Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
267/13.4TBMGD.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
RECONHECIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- No contrato de empreitada referente a um imóvel destinado, por sua natureza, a longa duração, o dono da obra tem o prazo de um ano, a contar da aceitação da mesma, para a denúncia dos defeitos que, a partir daí, venha a ter conhecimento, tendo embora como limite o prazo geral de garantia, que é de cinco anos a contar da entrega da obra.
2- Além disso, o dono da obra tem igualmente o prazo de um ano, contado da denúncia dos defeitos, para o recuso às vias judiciais, com vista à afirmação e reconhecimento dos direitos que a lei lhe confere.
3- Equivale, no entanto, à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito.
4- Mas este reconhecimento não equivale, sempre e necessariamente, ao reconhecimento de todos os direitos que a lei confere ao dono de obra. O empreiteiro, na verdade, pode constatar uma desconformidade na obra, mas negar a sua responsabilidade na ocorrência da mesma.
5- Por conseguinte, o reconhecimento do defeito, em princípio, só desonera o dono de obra, da denúncia. Não já da propositura atempada da ação de responsabilização do empreiteiro tendente à afirmação dos já referidos direitos. Aquilo que o liberta da caducidade associada a essa ação é o reconhecimento desses mesmos direitos pelo empreiteiro.
6- Mas este reconhecimento, por outro lado, no caso de se tratar de uma ação judicial a intentar, também não tem de corresponder aos exatos termos da sentença que naquela deva ser proferida.
8- O reconhecimento do defeito pelo empreiteiro, com a concretização de iniciativas sérias para o solucionar, deve ser havido também como impeditivo da caducidade do direito de ação do dono de obra.
9- No contrato de empreitada, não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada para a finalidade a que a mesma se destina.
10- A inadequação da obra é, assim, neste contexto, o requisito específico para a resolução do contrato e deve ser, objectiva e subjectivamente, relevante em relação à finalidade típica e/ou convencionada, bem como deve ainda ser definitiva e irreversível, dentro de um critério de razoabilidade e de boa-fé.
11- Não preenche este requisito a resolução de um contrato de empreitada relativo a uma obra de construção/ampliação de um anexo a uma habitação, em que, antes dessa resolução, foram corrigidos os defeitos quer pelo empreiteiro, quer, posteriormente, e na parte restante, por um terceiro contratado pelo dono de obra.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório
1- Maria E, residente na Rua Fonte Figueira n.° 22, na localidade de Estevais, freguesia de Castelo Branco, concelho de Mogadouro, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra Luís M, residente na Rua do Cemitério Velho, na mesma localidade de Estevais, alegando, em breve resumo, que, no decurso do mês de agosto de 2011, celebrou com o R. um contrato de empreitada tendo por objeto a ampliação/edificação de um anexo à sua casa de habitação, pelo qual lhe pagou 8.000,00€.
Sucede que, passado pouco tempo, após lhe ter sido entregue a referida obra, começou a detectar nela diversos defeitos que oportunamente transmitiu ao R, pedindo-lhe, por si e por intermédio das suas filhas, que os eliminasse, o que o mesmo se recusou a fazer.
Viu-se, por isso, obrigada a adjudicar essa reparação a um outro empreiteiro, sofrendo com esta situação diversos prejuízos que enumera.
Pede, assim, que se reconheça e declare a resolução do contrato de empreitada que celebrou com o R. e que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de 8.000,00€, que lhe entregou a título de preço, e indemniza-la numa quantia de 3.000,00€, a título de danos não patrimoniais.
Subsidiariamente, pede ainda que lhe sejam entregues as referidas quantias, a título de enriquecimento sem causa.
2- Contestou o R. refutando esta pretensão por a obra em causa não padecer dos defeitos indicados pela A., nem, mesmo que padecesse, ser tempestivo o pedido para a eliminação dos mesmos. Tal direito, a existir, caducou, por falta de denúncia atempada. Além disso, também não assiste à A. o direito à resolução do contrato, nem o de receber qualquer quantia a título de enriquecimento sem causa, pois que, além de ter recebido a obra, não podendo, portanto, restituir a prestação que recebeu da sua parte, também não foi nas obras por si realizadas que se verificaram os defeitos indicados pela A.
Daí que peça a procedência da referida exceção de caducidade ou, subsidiariamente, e em qualquer caso, a sua absolvição do pedido.
3- Na tréplica, a A. impugnou a versão do R., pedindo a condenação do mesmo como litigante de má-fé, o que este, em resposta, rejeitou.
4- Aperfeiçoada a petição inicial, com o consequente contraditório, no qual o R. excepcionou também a caducidade do direito de ação da A., foi seguidamente, realizada a audiência prévia na qual, além do mais, se conferiu a validade e regularidade da instância, se fixou o valor da causa, se especificaram o objecto do litígio e os temas da prova, tendo sido relegada para momento posterior a apreciação da excepção de caducidade arguida pelo R.
5- Realizou-se, depois, a audiência final, após a qual foi proferida sentença que julgou improcedente a exceção de caducidade arguida pelo R. e, quanto ao mais, declarou resolvido o contrato de empreitada verbalmente celebrado entre a A. e o R. e condenou este último a restituir àquela o montante de 8.000,00€, que a mesma havia pago a título de preço, quantia esta à qual acrescem juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Na parte restante, o R. foi absolvido do pedido.
6- Inconformado, reagiu o R, terminando as suas alegações recursivas com o seguinte quadro conclusivo:
“1. O Tribunal o quo julgou improcedentes as exceções de caducidade na eliminação dos defeitos e do direito de ação da A, tendo por fundamento que a A denunciou os defeitos e o R. reconheceu os mesmos.
2. Com tal fundamentação o ora Apelante não pode estar de acordo, pois que, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não resultou cabalmente, e sem qualquer dúvida, provado, que os defeitos tivessem sido denunciados ao R. conforme alegou a A, apenas tendo chegado ao conhecimento do R. a carta com data de 12/07/2013, (facto 20 dado como provado) dando conta dos defeitos que a obra padecia.
