Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1303/20.3T8VRL.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM O RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
TERRENOS CONFINANTES ÁREA INFERIOR À UNIDADE DE CULTURA
CONCURSO DE PREFERENTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O direito real de preferência atribuído pelo art. 1380º, n.º 1, do Código Civil apresenta os seguintes pressupostos: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
II - Havendo vários proprietários de prédios confinantes com direito de preferência, haverá um concurso de preferentes, sendo este concurso dirimido de acordo com os vários critérios definidos nos n.ºs 2 e 3 do art. 1380º do CC.
III - No caso de o adquirente do prédio ser um proprietário de terreno confinante não há constituição de direitos de preferência a favor dos demais proprietários de terrenos confinantes e, consequentemente, não há concurso de preferentes.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

1. Relatório

F. O. e mulher A. C. instauraram contra (1ºs) M. P. e mulher M. T. e (2ºs) E. P. e mulher M. B., no Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, peticionando:
1) Ser declarado que assiste aos autores o direito de preferência na venda do prédio rústico versado no artigo 1º da petição inicial.
2) Condenar os 2ºs réus a ver isso decretado e, consequentemente, a abrir mão a favor dos autores, do prédio que adquiriram aos 1ºs réus.
3) Condenar os 1ºs réus a verem-se substituídos pelos autores, na versada venda, com as consequências legais.
4) Ser ordenado o cancelamento na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua, do registo da inscrição feito pelos 2ºs réus, com base na mencionada escritura.

Para tanto alegaram, em resumo, que, por escritura de compra e venda, os primeiros réus venderam aos segundos réus o prédio rústico que identificam, nos termos que consta da respetiva escritura.
Os autores são donos de um outro prédio rústico que identificam, o qual confina com o prédio objeto da compra e venda.
Nunca lhes foi dada a opção de exercerem a preferência, tendo tido conhecimento da venda por terceiros.
Cabe-lhes tal direito de opção, que pretendem exercer, já que os segundos réus não reúnem os requisitos necessários para prevalecerem sobre o direito de preferência que assiste aos autores.
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Citados, os réus apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da ação (cfr. fls. 21 a 25).
Para tanto alegaram, em síntese, não assistir razão aos autores, já que os segundos réus adquirentes também são proprietários de um terreno confinante, que identificam e continuam a exploração que era feita no prédio adquirido.
Mais alegam que, apesar de o seu prédio constar inscrito como prédio misto, tal só se verifica ao nível do registo predial, já que estão em causa um prédio urbano e um rústico, existindo uma predominância do rústico em termos de área, a qual, somada à área do prédio adquirido, se aproxima mais da área da unidade de cultura, que atualmente é de 4 ha, do que o prédio dos autores.
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Procedeu-se à audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, em que se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo sido identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e admitidos os meios de prova (cfr. fls. 30 e 31).
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Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 48 a 51).
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 80 a 89), nos termos da qual, julgando a ação procedente, decidiu:

1) Declarar que assiste aos autores o direito de preferência na venda do prédio rústico identificado no artigo 1º da petição inicial.
2) Condenar os segundos réus a ver isso decretado e, consequentemente, a abrir mão a favor dos autores, do prédio que adquiriram aos primeiros réus.
3) Condenar os primeiros réus a verem-se substituídos pelos autores, na versada venda, com as consequências legais.
4) Ordenar o cancelamento na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua, do registo da inscrição feito pelos segundos réus, com base na mencionada escritura.
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Inconformados com a sentença, dela interpuseram recurso os réus (ref.ª 41060381 – fls. 90 a 98), rematando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1- Em primeiro lugar, a presente acção não poderia ser julgada procedente na medida em que os AA. não alegaram e consequentemente não demonstraram um dos requisitos essenciais do direito de preferência nos termos do art. 1380.º do C. Civil, mais concretamente, que os RR. adquirentes não são proprietários confinantes, ou que sendo igualmente confinantes, como são, porque motivo o seu direito prevalece sobre o direito dos RR. adquirentes.
2- Também não alegaram que o prédio dos RR. adquirentes é um prédio misto, nem factos que permitissem concluir pela predominância do prédio urbano.
3- Como decidido no Ac. do STJ de 14 de Janeiro de 2021 “É sobre aqueles que se arrogam titulares do direito de preferência e que pretendem que lhes seja judicialmente reconhecido esse direito que recai o ónus de alegação e prova de todos os requisitos, nos termos do art. 342.º n.º 1 do C. Civil.”
4- Assim, no elenco dos factos provados não constam factos que levem a decidir como a Mma Juiz a quo decidiu. Pelo contrário, os factos constantes dos pontos 10, 11, 12, 14, 15 e 16 (apesar da nossa discordância no que se refere às áreas) permitem concluir pela existência e prevalência do direito de preferência dos RR. adquirentes.
5- Quanto ao ponto 16, entendem os recorrentes que deve ser alterado no que se refere às áreas pois, ao contrário do que ali consta, a área do prédio urbano não tem a área de 1.145m2, uma vez que a área do campo de futebol pertence ao prédio rústico, pois é entendido pela jurisprudência que um campo de futebol é um prédio rústico e não urbano (Ac. do STJ de 27/09/2012 e Ac. do STJ e 24/09/2013). Para além de que, quer na descrição predial, quer na inscrição matricial a área coberta do prédio urbano é de 147m2.
6- O critério para aferir da predominância da parte urbana ou da parte rústica é o critério da afectação económica e não o critério do proveito económico, pelo que, cremos que, salvo o devido respeito, andou mal a Mma Juiz a quo ao recorrer a este critério para decidir pela predominância do prédio urbano sobre o rústico.
7- Ainda que assim fosse, não está correcta essa conclusão baseada no relatório de verificação não judicial qualificada, pois o Sr. Perito ao calcular o proveito económico do prédio urbano (ao contrário do que fez quanto ao prédio rústico) apenas teve em conta o valor da renda que poderia ser cobrada, mas não teve em conta as despesas de construção e de manutenção de tal prédio. Note-se que ainda pende sobre o prédio o ónus de uma hipoteca.
8- Acresce ainda que não ficou demonstrado que a habitação é a função essencial do prédio misto, nem tal foi alegado pelos AA..
9- Mas, ainda que se tenha em conta a área constante do relatório de verificação não judicial qualificada e que consta do ponto 16 dos factos provados, o prédio rústico tem uma área de cerca de três vezes superior à do prédio urbano, ou seja, não se trata apenas de um logradouro do prédio urbano.
10- Além disso, contrariamente ao entendido na d. sentença de que se recorre e no relatório de verificação não judicial qualificada, o prédio rústico é que continua a dar rendimento aos RR. adquirentes, rendimento esse que ascende a 2.000€/ano, já deduzidas as despesas de produção (cálculo que o Sr. Perito não fez quanto ao prédio urbano, como atrás se fez referência).
11- Assim sendo, impunha-se à Mma Juiz a quo analisar mais aprofundadamente o referido relatório até porque nos termos do art. 494.º, n.º 2 do C.P.C. trata-se de um meio de prova livremente apreciado pelo Tribunal.
12- No presente caso não restam dúvidas que estamos perante uma exploração agrícola associada a uma casa, o terreno não constitui apenas um complemento da habitação. O núcleo essencial do prédio misto dos RR. adquirentes, a sua destinação e afectação são próprias de um prédio rústico e não de um logradouro.
13- Não se verifica a situação prevista no art. 1381.º, al. a) do C. Civil pois o terreno dos RR. adquirentes não constitui parte componente de um prédio urbano, nem se destina a algum fim que não seja a cultura.
14- De referir que os acórdãos citados pela Mma Juiz a quo na d. sentença não poderiam levar a concluir da forma como concluiu, mas sim pela predominância do prédio rústico sobre o prédio urbano e, consequentemente, pela existência e prevalência do direito de preferência dos RR. adquirentes.
15- Pelo exposto, a al. a) dos factos não provados deverá passar a constar dos factos provados.
16- Por fim, cumpre referir que, tal como o R. E. P. mencionou no seu depoimento, os AA. têm à venda o prédio rústico com base no qual pretendem exercer a preferência, o que se comprova pelo anúncio de venda que ora se junta ao abrigo do disposto nos art.s 425.º e 651.º do C.P.C. pois os RR. apenas tomaram conhecimento de tal anúncio após a audiência de discussão e julgamento.
17- Como se pode constatar nesse anúncio, encontra-se à venda um terreno de vinha, sendo certo que os AA. apenas têm no local um prédio rústico com vinha que é o que está em causa na presente acção.
18- Pelo exposto, pensamos, com o devido respeito, não ter sido feita a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos art.s 204.º, 1380.º e 1381.º do C. Civil e dos arts. 5.º e 494.º do Código Processo Civil.

