Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
55/13.8TAMDR.G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
IDADE DA VÍTIMA
MENOR DE 14 ANOS
CONDUTA DOLOSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) Para o preenchimento do tipo subjetivo do crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º3, al. b) do Código Penal, é necessário que o dolo, pelo menos sob a forma de dolo eventual, abranja todos os elementos constitutivos do tipo, entre os quais se conta a idade da vítima (menor de 14 anos).
II) Para a imputação subjetiva dos factos ao agente, designadamente no que respeita à idade da vítima, a afirmação do dolo (eventual) pode ser feita com base na persistência da possibilidade, na representação do agente, de o elemento típico se verificar no caso e nem por isso aquele se coibir de atuar.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães
(Secção Penal)
Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Elsa Paixão.

I. RELATÓRIO
No processo comum singular nº 55/13.8TAMDR, da instância local de Bragança, secção criminal, juiz 1, da comarca de Bragança, foi submetido a julgamento o arguido Pedro V.L., com os demais sinais dos autos.
A sentença, proferida a 1 de fevereiro de 2016 e depositada no dia 2 do mesmo mês e ano, tem o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decide o Tribunal:
I. Condenar o arguido, Pedro V.L., pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171º nº3 alínea b) do Código Penal, na pena de 14 (quatorze) meses de prisão.
II. Condenar o arguido, Pedro V.L., pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171º nº3 alínea b) do Código Penal, na pena de 14 (quatorze) meses de prisão.
III. Condenar o arguido em cúmulo jurídico das penas referidas em I) e II) na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, suspensa, nos termos do artigo 50º nº1 e 5 do Código Penal, por igual período, condicionando-se tal suspensão ao cumprimento pelo condenado de regime de prova, assente em plano de reinserção social elaborado pela DGRSP, no qual, para além das demais obrigações previstas no artigo 54º nº3 daquele diploma, se incluam as seguintes regras de conduta / injunções impostas ao condenado:
Ø Proibição de contactos, por qualquer meio e durante o período de suspensão da pena aplicada, com as menores, JM. e AA.;
Ø Proibição, durante o período de suspensão da pena aplicada, quer no domínio da respectiva actividade profissional, quer fora desse contexto, de exercício de actividades que envolvam contactos e convívio com menores de 18 anos;
Ø Obrigação de indemnizar as menores no valor de € 6.000,00 (€ 3.000,00 para cada menor), devendo proceder à liquidação do valor de € 3.000,00 no período de seis meses após o trânsito em julgado da sentença e devendo liquidar o remanescente até ao final do período da suspensão da pena aplicada, dirigindo em ambos os casos o referido pagamento a este Tribunal por via de depósito efectuado à ordem do presente processo;
Ø Frequência de entrevistas dirigidas pela DGRSP no sentido de o mesmo ser sensibilizado para o desvalor da respectiva conduta.
IV. Custas criminais pelo arguido nos termos dos artigos 513º e 514º do CPP, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal, sem prejuízo do apoio judiciário de que o arguido beneficie ou venha a beneficiar.
V. Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela progenitora D.S. em representação da sua filha, AA., parcialmente procedente, por provado, e, em conformidade condenar o arguido à pagar à menor a quantia de € 3.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, a contar da notificação do pedido ao demandado e até efectivo pagamento, absolvendo este do demais peticionado.
VI. Fixar, nos termos do artigo 82º-A do Código Penal, indemnização a favor da menor, JM., no montante de € 3.000,00, condenando o arguido no pagamento da aludida quantia à referida ofendida, por intermédio do Tribunal, nos termos supra-fixados, sem prejuízo de a referida indemnização vencer juros de mora, à taxa civil aplicável, contados estes do trânsito em julgado da presente sentença e de dever ser tida em consideração em futura acção decorrente de eventual pedido de indemnização deduzido pela jovem em separado – cfr. nº3 daquele artigo.
VII. Condenar as partes nas custas cíveis na proporção do respectivo decaimento, fixando-se este em ½ para a Demandante e ½ para o Demandado (artigo 527º nº1 do NCPC), tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que as partes beneficiem ou venham a beneficiar.
VIII. Determinar a restituição, após trânsito, ao arguido dos objectos apreendidos a fls. 116 e 132, nos termos do artigo 186º do CPP.
Deposite (artigo 372º nº5 do CPP).
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.
Após trânsito, e imediatamente, solicite, com urgência, à DGRSP a elaboração do plano de reinserção social nos termos do artigo 494º nº3 do CPP e no prazo máximo aí fixado.
Tendo em vista a proibição de exercício de actividades que envolvam contacto com menores de 18 anos imposta o arguido, comunique de imediato a presente decisão à Igreja Católica Portuguesa (Diocese de ..) com menção de que a decisão ainda não transitou; após trânsito, comunique novamente com menção de tal facto.»