3. Tendo em consideração que ficou provado, que o A teve conhecimento que a lareira não escoava fumo do seu interior no noite de 31 de dezembro de 2011 para 1 de janeiro 2012 (facto 6), e que em Março/ Abril de 2012 existiam manchas de bolores, fissuras na cobertura e no teto, que provocaram infiltrações de água e o acumular de humidades no seu interior, ao longo de toda a placa e nas paredes (facto 7) e que estando no período das férias da Páscoa desse ano, entre o dia 5 a 9 de Abril, toda a obra cheia de manchas, fissuras e com infiltrações do chuva, tendo sido enviada carta ao R. a 12/07/2013 (facto 20) a comunicar os defeitos, entende o ora Apelante que o prazo para a denuncia dos defeitos e eliminação dos mesmos caducou face ao que dispõe art.º 1224.°, n.º 1 do CC., uma vez que entre a descoberta dos defeitos e a comunicação dos mesmos decorreu mais de um ano.
4. A denúncia tem de ser feito de forma concreta e minuciosa, sendo necessário que os defeitos sejam indicados de forma precisa, para que ao empreiteiro seja dado a possibilidade de analisar a sua natureza e relevância, citando, paro o efeito, Romano Martinez e, ainda, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 9/2/10.
5. Discorda o Apelante que o mesmo tenha reconhecido algum defeito nos termos em que foi dado como provado na douta sentença do tribunal a quo, designadamente, facto 11, “O R. procedeu à instalação do recuperador, em Janeiro de 2012, pago pelo A.” e facto 12 e 13 “Em relação aos defeitos referidos em 7., o R. procedeu à aplicação de um produto impermeável na placa”, (facto 13) “A aplicação do produto impermeável na placa ocorreu depois das férias do Páscoa de 2012 entre o dia 10 e o 30 de Abril, matéria esta que o ora apelante impugna.
6. Não é qualquer atitude do empreiteiro que pode ser reputada como sendo um reconhecimento: o procedimento do responsável tem de ser claro, no sentido de aceitar que o cumprimento se apresenta como defeituoso.
7. Não cremos pois que tenho sido feita prova suficiente de que o R. reconheceu os defeitos e se propôs a elimina-los, e que dessa forma tais atos tivessem impedido a caducidade do direito do A, seja na eliminação dos defeitos, seja no caducidade do direito de pedir o resolução, pois que, “o ato de reconhecimento com capacidade impeditiva do caducidade do direito será aquele que produz o mesmo resultado que se alcançaria com a prática tempestivo do ato que a lei ou a convenção atribuem efeito impeditivo (Dr. Vaz Serra, Prescrição extintiva e caducidade, BMJ 107, pág. 232, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado volume I, pág. 296, Acórdão do STJ de 29-06-2010, CJ do STJ ano XVIII, tomo 2, pág. 120).”
8. Tanto dos articulados como de toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, apenas resultou provado que esses defeitos chegaram ao conhecimento da A, contudo nenhuma prova se fez quanto às datas em que se fez a denuncia e que defeitos foram efetivamente denunciados, sendo sempre tais factos alegados de forma vaga e insuficiente
9. A única denúncia que chegou ao conhecimento do R. foi a carta datada de 12.07.2013, e relativamente ao parecer de 28.09.2013 de fls. o R. só teve conhecimento do mesmo com a notificação da presente ação.
10. Verifica-se, pois, que os concretos meios probatórios constantes do processo e da gravação nele realizada, impunham uma decisão diversa quanto aos pontos da matéria de facto impugnada, factos 11. 12. 13. 14. 15. 16. 18. que a douta sentença deu como provados, devendo ser alterada a decisão proferida sobre os pontos 11. 12. 13. 14. 15. 16. 18 da matéria dada como provada na douta sentença, no sentido de que os defeitos apenas foram comunicados por escrito a 12.7.2013 e que o R. não reconheceu os defeitos por deles não ter conhecimento em Janeiro de 2012 e Páscoa de 2012, entre o dia 10 e 30 de Abril.
11. Considera pois o ora Apelante, ter existido erro na apreciação da matéria de facto, devendo ser reapreciada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
12. Quanto à caducidade do direito de ação da A e, tendo o Tribunal a quo dado como provado/assente as referidas datas, ou seja, que a obra foi entregue o 28.12.2011, o defeito da lareira foi denunciado a 1.01.2012, e que o ação foi intentada em juízo o 30.12.2013, o tribunal o quo dispunha de todos os elementos para apreciar a caducidade do direito de ação.
13. Resultando da prova produzida que, como se diz na sentença recorrida, que a obra foi entregue a 28.12.2011 (facto 5), que as deficiências detetadas na lareira foram comunicadas ao reu a 1.1.2012 (facto 6 e 10), não tendo sido dado como provado as datas ou altura do ano em que foram denunciados os defeitos enunciados em 7. e 8. dos factos dados como provados, e que a presente ação foi proposta em 30.12.2013, constata-se que a denúncia dos defeitos foi feita dentro do prazo de 1 ano previsto no art.1225°, nº 2, mas que a ação de resolução do contrato e respetiva indemnização foi instaurado depois de ter decorrido o prazo de 1 ano previsto no art.1225.º, n.º 2 e art.º 1222.° e 1224.°, n.º 1, ambos do CC.
14. Tendo sido dado como provados os factos respeitantes às datas de entrega da obra, denúncia dos defeitos e assente a data da propositura da ação, outra decisão deveria ter sido tomada pelo tribunal a quo, verificando-se erro notório na apreciação da matéria de facto, devendo ser julgado totalmente procedente a exceção invocada pelo R. ora apelante, ou seja da caducidade do direito de ação.
15. A A. através da presente ação veio requerer que se reconhecesse e declarasse que a A. tinha direito à resolução por culpa exclusiva do R., uma vez que os vício e defeitos tornam inadequada a obra para os fins a que se destina, devendo o R. ser condenado o restituir o preço.
16. O exercício dos direitos do dono da obra obedece a uma hierarquia, sendo certo que em primeiro lugar poderá exercer o direito à eliminação dos defeitos, se não puderem ser eliminados terá direito a uma nova construção, em terceiro lugar poderá exigir a redução do preço e, por fim a resolução do contrato, atento o disposto nos artigos 1221° e 1222° do C.C..
17. A resolução do contrato será assim, a último ratio e exige o preenchimento de dois requisitos: a recusa do empreiteiro em eliminar os defeitos ou executar obra nova (após sentença nesse sentido) e que tais defeitos tornem a obra inadequada para o fim a que se destina, nos termos do artigo 1222° do CC.
