Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2352/21.0T8VCT-A.G1
Relator: JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Descritores: PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
PROVA PERICIAL INTEMPESTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O princípio do inquisitório não se sobrepõe nem anula os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes; antes tem de ser compaginado e compatibilizado com eles.
II - Assim, quando uma parte, fora do momento processual próprio, “sugere” uma determinada diligência de prova, o tribunal só deve ordenar a sua realização (actuando o principio do inquisitório), se, independentemente da vontade da parte e face à instrução da causa, concluir, com segurança e objectividade, que a mesma é necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos que lhe é licito conhecer, ou seja, quando concluir que a diligência é indispensável, imprescindível para estabelecer ou infirmar a realidade do facto carecido de prova.
II - A prova pericial tem como finalidade demonstrar ou não, através da percepção e apreciação de factos carecidos de prova, por quem tem conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, a realidade ou irrealidade de tais factos, ou seja, tem-se em vista responder a questões concretas e não especular.
Decisão Texto Integral:
Recorrente: AA
Recorrido: BB e CC
*

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

AA intentou acção declarativa com processo comum contra BB e CC, pedindo que seja anulado o testamento lavrado a .../.../2006, através do qual DD “(…) institui únicos herdeiros da quota disponível em comum os sobrinhos BB e CC (…)”.

Alegou para tanto, em síntese e no que releva à economia do presente recurso, que a .../.../2019 faleceu DD, no estado de casado com a Autora, sem descendentes, nem ascendentes, tendo o mesmo deixado o testamento já referido; à data do testamento o testador sofria de doença que o incapacitava de entender e de querer o sentido da declaração testamentária; no arco temporal que decorreu entre o ano de 2002 e a data do óbito – 2019 -, o quadro claramente sugestivo, de uma patologia neurológica – doença de PICK - com expressão psiquiátrica que se foi agravando com o passar dos anos; o diagnóstico definitivo - doença de PICK -, que apenas foi possível em 2016, demonstra, atentas as características da doença e os seus sintomas, que, na data da realização do referido testamento, DD já não possuía a capacidade de entender e querer, pressuposto para a realização de testamento válido.

Juntou documentos e indicou testemunhas.

Os RR. contestaram.

A 30/11/2021 realizou-se audiência prévia, constando da respectiva Ata (único elemento a que cumpre atender) que “Declarada aberta a diligência com as formalidades legais, pelas Exmas. Mandatárias foi prescindida a gravação da presente audiência, sendo documentados na presente acta os requerimentos e respectivas respostas, despachos e decisões que venham a ocorrer (cfr. artigos 591º, nº 4 e 155º, nº 7, ambos do Código de Processo Civil).”

Consta ainda da mesma Ata:
“ O objeto do processo assenta em aferir se é de anular o testamento celebrado em 17/03/2006, pelo facto de o testador não possuir capacidade de entender e querer.
*
Os temas da prova são os seguintes:
1. Entre 2002 e 2019 o falecido era portador de patologia neurológica que se foi agravando ao longo dos anos.
2. O falecido não teve em momento algum consciência de que o documento que assinou era um testamento.
3. Na data da realização do testamento, o testador não possuía capacidade de
entender e querer.
4. A relação do falecido com as irmãs e os sobrinhos era praticamente inexistente.
*
Prova:
Concedida a palavra à Exma. Mandatária da autora, pela mesma foi dito que pretende alterar o requerimento probatório apresentado com a petição inicial, retirando as testemunhas (…) requerendo a substituição pelas seguintes testemunhas: (…)
*
Pela Ilustre Mandatária dos réus foi dito que reitera o seu requerimento probatório junto aos autos com a contestação.
*
Seguidamente, a Mmª Juíza proferiu o seguinte:
DESPACHO
Por legal e tempestivo, admite-se o rol de testemunhas apresentado pela autora com a sua petição inicial, bem como a substituição agora realizada.
*
Admite-se a junção aos autos dos documentos de fls. 3 e seguintes por se afigurarem uteis à justa decisão da causa.
*
A autora prestará depoimento de parte à matéria indicada na contestação, a fls. 44, ao abrigo do disposto no artº. 452º do CPC.
*
Por legal e tempestivo, admite-se o rol de testemunhas apresentado pelos réus na sua contestação, a fls. 44 e 44 verso dos autos.
*
Admite-se a junção aos autos dos documentos de fls. 45 e seguintes, bem como os juntos a fls. 80 e seguintes.
*
Para realização da audiência de julgamento, designam-se:
(…)”

Estando a audiência de julgamento em curso, a 07/06/2022 a A. apresentou nos autos um requerimento que terminou nos seguintes termos:

“Em conformidade, por se afigurar determinante para a boa decisão da causa municiar o tribunal de conhecimentos técnicos especiais que este não possui, se requer a V. Exa. que determine a realização de perícia médica, designadamente nos termos dos artigos 467º, n.º 3 e 4 e 468º do CPC, a efetuar através do colégio da especialidade de Neurologia da Ordem do Médicos - ..., que deverá responder às seguintes questões:

1- Quais são as manifestações de entre os sintomas iniciais da doença de PICK/ Síndrome Fronto-temporal?
2- De entre os sintomas da doença referida no ponto anterior podem ou não constar os seguintes: Significativa labilidade emocional; agressividade interpessoal (verbal e física), designadamente em ambiente familiar e social; perda de valores designadamente no que ao decoro, princípios de educação, impulsividade, diz respeito?
3- Ainda no âmbito desta doença e em fase inicial da mesma nestes doentes os sintomas são habitualmente identificados como sendo sintomas de doença psiquiátrica?
4- Face a um diagnóstico definitivo da referida doença de PICK/ Síndrome Fronto-temporal pode afirmar-se que a doença em causa teve uma evolução prolongada no tempo?
5- Em termos do atual estado da arte quanto tempo pode mediar entre o diagnóstico definitivo e o início da doença?
6- Considerando, face à resposta do quesito anterior, o início da doença, comportamentos tais como alterações ao nível da consciência que interfiram com a capacidade de entender e querer, adequação da consciência com a realidade, efabulação com largo espectro da vida pessoal e profissional, transmitindo com forte convicção aspetos relevantes atribuindo-lhes uma veracidade sem aderência à realidade, obtendo das relações estabelecidas convicção da conformidade do seu discurso, são compatíveis com a referida doença?
7- Considerando o definitivo diagnóstico da doença de PICK/ Síndrome Fronto-temporal, e de acordo com a formação intelectual de um doente com formação superior o teste MMSE (Mini mental state examination) é minimamente adequado para apurar o seu estado?
8- Considerando o MOCA (Montreal Cognitive Assessment) e comparando com o teste anterior qual o mais adequado no sentido de obter respostas/ rastreio cognitivo a um doente com formação superior?
9- O diagnóstico da doença em estado avançado impõe / exige ou não uma bateria de exames designadamente RM cerebral; análises, punção lombar, electroencefalograma, entre outros?
10-Um RM com padrão de atrofia frontal e temporal é compatível e favorece o diagnóstico da doença em fase inicial? E se não, a que meios de diagnóstico seria necessário recorrer para proceder ao diagnóstico “precoce”? E, considerando a possibilidade de um eventual diagnóstico precoce a doença é reversível?
11-Em consequência da evolução progressiva da doença é possível identificar nos doentes uma também progressiva deterioração de outras áreas cerebrais, com afetação da memória, com implicações da orientação no espaço e no tempo, efeitos colaterais ao nível do exercício de atos da vida corrente, designadamente com inusitada frequência de acidentes de viação, sem consciência e assunção de responsabilidade?
12-Considerando a resposta aos quesitos 1 a 6, é possível concluir que um doente diagnosticado com doença de Pick em 2016, poderia encontrar-se em 2006, com as suas faculdades mentais intactas de molde a poder entender e decidir, ou tais capacidades podem estar já deterioradas impedindo-o de agir com normalidade e consequentemente praticar atos com uma vontade esclarecida e não condicionada?

Os RR. pronunciaram dizendo que “deve indeferir-se a perícia por extemporânea, irrelevante e impertinente”.

A 15/06/2022 foi proferido o seguinte despacho:
“A Autora veio requerer a realização de perícia médica a efetuar através do colégio da especialidade de Neurologia da Ordem do Médicos - ..., que deveria responder aos quesitos por si indicados.
A Autora vem requerer que seja realizada uma perícia médica, nos termos dos artigos 467º, nºs 3 e 4 e 468º do CPC, estando os autos na fase das alegações orais (artigos 604º, nºs 5 e 6 do CPC), por estar finda a produção de prova.
Para fundamentar o peticionado, a Autora refere que, “… na sessão de audiência de julgamento que teve lugar no pretérito dia 23 de Maio de 2022 foi inquirida a última das testemunhas arroladas e não prescindidas dos RR., EE. O seu depoimento confirma que esteve presente em conjunto com a sua filha e ré, CC, numa consulta de neurologia com a Dra. FF para o seu irmão DD, em .../.../2016, onde o diagnóstico da doença do falecido DD foi abordada. O documento junto aos autos com a PI, sob o doc. n.º ...0 – extracto do ficheiro clínico do doente constante do SAM (sistema de apoio ao Médico) retirado do acesso hptt://svproclinico.cham.min-saude.pt/pls/sam SAM consultas? Episódio=...04 com acesso em 02.11.2019, constante de duas folhas, evidencia a data de 30.09.2016, 10:40, e na segunda folha sobre a epígrafe DIAGNÓSTICOS refere: data - 30.06.2016, diagnóstico principal -Doença de PICK, médico – FF”.
Ora, este documento, datado de 2019, resulta de uma consulta de um processo clínico levada a cabo pela Autora, que é médica de profissão. De referir que não foi junto aos autos qualquer relatório, exame ou diagnóstico da doença invocada.
Também é preciso ter em conta que o pedido de consulta de neurologia em causa foi subscrito pela Autora e contém declarações da mesma.
O documento supra-referido (de 2019) não é contemporâneo do testamento que está em causa nos autos (de 2006).
Apesar de a Autora fazer, convenientemente, referência ao depoimento da última testemunha inquirida, o certo é que o pedido agora dirigido ao Tribunal há muito poderia ter sido feito. A Autora vem lançar mão de um documento que juntou com a sua petição inicial, desde sempre sabendo aquilo que deveria provar para ver triunfar a sua tese.
Por outro lado, a Autora lança mão do princípio do inquisitório, dizendo que: “De acordo com o princípio do inquisitório, plenamente em vigor após o início de vigência da lei 41 / 2013, o juiz tem a iniciativa da prova podendo realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade. (AC. TRG de 20-03-2018 entre outros)”.
Sempre se dirá, a respeito do Acórdão acima enunciado, que o sumário do mesmo, em toda a sua extensão, diz o seguinte:
“1- De acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.
2- Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir.
3- Neste contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia” (Ac. RG, de 20/03/2018, Relator: João Diogo Rodrigues, Processo nº 14/15.6T8VRL-C.G1, in www.dgsi.pt).
O testamento público é um documento autêntico que faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade que o redigiu e dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora sendo que esta força probatória apenas pode ser ilidida com base na sua falsidade, mas não invalida que se possa provar que o testador não exprimiu claramente a sua vontade, que estivesse acidentalmente incapaz de entender ou querer ou que a sua vontade não fosse livre.
O art. 2199º CC que refere a Autora na sua p.i. dispõe que: “É anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória”.
Este preceito contém uma regra específica das disposições testamentárias e “refere-se à incapacidade (tomada a expressão no sentido rigoroso de falta de aptidão natural) para entender o sentido da declaração ou da falta do livre exercício do poder de dispor mortis causa dos próprios bens, por qualquer causa verificada no momento em que a disposição é lavrada. A disposição legal refere-se expressamente ao carácter transitório que pode ter a falta de discernimento ou do livre exercício da vontade de dispor, por parte do testador, para significar que o vício contemplado nesta norma é a deficiência psicológica que comprovadamente se verifica no preciso momento em que a disposição é lavrada.” (P. Lima e A. GG, ob cit., p. 323).
Como refere Jorge Duarte Pinheiro, in O Direito das Sucessões Contemporâneo, Lisboa, 2013, p. 129: “A previsão deste art. 2199º cobre, além de situações transitórias de incapacidade (devidas, por ex., ao consumo de álcool ou de estupefacientes), situações permanentes de incapacidade (v.g., demência notória que não tenha ainda sido judicialmente declarada e até estados que tenham levado a que fosse decretada ou a inabilitação ou a interdição por fundamento distinto de anomalia psíquica)”. No que concerne a ausência de exercício livre da vontade, esta pode resultar de doença, de temor reverencial ou de circunstâncias externas que não constituam coacção, mas que retirem o livre exercício da vontade do testador (neste sentido vide Rabindranath Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, vol. I, p. 185).
Contrariamente à regra geral referente à incapacidade acidental prevista no art. 237º, o art. 2199º não exige a notoriedade ou conhecimento por outrem daquele estado.
No caso sub judice, a Autora tem assim de provar que, no momento da outorga do testamento (art. 2191º), o testador se encontrava incapaz de entender o sentido de tal declaração ou que a sua vontade não foi livre.
A Autora deveria ter requerido a realização da perícia, no momento próprio (arts. 572º al. d), 598º nº 1 do CPC), se a considerava como prova necessária à demonstração da sua alegação.