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Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
«I– Como da lei resulta, o crime de abuso sexual de menor de 14 anos p. e p. pelo artº. 171º, nº 3, alínea b) do C Penal, não é punível a título de negligência;
II – O Arguido Recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de abuso sexual de menores de 14 anos, p. e p. pelo nº 3 da alínea b) do artº. 171º do C Penal;
III – Nos termos do disposto pelo artº. 15º do C Penal age com negligência quem por não proceder com o cuidado a que segundo as circunstância está obrigado e de que é capaz, não representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas actuar sem se conformar com essa realização ou quem não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto;
IV – Nos termos do disposto pelo artº. 14º do C Penal, age com dolo (dolo directo) quem representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar, com dolo necessário quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta, e com dolo eventual quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime, for representada como consequência possível da conduta e o agente actuar conformando-se com aquela realização;
V – Como refere Maia Gonçalves, em Código Penal Português – Anotado e Comentado – 14ª Edição, 2001, em nota ao artº. 14º do C Penal, o dolo directo corresponde, grosso modo, à intenção criminosa e nele o agente prevê e tem como fim a realização do facto criminoso, existindo dolo necessário quando o agente sabe que como consequência da sua conduta, realizará um facto que preenche um tipo legal de crime, não se abstendo apesar disso de empreender tal conduta;
VI – E o mesmo autor, obra e local citados, continua, referindo que o dolo eventual abrange aqueles casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta, não se abstendo de a empreender e conformando-se com a produção do resultado;
VII - Em parte alguma da matéria de facto dada por provada resulta provado que o ora Recorrente se tenha representado a prática de um facto que preenchesse um tipo legal de crime e de actuar com a intenção de o realizar;
VIII – Nenhum facto resultou provado do qual se possa retirar a conclusão fundada de que o Recorrente teve conhecimento da menoridade de 14 anos das Ofendidas e que mesmo assim actuou com intenção de realizar o seu desiderato, estando por isso e à partida afastada a hipótese de dolo directo, por falta da referida intenção criminosa e a vontade de realizar o facto criminoso;
IX – O próprio Tribunal expressamente afastou, na decisão em recurso, a prova da ocorrência de dolo na sua modalidade de dolo eventual, como expressamente refere ao elencar os factos que não resultaram provados da discussão da causa referida em A) não ter ficado provado que o Arguido ora Recorrente “soubesse que as crianças JM. e AA. eram, à data dos factos descritos, em 1) a 18) menores de 14 anos;
X – Não se verificou a existência de dolo eventual na conduta do Arguido ora Recorrente, pois não resultou provado na matéria de facto dada por assente que ao Arguido se tenha representado como consequência possível da sua conduta o preenchimento de um tipo legal de crime e também não ficou provado que o Recorrente se conformou em atuar com aquela realização;
XI – Não foi dado como provado qualquer facto que demonstre que o Recorrente tinha conhecimento de que as referidas menores tivessem menos de 14 anos à data dos factos 1) a 18) da matéria dada por assente, antes, como se referiu já – Conclusão IX – o Tribunal a quo deu como não provado que o Recorrente tivesse conhecimento de tal menoridade;
XII – Ocorre no presente caso insuficiência da matéria de facto provada para que o Tribunal “a quo” pudesse considerar provada a prática do crime por que vinha acusado o Recorrente, impondo-se por isso a absolvição do mesmo, nos termos do disposto pelo artº. 410º, nº 2, alínea a) do CP Penal;
XIII – Ocorre contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova;

XIV – O Tribunal “a quo” parece ter confundido dolo eventual com negligência, pois que, tendo dado como não provado que o Recorrente tivesse conhecimento da menoridade de 14 anos das Ofendidas – Conclusão
XV – conclui que o mesmo não podia ter deixado de colocar-se a questão de saber se as Ofendidas não seriam menores de 14 e por isso o condenando, por entender que o Recorrente se agisse com o cuidado e a diligência possível teria de admitir a ocorrência de tal menoridade, colocando assim o Tribunal a questão da negligência;
XVI – Ocorre por isso erro notório na apreciação da prova e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
XVII – Para se poder concluir pela prática ou não dos crimes por que vem acusado o Recorrente a questão não está em saber se ao Recorrente devia ter representado a possibilidade de as Ofendidas serem menores de 14 anos, se tivesse agido com prudência e cuidado, mas antes, o que está em causa é saber se está provado ou não que o Recorrente, à data da prática dos factos, tinha ou não conhecimento da referida menoridade, pois que se não tinha conhecimento de tal menoridade não pode falar-se em dolo, mesmo eventual, só se podendo falar em negligência, e como se referiu os crimes em causa não são puníveis a titulo de negligências e quanto a não ter sido provado o dolo é claro conforme resulta da decisão – Conclusão IX
XVIII – Mas, como dos autos resulta, nem sequer resultou provado da matéria assente que o Recorrente tivesse agido com negligência no que respeita ao conhecimento da menoridade de 14 anos das Ofendidas;
XIX – Na verdade, e como dos autos resulta, o próprio Arguido-Recorrente mostrou alguma preocupação quanto à idade das Ofendidas menores;
XX – Quando o Tribunal ao elencar a matéria de facto não provado em A) dá como não provado que o Recorrente tivesse conhecimento da menoridade de 14 anos das Ofendidas, a matéria factual é que se não provou que o Recorrente tivesse conhecimento de tal menoridade à altura dos factos;
XXI – Quando no mesmo ponto da decisão o Tribunal diz que o Arguido admitiu – com forte probabilidade – a possibilidade de que as menores tivessem 14 anos – conformando-se com tal possibilidade, o Tribunal passou da área do ser para a área do dever ser, ou seja, trata-se de mera conclusão, da emissão de um juízo de valor emitido pelo Mmo. Julgador;
XXII – Mas quanto a esta matéria, quando muito, pode falar-se de negligência, ou seja, o Tribunal entendeu que o Recorrente, se tivesse agido com o devido cuidado e a devida diligência poderia ter concluído pela menoridade, mas tal tem a ver com eventual negligência e não com dolo, pois que, para que dolo houvesse necessário seria ter-se dado como provado que o Recorrente sabia que ocorria a falada menoridade de 14 anos e tal matéria não foi dado por provada pelo Tribunal “a quo”;