18. Sendo a carta com a denúncia dos defeitos e respetiva interpelação para eliminação dos mesmos, datado de 12.07.2013, a obra entregue a 28.12.2011, ou seja, 19 meses após a entrega da obra, entende o Apelante que o direito da A. tinha já caducado, seja o da denúncia dos defeitos, seja o direito à ação, não sendo, por isso, exigível ao R. que fizesse a correção dos defeitos ali denunciados.
19. Dos depoimentos das testemunhas, resulta que as obras se situaram o nível do placa do anexo, não sendo preciso deitar a baixo a obra edificada pelo R. e construir uma nova.
20. Dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento não resulta que a obra fosse inadequada ao fim o que se destinava, não devendo, o tribunal a quo declarado resolvido o contrato, pois que também aqui falece o 2.° requisito para proceder à declaração da resolução, fazendo o tribunal ad quo uma errada apreciação da prova e aplicação do direito.
21. Assim, a solução adequada ao caso seria a redução do preço e não o resolução do contrato.
Sem prescindir,
22. Ainda que fosse declarado resolvido o contrato, o tribunal o quo não se pronunciou sobre os efeitos dessa resolução relativamente à A para com o R., pois que havendo lugar à resolução, dever ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (289.°/1 e 423.° e ss do CC).
23. Assim, não estando a A em condições de devolver o que foi prestado pelo empreiteiro por não ser razoável a destruição da obra, pois a retroatividade não se harmoniza com fim da resolução, o tribunal a quo não deveria reconhecer à A o direito à resolução e devolução do preço, sem que o A fosse também condenado a uma compensação restitutória para com o R..
24. Verifica-se assim que houve por parte do tribunal a quo uma omissão de pronúncia quanto aos efeitos de resolução do contrato de empreitada, nomeadamente, à eficácia retroativa da destruição do negócio para ambas as partes, uma vez que apenas determinou a prestação relativamente ao R. sem que tivesse definido a contraprestação para a A.
25. Por outro lodo, sempre se poderia chegar a outra conclusão, isto é, não estando a A em posição de cumprir com a devolução dos materiais, não poderia o mesmo requerer a resolução do contrato, sendo que e, atentas as correções posteriores efetuadas por terceiro, que apenas se localizaram no placa do anexo e respetivo teto, conforme se pode aferir do depoimento do próprio empreiteiro que levou a efeito essas correções e da testemunha Adélia Moreno, filho do A, cremos que a solução que melhor se adequa ao caso será a redução do preço e não o resolução do contrato, sob pena até de enriquecimento da própria A, que fica com a edificação contratada e com a totalidade do preço, à custo do empobrecimento do R..”.
Pede, assim, a revogação da sentença recorrida e a sua absolvição dos pedidos da A.
7- Por sua vez, a A. respondeu pugnando pela improcedência do recurso do R., mas, em simultâneo, interpondo recurso subordinado, que conclui deste modo:
“1ª A recorrente peticionou a condenação do R. a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais e
2ª o Tribunal “a quo” decidiu absolver este porque já havia decorrido mais do que um ano sobre a denúncia/aceitação dos defeitos
3ª e por entender que o prazo legal estipulado tinha sido ultrapassado, não pode ser feito valer o direito peticionado, porque caduco.
4ª Da matéria alegada na p. i. e da matéria provada, conclui-se que o R. é um empreiteiro, se obrigou a fazer uma obra com a finalidade de habitabilidade, que o preço foi pago, que a impermeabilidade era notória, que se recusou a reparar os defeitos, que as continuas infiltrações da chuva levou a haver 14 baldes e recipientes a aparar as águas da chuva e que o R. de forma categórica e séria comunicou a sua intenção de não cumprir ... e
5ª é um facto notório, e até resultou da inquirição das testemunhas do seu circulo familiar, que a A. é pessoa idosa, reformada e doente e que sofreu muito com toda esta situação, a qual lhe causou nítidos incómodos, chatices e desgostos,
6ª pelo que, os danos não patrimoniais sofridos pela A. são dignos de tutela jurídica e deve ser indemnizada na quantia peticionada,
7ª até porque o Tribunal “a quo” fez errada interpretação do regime especial do art. 1225º nº 2 que refere que a indemnização tem de ser pedida no ano seguinte à denúncia,
8ª e foi o que, in casu, sucedeu, pois, a denúncia foi feita no decurso do ano de 2012 e a respectiva indemnização, com a entrada da p. i. em 2013, ocorreu no ano seguinte à denuncia,
9ª sem prejuízo do direito que à A. sempre assistia de ser indemnizada nos termos gerais, porquanto pode ser cumulada com outros direitos.
10ª Quanto á absolvição do R. do pedido de litigância de má - fé por não se verificarem os seus pressupostos, com todo o respeito, não podemos concordar com tal decisão.
11ª De facto, atenta a matéria provada, totalmente oposta á alegada pelo R., este, nesta, chega ao cúmulo de negar a existência do contrato de empreitada, que nada recebeu a título de preço, que fez pequenas obras de manutenção e conservação e que não procedeu sequer às obras das quais reclama a A. defeitos.
12ª Ora, tendo-se provado o seu oposto, dúvidas não podem subsistir quanto á litigância de má-fé do R. visto que, com dolo e negligência grave, nega a existência de um contrato de empreitada para a realização de uma obra com função de habitabilidade
13ª com a perfeita consciência de não ter razão, atentos os laços pessoais e familiares existentes e o meio em que tudo ocorreu.
14ª A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1225º nº2, 1223º e 562º e segs. do C. C. e o artigo 542 nº l e nº2 do C.P.C.
15º Atendendo ao sumariamente exposto, deve a decisão recorrida ser, nesta parte, substituída por acórdão que condene o R. a pagar à recorrente 3.000,00 € a título de danos não patrimoniais e ser ainda condenado como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor da A.”.
8- Recebidos ambos os recursos e preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Mérito dos recursos
1- Definição do seu objecto
O objecto dos recursos, em regra e ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, nº 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil).