Face ao exposto, decide-se indeferir a requerida perícia por extemporânea e irrelevante para a justa decisão da causa. “

Interpôs a A. recurso do referido despacho, pedindo seja o mesmo revogado e substituído por outro que ordene a realização da perícia requerida, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª CONCLUSÃO
Vem o presente recurso, do douto despacho com a referência citius ...22 de 15.06.2022, da MMª Juiz a quo, que, face ao requerimento da Autora com a referência citius ...21 de 07.06.2022, “(…) decide-se indeferir a requerida perícia por extemporânea e irrelevante para a justa decisão da causa (…)”,
2ª CONCLUSÃO
No presente processo discute-se, nos termos do pedido formulado pala Autora na sua PI: “(…) Ser anulado o testamento lavrado em .../.../2006, no Cartório Notarial ..., em ..., através do qual DD “(…) institui únicos herdeiros da quota disponível em comum os sobrinhos BB e CC (…)”, nos termos aí referidos. (…)”.
3ª CONCLUSÃO
Na Audiência Prévia ficou fixado como objeto do processo:“(…) aferir se é de anular o testamento celebrado em 17/03/2006, pelo facto de o testador não possuir capacidade de entender e querer.
(…)”. Tendo sido determinados os seguintes os temas de prova:
“1. Entre 2002 e 2019 o falecido era portador de patologia neurológica que se foi agravando ao longo dos anos.
2. O falecido não teve em momento alguma consciência de que o documento que assinou era um testamento.
3. Na data da realização do testamento, o testador não possuía capacidade de entender e querer.
4. A relação do falecido com as irmãs e os sobrinhos era praticamente inexistente.”
4ª CONCLUSÃO
Finda a produção de prova testemunhal, mostrou -se totalmente indispensável para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, a realização de perícia médico legal nos termos do conteúdo do requerimento com a referência citius ...21 de 07.06.2022 que a Autora introduziu nos autos:
“(…)1 - Na sessão de audiência de julgamento que teve lugar no pretérito dia 23 de Maio de 2022 foi inquirida a última das testemunhas arroladas e não prescindidas dos RR., EE.
2 - O seu depoimento confirma que esteve presente em conjunto com a sua filha e ré, CC, numa consulta de neurologia com a Dra. FF para o seu irmão DD, em .../.../2016, onde o diagnóstico da doença do falecido DD foi abordada.
3 - O documento junto aos autos com a PI, sob o doc. n.º ...0 - extracto do ficheiro clínico do doente constante do SAM (sistema de apoio ao Médico) retirado do acesso hptt://svproclinico.cham.min-saude.pt/pls/sam SAM consultas? Episódio=...04 com acesso em 02.11.2019, constante de duas folhas, evidencia a data de 30.09.2016, 10:40, e na segunda folha sobre a epígrafe DIAGNÓSTICOS refere: data - 30.06.2016, diagnóstico principal -Doença de PICK, médico - FF. (…)”
5ª CONCLUSÃO
Em consequência de ter ficado claro, durante as sessões de audiência de julgamento a existência de dúvidas quanto às caraterísticas específicas da alegada doença do testador e, designadamente nos termos dos quesitos formulados no requerimento a que se alude, a extensão, circunstâncias e relação de causalidade temporal -, tornou-se determinante que se apurasse, através de peritagem técnica especializada, tudo quanto a propósito de tal doença pudesse vir a ser esclarecido através da resposta aos referidos quesitos.
6ª CONCLUSÃO
Encontra-se alegada nos autos doença neuro-degenerativa do testador, cujos efeitos se estendem desde o momento temporal do diagnóstico até às suas primeiras manifestações 10 /15 anos antes, sendo certo que de entre os sintomas da doença constam significativa labilidade emocional; agressividade interpessoal (verbal e física), designadamente em ambiente familiar e social; perda de valores, designadamente no que ao decoro, princípios de educação, impulsividade, que resulta demonstrado nomeadamente através do documento junto sob o nº 6 (declaração médica do psiquiatra Dr. HH) e depoimento do mesmo Dr. HH, através da qual se refere que o testador, Dr. DD, já em 2005 era portador de distúrbios psiquiátricos, chegando mesmo a evidenciar surtos psicóticos / psicoses reativas breves, tendo classificado o Dr. DD como doente difícil, reativo à medicação, “um caso muito difícil”!
7ª CONCLUSÃO
O tribunal deveria ter oficiosamente, determinado a realização da perícia técnica, uma vez que, estamos perante uma questão cuja resposta interfere na decisão da presente demanda e que se revela de particular complexidade por exigir conhecimentos técnicos, que não se encontram à disposição das partes; dificilmente a prova testemunhal é suficientemente fidedigna tecnicamente para responder de forma clara; e não possui, o tribunal, conhecimentos que permitam, ao nível do ius decidendi asseverar, de forma inequívoca, qual o impacto da tal patologia; a partir de  tempos / datas é possível determinar que os sintomas manifestados são expressão da referida patologia; e entre outras questões se a mesma pode interferir com a capacidade de querer e entender muito tempo antes do seu efetivo diagnóstico.
8ª CONCLUSÃO
Não tendo ocorrido a determinação da perícia, por iniciativa do Tribunal, como se impunha, a Autora entendeu introduzir nos autos o requerimento que mereceu o despacho da MMª Juiz, de que ora se recorre.
9ª CONCLUSÃO
O Tribunal uma vez carreados para os autos os factos essenciais estruturantes do pedido, pelas partes, está vinculado a tudo fazer, no contexto da causa, para que os factos que assumam cariz meramente instrumental, complementar ou concretizador possam ser obtidos e trabalhados no contexto probatório onde se inserem, sem outras limitações, no sentido do verdadeiro conhecimento de toda a matéria que lhe está submetida para apreciação, e suprir, com a máxima certeza, obtível em razão do estado de evolução da ciência, (estado da arte) todas as questões que se situem no âmbito de saberes cuja complexidade exige o escrutínio técnico.
10ª CONCLUSÃO
Resulta das conclusões anteriores que estamos, face a um poder vinculado (artigo 5º nº 1 e alíneas a) e b) do nº 2 do CPC), longe dos tempos em que os tribunais se subordinavam em exclusivo ao brocado latino “da mihi dabu tibi yus”, que impõe que a prova pericial só possa ser dispensada quando a perceção ou apreciação de factos que exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui, esteja completa e seguramente ao seu alcance, (AC TRG de 5-12.2019, ponto IV do sumário), o que salvo melhor e mais douta opinião se não verifica, in casu. (AC. TRG de 20-03-2018) entre outros.
11ª CONCLUSÃO
Não obstante tudo quanto vem de referir-se, o Tribunal decidiu indeferir a requerida perícia por extemporânea e irrelevante para a justa decisão da causa.
12ª CONCLUSÃO
Refere-se no despacho posto em crise “(…) No que concerne a ausência de exercício livre da vontade, esta pode resultar de doença, de temor reverencial ou de circunstâncias externas que não constituam coação, mas que retirem o livre exercício da vontade do testador (neste sentido vide Rabindranath Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, vol. I, p. 185). (…)”.
13ª CONCLUSÃO
A perícia requerida é indispensável para a sustentação e transparência da decisão judicial, tanto mais que estamos perante o pedido de anulação do ato testamentário, que foi testemunhado pela advogada dos Réus, que assume agora o seu patrocínio nos presentes autos.
14ª CONCLUSÃO
Tal circunstância, atenta a invocada doença de que o testador seria já portador, pode por si só constituir factualidade subsumível ao supracitado pela Mm Juiz a quo, “temor reverencial” e/ ou de “circunstâncias externas”, retirando-lhe o livre exercício da vontade de testar.
15ª CONCLUSÃO
Não poderiam ter sido invocados em prole do indeferimento requerimento em causa no presente recurso, questões de natureza meramente formal, e nomeadamente a sua extemporaneidade e irrelevância, - que aliás não se encontra minimamente fundamentada -, arredias não só do espírito deste código, como e sobretudo, tal posição coloca em causa o direito à prova constitucionalmente reconhecido no artigo 20º da CRP, e afasta definitivamente os Tribunais do seu papel determinante que é efetivar a justiça material, segundo um processo justo e equitativo, que visa assegurar às partes a tutela jurisdicional efetiva e não um seu simulacro, não permitindo que o fantasma do defunto princípio do dispositivo assombre a sua função.
16ª CONCLUSÃO
Foi omitido pelo Tribunal a quo o dever a que está vinculado, quanto à prova, bem assim como, e do mesmo modo, o despacho de indeferimento colocado ora em crise, sofre de ausência de sustento quando considera extemporânea e irrelevante a prova pericial requerida.
17ª CONCLUSÃO
Encontra-se o douto despacho ora recorrido ferido de ilegalidade por violação dos artigos 20º da e 202º da CRP, artigos5º nº 1 e alíneas a) e b) do nº 2, artigo 411º, 467º e seguintes todos do CPC.