XXIII – Quando, no ponto 21 dos Factos Provados o Tribunal refere que o Arguido admitiu – com forte probabilidade – que, à data dos factos referidos em 1) a 18), as referidas crianças AA. e JM., pudessem ser menores de 14 anos, mais admitindo que, em razão da idade as referidas crianças não tivessem capacidade e discernimento… o Tribunal está simplesmente a concluir, matéria conclusiva e não de facto, que perante as circunstâncias de facto o Arguido Recorrente tinha obrigação de concluir que se tratava de menores de 14 anos;

XXIV – Só que, e mais uma vez se repete, a questão não é saber se o Recorrente devia ou não, perante as circunstâncias concretas, por-se-lhe o problema da ocorrência de tal menoridade, podendo em caso contrário, falar-se de negligência, mas antes, a questão se centra em saber, para que de dolo se possa falar, se o Recorrente ao actuar como actuou, sabia que as Ofendidas eram efectivamente menores de 14 anos e a tal questão respondeu negativamente o Tribunal “a quo”, conforme resulta dos Factos Provados de 1) a 18) e conforme resulta de A) dos Factos Não Provados;
XXV – Mas, a verdade é que nem sequer ficou provado que o Recorrente se não tivesse preocupado com a idade das Ofendidas;
XXVI – Com efeito, em termos de fotografias a que o Recorrente teve acesso, e este seria o único elemento dos autos que poderia suscitar a questão da menoridade, o Recorrente apenas pôde ver, no que respeita à JM., uma fotografia desta montada num cavalo, junta aos autos, fotografia essa que se não sabe a que data se reporta, por tal não constar dos autos e poder ser mais antiga, sendo ainda certo que a JM. tinha referido ao Recorrente que tinha 20 e depois 17 anos, conforme consta da decisão em recurso a fls. 11, e o próprio julgador claramente refere a fls. 359 dos autos ter visto que as menores mentiram sobre a sua idade e que engAA.ram o Recorrente, não podendo por isso o Tribunal concluir como concluiu que o Recorrente tinha de ter admitido a menoridade em causa, ocorrendo por isso contradição entre os fundamentos e a decisão;
XXVII – Sendo certo que, salvo o devido respeito, não se poderá sem mais concluir, que quem olha para a referida fotografia da JM. a cavalo, tem de concluir, sob pena de negligência, que a mesma é forçosamente menor de 14 anos;
XXVIII – E no que concerne à menor AA., esta juntou aos autos uma fotografia de terceiros e não da própria e a única fotografia sua a que o Recorrente poderia ter tido acesso é a do seu perfil no Facebook, sendo certo que como consta de fls. 11 da decisão, a menor AA. referiu ao Recorrente que tinha 21 anos, engAA.ndo o Recorrente e o próprio Tribunal, conforme resulta também de fls. 380 e 381 dos autos, não podendo assim, embora que só a titulo de negligência, censurar-se o Recorrente por não se ter convencido de que poderia ocorrer a menoridade de 14 anos, o que sempre seria apenas um convencimento e não um conhecimento factual como demanda o dolo;
XXIX – Foram violadas as disposições dos artºs. 171º, nº 3, alínea b) do C Penal, bem como as disposições do artº. 14º do mesmo Código, as quais foram erradamente interpretadas. As primeiras no sentido de não pressuporem a existência de dolo e se bastarem com a negligência, devendo sê-lo em sentido contrário; as segundas no sentido de o dolo eventual ocorrer quando se entende que o Arguido tinha obrigação de conhecer a ilicitude da sua conduta, sendo que deveriam ser interpretadas no sentido de ser necessária a prova efetiva desse conhecimento.
XXX- Além do mais, a decisão sindicada baseia-se tão só num juízo de probabilidade, não fazendo uso adequado das regras da experiência comum; Não se verificando " in casu" um juízo de censura para além de toda a dúvida razoável que justifique a condenação, o que constitui violação de princípio de presunção de inocência do recorrente (art. 32.º, n.º 2 da CRP).»
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 4 de maio de 2016.
O Ministério Público respondeu, pugnando pelo não provimento do recurso.
Foi realizada audiência nesta Relação, requerida nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer Cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, v.
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1. Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são:
. saber se a materialidade fática apurada permite, ou não, a sua subsunção à previsão legal do tipo subjetivo do artigo 171.º, n.º 3, al. a) do Código Penal; verificando, nessa perspetiva, se a sentença padece dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável e/ou do erro notório.
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2. Factos Provados
Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida:
«Da discussão da causa em julgamento e com relevância para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido, Pedro .L. é sacerdote e, durante o ano de 2013, exerceu as funções de prefeito no seminário diocesano de Vila Real.
2. Em data não concretamente apurada, mas anterior a Março de 2013, o arguido registou-se na rede social “Facebook” e criou uma conta na qual se identifica com o nome de “Pedro V.” com vista a interagir com outros utilizadores deste endereço virtual.
3. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 4 de Outubro de 2013, o arguido adicionou à sua “lista de amigos” na referida rede social as crianças JC., nascida em 11 de Dezembro de 2000, e AM., nascida a 14 de Maio de 2003, igualmente utilizadoras da mesma rede social, na qual utilizavam o nome de “JM..” e “A..”.
4. No perfil que estas crianças criaram na rede social “Facebook”, as mesmas publicaram diversas informações sobre a sua vida privada, bem como publicaram diversas fotografias nas quais apareciam retratadas.
5. No ano de 2013, as referidas crianças JM. e AA. encontravam-se acolhidas na Instituição Casa da Criança … em …, concelho de …, onde acediam às respectivas contas do “Facebook” para assim conversarem com o arguido.
6. O arguido decidiu servir-se da referida rede social para, através do respectivo programa de conversação instantânea (vulgo “chat”), contactar frequentemente com as referidas crianças via Internet e criar uma maior aproximação com as mesmas, de modo a, rapidamente poder cativá-las e aliciá-las a manter consigo conversações ou troca de ficheiros de índole sexual, assim visando excitar-se e excitá-las sexualmente.
7. Valendo-se do relacionamento que fortaleceu através dos contactos que mantinha com tais crianças através da Internet, o arguido passou a tratar as mesmas de forma íntima e sexualizada, propondo-lhes que trocassem ficheiros com fotografias suas.
8. No dia 12 de Outubro de 2013, pelas 21h42, o arguido, utilizando a referida rede social, contactou a criança JM. que, nessa data, tinha 12 anos, e enviou-lhe uma mensagem através do sistema de mensagens instantâneas do “Facebook”, na qual perguntava à menor: “Foto tuas mandas”.
