e como acima melhor resulta explanado, os factos dados como provados alicerçaram-se primordialmente e na sua essência, no depoimento prestado em 06-06-2012 na Seg. Social pelas testemunhas Maria L., António I., Cristina M. e Idalina P., constante da certidão junta aos autos para cujo teor integral se remete, em como (…) se encontrava a trabalhar na sociedade arguida num período em que se encontrava a beneficiar de subsídio de desemprego.».
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A impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
O recorrente impugna a decisão proferida por a mesma se ter fundamentado, contra o disposto nos arts. 355º e 356º do CPP, no “documento” constituído pela certidão junta aos autos (a fls. 4 a 63), que corporiza o teor dos depoimentos recolhidos em 06-06-2012 às testemunhas Maria L., António I., Cristina M. e Idalina P., no âmbito do inquérito nº 2587/10.0TAGMR, instaurado pela Segurança Social em data anterior à dos presentes autos, não confirmado em audiência de julgamento.
Vejamos.
Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias, pelo âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
O eventual erro (de julgamento) na apreciação da prova não se identifica nem, por regra, emerge como a errónea construção de silogismo judiciário (contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) ou qualquer outro dos vícios a que alude o art. 410º, nº 2, do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou erro notório), necessariamente resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O que significa que só assumem tal natureza os erros constatáveis pela simples leitura do teor da própria decisão da matéria de facto, como já se disse e resulta do citado normativo, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para os fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento ( Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2.ª ed., p. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 8ª Edição, pp. 73 e ss.). Apenas será de admitir a conveniência ou a cautela de, ainda assim, sindicar a fundamentação que haja sido feita sobre os factos provados e não provados, para se fazer uma avaliação correcta e poder concluir se, afinal, para um facto em aparente contradição com a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, não foi fornecida naquela fundamentação um qualquer esclarecimento que torne compreensível o julgamento efectuado: por exemplo, se um facto dado como provado (ou não provado) contraria o senso comum, ou seja, a normal e corrente compreensão e interpretação das situações da vida, só a clara explicitação do percurso trilhado para a formação da respectiva convicção e a razoabilidade desta poderão legitimar a sua aquisição processual.
Assim, apenas existe erro notório na apreciação da prova quando, de acordo com o texto da sentença, o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente ( Cfr. Germano Marques da Silva, loc. e p. cit..). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, traduzido, basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido ( Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, loc. cit., p. p. 80.) ou dar-se como não provado o que não pode ter deixado de ter acontecido. Com efeito, a jurisprudência tem considerado tais vícios apenas como os erros que, ponderados os factos provados e não provados, advêm de o tribunal ter retirado uma conclusão ilógica ou arbitrária, à margem duma análise racional ou em violação das regras de experiência comum, e que, por isso, não escapa à análise do homem médio ( Cfr. v. g., o Ac. STJ de 2/2/2011 (p. 308/08.7ECLSB.S1 - Maia Costa): «O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito».).
O vício atinente à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – que também tem que resultar do texto da decisão – só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se colher faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada ( Como assinalam os já mencionados autores Simas Santos e Leal Henriques, (ob. cit., p. 74) este vício existe quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final ou, por outras palavras, quando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito (cf. também Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 340).
Também o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena e circunstâncias relevantes para a determinação desta -, e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão (entre outros, cfr. Acs sumariados em Sumários de Acórdãos do STJ - Secções Criminais de: 4/10/2006, Proc. n.º 06P2678, em www.dgsi.pt; de 5/9/2007, Proc. n.º 2078/07; e de 14/11/2007, Proc. n.º3249/07). ). Porém, este vício também não deve ser confundido com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, enquanto questão do âmbito da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP) ( Cfr. Acs. do STJ de 7/1/2004, P. n.º 3213/03, e de 29/4/1992, P. n.º 42535.).