Contra alegaram os RR., pugnando pela confirmação do despacho recorrido, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões

1ª- A autora/recorrente apresentou a sua pretensão em juízo sem estar munida de um exame, um relatório ou sequer um diagnóstico comprovativo de que o falecido DD na data em que lavrou o testamento - .../.../2006 - não possuía a capacidade de entender e querer, pressuposto para a realização de testamento válido, nos termos da lei.
2ª Fê-lo indicando, no articulado inicial, os meios de prova (documental – 12 documentos) e testemunhal (11 testemunhas) que entendeu e que alterou na audiência prévia.
3ª O requerimento referência Citius ...21, de 07.06.2022, subjacente ao despacho recorrido, foi apresentado finda a produção da prova documental e testemunhal, toda a que a autora e os réus entenderam apresentar, estando já agendada data para alegações orais.
4ª No requerimento refere documento, datado de 2019, junto com a petição inicial, e que resulta de uma consulta de um processo clínico levada a cabo pela própria Autora, que é médica de profissão, e que não é contemporâneo do testamento que está em causa nos autos (de 2006).
5ª Ainda assim, e para contornar a sua inércia, invoca o princípio do inquisitório para pedir que o Tribunal ex officio determine a realização de uma perícia médica…
6ª Parafraseando douto acórdão referido no corpo desta alegação, o princípio do inquisitório tem necessariamente de ser conjugado com outros ditames, designadamente com o da autorresponsabilidade das partes. Se a parte podia ter requerido, com toda a largueza e possibilidade, certa diligência probatória e não o fez, sibi imputet.
7ª Acresce que a diligência requerida em momento processualmente inadequado não se mostra nem necessária nem útil ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
8ª Mais não sendo do que uma forma de a autora/recorrente poder contornar a preclusão processual resultante da sua inércia processual.

2. Questões a decidir

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

A questão que cabe decidir é se o tribunal recorrido devia, ao abrigo do princípio do inquisitório, ter ordenado a realização da perícia requerida.

3. Fundamentação de facto
   
As incidências fácticas relevantes para a decisão são as indicadas no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas.

4. Fundamentação de direito
4.1. Enquadramento jurídico – principio do inquisitório

O art.º 411º do CPC, com a impressiva epígrafe de “Principio do inquisitório”, estabelece que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio quanto aos factos de que lhe é licito conhecer.

Esta norma corresponde ao n.º 3 do art.º 265º n.º 3 do CPC na redacção do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.

No CPC de 1961 o poder inquisitório do juiz estava consagrado no n.º 3 do art.º 264º do CPC, que tinha o seguinte teor:
“O juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe é licito conhecer.”

A substituição da expressão o “juiz tem o poder de” pela expressão incumbe ao juiz“, evidencia uma mudança de paradigma: ali estávamos perante um poder discricionário; agora – desde 1995 - estamos perante um poder-dever.