Assim, observando este critério no caso presente, o objecto destes recursos reconduz-se, essencialmente, às questões seguintes:
a) Em primeiro lugar, saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto, pretendida pelo R.;
b) Em segundo lugar, aquilatar se ocorre a exceção de caducidade arguida pelo R.;
c) Em terceiro lugar, determinar se a A. tem direito à resolução do contrato e, na afirmativa, quais as respectivas consequências jurídicas e patrimoniais;
d) Em quarto lugar, decidir se a A. tem direito à indemnização pelos danos não patrimoniais, que reclama.
e) E, por fim, aferir se o R. deve ser condenado como litigante de má-fé.
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2- Fundamentação
A- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1- Durante o mês de Agosto de 2011 a A. e o R., por este exercer profissionalmente a actividade de empreiteiro de construção civil e ser familiar daquela, acordaram verbalmente a celebração de um contrato de empreitada, nos termos do qual o R., e no exercício da sua actividade profissional, se obrigava a efectuar uma obra de ampliação/edificação de um anexo à casa de habitação da A., com finalidade de habitabilidade, nomeadamente, de cozinha, sala de estar, convívio ou lazer, e de terraço.
2- A A. pela execução dos serviços efectuados, pagou ao R. a quantia de 8.000,00 euros, tendo-lhe entregue em mão, antes do início da obra, a quantia de 4.000,00 euros em dinheiro.
3- O R. efectuou a obra nos meses de Novembro e Dezembro de 2011.
4- Conforme havia acordado com a A., recebeu em mão os restantes 4.000,00 euros, também em dinheiro, estando assim pago a totalidade do preço convencionado.
5- A 28 de Dezembro de 2011 estava a obra pronta e foi entregue pelo R. à A.
6- Na noite de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro de 2012 a A. apercebeu-se que a lareira não escoava o fumo do seu interior.
7- Em Março/Abril de 2012 existiam manchas de bolores, fissuras cobertura e no tecto, que provocaram infiltrações de água e o acumular de humidades no seu interior, ao longo de toda a placa e nas paredes.
8- Estando no período das férias da Páscoa desse ano, entre o dia 5 a 9 de Abril, toda a obra cheia de manchas, fissuras e com infiltrações da chuva.
9- O não funcionamento da chaminé/lareira por não conseguir escoar o fumo do interior, ocorreu a primeira vez, aquando da passagem de ano de 31 de Dezembro para o 1 de Janeiro de 2012, altura em que a A. e as filhas estavam a celebrar tal evento.
10- A. A denunciou o defeito referido em 9. em 1 de Janeiro de 2012.
11- O R. procedeu à instalação do recuperador, em Janeiro de 2012, pago pela A.;
12- Em relação aos defeitos referidos em 7. o R. procedeu à aplicação de um produto impermeável na placa.
13- A aplicação do produto impermeável na placa ocorreu depois das férias da Páscoa de 2012 entre o dia 10 e o 30 de Abril;
14- Como a aplicação referida em 13. não surtiu qualquer efeito e a falta de impermeabilidade era notória, a A., por si só e por intermédio de terceiros, tornou a interpelar o R. persistindo na eliminação dos defeitos.
15- O R. recusou-se a reparar os defeitos, chegando mesmo a dizer que “já estava farto desta merda”.
16- Ainda assim, no decurso de 2012, a A. continuou a interpelar o R. no sentido de proceder á eliminação dos defeitos assinalados visto que a obra estava em constante degradação.
17- Em resultado dos defeitos chegaram a existir contínuas infiltrações da chuva pela placa, o que levou a que a A. chegasse a ter no interior 14 baldes e recipientes a aparar as águas da chuva.
18- Interpelações que continuaram a ser feitas também por intermédio das suas filhas que pediam ao R. para que fosse eliminar os defeitos assinalados por ser urgente impermeabilizar a placa do terraço.
19- O R. continuou a nada fazer e até de uma forma categórica e séria comunicou a sua intenção de não cumprir dizendo “não por mais os pés na obra”, como sucedeu.
20- Apesar desta recusa de cumprimento, ainda assim a A., agora por intermédio do seu Mandatário, a 12.07.2013 e por carta registada com A/R, interpelou novamente o R. nos seguintes termos: “no prazo de 40 dias, que se reputa razoável, exigir que o Sr. Empreiteiro elimine os defeitos/vícios existentes e os subsequentes à entrega” ... sob pena de, caso o não fizesse, a A. ter de “interpor a respetiva ação judicial para resolução do contrato e indemnização pelos prejuízos sofridos”.
21- O R. deixou passar este prazo e continuou a nada fazer, nada reparou.
22- A A. pediu um levantamento exaustivo e pormenorizado dos vícios/defeitos da obra a um conhecedor da arte, sendo o parecer, datado de 28.09.2013, nos seguintes termos: “a principal patologia construtiva é a falta de impermeabilidade da laje do terraço, que, regada com água, pouco tempo depois, esta surge no tecto da cozinha, pingando no tecto e escorrendo pelas paredes, tornando o aposento inabitável. Tal situação deve-se ao fato de não ter sido feita qualquer impermeabilização no terraço, sendo a laje aligeirada executada como se fosse servir um espaço interior. Acresce a isso, permeabilidade à água, a falta de cuidado no nivelamento da laje aligeirada que não é uniforme nem tem pendentes de forma a que a água escorra para fora do terraço, tendo zonas onde a água empoça. Devido à má qualidade estrutural da laje aligeirada, o que provoca vibrações e flexões exageradas, existe fendilhação anormal nas faces superior e inferior da laje o que acentua a sua permeabilidade. Na cozinha, devido às infiltrações da água através da laje, o tecto e paredes apresentam enormes manchas na pintura e devido à má qualidade estrutural, existe fendilhação no tecto, além de serem perceptíveis a localização das vigotas devido à reduzida espessura do reboco e inexistência de impermeabilização na laje. Pode-se concluir que a cozinha tem um aspecto insalubre. Também as paredes da cozinha apresentam elevada fendilhação devido a assentamentos pontuais das fundações devido á sua má qualidade construtiva.”.
23- Para eliminação definitiva de todos defeitos assinalados e face à recusa do R., a A. teve de entregar esta obra a outro empreiteiro, o qual a executou entre fins de Outubro e Novembro de 2013.
24- O R. executou e colocou os móveis de cozinha em madeira de castanho, substituindo-os por uns lá existentes.