Identicamente, o vício da contradição insanável de fundamentação, «tal como os demais previstos nas als. a) e c), tem de resultar do texto da decisão recorrida e só se verifica quando, de acordo com um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação, não só não justifica como impõe uma decisão contrária ou, quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se concluir que a decisão não resulta suficientemente esclarecida, dada a colisão entre os fundamentos invocados» ( Ac. do STJ de 17-12-2014 (p. 937/12.4JAPRT.P1.S1 - Isabel São Marcos). No mesmo sentido, os Acs. do STJ de 14-03-2013 [(p. 1759/07.0TALRA.C1.S1 - Raul Borges): «Há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, (…) se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados»], de 11/5/1994 [(p. 045987 - Amado Gomes): «verifica-se quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou quando, segundo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a colisão entre os fundamentos invocados»] e de 12/2/1997 [(p. 047001 - Joaquim Dias): «A contradição insanável de fundamentação é um vício ao nível das premissas, determinando a formação defeituosa da conclusão; se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível, não passa de mera falácia. Este vício pode ocorrer por contradição entre factos provados, contradição entre factos provados e não provados, contradição entre factos provados e motivos de facto, contradição entre a indicação das provas e os factos provados e contradição entre a indicação das provas e os factos não provados.»].).

Ora, do texto da decisão recorrida, por si só considerado, perfila-se a existência do vício aludido na al. b) do citado art. 410º, porquanto, perscrutando o raciocínio lógico nele expresso pela Julgadora fica sem se perceber, claramente, o modo como se formou, no essencial, a convicção formulada naquela decisão, quanto ao núcleo fundamental da controvérsia verificada nos autos, ou seja, ao facto, que fundamentou a condenação, de a recorrente não se encontrar na situação de desemprego involuntário por cessação de contrato de trabalho com a sociedade arguida quando auferiu o subsídio de desemprego. Concretizando.
Por um lado, parece que essa convicção se formou, essencialmente, com base no depoimento da testemunha Carla N., técnica da Segurança Social que «instaurou o presente inquérito» e que, «de forma viva, esclarecedora e que se afigurou isenta soube informar o que esteve na origem dos presentes autos», já que a mesma terá relatado o resultado das suas percepções colhidas no âmbito de outro inquérito (nº 2587/10.0TAGMR), que decorreu junto da Seg. Social, onde se investigava «uma falsa carreira contributiva tendo em vista a obtenção fraudulenta de subsídio de desemprego em relação a outra arguida». Nessa investigação, a testemunha, segundo terá informado, «teve oportunidade de proceder à audição da aqui arguida e uns meses mais tarde à audição de algumas trabalhadoras da empresa, tendo logo aí detectado uma não correspondência entre o por aquela declarado e o por estas atestado, com efeito, as mesmas declararam na data em que foram ouvidas (e que se encontra compreendida entre o período que a arguida beneficiou de subsídio de desemprego) que a aqui arguida trabalhava na empresa como empregada de escritório e inclusive tinha transportado de carro uma delas à diligência de audição junto da Segurança Social». Acrescentou a Senhora Juíza que aquelas trabalhadoras «Fizeram-no então, dizemos nós, de viva memória dado que estavam a falar de factos que então se encontravam a passar e de forma genuína dado então não se terem apercebido que a técnica da Seg. Social tinha detectado a obtenção fraudulenta do subsídio de desemprego obtido pela arguida com a colaboração da sua entidade patronal, na pessoa do seu gerente.».
Esta leitura da motivação até parece ser sobremaneira justificada quando, na respectiva formulação, a Sra. Juíza invocou o trecho de um outro depoimento que, conjugando-se com aquele, complementaria o valor probatório do mesmo, o que fez através do seguinte registo: «Aliás, a testemunha Cristina M. acabou até por vir reforçar tal convicção quando, elucidativamente e não percebendo o alcance da pergunta, declarou que regressadas da Segurança Social de carro, onde foram ouvidas, a mesma e a arguida (ambas) ainda retomaram o trabalho da parte de tarde (tendo dirigido o pedido de boleia à arguida e não ao gerente seu patrão, como seria co-natural, caso aquela efectivamente já lá não laborasse)».