A expressão “diligências necessárias” constitui um conceito indeterminado a preencher em função do caso concreto.

Como refere no Ac. da RP de 04/06/2013, processo 490/10.3TYVNG-O.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp “ Só em concreto, isto é, nas concretas circunstâncias da actividade instrutória desenvolvida conforme tempestivamente proposto pelas partes, é que o tribunal poderá considerar a necessidade de outros meios de prova, que se revelem necessários "ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio". E isso, poderá até acontecer no decurso da audiência de julgamento, ou até antes, se, na situação concreta, o tribunal entender antecipadamente ser essencial á realização desses objectivos a produção de qualquer meio de prova que as partes não requereram.”

Mas existem alguns elementos por que o juiz se deve guiar.

“Diligências necessárias“ são as indispensáveis, imprescindíveis, para estabelecer ou infirmar a realidade do facto carecido de prova.

Inerente à necessidade está a idoneidade, ou seja, há-de tratar-se de um meio de prova adequado, apropriado para provar ou infirmar o facto carecido de prova.

Por outro lado, o conceito de “diligências necessárias“ é funcionalmente orientado por dois referenciais prospectivos: o apuramento da verdade e a justa composição do litigio, ou seja, ao juiz apenas caberá ordenar as diligências que sejam funcionalmente orientadas ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio.

Finalmente, trata-se de um poder-dever que conhece um limite inultrapassável: só pode ter em vista os factos alegados carecidos de prova ou de que o tribunal deva conhecer oficiosamente.

Este poder-dever manifesta-se na requisição de documentos (art. 436.º do CPC), na determinação do depoimento de parte (art. 452.º do CPC), no ordenar de perícia (art.ºs 467º n.º 1, 477º e, no que respeita à segunda perícia, o 487º n.º 2, todos do CPC), na realização de inspecção judicial (art. 490.º do CPC), na determinação de verificação não judicial qualificada (art. 494.º do CPC), na inquirição de testemunha no local da questão (art. 501.º do CPC), ou na inquirição oficiosa de testemunhas (art. 526.º do CPC).

Mas este principio “coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que seja de imputar a alguma das partes, designadamente quanto esteja em causa a apresentação de meios de prova (cfr RC 12-3-19, 141/16)” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 503, com sublinhado nosso)

Ou seja: o principio do inquisitório não se sobrepõe nem anula os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes; antes tem de ser compaginado e compatibilizado com eles.

Neste sentido se afirma no Ac. desta RG de 10/07/2019, processo 68/12.7TBCMN-C.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg que:
“O disposto no artigo 411º do CPC não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual, competindo às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias.
Em suma, o exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e o da preclusão, importando este que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os atos dentro de determinados prazos perentórios.”

E também o Ac. desta RG de 05/11/2020, processo 1228/18.2T8PTL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg:
Note-se que o princípio do inquisitório, apesar de consubstanciar um poder/dever que impende sobre o tribunal em sede instrutória, não configura a concessão de um direito substantivo de natureza processual que seja conferido às partes e a que o tribunal tenha de corresponder, uma vez que o cumprimento desse poder/dever tem de ser avaliado, delimitado e aplicado tendo em consideração os restantes princípios que continuam vigorantes no CPC, como sejam os princípios do dispositivo, da autorresponsabilidade e da igualdade das partes e da preclusão dos direitos processuais, sem esquecer o dever da imparcialidade do juiz, princípios esses aos quais o juiz vê também a sua atividade subordinada e que, por isso, também tem de dar cabal cumprimento, pelo que o cumprimento do princípio do inquisitório tem de ser necessariamente conjugado com aqueles outros princípios norteadores da lei processual civil.

O principio do dispositivo traduz, não apenas a liberdade de decisão sobre a instauração do processo, a conformação do objecto – causa de pedir e pedido – das partes, e o termo do processo, mas também a liberdade para, dentro dos condicionalismos legais, desde logo nos momentos estipulados na lei de processo, as partes apresentarem ou requererem as provas que tiverem por pertinentes e adequadas à demonstração do direito ou do facto impeditivo, modificativo ou extintivo, sob pena de verem precludido esse direito.

Nesta última perspectiva, essa liberdade traduz o exercício do direito à prova, corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20.º da CRP, “direito fundamental à prova [que] implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais” (Ac. da RC, de 21.04.2015, processo n.º 124/14.1TBFND-A.C1, in www.dgsi.pt/jtrc).

Constitui regra geral de direito civil que àquele “que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” (n.º 1 do art.º 342º) e a “prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.” (n.º 2 do normativo citado)

Assim, a iniciativa da prova, o ónus da prova, a responsabilidade pela produção de determinada prova, cabe sempre à parte a quem aproveita o facto dela objecto, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata (art. 346.º do CC e art. 414.º do CPC).

O principio da autorresponsabilidade foi formulado por Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil. Coimbra Editora,1979, pág. 378, do seguinte modo (sublinhado nosso):
«As partes é que conduzem o processo por sua conta e risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluindo as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz. É patente a conexão deste princípio com o dispositivo»

Para Castro Mendes, «Estreitamente ligado ao princípio dispositivo está o da auto-responsabilidade das partes. Na medida em que o juiz está vinculado às alegações concordes ou incontestadas, ou a ausência de alegações, das partes, são estas que são responsáveis pelo resultado probatório e pelo conteúdo da decisão» (Do Conceito de Prova em Processo Civil. Edições Ática, 1961, pág. 162).

E, incisivamente, Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, I, 2ª edição, 2004, pág. 533 (sublinhado nosso): “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes. ”.

Também a jurisprudência se tem pronunciado sobre a compatibilização do princípio do inquisitório com o princípio da autorresponsabilidade das partes.

Assim o Ac. desta RG, de 20.03.2018, processo 14/15.6T8VRL-C.G1:
“Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está também a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse direto em cumprir»;

E o Ac. do STJ de 18/10/2918, processo 1295/11.0TBMCN.P1.S2, consultável in www.dgsi.pt/jstj, considerando que não resultava das vicissitudes da tramitação dos autos “ qualquer outro elemento probatório que os autores – sobre quem impendia, sob pena de preclusão, o ónus de apresentar até certo momento processual as provas disponíveis – não pudessem e devessem ter carreado para os autos “, ponderou que a “entender-se de outro modo, estava descoberta a forma de, por esta via, se colmatarem insuficiências e falhas cometidas pelas partes na instrução do processo.”