25- Colocou um forno a lenha no logradouro da residência.
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B- Na mesma sentença, não se julgou provado que:
a) Por ser sobrinho da A. o R., com espirito de ajuda, colaborou nas solicitações que lhe eram feitas por parte da A. e seus familiares, sem que muitas das vezes, recebesse a respectiva contraprestação pelos serviços prestados.
b) Numa das muitas solicitações da A. e seus familiares, o R. executou em finais do ano 2011, pequenas obras de manutenção e conservação, na residência da A.
c) Rebocou e pintou o muro exterior da habitação, lajeou o passeio no exterior/logradouro da habitação, desde o portão de entrada à residência, procedeu à pintura exterior do alçado principal da habitação.
d) A quantia de 8.000,00€ (oito mil euros) para pagamento dos materiais aplicados é muito inferior ao que o R. normalmente receberia pelos serviços prestados a um terceiro.
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C) Da pretendida modificação da matéria de facto
Estão em causa os factos descritos nos pontos 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 18, do capítulo dos factos provados .
Na perspectiva do Apelante, a decisão relativa a estes factos deve ser modificada, de modo a que se julgue provado “que os defeitos apenas foram comunicados por escrito a 12.7.2013 e que o R. não reconheceu os defeitos por deles não ter conhecimento em Janeiro de 2012 e Páscoa de 2012, entre o dia 10 e 30 de Abril” (cl. 10.ª).
Ora, depois de escutar os depoimentos referidos pelo Apelante, ou seja, das testemunhas, Fernando J, Alberto A, Adélia F, Adriano F, bem como o da testemunha, Maria A, pensamos que só num aspecto pode ser reconhecida razão ao Apelante; ou seja, na parte em que se limita temporalmente a atuação do Apelante na colocação da impermeabilização da placa, ao dia 30 de Abril de 2012 (ponto 13 dos factos Provados). Para este facto concreto, na verdade, cremos que não há prova que o sustente, com suficiente segurança. Mas já em relação à demais factualidade impugnada, dúvidas não podem restar de que a mesma resulta confirmada pelos citados depoimentos; nomeadamente, os das filhas da A., Adélia F e Maria A.
É, assim, inequívoco que o R., através de um dos seus empregados, Fernando J, procedeu à instalação de um recuperador de calor, após lhe ter sido comunicado que a chaminé por ele construída não funcionava convenientemente, ou seja, não expelia convenientemente o fumo, tal é inequívoco que o R. procedeu à aplicação de um produto impermeável na placa de betão, com vista ao seu isolamento das águas pluviais, o que, de resto, o R. nalguma medida já tinha reconhecido na contestação (artigo 31.º). De qualquer modo, as indicadas filhas da A. também o comprovaram.
Certo é também, por outro lado, como adiantaram as mesmas testemunhas, que o referido isolamento foi realizado após as férias da Páscoa de 2012, pois que, nessa altura, ainda estava “toda a obra cheia de manchas, fissuras e com infiltrações da chuva” (ponto 8 dos factos provados). Mas, como adiantaram as mesmas testemunhas, esse isolamento, não surtiu qualquer efeito, o que as levou a elas e à mãe, ora A., a solucionar o problema recorrendo a um outro empreiteiro, Alberto A. Isto, depois de muito terem insistido com o R. no sentido de ser ele a encontrar essa solução. Mas sem êxito, visto que, como já está assente, sem impugnação neste recurso, “[o] R. continuou a nada fazer e até de uma forma categórica e séria comunicou a sua intenção de não cumprir dizendo “não por mais os pés na obra”, como sucedeu” (ponto 19 dos factos provados).
De entre toda a factualidade impugnada, pois, só o ponto 13 deve ver a sua redacção alterada, no seguinte sentido: “A aplicação do produto impermeável na placa ocorreu depois das férias da Páscoa de 2012, após o dia 10 de Abril desse ano”. No mais, mantém-se essa factualidade, tal como foi julgada pela instância recorrida.
D) Passemos, agora, à análise de uma outra problemática; ou seja, saber se ocorre a exceção de caducidade arguida pelo Apelante
Estão em causa dois direitos: o direito à denúncia dos defeitos e o direito à propositura da presente ação. Em relação a ambos, o Apelante defende que estão extintos por caducidade.
Mas, do nosso ponto de vista, não é assim.
Efetivamente, estamos perante um contrato de empreitada referente a um imóvel destinado por sua natureza a longa duração; mais propriamente, uma obra de ampliação/edificação de um anexo à casa de habitação da A., destinado a servir, além do mais, para cozinha, sala de estar, convívio ou lazer, e de terraço.
Assim, o prazo de caducidade de qualquer um dos referidos direitos é de um ano.
Um ano para a denuncia dos defeitos, contado desde a aceitação ou aceitação da obra com reservas, no caso desses defeitos serem conhecidos, ou, na hipótese contrária, um ano a contar do conhecimento superveniente desses mesmos defeitos, tendo embora sempre como limite o prazo geral de garantia, que é de cinco anos a contar da entrega da obra (artigos 1224.º, n.º 1 e 1225.º, nº 2, do Código Civil) .
E um ano também para o exercício do direito de acção relativamente aos direitos do dono da obra, contado da denúncia dos defeitos (artigo 1225.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil) .
Equivale, no entanto, à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito – artigo 1220.º, n.º 2, do Código Civil.
Mas este reconhecimento, note-se, não equivale, sempre e necessariamente, ao reconhecimento de todos os direitos que a lei confere ao dono de obra.
O empreiteiro, na verdade, pode constatar uma desconformidade na obra, mas negar a sua responsabilidade na ocorrência da mesma.
Por conseguinte, o reconhecimento do defeito, em princípio, só desonera o dono de obra, da denúncia . Não já da propositura atempada da ação de responsabilização do empreiteiro tendente à afirmação dos já referidos direitos. Aquilo que o liberta da caducidade associada a essa ação é o reconhecimento desses mesmos direitos pelo empreiteiro. Aí, sim, como estabelece o artigo 331.º, n.º 2, do Código Civil, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem o mesmo deva ser exercido, impede também a caducidade / .