9. Pelas 21h59 do mesmo dia, no decurso da mesma conversa, depois de a menor JM. lhe ter enviado uma fotografia e lhe ter pedido igualmente uma fotografia sua, o arguido respondeu-lhe: “Só nuas é que tenho.
10. Às 22h11 do mesmo dia, o arguido enviou à menor JM. outra mensagem com uma fotografia sua, perguntando-lhe “Imagina o que é.”, após o que aquele respondeu: “O meu!!!” “Pénis.”
11. No dia 13 de Outubro de 2013, pelas 15h04, o arguido voltou a contactar a mesma menor JM. através do mesmo programa informático e, no decurso da conversa pergunta-lhe ainda: “Pila para ti queres.”
12. O arguido servia-se igualmente do mesmo programa existente na rede social “Facebook” para contactar com a criança, AA..
13. No dia 22 de Setembro de 2013, pelas 14h14, o arguido contactou a referida criança AA., a qual à data, possuía 10 anos, e enviou-lhe uma mensagem através do sistema de mensagens instantâneas do “Facebook” onde lhe perguntou se estava “sozinha” e perguntou-lhe ainda “Posso saber como estas vestida.”
14. No decurso da conversa que encetou com a menor AA., o arguido enviou uma fotografia de umas pernas masculinas nuas e perguntou-lhe: “E o resto queres ver.”
15. No dia 13 de Outubro de 2013, pelas 14h53, o arguido manteve com esta criança AA. uma conversação através do mesmo sistema, no decurso da qual esta menor lhe perguntou: “olha tens web came”, no que o arguido respondeu “sim” e “estou nu.”
16. No decurso da mesma conversa, perante a pergunta da menor AA. “Olha foi verdade que me maandaste a merda foi a tua amiga JM.s que disse fala.”, o arguido respondeu “Tenho pila para ti.”
17. Perante a resposta da criança AA. que lhe disse “mostra”, o arguido enviou-lhe uma fotografia de um pénis e perguntou-lhe de seguida: “Gostas te.”
18. No mesmo dia e no decurso da mesma conversa, a menor AA. disse ao arguido: “Mandame uma imagem tua a faser um broxe.” Ao que o arguido lhe responde: “Fazes-me tu a mim.”
19. O arguido sabia que todas as referidas condutas eram contrárias aos interesses e prejudiciais ao desenvolvimento das crianças JM. e AA., assim como se valeu do envolvimento conseguido com as mesmas para satisfazer os seus instintos libidinosos e obter satisfação sexual.
20. O arguido actuou em todas as situações supra descritas de modo voluntário, livre e consciente, e ao adicionar as referidas crianças ao seu grupo de “amigos” na rede social “Facebook” e ao contactá-las por essa via agiu com intenção de satisfazer o seu prazer sexual através das conversações mantidas com as referidas duas menores, conversas essas em que empregava termos íntimos com conotação sexual, bem como através da troca de fotografias de diversas partes do corpo, nomeadamente, da parte genital masculina e ainda através das solicitações de envio, pelas aludidas crianças, de imagens destas.
21. O arguido admitiu – com forte probabilidade - que, à data dos factos referidos em 1) a 18), as referidas crianças AA. e JM. pudessem ser menores de 14 anos, mais admitindo que, em razão da idade das referidas crianças, as mesmas não tivessem a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão, nem tão pouco tivessem a capacidade para entender a gravidade e a natureza das conversas que o arguido mantinha com as mesmas, bem como das fotos que o arguido lhes disponibilizou e das propostas que este lhes dirigiu, não obstante, conformando-se o arguido com tal possibilidade e querendo levar a cabo as condutas descritas em 1) a 18).
22. O arguido colocou em causa o sentimento de vergonha e de pudor sexual, bem como a liberdade e autodeterminação sexual das crianças JM. e AA., prejudicando, deste modo, o livre e harmonioso desenvolvimento das suas personalidades, nomeadamente, na esfera sexual.
23. Após os primeiros contactos e conversações mantidas com as jovens, o arguido, convenceu-se de que as crianças não iriam revelar o conteúdo de tais conversas, o que o motivou a continuar com a mesma conduta.
24. Ao actuar da forma descrita em 1) a 18) e tendo consciência do referido em 19) a 23), o arguido sabia que as condutas aí identificadas eram proibidas e punidas por lei penal, todavia, e ainda assim, não se absteve de as levar a cabo.
25. O arguido exerce a profissão de sacerdote, encontrando-se actualmente suspenso de funções em função do referido em 1) a 18). Na actividade por si exercida, o arguido aufere 700,00 mensais de ajudas de custo. O arguido não possui casa própria, vivendo em casa dos respectivos progenitores, bem como no convento, razão pela qual não apresenta despesas de habitação. Possui um carro da marca Smart, já pago. Não tem filhos. No exercício da respectiva actividade de sacerdote, o arguido exerceu o cargo de educador, sendo responsável por acompanhar adolescentes e jovens candidatos no seminário. Acumulava tais funções até Outubro de 2013 com outros trabalhos pastorais junto do ….. e grupos de jovens.
26. O arguido não possui antecedentes criminais.
27. A divulgação dos factos referidos em 1) a 18), mormente na Instituição que as crianças frequentavam à data aí referida, provocou nas menores, JM. e AA. um persistente sentimento de vergonha e de humilhação, tanto mais quanto tiveram de ser confrontadas com tais factos pelas técnicas da referida Instituição onde se encontravam acolhidas, passando, desde então, a assumir sentimentos de culpa pelos factos ali referidos.
28. Fruto do referido em 1) a 18), as menores continuam a sentir tristeza e desgosto perante o aí mencionado, tendo deixando de confiar nas pessoas face ao aí descrito.
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Factos não provados:
Da discussão da causa em julgamento e com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:
A. Que o arguido soubesse que as crianças JM. e AA. eram, à data dos factos descritos em 1) a 18), menores de 14 anos (apenas se provando que o mesmo admitiu – com forte probabilidade - a possibilidade de que as menores tivessem menos de 14 anos, conformando-se com tal possibilidade).