E no Ac. da RP de 23/04/2020, processo 6775/19.6T8PRT-A.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp onde se afirma:
A atividade que o juiz desenvolve no exercício dos poderes conferidos pelo citado art.º 411º há de ter em mira a prevalência da verdade material sobre uma verdade meramente formal, e a justa composição do litígio, mas não pode deixar de ter presente os ónus que a lei especialmente impõe às partes, o que se torna evidente nas situações em que seria uma ofensa a estes imperativos que o juiz oficiosamente determinasse a realização de meios de prova que a parte, a quem incumbia a sua apresentação, não o tivesse feito nas condições em que o deveria ter efetuado.
(…)
O dever de oferecer os meios de prova de que dispõem, nos respetivos articulados, ou seja, no ato em que cada uma das partes desenvolve a sua argumentação e formula a sua pretensão, tem razões óbvias: traz coerência, inteligibilidade e sustentabilidade à argumentação, e permite à parte contrária avaliar melhor a sua consistência e viabilidade, assim como a necessidade e a medida da sua oposição, no exercício do contraditório.
(…)
O princípio do inquisitório não impõe ao tribunal o dever de acolher toda e qualquer pretensão instrutória de uma das partes em qualquer momento e condição formulada, e menos ainda que, oficiosamente, sob a invocação da relevância dos meios que aponta, lhe faculte a produção de qualquer prova que tempestivamente podia e devia ter oferecido e deixou de requerer, prejudicando com isso o regime especificamente prescrito para esse efeito e, em igualdade, para ambas as partes.”

Quanto aos critérios para operar o inquisitório, Nuno Lemos Jorge, in Os Poderes Inquisitórios do Juiz: Alguns problemas, Julgar n.º 3, 2007, pág. 70 refere (sublinhado nosso):
“Se foi a própria parte a negligenciar os seus deveres de proposição da prova, não seria razoável impor ao tribunal o suprimento dessa falta. Apenas na hipótese — raríssima — de resultar do já processado, designadamente da produção de outras provas, objectiva e seguramente, a necessidade de tal diligência, revelando-se esta em termos que permitam concluir que se verificaria igualmente caso a parte houvesse sido diligente na satisfação do seu ónus probatório, é que o juiz deverá, excepcionalmente, atender a tal “sugestão”. Fá-lo-á, então, valorizando essa necessidade da prova, que se impõe por si, e não a pretensão subjectiva da parte. Caso contrário, se a necessidade não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse.”

E remata dizendo que (pág. 72, sublinhado nosso):
“O que se disse para a audição de testemunhas vale, igualmente, para qualquer outra diligência (realização de perícia, prestação de depoimento de parte, inspecção etc.) que a parte pretenda ver determinada pelo juiz. A sua pretensão só pode ter sucesso se lograr convencer o tribunal de que a diligência a promover é absolutamente necessária ao esclarecimento dos factos e que esta necessidade se impõe por si, desligada da vontade que a parte manifesta na sua realização.”

Também a jurisprudência se pronuncia em idêntico sentido, como ocorre no Ac. da RP de 11/01/2021, processo 549/19.1T8PVZ-A.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, onde se afirma:
“(…) a realização oficiosa das diligências probatórias com invocação do princípio inquisitório só deverá ser efectuada, quando resulte da instrução da causa que as diligências probatórias em causa são necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (não decorrendo apenas da visão probatória subjectiva das partes).
(…)
Se a necessidade de realização da diligência probatória não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção da mesma resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido (da sua sugestão), a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse.”

Numa outra formulação, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 503 “pelo menos nos casos em que não haja razões para firmar a existência de comportamentos processuais abusivos, cumpre ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.”

E na pág. 504: ”Já nas situações em que uma das partes promoveu as diligências probatórias ajustadas à(á) situação litigiosa, cumprindo com diligência o ónus que lhe competia, nada impedirá o juiz de aceder, por sua iniciativa, a outros meios de prova (v.g., documentos na posse de qualquer das partes ou de terceiros, perícia que o caso justifique ou inquirições adicionais que repute indispensáveis para a descoberta da verdade), utilizando um critério objectivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade.”

De tudo o exposto pode extrair-se o seguinte:

Cabe às partes a iniciativa da prova, apresentando e requerendo, nos momentos estipulados na lei de processo, as provas que tenham por pertinentes, sob pena de verem precludido o direito de o fazer.

Ultrapassados que estejam os momentos processuais para as partes apresentarem ou requererem provas ou alterar os seus requerimentos probatórios, o principio do inquisitório não impõe ao juiz que defira, automaticamente, a “sugestão” de uma parte para ser realizada toda e qualquer diligência de prova, sob pena de se esvaziar e perder sentido o ónus de apresentar e requerer a prova nos momentos processuais determinados na lei.

O principio do inquisitório não pode ser instrumentalizado pelas partes para contornar a preclusão dos direitos processuais à proposição da prova ou às limitações probatórias, emergente da sua falta de diligência, sob pena de se subverterem os princípios da igualdade substancial das partes (art.º 4º do CPC), do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, com os quais aquele coexiste e que não anula nem invalida.

O que o principio do inquisitório dita é que, quando uma parte, fora do momento processual próprio, “sugere” uma determinada diligência de prova, o tribunal só deve ordenar a sua realização, se, independentemente da vontade da parte e face à instrução da causa, concluir, com segurança e objectividade, que a mesma é necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos que lhe é licito conhecer, ou seja, quando concluir que a diligência é indispensável, imprescindível para estabelecer ou infirmar a realidade do facto carecido de prova.

4.2. Enquadramento jurídico - prova pericial

O objeto, admissibilidade e força probatória da prova pericial está regulada nos arts 388º e seg, do Código Civil e a sua proposição e realização está regulada nos art.ºs 467º a 489º, do CPC.

Tem por fim a perceção ou apreciação de factos, por peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspeção judicial (art.º 388º do CPC).

O art.º 568º n.º 1 do CPC que estava em vigor à data da revisão operada pelo DL 329-A/95, previa que a prova pericial se fazia mediante arbitramento, que pode consistir em exame, vistoria ou avaliação, dispondo o n.º 2 que os exames e vistorias têm por fim a averiguação, feita por peritos, de factos que tenham deixado vestígios ou sejam susceptíveis de inspecção ou exame ocular: se a averiguação recai sobre coisas móveis ou pessoas, diz-se exame; se recai sobre imóveis, tem o nome de vistoria e o n.º 3 que a avaliação tem por fim a determinação do valor dos bens ou direitos.