Nestes e nos melhores termos de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a acção, assim resultando mais bem aplicada a lei e possibilitada a melhor realização da
JUSTIÇA».
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Contra-alegaram os autores, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª 41475260 – fls. 100 a 111).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª 36603698 – 112).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

i) Questão Prévia: (in)admissibilidade do documento junto (pelos apelantes) com as alegações de recurso;
ii) Da impugnação da decisão da matéria de facto;
iii) - Da (in)verificação dos pressupostos do exercício do direito legal de preferência previsto no art. 1380.º do Código Civil.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A - A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. Por escritura de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial de Peso da Régua, da Dra. M. M., em 14 de novembro de 2019, os réus M. P. e mulher M. T. venderam aos réus E. P. e mulher M. B., além de um outro prédio urbano, pelo preço de 80 000,00 € (oitenta mil euros), o prédio rústico composto por mato, vinha da região demarcada do Douro e cultura arvense de sequeiro, inscrito com a área de 16 187 m2, mas com a área real de 16 433 m2, sito no Lugar ..., na freguesia de ..., concelho de Peso da Régua, descrito na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua sob o nº ... da referida freguesia, e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ....
2. O imposto municipal sobre transmissões (IMT) pago, foi de € 4 000,00, e o imposto de selo pago, foi de € 960,00.
3. As despesas notariais com a celebração da escritura importaram em € 235,86 e as despesas conservatoriais com a inscrição do indicado prédio a favor dos segundos réus, foram de € 300,00.
4. Os autores são donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito no Lugar ..., composto por vinha da região demarcada do Douro, inscrito com a área de 1 937 m2, mas com a área real de 1 920 m2, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., e
descrito na Conservatória do Registo Predial de peso da Régua, sob o nº ....
5. O identificado prédio adveio ao domínio dos autores em 26.11.1993, por compra efetuada a C. A. e mulher M. F., através de escritura de compra e venda.
6. Este identificado prédio rústico dos autores, confronta do Norte e Nascente com o prédio rústico (artigo ...) objeto da compra e venda celebrada entre os réus.
7. A possibilidade de exercerem o direito de preferência na compra e venda do prédio em causa, nunca foi concedida aos autores, pelos réus alienantes.
8. Os autores apenas ouviram falar da venda, por terceiros, após a sua efetivação.
9. O prédio optando não é encravado e tem estado destinado a vinha, e os autores pretendem destinar esse prédio, tal como o seu prédio confinante, à mesma exploração.
10. Os adquirentes do imóvel em causa (segundos réus) também são proprietários de um terreno confinante com o mesmo.
11. Os segundos réus continuam a exploração agrícola do prédio adquirido aos primeiros réus, tal como estes vinham fazendo.
12. Os segundos réus são donos e legítimos proprietários, há mais de 20 anos, do prédio misto sito em …, freguesia de …, concelho de Peso da Régua, composto, a parte urbana por casa de rés-do-chão, 1.º e 2.º andares, inscrita na matriz sob o artigo ..., e a parte rústica, por vinha da região demarcada do Douro, inscrito com a área de 4 749 m2, a confrontar do norte e sul com caminho, do nascente com M. P. (1.º Réu marido) e J. J. e do poente com J. B., inscrita na matriz sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/19961122.
13. Esse prédio adveio-lhes por sucessão hereditária da herança do pai do segundo réu marido, J. F., encontrando-se tal aquisição devidamente registada a seu favor pela inscrição Ap. 4 de 1987/03/26.
14. E confronta, do seu lado nascente, com o prédio objeto da presente ação (prédio rústico composto por mato, vinha da região demarcada do Douro e cultura arvense de sequeiro, inscrito com a área de 16 187 m2, sito no lugar das “…”, na freguesia de ..., concelho de Peso da Régua, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua sob o nº ...).
15. A designação de prédio misto do prédio dos segundos réus, apenas se verifica a nível do registo predial, pois na matriz estão em causa um prédio urbano e um prédio rústico.
16. Da área total do prédio dos segundos réus, 3 350 m2 correspondem a área de cariz rústico (vinha da região demarcada do Douro) e 1 145 m2 correspondem a área de cariz urbano, com a casa de habitação dos réus, jardim e campo de futebol.
17. Os primeiros réus não enviaram qualquer comunicação aos autores, a informá-los dos termos da alienação.
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B - E deu como não provados os seguintes factos:

a- No prédio dos réus E. P. e mulher, existe uma predominância do prédio rústico, dado que da área total do prédio dos segundos réus, 4 729 m2 correspondem à área descoberta e estão afetos a fins agrícolas (vinha da região demarcada do Douro) e apenas 147 m2 correspondem à área coberta.
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V. Fundamentação de direito.

1. Questão Prévia: (in)admissibilidade do documento junto pelos apelantes com as alegações de recurso.
Com as alegações de recurso os recorrentes juntaram um documento que consiste num anúncio de venda do restaurante dos AA. no site da imobiliária …, o que (no seu dizer) confirma o mencionado pelo R. E. P. no seu depoimento de que os AA. têm à venda o prédio rústico com base no qual pretendem exercer a preferência, anúncio esse do qual os RR. apenas tomaram conhecimento após a audiência de discussão e julgamento.
Nas contra-alegações, os AA./recorridos pugnam pelo desentranhamento da motivação do recurso do referido documento, por ser legalmente inadmissível.
Vejamos, então, se tal admissão se mostra legalmente possível.
Os documentos são meios de prova, tendo como finalidade a demonstração da realidade dos factos [art. 341º do Código Civil (CC)], daí que a sua junção se deva contemplar essencialmente numa fase instrutória da causa.
Por essa razão, em princípio, a junção de documentos deve ser feita com o articulado em que se alegam os factos que constituem fundamento da ação ou da defesa (art. 423.º, n.º 1, do CPC). A lei permite, também, que a junção seja feita até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas neste caso a parte é condenada em multa, exceto se alegar e provar que não os pôde oferecer com o articulado (n.º 2 do mesmo art. 423.º). No entanto, para além desses casos, permite ainda a lei, após o limite temporal estabelecido naquele n.º 2, a junção de documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 425º do CPC), mas restringida àqueles cuja “apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” (n.º 3 do mesmo art. 423.º).
Por seu lado, o art. 425.º do CPC, relativo ainda à prova documental, dispõe que “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento” (1).
Em consonância com estes princípios, o n.º 1 do art. 651.º do CPC estabelece que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Da conjugação destas disposições resulta, pois, que a regra é a junção de documentos na 1.ª instância, com a amplitude permitida no art. 423.º do CPC.
A junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende, porquanto os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica (2).
Como se sabe, a fase de recurso não é naturalmente ajustada à apresentação ou produção de novos meios de prova, antes à reapreciação dos anteriormente apresentados.
Assim, a apresentação de documentos em sede recursória é considerada admissível em situações excecionais (3), estando dependente da (alegação e) demonstração pelo interessado na sua junção de que não foi possível a sua apresentação até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) ou, numa segunda ordem de casos, quando a sua junção se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Tais documentos são habitualmente designados de documentos supervenientes, sendo que a sua superveniência pode ser objetiva, nos casos em que o documento ainda não se tinha produzido até ao encerramento da discussão em primeira instância, ou subjetiva, quando o documento, apesar de já existir, só chegou ao conhecimento da parte depois desse momento (4).
No caso, com vista a legitimar a sua junção com as alegações de recurso, os recorrentes invocam a superveniência subjetiva do documento, pois alegam de que apenas tomaram conhecimento de tal anúncio após a audiência de discussão e julgamento.
Ora, a faculdade de junção de documentos subjetivamente supervenientes na instância de recurso não compreende o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido na 1ª instância.