B. Que em função do referido em 1) a 18), a menor AA. tivesse passado a ter dificuldades em dormir, demonstrando receio em dormir sozinha e dormindo, frequentes vezes, com a roupa que utiliza durante o dia.
C. Que, em função ainda do aludido em 1) a 18), a menor, AA. diga, por vezes, que preferiria morrer a deixar a progenitora passar vergonhas por causa da mesma.
D. Que as menores tivessem publicado a sua idade nos respectivos perfis de Facebook mencionados em 4).
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Motivação da decisão de facto:
O Tribunal fundou a sua convicção nas declarações do arguido, bem como nas declarações para memória futura prestadas pelas menores (cfr. respectiva transcrição a fls. 352 e ss.), nos depoimentos das testemunhas, António P. (Presidente da Associação … que dirigia a Instituição onde as ofendidas se encontravam acolhidas), Cláudia C. (monitora da instituição onde as crianças residiam à data dos factos), AA. P… (psicóloga da referida instituição de acolhimento de crianças), E… (igualmente funcionária do aludido Lar de I…), D.S. (mãe da ofendida, AA.), AV. (pai do companheiro da testemunha D.S., mãe da ofendida, AA.), Ezequiel A. (companheiro da mãe da menor AA.), João B. (…, onde o arguido foi seu colega e estagiário), Vítor R. (que trabalhou com o arguido) e José J.).
Mais relevaram na formação da convicção do Tribunal as transcrições de conversas de Facebook mantidas entre o arguido e as ofendidas de fls. 5 a 23, bem como de fls. 439 a 531 (juntas pelo arguido em julgamento, sendo que estas últimas incluem parcialmente conversas do mesmo com a progenitora da menor AA., D.S.), prints dos perfis de facebook das menores de fls. 53 e ss., bem como fls. 63 e ss., fichas de identificação civil do arguido e das menores de fls. 31 e ss. e assentos de nascimento das menores de fls. 227 e ss.,
Nesta sequência, e quanto ao teor dos pontos 1) a 5) dos factos provados, saliente-se retirar-se das declarações do arguido confirmadas, de resto, pelos documentos juntos pelo mesmo com a Contestação (cfr. fls. 334 e ss.) que o mesmo é …, exercendo, à data dos factos, funções na … de Vila Real; da mesma forma, mais resulta das declarações do arguido, bem como da transcrição das conversas tidas pelo mesmo com as menores, JM. e AA., que aquele dispunha de uma conta de Facebook antes de Fevereiro de 2013 (cfr. fls. 441-442), altura em que começou a conversar por via da referida rede social com a progenitora da menor AA., a testemunha, D.S, tendo, posteriormente aceite os pedidos de amizade – em nome próprio e em nome da menor JM. - enviados pela referida criança, AA. (cfr. também declarações para memória futura da menor JM. a fls. 352 e ss., em particular, fls. 356 e ss., de acordo com as quais teria sido a referida AA. a enviar em nome daquela pedido de amizade ao arguido). De acordo com as declarações do arguido o mesmo só aceitou o pedido de amizade em nome da referida menor JM. em 4/10/2013, o que se mostra, de alguma forma, indiciado pelo facto de as conversas daquele com esta se iniciarem (cfr. fls. 510-511) nessa precisa data. Prosseguindo, saliente-se retirar-se de fls. 53 e ss. e 63 e ss. que, à data das referidas conversas com o arguido, as menores apresentavam nos respectivos perfis de Facebook fotos suas e de amigos (veja-se, por exemplo, fotos de amigos da menor JM. a fls. 54, canto inferior esquerdo; fotos da menor AA. a fls. 63), bem como informação pessoal (nomeadamente, a escola – EB 2, 3 / S de … – que frequentavam – cfr. fls. 54 e 64) e sobre os respectivos gostos (no caso da menor, JM, imagens de unhas pintadas, de flores, do filme “Sozinho em Casa”; no caso da menor, AA., fotos da própria e imagens de penteados com tranças), mas não a respectiva idade (o que determina a não comprovação da alínea D) dos factos não provados). Finalmente, a idade das menores à data dos factos mostra-se comprovada pelos respectivos assentos de nascimento de fls. 228 e ss.
Eis, pois, por que razão se deu como provado o teor dos pontos 1) a 5) dos factos provados e como não provado o teor da alínea D) dos factos não provados.
Isto posto, versando a discussão em julgamento não tanto sobre a existência e o teor das conversas tidas pelo arguido com as menores, existência e teor esses que aquele admite (como, de resto, seria de esperar, considerando que a transcrição das referidas conversações se mostra junta nos autos a fls. 5 e ss. e dificilmente poderia ser posta em causa), mas antes sobre a questão de saber se o arguido sabia a idade das crianças, JM. e AA., ou se, pelo contrário, a desconhecia e não tinha motivos para acreditar que as mesmas fossem menores de 14 nos, saliente-se ter retirado das declarações daquele em audiência de julgamento o seguinte com interesse para a elucidação de tal questão: desempenhar o arguido funções como … há vários anos, alguns dos quais acompanhando jovens, nomeadamente, escuteiros e estudantes de seminário; ter-se registado no Facebook, após o que, a partir de Fevereiro de 2013, começou a conversar com a testemunha, D.S., mãe da menor, AA., através do programa de conversação instantânea disponibilizado por tal rede social, sendo que, no decurso das referidas conversas com a progenitora da menor, a referida criança, fazendo-se passar pela respectiva mãe, teria perguntado àquele por que razão não .havia aceite o pedido de amizade da mesma, ao que o arguido posteriormente acedeu a aceitar o convite da criança, ficando amigo de Facebook desta e passando a conversar com a mesma, mas sempre pensando, em função daquele equívoco e segundo declarações do próprio em julgamento, que estaria a falar com a progenitora da mesma, D.S.Sofia e, como tal, com uma adulta (apesar de tais conversas decorrerem através do perfil da referida AA.); ter sido a menor AA. a falar-lhe da JM., tendo o arguido – em 4/10/2013 - aceite o pedido de amizade de Facebook desta última e tendo as conversas com as menores decorrido nos termos mencionados nos factos provados, muito embora desconhecendo o arguido igualmente que esta última menor também tivesse idade inferior a 14 anos, uma vez que a mesma lhe havia dito que era mais velha (numa ocasião, teria dito que teria 20 anos, noutra que teria 17 anos). Salientou ainda o arguido que as menores não tinham nada nos perfis de Facebook que indicasse a respectiva idade, razão pela qual entende que não poderia saber que aquelas teriam menos de 14 anos.