A revisão do CPC operada pelo DL 329-A/95 eliminou a referida distinção.

Mas a prova pericial continua a poder visar tanto a percepção de factos por inspecção de pessoas ou de coisas, móveis ou imóveis, como a determinação do valor de coisas ou direitos ou ainda a revelação do conteúdo de documentos ou a verificação da letra e assinatura, data, alteração ou falta de autenticidade de documento (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, 2º, 3ª edição, pág. 311-312).

Quanto a prova pericial incide sobre factos, pode visar a afirmação de um juízo de certeza sobre os mesmos ou a valoração de factos ou circunstâncias. Como exemplos da primeira situação temos uma perícia para determinar a área de um terreno ou a perícia sobre o ADN de alguém. Exemplos da segunda situação, serão uma perícia para determinar as causas dos defeitos de um edifício (facto passado) ou os efeitos de lesões corporais (facto futuro). A função do perito é aqui a de fazer um labor de reconstrução dos factos do passado e de estabelecer uma relação de causa–efeito ou de fazer uma projecção dos efeitos futuros dos factos de acordo com a mesma relação causa-efeito, respetivamente. (cfr. Luís Sousa, in Direito Probatório Material, 2ª edição, pág. 193).

Entre a fonte da prova (pessoa ou coisa) e o juiz interpõe-se a figura do perito, intermediário necessário em virtude dos seus conhecimentos técnicos: apreendendo ou apreciando factos, por serem necessários conhecimentos especiais que o julgador não tem, ou por os factos, respeitantes a pessoas não deverem ser objecto de inspecção judicial, o perito intervém no processo de manifestação da  fonte da prova e traduz ao juiz o resultado da sua observação ou apreciação (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob cit. pág. 312).

Trata-se, assim, de modalidade de prova pessoal e indireta, na medida em que a demonstração do facto é feita através de uma pessoa, o perito, que se interpõe entre o tribunal e o objeto da perícia.

Como afirma Alberto dos Reis, in CPC Anotado, IV, 1987, pág. 171, “o verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem.”

A prova pericial serve, portanto, para percepcionar, conhecer, verificar factos, como para apreciar, ajuizar sobre factos observados, verificados.

E como refere Luís Sousa, in ob. cit., pág. 192: “O traço definidor da prova pericial é, de facto, o de se chamar ao processo alguém que tem conhecimentos especializados em determinados aspectos de uma ciência ou arte para auxiliar o julgador, facultando-lhe informação sobre máximas da experiência técnica que o julgador não possui, e que são relevantes para a percepção e apreciação dos factos controvertidos.“

A prova pericial não deverá ser admitida se não forem exigidos conhecimentos que extravasem os conhecimentos relativos à cultura e experiência comuns (cfr. Alberto dos Reis, in ob. cit., pág. 178). A admissibilidade da perícia não está dependente dos conhecimentos concretos do juiz em particular que julga a causa, mas dos que excedem a cultura e experiência comuns.

Como decorre do disposto no n.º 1 do art.º 467º do CPC, a regra é a de que perícia, requisitada por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado; não sendo isso possível ou conveniente, é realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa.

Mas nos termos do n.º 3 do art.º 467º as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados.

Quando se trate de perícia oficiosamente determinada, dispõe o art.º 477º que o juiz indica, no despacho em que determina a realização da diligência, o respetivo objecto, podendo as partes sugerir o alargamento a outra matéria.

4.3. Em concreto

A acção principal de que os presentes são apenso, tem por objecto a anulação do testamento lavrado a .../.../2006, através do qual DD “(…) institui únicos herdeiros da quota disponível em comum os sobrinhos BB e CC (…)”, anulação essa fundada na alegação de que aquele sofria de doença que o incapacitava de entender e de querer o sentido da declaração testamentária, concretamente, doença de PICK e, assim, no disposto no art.º 2199º do CC.
           
Com a petição inicial a A. juntou documentos e arrolou testemunhas, rol que alterou na audiência prévia.

Entre a audiência em que terminou a produção de provas e a data designada para alegações, a 07/06/2022 a A. requereu que o tribunal determinasse a realização de perícia médica, a efetuar através do colégio da especialidade de Neurologia da Ordem do Médicos - ..., para responder às questões transcritas no Relatório supra, invocando o disposto nos artigos 467º, n.º 3 e 4 e 468º do CPC.

A requerida perícia foi indeferida por extemporânea e irrelevante para a justa decisão da causa.

Não está em causa no presente recurso a intempestividade do requerido.

Mas sempre se dirá que o processo civil prevê um momento próprio para as partes requererem as provas que tiverem por pertinentes e adequadas – os respectivos articulados -, concretamente e quanto ao autor, na petição inicial como dispõe o art.º 552º n.º 6, na réplica, se for deduzida reconvenção, na medida em que nesta caso a contestação serve como petição inicial e a réplica, como contestação e  e prevê ainda um momento próprio para alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, concretamente, a audiência prévia, como dispõe o art.º 1 do art.º 598º, do CPC

Nem na petição inicial, nem na audiência prévia, a A. requereu a realização de qualquer outra prova e, nomeadamente, não requereu a realização de uma perícia.

É, portanto, patente, que a perícia requerida pela A. é manifestamente intempestiva, pelo que precludiu o direito da A. de a requerer, sendo assim totalmente descabida a invocação do disposto no art.º 20º da CRP, uma vez que o direito à prova, enquanto corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, não implica que as partes possam ver deferidas todas e quaisquer provas que pretendem sejam realizadas, sem qualquer condicionalismos, nomeadamente quanto ao momento em que tais provas devem ser apresentadas ou requeridas e uma vez que, sendo requerida uma prova fora do momento processual próprio, mão pode deixar de se aplicar o principio da autorresponsabilidade das partes.

Mas, valendo o requerimento apresentado pela A., como mera sugestão de prova, cumpre verificar se incumbia à Sra. Juiz a quo, oficiosamente, determinar a realização a perícia com o objecto indicado pela A..