Mas este reconhecimento, por outro lado, também não tem de ter exactamente o mesmo valor do acto que deveria ser praticado em seu lugar, como defende alguma doutrina, que assume nesta matéria uma interpretação absolutamente restritiva do aludido preceito; designadamente, quando se trate de uma ação judicial a intentar, exigindo que esse reconhecimento equivalha aos exatos termos da sentença que naquela deva ser proferida . Se assim fosse, como refere Pedro Romano Martinez , “as situações de impedimento da caducidade seriam diminutas; verificar-se-iam, por exemplo, para dispensar a denúncia, como expressamente dispõe o art.º 1220.º, n.º 2.
Mas mais importante que a questão literal é o facto de aquela interpretação restritiva levar a aceitar como válidas situações de manifesto abuso de direito. Ora a jurisprudência já tem considerado que não há impedimento da caducidade do prazo de garantia quando a vendedora reconheceu que o material fornecido tinha defeito, mostrando-se disposta a contribuir, em proporção a estabelecer, ou quando o empreiteiro, reconhecendo as deficiências da obra, prometeu repará-las, ou ainda quando o vendedor disse que reparava a coisa e até ofereceu cinquenta mil escudos ao comprador para este fazer a reparação por sua conta. Admitir em tais casos a impunidade do faltoso, mediante uma interpretação restritiva do n.º 2 do art.º 331.º não parece aceitável. Até porque perante as promessas daquele que cumpriu defeituosamente, é natural que o credor não recorra, de imediato, às vias judiciais”.
E conclui o mesmo Professor : “Dever-se-á admitir que o reconhecimento do defeito, com promessas de solucionar o diferendo, constitui um impedimento da caducidade, pois não está em contradição com a letra do n.º 2 do art.º 331º, e permite evitar que se considerem válidas situações violadoras do princípio da boa fé, designadamente da regra do venire contra factum proprium. Contudo, não é qualquer atitude do vendedor ou do empreiteiro que pode ser reputada como reconhecimento. Por exemplo, o facto de se requerer uma peritagem não é indício de que se tenha admitido a existência do vício. O procedimento do responsável tem de ser claro, no sentido de aceitar que o cumprimento se apresenta defeituoso”.
Isto porque – acrescentamos nós - o reconhecimento de um direito envolve sempre, nalguma medida, a confissão do mesmo pelo respectivo devedor e, simultaneamente, a renúncia à faculdade de se prevalecer dos factos susceptíveis de o extinguirem. Supõe, em suma, a vontade de cumprir.
Daí que esse reconhecimento embora não esteja sujeito a qualquer formalidade, deve, ainda assim ser inequívoco, ainda que expresso de forma tácita .
Pois bem, no caso presente, cremos que da conduta do R. se pode deduzir com total segurança que o mesmo reconheceu o direito da A. à eliminação dos defeitos na obra que realizou para a mesma. Em primeiro lugar, para eliminar o mau funcionamento da chaminé na tiragem dos fumos, aplicou, em Janeiro de 2012, um recuperador de calor. E, depois, para eliminar as infiltrações de água na placa, aplicou-lhe, após o dia 10 de abril de 2012, um produto para a impermeabilizar. Sinais inequívocos, portanto, de que o R. reconheceu o direito da A. à eliminação de tais defeitos.
É verdade que, pelo menos o último dos referidos remédios não surtiu qualquer efeito e que, na sequência das subsequentes interpelações da A., o R. acabou por se recusar a tomar qualquer outra iniciativa para eliminar, de vez, todos os defeitos da obra. Mas essa sua recusa, além de não estar temporalmente delimitada, também não tem por consequência abrir um novo prazo de caducidade. Como escreveu Vaz Serra , o reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do reconhecimento que interrompe a prescrição, “não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida” .
De modo que tendo a obra em causa nestes autos sido entregue pelo R. à A. em 28/12/2011, é evidente que nenhum dos direitos que a lei reconhece a esta última, foram extintos por caducidade.
Ainda que não por igualdade de razões, pois, a sentença recorrida é de manter, neste aspeto.
E) Passemos à análise da questão seguinte: saber se a A. tem, ou não, o direito à resolução do contrato de empreitada que celebrou com o R.
Na sentença recorrida reconheceu-se à A. este direito. E, nessa sequência, condenou-se o R. a restituir-lhe os 8.000,00€ que lhe havia pago, a título de preço.
Mas o R. não se conforma com este resultado; e considera, ao invés, que não estando demonstrado que a obra seja inadequada para o fim a que se destina, a solução para este litígio deve passar pela redução do preço e não pela resolução do contrato.
Será assim?
Deve começar por referir-se que, situando-se este diferendo no domínio dos direitos disponíveis, não pode o tribunal “condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido” – artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Por isso mesmo, a redução do preço, porque não foi pedida pela A., não pode ser oficiosamente decretada .
Resta, assim, por averiguar, como já dissemos, se à A. assiste, ou não, o direito à resolução do contrato já indicado.
Como ponto de partida para esta indagação deve ter-se presente que a resolução dos contratos é um meio jurídico para a sua dissolução, motivada pela ocorrência de um facto que lesa as legitimas espectativas e interesses de pelo menos uma das partes. Por isso mesmo, a lei e/ou o próprio contrato permitem que essa dissolução possa ter lugar, acabando de vez, como é regra, com todos os efeitos jurídicos já produzidos (artigos 432.º, n.º 1, e 434.º, n.º 1, do Código Civil) . E isso mediante simples declaração unilateral recipienda ou receptícia de uma das partes à outra (artigo 436.º, n.º 1, do Código Civil) .
No caso da resolução legal, é frequente a mesma derivar do incumprimento de prestações contratuais que estão a cargo de uma das partes. Não qualquer tipo de incumprimento, como é óbvio, mas, como é regra, de um incumprimento definitivo, com graves repercussões no equilíbrio das prestações previstas no próprio contrato. Seja porque, devido a esse incumprimento, o credor perdeu objectiva e subjectivamente todo o interesse na prestação do devedor, seja pelo decurso do prazo admonitório, seja ainda pela recusa do devedor em cumprir ou mesmo a impossibilidade, parcial ou total, de realização da prestação que está a seu cargo (artigos 793.º, n.º 2, 801.º, n.ºs 1 e 2, 802.º, n.º 1, e 808.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil) . Em qualquer caso, a resolução do contrato é um dos meios legalmente consentidos para tutelar os interesses do credor.