Ora, procedendo-se à avaliação crítica das declarações do arguido neste ponto, saliente-se, antes de mais, que, não obstante decorrer de fls. 439 (conversa tida através do perfil da testemunha D.S.) e do depoimento da progenitora da criança Com efeito, referiu a depoente, D.S. que a menor lhe havia criado o perfil de Facebook e que sabia a sua password, o que depõe no sentido de poder ter comunicado com o arguido através do perfil da progenitora, apesar desta referir em julgamento que tinha dito ao arguido para não adicionar a referida AA.. Ora, na verdade, a conversa de fls. 439 não se mostra esclarecedora a esse respeito. que a menor AA. poderá ter escrito àquele a partir do perfil de Facebook da respectiva progenitora em 9/6/2013, perguntando-lhe por que razão não havia aceite o pedido de amizade que lhe havia enviado, o que poderia, nesse momento, ter confundido o arguido quanto à identidade da jovem, certo se afigura que todas as conversas tidas pelo mesmo com a referida menor a partir de Setembro (ou seja, passados não menos de dois meses) foram-no a partir do perfil de facebook da criança (no qual esta aparecia identificada pelo nome “AA.” e por uma foto sua – com aspecto claramente de criança ou de pré-adolescente - com uma técnica da Instituição Note-se que não haveria também possibilidade de o arguido confundir a menor AA. com a referida técnica da instituição que aparecia na fotografia (superior esquerda) de fls. 63, julgando que aquela seria esta. É que as outras fotografias existentes no perfil da menor eram da própria, mostrando a mesma imagem de criança ou, pelo menos, de pré-adolescente – cfr. fls. 63.), razão pela qual o arguido pura e simplesmente não poderia deixar de saber que estaria a falar com uma pessoa distinta da progenitora da jovem, tanto mais quanto inteiramente distinto o teor das conversas mantidas, por um lado, por aquele com a criança e, por outro, com a mãe da mesma (muito mais adulta neste caso e por parte de ambos os interlocutores, afigurando-se muito mais infantil – e também aí por ambos os interlocutores – no caso das conversas mantidas pelo arguido com as menores Veja-se fls. 441 a fls. 487 – conversas do arguido com a progenitora – e comparece-se com fls. 488 a 510 – conversas do arguido com a menor.), bem como a maneira de escrever da referida menor AA. por confronto com a maneira de escrever da respectiva progenitora (compare-se fls. 441 a fls. 487 com fls. 488 a fls. 510, daí resultando, a título de exemplo, que esta última trata o arguido por “senhor”, ao passo que a menor trata aquele por “tu”, sendo certo que a menor escreve com muito mais erros – e mais graves – que a referida progenitora).
Afastada assim a possibilidade de o arguido ter mantido conversas com a menor AA., julgando que estaria a falar com a respectiva progenitora, sobeja ainda a questão de saber se, por via da simples leitura das informações contidas nos perfis das menores, bem como por via do próprio teor da conversa mantida pelo mesmo com aquelas, o arguido poderia saber ou, pelo menos, admitir a possibilidade de estar a falar com crianças menores de 14 anos (com efeito, saliente-se mais uma vez que ambas as crianças revelaram apenas ter falado com o arguido através do Facebook).
Ora, quanto a esta questão, saliente-se que, muito embora as crianças, AA. e JM., em declarações para memória futura, tivessem admitido (o que também resulta da transcrição das respectivas conversas com o arguido nos autos) ter dito ao arguido que eram mais velhas (no caso da menor, AA., referindo ao arguido que teria 21 anos; no caso da JM., esclarecendo este que teria 17 anos e posteriormente 20 anos e novamente 17 anos – cfr. também fls. 9), este não se mostrou minimamente convencido das respostas das menores (cfr. a resposta deste à menor JM. a fls. 9 quando esta lhe comunicou uma idade falsa – “Ontem tinhas 20, hoje 17, mentes sempre assim” e depois, aparentemente zangado, mandando-as as duas à merda), o que claramente depõe no sentido de aquele saber que estas eram mais novas do que a idade que diziam ter, o que também se retira da circunstância de o arguido tratar ambas de forma muita mais familiar e desinibida em comparação com o tratamento dado à progenitora, D.S., mãe da AA.. Acresce que também nesse sentido depõem as próprias fotografias enviadas pelas menores ao arguido, as quais demonstram claramente serem aquelas – como, de resto, se retiraria das respectivas idades – bem mais novas com idades que, mesmo no caso da menor JM., mais velha, não poderiam ultrapassar os 14-15 anos (nesse sentido, cfr. depoimento da testemunha, João B., o qual confrontado com a foto da menor JM. de fls. 7, enviada por esta ao arguido antes da conversa de ambos sobre a idade daquela, se pronunciou no sentido de que a menor aí retratada teria 14-15 anos, embora, questionado sobre tal facto, tivesse referido que admitia perfeitamente a possibilidade de a mesma ter apenas – como efectivamente tinha - 12-13 anos na imagem; também no mesmo sentido depoimento da depoente Elisa F. que salientou não dar mais que 12-13 anos à jovem na referida foto Também a testemunha, José Rodrigues, referiu poder a rapariga na foto de fls. 7 ter 15-16 anos, admitindo, no entanto, que pudesse estar a avaliar mal e ser aquela mais nova.); mais do que isso, note-se que o arguido possuía mais conhecimentos sobre as menores que as referidas testemunhas, pois que tinha acesso aos perfis de facebook daquelas, perfis esses, nos quais, como já referido, as crianças forneciam várias informações pessoais que denotavam a respectiva idade real (veja-se, por exemplo, fotos de amigos menores da JM. a fls. 