Isso implica responder a duas questões: a) o que a A. requer, consubstancia efectivamente uma perícia? b) consubstanciando uma perícia, independentemente da vontade da parte e face à instrução da causa, ela é necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que é lícito ao tribunal conhecer ?

Dão-se aqui por reproduzidas as questões elencadas pela A. no seu requerimento de 07/06/2022.

Verifica-se, desde logo, que as questões elencadas sob os n.ºs 1 a 11 do requerimento da A. de 07/06/2022 têm em vista as características, manifestações (1 a 6) e diagnóstico (7 a 11) da doença de PICK.
Saber, por si só, quais são as características, causas, efeitos, manifestações da doença de PICK ou quais são os meios de diagnóstico da mesma, não constitui uma actividade de percepção e apreciação de factos carecidos de prova.

Saber quais são as características, causas, efeitos, manifestações da doença de PICK ou quais são os meios de diagnóstico da mesma, integra o domínio dos conhecimentos especiais – médicos - necessários à realização da perícia.

É o conhecimento sobre aquelas realidades que habilita um perito / médico a responder às questões colocadas nos autos.

O conhecimento sobre aquelas realidades é um instrumento de realização da perícia. Mas não constitui, de per si e pela sua natureza, objecto da prova pericial, a qual tem por objecto factos.

Tais matérias podem ser objecto de prova documental - artigos científicos – de pareceres técnicos, de prova testemunhal, mas não tem cabimento seja objecto de prova pericial, porque não estão em causa factos, mas os conhecimentos que permitem percepcionar e ou apreciar os factos percepcionados.

Além disso e como flui de tudo o vem sendo dito, a perícia tem um objectivo, uma finalidade determinante: demonstrar ou não, através da percepção e apreciação de factos carecidos de prova, por quem tem conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, a realidade ou irrealidade de tais factos, ou seja, tem-se em vista responder a questões concretas e não especular.

A presente acção foi intentada ao abrigo do disposto no art.º 2199º do CC, o qual dispõe:
É anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória.

Destarte o facto essencial que à A. cabe demonstrar é o de que na data do testamento o testador estava incapacitado de entender e de querer o sentido da declaração testamentária.

A A. alegou que o testador, seu falecido marido, sofria de doença de PICK e que essa doença o tornava incapaz de entender e querer e, concretamente, o impedia de ter consciência de que o documento que assinou era um testamento.

E nessa medida foram consignados os seguintes temas da prova.

1. Entre 2002 e 2019 o falecido era portador de patologia neurológica que se foi agravando ao longo dos anos.
2. O falecido não teve em momento algum, consciência de que o documento que assinou era um testamento.
3. Na data da realização do testamento, o testador não possuía capacidade de entender e querer.

Destarte, as questões essenciais são: a) na data do testamento – .../.../2006 – o testador DD sofria de doença de PICK; b) em caso de resposta afirmativa, essa doença tornava-o incapaz de entender e querer e, concretamente, impedia-o de ter consciência de que o documento que assinou era um testamento.

Volvendo agora às questões elencadas pela A., verifica-se que a questão colocada sob o n.º 12 – “Considerando a resposta ao quesito 1 a 6, é possível concluir que um doente diagnosticado com doença de Pick em 2016, poderia encontrar-se em 2006, com as suas faculdades mentais intactas de molde a poder entender e decidir, ou tais capacidades podem estar já deterioradas impedindo-o de agir com normalidade e consequentemente praticar atos com uma vontade esclarecida e não condicionada?“, não visa dar resposta às questões concretas que se colocam nos autos, ou seja, não têm como sujeito o testador.

Mas ainda que se admitisse a “convolação” da última questão elencada pela A., no sentido de a perícia ter como objecto saber se na data do testamento – .../.../2006 – o testador DD sofria de doença de PICK e se essa doença o tornava incapaz de entender e querer e, concretamente, o impedia de ter consciência de que o documento que assinou era um testamento, ainda que se considerasse que um tal objecto cumpriria com a definição legal do que é a perícia - percepção e apreciação de factos carecidos de prova, a ser ser realizada por peritos médicos, uma vez que para a mesma são necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem. –, ainda que se considerasse que não está no domínio dos conhecimentos comuns saber se a .../.../2006 o testador DD sofria de doença de PICK, pois para tal é necessário ter conhecimentos especiais – médicos - sobre as características da referida doença, como também não está no domínio dos conhecimentos comuns saber se, caso o falecido DD sofresse dessa doença a .../.../2006, a mesma o tornava incapaz de entender e querer e, concretamente, o impedia de ter consciência de que o documento que assinou era um testamento, pois para tal é necessário ter conhecimentos especiais – médicos – desde logo, saber se é uma doença com estádios de evolução e, depois, em que medida ou de que forma é que em cada estádio a mesma se manifesta, impor-se-ia concluir não estarem verificados os pressupostos para a sua determinação oficiosa.

Em primeiro lugar, as referidas questões são objecto dos autos desde a petição inicial ou, mesmo que assim não se entenda, desde o momento em que os RR. impugnaram aqueles factos.

Em segundo, nada permite, com segurança e objectividade, concluir pela necessidade de uma perícia com o referido objecto.
Desde logo a anamnese é impossível, uma vez que o testador faleceu.
Por outro lado, não estão juntos aos autos quaisquer elementos clínicos que, com segurança, rigor e fidedignidade, permitam estabelecer a história pregressa do mesmo, ou seja, estabelecer, o histórico do seu estado de saúde – doenças, consultas, avaliação física e psicológica, exames de diagnóstico, tratamentos, etc. – de tal modo que fosse possível estabelecer qual era o seu estado de saúde na data do testamento, concretamente não foi junto aos autos qualquer registo clínico de seguimento sequencial e regular daquele, sendo manifestamente insuficiente para tal um documento de diagnóstico elaborado cerca de 10 anos depois do testamento e quaisquer declarações de parte ou testemunhais relativas a esse facto.

Assim mesmo que se admitisse a “convolação” da última questão elencada pela A., nada permite concluir, com segurança e objectividade, que a mesma é necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos que lhe é lícito conhecer.

Neste conspecto, o recurso deve ser julgado improcedente e a decisão recorrida mantida.

5. Decisão

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
*
Custas pela recorrente – art.º 527º n.º 1 do CPC
*
Notifique-se
*
Guimarães, 11/05/2023
 (O presente acórdão é assinado electronicamente) 
           
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
Maria João Matos