Mas, no caso do cumprimento defeituoso, há algumas especificidades que importa ter presentes. Na hipótese, pelo menos, do inadimplemento não culposo “o credor só pode resolver o negócio se, não sendo os defeitos da prestação eliminados ou a prestação substituída, a redução proporcional da sua contraprestação também não for a solução adequada por a prestação defeituosa não ser apropriada ao fim a que se destina” .
No caso do contrato de empreitada, o artigo 1222.º, n.º 1, do Código Civil, é bem explicito a este propósito: “Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina”.
Assim, “[o] direito de resolução, com fundamento no cumprimento defeituoso, tem natureza subsidiária, podendo apenas ser exercido quando o defeito não for eliminado, nem realizada nova construção, e é alternativo relativamente ao direito de redução do preço, mas restrito aos casos em que “os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina”, como refere o art.º 1222.º, n.º 1, in fine, do C.C.” .
Semelhante inadequação é, assim, neste contexto, o requisito específico para a resolução do contrato e corresponde, no fundo, ao afloramento da gravidade da falta que permite também idêntica solução para outras situações de incumprimento parcial (artigos 793.º, n.º 2 e 802.º, n.º 2, do Código Civil).
O que significa que essa inadequação deve ser, objectiva e subjectivamente, relevante em relação à finalidade típica e/ou convencionada, bem como deve ainda ser definitiva e irreversível, dado que não se justifica o recurso à resolução do contrato quando se está perante uma inadequação passageira e reversível .
Pois bem, tendo presente este enquadramento, cremos já estar em condições de responder à questão que formulámos; ou seja, saber se à A. assiste o direito de resolução que se propôs exercer através da presente ação .
Essa resolução teve por objecto um contrato de empreitada celebrado entre a A. e o R., destinado à ampliação/edificação de um anexo à casa de habitação da primeira, para nele ser instalada uma cozinha, sala de estar, para convívio ou lazer, e terraço. Nessa obra, porém, após a respectiva entrega à A., vieram a ser detectadas diversas anomalias em função daquele destino. Mais concretamente, o fumo era deficientemente eliminado pela chaminé e apareceram diversas fissuras no tecto, que provocaram infiltrações de água e a consequente acumulação de humidades na placa e paredes.
Por isso mesmo, a A. denunciou esses vícios construtivos ao R. e este, num primeiro momento, dispôs-se a corrigi-los. Instalou um recuperador de calor, para solucionar o problema do fumo, e aplicou um produto impermeável na placa, tendo em vista a eliminação das referidas infiltrações e os danos por elas produzidos.
Mas, pelo menos em relação a este último problema, não o conseguiu solucionar em definitivo.
Daí que a A., por si e através das suas filhas, tivesse insistido, por diversas vezes, na eliminação dos defeitos da obra. Mas, sem êxito. O R. recusou-se a fazer qualquer outro trabalho e transmitiu mesmo à A. que não poria mais os pés na obra.
Perante esta atitude, pois, é inegável que estamos perante um incumprimento definitivo da obrigação do R., prevista no artigo 1208.º do Código Civil; ou seja, a de “executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”.
Mas, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não cremos que esse incumprimento facultasse à A. a resolução do referido contrato de empreitada.
Como vimos, é essencial para o exercício deste direito que a obra seja definitivamente inadequada para o fim a que se destina. Que os defeitos que a atingem não sejam reversíveis, dentro, obviamente, de um critério de razoabilidade e de boa-fé.
Ora, a atitude posterior da A. mandando corrigir os defeitos e ficando a utilizar a obra é a demonstração inequívoca que aqueles defeitos não eram impossíveis de corrigir. Nem do ponto de vista técnico, nem mesmo do ponto de vista económico, à luz de um critério de razoabilidade, que a A. seguramente seguiu.
Daí que a A. pudesse ter direito a reduzir o preço ou mesmo a outras compensações, mas nunca a dissolver o contrato, pois que essa dissolução implica, como vimos, a restituição de tudo o que houver sido prestado ou, não sendo a restituição em espécie possível, o respectivo valor (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil), e a A. não se mostrou disponível para o fazer, nem parece que seja razoável impô-lo nesta fase quando os defeitos já foram eliminados.
De modo que nem a resolução do contrato pode ser legitimada, nem dela retiradas as consequências pedidas e decretadas na sentença recorrida, ao nível da restituição integral do preço à A..
F) E ao nível da indemnização pelos danos não patrimoniais, tem a A. direito à indemnização que reclama?
Na sentença recorrida respondeu-se negativamente a esta questão. Com este argumento essencial: “quando a acção entrou em juízo, com o respectivo pedido de indemnização, já havia decorrido mais do que um ano sobre a denúncia/aceitação dos defeitos, pelo que, tendo o prazo legalmente estipulado sido ultrapassado, não pode ser feito valer o direito peticionado, porque caduco”. E, para tanto, baseou-se no estipulado no artigo 1225.º, n.º 2, do Código Civil.
Ora, salvo o devido respeito, nem esta caducidade foi invocada pelo R., nem é de conhecimento oficioso (artigos 303.º “ex vi” 333.º, n.º 2, do Código Civil), nem, em qualquer caso, seria de chamar à colação para o efeito o regime estipulado no preceito referido.
Efetivamente, estamos, claramente, perante danos colaterais em que a A. pretende ser ressarcida com base na responsabilidade delitual e não na responsabilidade contratual do R.
Por conseguinte, não lhe é aplicável o regime de caducidade previsto no artigo 1225.º, n.º 2, do Código Civil, mas, sim, o prazo de prescrição previsto no regime que regula a ressarcibilidade desses danos . Como salienta Pedro Romano Martinez , “[n]o caso de ser pedida indemnização por danos extra rem, ao dono da obra não pode ser aplicado um prazo prescricional que, com respeito a esses prejuízos, o coloque em situação pior da que estaria nos termos do disposto no art. 498.º CC; ou seja, com respeito a tais danos, o comitente dispõe sempre do prazo de prescrição de três anos, a contar da data em que teve conhecimento do direito que lhe compete”.