54, canto inferior esquerdo; fotos da menor AA. a fls. 63; informação constante em ambos os perfis das crianças da qual resultava que as mesmas frequentavam a escola básica – EB 2, 3 / S de Vila Flor - cfr. fls. 54 e 64; e informações sobre os respectivos gostos tipicamente pré-adolescentes: no caso da menor, JM., imagens de unhas pintadas, de flores, do filme “Sozinho em Casa”; no caso da menor, AA., fotos da própria e imagens de penteados com tranças), bem como havia conversado com as crianças por tempo suficiente para notar que as mesmas incorriam em erros ortográficos graves e notórios, compatíveis apenas com a idade que apresentavam (por exemplo, a menor AA. escreve “fases” em vez de “fazes” – cfr. fls. 14 – “ceres fazer camera” em vez de “Queres fazer câmara” – cfr. fls. 15 Sendo verdade que também a progenitora, D.S., escrevia com erros ortográficos, mostra-se notória uma diferença de número e gravidade dos erros cometidos pela aquela em comparação com os erros de português da menor. Ora, tal facto, não só denunciaria ao arguido estar a falar com pessoas diferentes, como também, e no caso da menor, a falar com uma criança – muito possivelmente - com menos de 14 anos de idade.). Mais do que isso – se necessário fosse – note-se que a conversa do arguido com a menor JM. em que esta lhe pergunta se conhece uma rapariga chamada “AA.” filha de uma tal “…..” de … denunciaria ao arguido que se tratava da referida AA., com a qual aquele já falava nessa altura no facebook e que, afinal, seria filha da testemunha D.S., com a qual o arguido havia mantido contacto (o que também este saberia, de resto, tendo em conta a conversa – já mencionada - da referida AA., fazendo-se passar pela progenitora e perguntando ao arguido por que razão havia aceite o pedido de amizade da “AA.”); ora, sendo a menor AA. filha da aludida testemunha, D.S., a qual já havia dito ao arguido que tinha 30 anos, óbvio se torna que a referida criança dificilmente poderia apresentar mais de 13 anos. Por último, acrescente-se que o arguido – como admitido pelo próprio – é pessoa habituada a lidar com crianças e jovens, tendo em conta o respectivo trabalho com os escuteiros e estudantes de seminário, razão pela qual lhe seria muito fácil compreender – em face de tudo quanto vem de ser referido – que as menores poderiam, com grande probabilidade, ter menos de 14 anos de idade.
Nesse sentido, embora sendo de admitir que o arguido não soubesse com 100% de segurança que as menores tinham idade inferior a 14 anos, forçoso se torna igualmente concluir que o mesmo admitiu necessariamente tal possibilidade como fortemente provável e que se conformou com a mesma, enviando às crianças fotografias de natureza sexual e tendo com as mesmas conversas de cariz marcadamente sexual para sua gratificação e excitação nesse âmbito.
Eis, pois, por que razão se deu como provado o teor dos pontos 6) a 24) dos factos provados, dando-se, no entanto, como não provado o teor da alínea A) dos factos não provados.
Prosseguindo, o teor dos pontos 25) e 26) dos factos provados resulta, por um lado, das declarações do arguido sobre as suas circunstâncias familiares, sociais e económicas, e, por outro lado, do CRC do mesmo junto nos autos (quanto à suspensão de funções a que o arguido se encontra sujeito, cfr. informação e fls. 250).
Finalmente, e quanto ao teor dos pontos 27) e 28) dos factos provados retirou-se das declarações das menores, bem como dos depoimentos conjugados das testemunhas, CC., AA. P. e D.S, que aquelas ficaram significativamente perturbadas e com sentimentos de vergonha e de culpa pelo sucedido, tanto mais quanto foram confrontadas de forma persistente no que respeita a respectiva conduta temerária na Instituição (tendo sido interrogadas várias vezes por diferentes técnicos da Instituição); da mesma forma, atentas as regras da experiência comum, também se não duvida que tal tristeza pelo respectivo envolvimento no episódio permaneça ainda hoje.
Pelo exposto, deu-se como provado o teor dos pontos 27) e 28) dos factos provados.
Sem prejuízo, e não tendo a menor AA. quando confrontada com as consequências do respectivo envolvimento na situação dos autos, referido que tivesse tido insónias e quaisquer problemas relacionados com o sono em função do sucedido, julga-se não bastar – para dar como provado tal facto - o depoimento da respectiva progenitora nesse sentido (tanto mais quanto a menor se encontra institucionalizada há vários anos, podendo, nesse sentido, eventuais problemas de sono estar relacionados com outras circunstâncias igualmente difíceis da respectiva vida); o mesmo se refira, de resto, também quanto à frase aludida na alínea C) dos factos não provados, a qual também não foi referida pela menor em declarações para memória futura, mas antes pela mãe (e, ainda assim, sem que de tal depoimento da progenitora resultasse que tal frase – a ser verdadeira, o que não se mostra possível de aferir com a necessária certeza - passasse de um desabafo em função de a respectiva mãe ter de prestar declarações em Tribunal).
Eis, pois, por que razão se não deu como provado o teor das alíneas B) e C) dos factos não provados.»
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O recorrente sustenta que a factualidade que foi considerada como provada não permite a subsunção das suas condutas à previsão legal do tipo subjetivo do artigo 171.º, n.º 3, al. a) do Código Penal, que é um ilícito doloso. Resultando a conclusão contrária retirada pelo tribunal a quo de manifesta confusão entre dolo eventual e negligência, o que inquina a sentença dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável e do erro notório.