A ser assim, a referida testemunha Carla N. relatou na audiência de julgamento alguns factos de que teve conhecimento por os ouvir dizer, fora do âmbito destes autos ( O mesmo não se poderia dizer se se tratasse de declarações tomadas pela testemunha no desempenho das suas funções (administrativas) no âmbito deste processo, como se concluiu no Ac da RL de 13.03.13 (33/01.0GBCLD.L1 - Carlos Almeida): «As testemunhas que, no desempenho de funções administrativas, tiverem tomado declarações a outras pessoas que não possam ser lidas na audiência, não poderão nela depor sobre o seu conteúdo. É o que resulta, por identidade ou maioria de razão, do disposto no artigo 356.º, n.º 7, e 357.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Trata-se de um tema proibido de prova, modalidade das proibições de prova, e não de qualquer impedimento das testemunhas.».), a outras pessoas – as ditas trabalhadoras e testemunhas Maria L., António I., Cristina M. e Idalina P. – que foram todas também ouvidas na audiência. Nessa medida, sendo indirecto, o depoimento da testemunha Carla N. poderia servir como meio de prova, submetido à livre apreciação da Julgadora, no conjunto de todas as provas cuja valoração não se mostrasse proibida ( Cfr. Ac. do STJ de 11-06-2014 (p. 14/07.0TRLSB.S1 - Raul Borges): «Por doutrina das proibições de prova compreende-se a doutrina das proibições de investigação de determinados factos relevantes para o objecto do processo, bem como das proibições de levar determinados factos ao objecto da sentença e, finalmente, das consequências processuais da violação daquelas proibições, sendo hoje generalizadamente aceite a distinção formal entre as proibições de produção de prova (limitação já ao nível dos próprios factos a investigar) e proibições de valoração de prova (impedindo que determinados factos sejam objecto da sentença)».), designadamente o referenciado excerto do depoimento da testemunha Cristina L.. Com efeito, a letra da norma do art. 129º nº 1 do CPP é clara no sentido de que só se o juiz não chamar a depor a pessoa a quem a testemunha “ouviu dizer” é que «o depoimento produzido não pode (…) servir como meio de prova…».
Mas, por outro lado e bem ao invés, consta da analisada motivação, «em jeito de conclusão», que «os factos dados como provados alicerçaram-se primordialmente e na sua essência, no depoimento prestado em 06-06-2012 na Seg. Social pelas testemunhas mencionadas Maria L., António I., Cristina M. e Idalina P., constante da certidão junta aos autos para cujo teor integral se remete, em como (…) se encontrava a trabalhar na sociedade arguida num período em que se encontrava a beneficiar de subsídio de desemprego». Do teor literal desta afirmação até parece extrair-se, de uma forma, aliás, bem vincada, que a convicção da Senhora Juíza, afinal, se fundou, primacialmente, nos depoimentos extractados no “documento” constituído pela aludida certidão, ilação cuja intensidade se avoluma ao considerarmos a seguinte (anterior) passagem da mesma motivação: «atento o elemento probatório documental fortíssimo junto aos autos, constante da certidão acima identificada e respeitante à audição da arguida e suas colegas de trabalho, não lograram tais depoimentos agora prestados e que se pretendiam contrariar e desfazer o anteriormente declarado de forma genuína e espontânea, sequer gerar a dúvida razoável sobre a veracidade dos factos imputados aos arguidos, que o Tribunal considera suficientemente demonstrados.
Tem sido jurisprudência constante do nosso mais Alto Tribunal que os documentos juntos aos autos são provas de cujo conteúdo as partes têm conhecimento e que se consideram produzidas em audiência e submetidas ao contraditório, sem necessidade de serem lidas para valerem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal (cfr. art. 355º do CPP). Todavia, bem vistas as coisas, a mencionada certidão, para o efeito que ora nos ocupa, não pode ser adquirida como “documento”, no sentido de um «objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto» (art. 362º do CC), antes encerra depoimentos testemunhais que, como quaisquer outras provas, nos termos do citado art. 355º, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, se não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvadas as provas contidas em actos do processo cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos 356º e 357º do CPP, sendo certo que tais depoimentos não se enquadram em qualquer das previsões destas normas.
Em todo o caso, parece ser insustentável que se possa valorizar tais declarações, cujo teor nem sequer foi examinado em audiência – ou assim se terá de entender porque na respectiva acta nada se diz –, constantes, supostamente, do designado “documento”, porque essa valoração equivaleria a permitir que entrasse pela “janela” o que o legislador não quer que entre pela “porta”.