De qualquer modo, mesmo seguindo esse regime e admitindo a ressarcibilidade dos “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” , a verdade é que, na factualidade provada, não há qualquer dado que nos permita reconhecer a existência desses danos. De modo que, sem esses dados, este pedido só pode improceder.
G) Resta, por fim, aferir se o R. deve ser condenado como litigante de má-fé
Dispõe o artigo 542.º, n.º 2 do Código do Processo Civil: “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Na sentença recorrida, concluiu-se que não se verificavam estes pressupostos.
Mas a A. insiste na posição contrária, afirmando, em síntese, que o R sempre atuou ao longo deste processo consciente de que faltava à verdade e que não tinha razão.
Ora, como acabámos de concluir, a pretensão da A. soçobrou por falta de prova dos pressupostos dos direitos reclamados, sem que se possa imputar ao R. qualquer responsabilidade nesse resultado. Designadamente, ao nível das consequências da reparação do cumprimento defeituoso do contrato. De modo que também esta pretensão deve soçobrar.
Em suma, procede o recurso do R. e improcede o recurso da A. e, consequentemente, a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que declarou resolvido o contrato de empreitada celebrado entre as partes e condenou o R. a restituir à A. o preço que esta lhe havia pago.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao recurso interposto pelo R., negar provimento ao recurso subordinado interposto pela A. e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida na parte em que declarou resolvido o contrato de empreitada celebrado entre as partes e condenou o R. a restituir à A. o preço que esta lhe havia pago.
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- Porque decaiu em ambos os recursos, as respectivas custas serão suportadas pela A., – artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
1 O R., na motivação do seu recurso, indicou outros pontos de facto, mas nas conclusões – que delimitam o poder cognitivo desta instância – restringiu a sua impugnação aos pontos indicados (cls. 5ª e 10ª).
2 Neste sentido, Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial), 2ª ed. Almedina, pág. 497.
3 Neste sentido, Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, 2012, Vol. II, Almedina, pág.447.
4 Como refere, Pedro Romano Martinez, ob cit., pág. 481, “Se o empreiteiro, após a prestação ter sido aceita, reconheceu a existência do defeito, não se justifica que a contraparte tenha de o denunciar. A denúncia seria então perfeitamente inútil”.
5 Neste sentido, João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 5ª ed Revista, 2013, pág.101, quando afirma que o reconhecimento do defeito “apenas exige um ato demonstrativo da percepção pelo empreiteiro dos defeitos da obra e não de assunção da responsabilidade pela sua verificação, o qual a ter lugar, tem efeitos mais extensos, impedindo a própria caducidade dos direitos do dono da obra”.
6 Como se assinalou no Ac. do STJ de 18/09/2014, Proc. 1857/09.9TJVNF.S1.P1, consultável em www.dgsi.pt: “ são situações diferentes aquelas em que o vendedor reconhece, de forma cabal e clara, o defeito denunciado, assumindo o compromisso inequívoco de o eliminar, e os casos em que o vendedor se limita a admitir, como possível ou plausível, a existência eventual do vício denunciado, assumindo as intervenções técnicas adequadas a confirmar a sua existência e causas, eliminando-o, caso se confirme a sua existência: no primeiro caso, o acto de reconhecimento inequívoco funciona como causa imediatamente impeditiva da caducidade, enquanto no segundo grupo de situações a mera admissão do vício da coisa e a realização de intervenções técnicas destinadas a confirmá-lo e eliminá-lo, quando existente, podem tornar abusiva a ulterior invocação da excepção de caducidade, sempre que os comportamentos assumidos pelo vendedor justificarem, em concreto, uma fundada confiança do comprador na desnecessidade de recorrer à via judiciária para ver satisfeito o seu direito”.
7 Designadamente, Vaz Serra, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 4ª ed. Revista, Coimbra Editora, pág. 296, quando refere que se se tratar de um prazo para a propositura de uma ação judicial, o “reconhecimento deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido”.
8 Pedro Soares Martinez, Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, 1994, pág. 427.
9 Pág 429.
10 Cfr. neste sentido, entre muitos outros, o Ac. STJ de 03/04/2008, Proc. 08B245 e o Ac. RC de 16/11/2010, Proc. 1998/08.6TBAVR.C1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
11 Em Prescrição Extintiva e Caducidade, n.º 118, BMJ n.º 107, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, no seu Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Ed. Revista, Coimbra Editora, pág. 296.
12 No mesmo sentido se pronuncia João Cura Mariano, ob cit., pág. 154. Como aí se refere, “[o] impedimento da caducidade resultante do reconhecimento do respectivo direito, não determina a contagem de novo prazo de caducidade, passando o exercício desse direito a estar sujeito ao prazo de prescrição ordinária”.
13 Neste sentido se pronuncia João Cura Mariano, ob cit. pág. 146, quando afirma o seguinte, com base no regime processual civil pretérito: “No caso do exercício judicial destes direitos, a alteração da opção, no decurso da ação, também terá que obedecer às exigências processuais estabelecidas nos art.ºs 272.º e 273.º, do C.P.C., não podendo o tribunal oficiosamente convolar o direito exercido, atenta a proibição estabelecida no art.º 661.º, do C.P.C.”.
14 Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª ed. Revista, Universidade Católica Editora, págs. 480 e 481.
15 Para melhor enquadramento desta figura podem ler-se, entre outros, Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 5ª ed. Revista, Universidade Católica Editora, págs. 480 e 481.
16 Mas não único, pois que pode derivar da alteração anormal das circunstâncias (artigo 437.º, n.º 1, do Código Civil).
17 Neste sentido, entre outros, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed., Almedina, págs. 90 e 91.
18 Batista Machado, Obra Dispersa, Vol I, pag.128.
19 João Cura Mariano, ob cit., págs. 121 e 122.
20 João Cura Mariano, ob cit., pág. 123.
21 Não mediante declaração judicial, mas através da comunicação à parte contrária, o R., operada através da citação.
22 Neste sentido, João Cura Mariano, ob cit., pág. 128 e a jurisprudência aí mencionada.
23 Ob cit., pág. 475.
24 Como é jurisprudência quase unânime – Neste sentido, entre outros, Ac. RLx de 05/05/2005, CJ, Tomo III, pág. 71 a 78, no qual se aborda de forma clara e convincente a ressarcibilidade do dano contratual negativo.