Vejamos.
Os dois crimes em causa nos autos e pelos quais o recorrente foi condenado são ambos o de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo artigo 171.º, n.º3, al. b) do Código Penal, que dispõe:
«3. Quem:
(...)
b) Atuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objeto pornográficos;
é punido com pena de prisão até três anos.»
No que respeita aos elementos objectivos deste tipo de crime – que pode ser cometido por qualquer pessoa – a ação típica consiste precisamente em atuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espetáculo ou objeto pornográficos.
Exigindo o tipo subjetivo o dolo, em qualquer das suas modalidades: direto, necessário ou eventual Estando afastada a punição a título de negligência, uma vez que a lei tal não prevê expressamente, conforme resulta do artigo 13.º do Código Penal..
O recorrente não impugna a subsunção das suas apuradas condutas ao tipo objetivo do crime em apreço, circunscrevendo a sua discordância a que elas se possam qualificar como dolosas e, como tal, preencher também o respetivo tipo subjetivo, precisamente por dos factos provados não resultar que ele tivesse conhecimento da idade das ofendidas.
E efetivamente, como sustenta o recorrente, para o preenchimento do tipo subjetivo deste ilícito é necessário que o dolo, pelo menos sob a forma de dolo eventual, abranja todos os elementos constitutivos do tipo, entre os quais se conta também, in casu, que a vítima seja menor de 14 anos de idade.
Não se pode contudo olvidar que o dolo eventual – que é a forma mais mitigada de dolo do tipo – consiste na conformação do agente com as consequências possíveis (de acordo com a teoria da conformação) e não na vontade de querer praticar um facto sabendo que se infringe a lei Como decorre da respetiva definição, constante do n.º 3 do artigo 14.º do Código Penal.. Podendo falar-se de dolo eventual a propósito de todas as circunstâncias e consequências com que o agente, em vista da autêntica finalidade da sua ação, se conforma com a verificação das mesmas.
Nas palavras de Taipa de Carvalho, «o que é decisivo para a afirmação de um tipo de ilícito doloso (...) é que o agente, que representa a possibilidade de a sua conduta realizar um facto descrito num tipo legal, aceite correr esse risco. Se este risco se vem a concretizar na realização do facto típico, pode afirmar-se que entre o agente e este seu facto há uma conexão psicológico-volitiva, suficiente para a afirmação do dolo.» Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal Parte Geral, 2ª ed. Coimbra Editora, p. 327.
Revertendo novamente ao caso sub judice, consta do elenco dos Factos Provados, que não foram sequer impugnados, o seguinte:
«21. O arguido admitiu – com forte probabilidade - que, à data dos factos referidos em 1) a 18), as referidas crianças AA. e JM. pudessem ser menores de 14 anos, mais admitindo que, em razão da idade das referidas crianças, as mesmas não tivessem a capacidade e o discernimento necessários a uma livre decisão, nem tão pouco tivessem a capacidade para entender a gravidade e a natureza das conversas que o arguido mantinha com as mesmas, bem como das fotos que o arguido lhes disponibilizou e das propostas que este lhes dirigiu, não obstante, conformando-se o arguido com tal possibilidade e querendo levar a cabo as condutas descritas em 1) a 18).»
Ora, das considerações efetuadas decorre já que para a imputação subjetiva dos factos ao arguido, designadamente no que respeita à idade das vítimas, a afirmação do dolo (eventual) pode ser feita com base na persistência da possibilidade, na representação do agente, de o elemento típico se verificar no caso e nem por isso aquele se coibir de atuar Precisamente neste sentido, cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2ª ed., Coimbra editora, p. 841, e demais doutrina e jurisprudência aí citada..
Resultando claramente da factualidade apurada e acima transcrita, que o arguido atuou conformando-se com a possibilidade de as vítimas serem menores de 14 anos e, mesmo assim, para sua gratificação sexual, com elas manteve conversas de natureza pornográfica, aceitando correr o risco de essa sua conduta se concretizar na realização do facto típico. Que é quanto basta para a imputação subjetiva dos factos ao arguido a título de dolo eventual.
Não havendo qualquer hipótese de confusão com a atuação negligente, ainda que consciente, já que ao nível do plano volitivo a posição do agente é completamente distinta em cada uma delas. Na negligência consciente o agente atua sempre sem se conformar com a realização do tipo de crime e no dolo eventual o agente atua conformando-se com a realização do tipo de crime, como resulta diretamente dos artigos 14.º, n.º 3 e 15.º, al. a) do Código Penal Artigo 14.º, n.º 3:
«Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela realização.»
Artigo 15.º, al. a):
«Age com negligência quem (...) representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas atuar sem se conformar com essa realização.».
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Analisada a sentença recorrida à luz da exposição antecedente, facilmente se alcança que a factualidade nela considerada como apurada suporta perfeitamente a decisão de direito – sem quaisquer hiatos, incompatibilidades ou contradições – designadamente no que toca à subsunção jurídica das condutas do arguido aos dois crimes de abuso sexual de crianças, previstos e puníveis pelo artigo 171.º, n.º3, al. b) do Código Penal, pelos quais foi condenado.
Nela não se vislumbrando qualquer dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável e/ou do erro notório, previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal. Vícios esses que, aliás, o recorrente aponta à sentença sempre e apenas na perspetiva de que não foram considerados provados factos que permitam a imputação das suas condutas à previsão legal do tipo subjetivo do artigo 171.º, n.º 3, al. a) do Código Penal, ainda que a título de dolo eventual, o que, como já vimos, não corresponde de modo algum à realidade, antes assentando em manifesto equívoco do recorrente quanto à definição legal do dolo eventual.
Assim naufragando totalmente o recurso.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso do arguido Pedro V.L..
Custas pelo recorrente, fixando-se em 6 (seis) UCs a taxa de justiça.
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Guimarães, 5 de dezembro de 2016