Foi o que bem se sintetizou no Ac. deste Tribunal de 31-05-2010 ( P. 670/07PBGMR.G1 - Cruz Bucho). V. os Acs., também, deste Tribunal de 6-03-2008, CJ, 2º-298 e de 08-04-2013 (p. 168/04.7TAGMR.G3 - Lee Ferreira).): «Se a prova é proibida, o juiz deve ignorá-la. Ressalvado o caso previsto no n.º4 do art. 126.º do CPP, a prova proibida não pode ser aproveitada ou utilizada para qualquer outro fim processual: é como se não existisse». Para tanto, foi aduzida nessa decisão uma fundamentação em que se salientam os seguintes excertos:
«(…) Num processo de estrutura acusatória, como é o português (artigo 32º, n.º4 da Constituição da República), “a audiência de julgamento, e em especial a produção de prova, assume o lugar central no processo penal. A produção da prova, que deva servir para fundar a convicção do legislador, tem de ser a realizada na audiência e segundo os princípios naturais de um processo de estrutura acusatória: os princípios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção dessa prova. Não é, de resto, outra a solução que está prevista no artigo 355º” (Damião da Cunha, O Regime Processual de Leitura de Declarações, cit., pág. 405).
(…) E, no entanto, aquelas declarações fundamentaram a convicção do tribunal.
Não está em causa a simples nulidade prevista no n.º 9 do citado artigo 356º cominada para a permissão de uma leitura e sua justificação legal.
No caso em apreço o vício é bem mais forte: aquelas declarações “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito da formação da convicção do tribunal”
Ocorreu, por conseguinte, flagrante violação do artigo 355º, n.º 1 do CPP respeitante à proibição de valoração de provas.».

Assim sendo, no caso vertente, o Tribunal formou a sua convicção com base, se não «primordialmente e na sua essência», pelo menos, também nas ditas declarações não produzidas ou examinadas em audiência, como ressalta dos averbados excertos da motivação da decisão da matéria de facto.
A consequência da violação do princípio da imediação e do seu regime constante dos artigos 355º a 357º, do CPP, consiste fundamentalmente na inutilização da prova afectada pelo seu desrespeito que, por isso, não pode ser invocada nem pode valer para o efeito da formação da convicção.
«Perante a verificação de algum vício decisório, o julgador pode fazer uma de duas coisas: ou não tem elementos disponíveis, como será a regra, e reenvia o processo para julgamento, ou decide da causa, se estiver de posse dos elementos necessários e imprescindíveis à nova solução, dando uma nova versão ao conjunto dos factos provados e não provados, se for caso disso» ( Ac. do STJ de 11-06-2014 (p. 14/07.0TRLSB.S1 - Raul Borges).).
Verificando-se o apontado vício que redunda na contradição insanável da fundamentação da decisão, o mesmo afecta não só a sentença – fica-se sem se perceber o verdadeiro sentido da motivação da decisão recorrida, não podendo, por isso, sindicar-se nem ser corrigido pelo tribunal de recurso – tal obriga ao reenvio do processo para novo julgamento restrito ao suprimento do vício e actos subsequentes por ele afectados (cfr. art. 426º do CPP).
Assim, uma vez que na economia da sentença recorrida, os questionados depoimentos testemunhais constituíram elementos probatórios que o Tribunal analisou e ponderou em conjunto com outros, designadamente com as declarações da já referenciada testemunha Carla Nascimento e com outro elementos, sem que se saiba quais foram os determinantes para a motivação, «não é possível autonomizar ou “expurgar” pura e simplesmente a prova proibida. Apesar de todo o tempo já decorrido e dos transtornos que esta opção naturalmente impõe, torna-se agora imprescindível a realização de uma nova audiência de julgamento, que deverá ser repetida desde o início, após o que deverá ser proferida uma nova sentença.» ( Citado Ac. deste Tribunal de 08-04-2013.).
Nessa restrita medida, assiste, pois razão à recorrente, ficando prejudicada a apreciação de todas as demais questões suscitadas.
*
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, julgando-se o recurso parcialmente procedente nos indicados termos, decide-se anular a audiência de julgamento e a sentença recorrida e proceder ao reenvio do processo para a realização de uma nova audiência de julgamento e a prolação de uma nova sentença pelo Tribunal de primeira instância.
Sem tributação.
Guimarães, 21/11/2016

Ausenda Gonçalves

Fátima Furtado