Com efeito, nesse caso não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, pois que dessa forma permitir-se-ia que fossem acolhidas todas as incúrias e imprevidências das partes. Isto porque a superveniência subjetiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento, sendo que a parte deve alegar e demonstrar que o desconhecimento do documento não ficou a dever-se a uma negligência sua, já que só desse modo o documento pode ter-se por subjetivamente superveniente (5).
No caso sub júdice, afora a referida alegação da tomada de conhecimento após a audiência de discussão e julgamento, os recorrentes não carrearam aos autos qualquer meio de prova tendente a demonstrar a superveniência subjetiva do documento apresentado.
Quer isto dizer que não cumpririam o ónus probatório que sobre si impendia tendente a demonstrar que dele só tomaram conhecimento após o encerramento da discussão da audiência, nem de que o desconhecimento da existência do referido documento não deriva de culpa sua.
Pelo exposto, inexistindo demonstrada qualquer circunstância impeditiva ou impossibilitadora da apresentação desse documento até ao encerramento da discussão se tivessem agido com a diligência devida, o decurso desta fase processual é preclusivo da possibilidade de junção do documento em recurso.
Acresce que, sendo meios de prova e tendo por função exclusiva a demostração da realidade de factos, o relevo dos documentos consiste em serem capazes de comprovar determinados factos. Esse relevo tem, por isso, como pressuposto que os factos que os documentos visam demonstrar possam ser atendidos em juízo por terem interesse para a decisão da mesma. Se os factos não puderem ser atendidos, designadamente por não terem interesse, os documentos também não têm (não podem ter) qualquer interesse para a lide e não devem, por conseguinte, ser admitidos (art. 443º, n.º 1, do CPC).
Assinala Alberto dos Reis (6) que “cumpre ao juiz recusar tudo o que for impertinente ou meramente dilatório (…). Assim como pode e deve recusar o exame ou vistoria, se entender que a diligência é impertinente ou dilatória, pode e deve o juiz recusar a junção de documentos que considere impertinentes ou desnecessários.
Documentos impertinentes são os que dizem respeito a factos estranhos à matéria da causa; documentos desnecessários são os relativos a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da acção”.
Ora, o documento em apreço nenhum relevo tem para a discussão suscitada pelo recurso, posto nenhuma influência tem quer na matéria de facto, que na matéria de direito em discussão (em que está unicamente em causa a indagação dos pressupostos do exercício do direito de preferência previsto no art. 1380.º do CC).
Por fim, é patente que a junção do dito documento não se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, isto é, por a fundamentação da sentença, ou o objeto da condenação terem exigido a prova de factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes daquela decisão ter sido proferida.
Assim, à luz da disciplina enunciada, mormente as disposições conjugadas dos arts. 425.º e 651.º do CPC, impõe-se rejeitar a admissão do documento requerida pelos apelantes dada a sua manifesta extemporaneidade (mas também a sua impertinência e irrelevância para a demonstração dos fundamentos de facto da acção e/ou da defesa) e, consequentemente, ordena-se o seu desentranhamento e devolução aos apresentantes, após trânsito deste acórdão.
Dado o indeferimento da junção de tal documento, deverão os apresentantes/recorrentes ser condenados numa multa equivalente a 1 (uma) UC – art. 443º, n.º 1, do CPC e art. 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.
*
2. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
2.1. Em sede de recurso, os apelantes/RR. impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no art. 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».
Aplicando tais critérios ao caso constata-se que os recorrentes indicam quais os factos que pretendem que sejam decididos de modo diverso, bem como a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que, na sua ótica, o impõe(m), pelo que podemos concluir que cumpriram suficientemente os ónus de impugnação estabelecidos no citado art. 640º.
*
2.2. Por referência às suas conclusões, extrai-se que os RR./recorrentes pretendem:

i) - A modificação/alteração da resposta do ponto 16 dos factos provados da decisão recorrida;
ii) - A alteração da resposta negativa para positiva da alínea a) dos factos não provados da decisão recorrida.

Cumpre, pois, analisar das razões de discordância invocadas pelos apelantes e se as mesmas se apresentam de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos por si invocados.
No tocante à modificação do ponto 16 dos factos provados as razões da discordância dos recorrentes radicam «na parte correspondente às áreas, pois, contrariamente ao que ali consta, baseado no relatório da verificação não judicial qualificada, o prédio urbano pertencente ao prédio misto dos RR. adquirentes não tem a área de 1.145m2, uma vez que, (…), o campo de futebol pertence à parte rústica, dado que qualquer campo de futebol é um prédio rústico e não urbano.
(…)
Além disso, quer na descrição predial, quer na inscrição matricial a área coberta é de apenas 147m2 e a área descoberta, correspondente à área do rústico, é de 4.729m2».
Para a resposta do referido ponto fáctico foi decisivo o relatório da prova por verificação judicial não qualificada constante de fls. 57 a 64 e 73 a 76.

No que concerne à questão de distinguir a área rústica da área urbana do prédio dos 2ºs Réus o sr. perito consignou (fls. 60 vº):
«- Propriedade de cariz rustico pertencente aos RR. Sr. E. P. (que confronta com o talhão de baixo do prédio ... em discussão): 3.350,00 m2
-Propriedade de cariz urbano pertencente ao RR. Sr. E. P. (que confronta com o talhão de baixo do prédio ... em discussão): 1.145 m2, nos quais se encontra incluído um campo de futebol».

E, em sede de esclarecimentos, aduziu a seguinte fundamentação (fls. 74):
- “… “I …” Resposta: O campo de futebol integra claramente a parte urbana da propriedade dos RR, estando ligada física e funcionalmente com a moradia através do logradouro e construções várias. O que está errado é o registo atual do prédio pois há muito que o proprietário deveria ter atualizado as áreas nas finanças e conservatória do registo predial, e deveria estar a pagar o I.M.I. sobre a área de cariz urbano, nomeadamente a moradia, o logradouro e o campo de futebol. Refere a legislação urbanística e predial que quando um prédio urbano é modificado/alterado/ampliado deve-se comunicar às Finanças através da apresentação do Modelo I do I.M.I., o que não foi feito no prédio urbano em questão, pois até a área de construção como rampa automóvel da garagem, escadarias exteriores não estão registadas, pois só a área de implantação base da moradia de 140,00 m2 “gasta” os 147,00 m2 constantes da caderneta predial urbana. A área envolvente à implantação base da moradia é claramente de logradouro urbano, com infraestruturas elétricas e de águas, com mobiliário urbano, pavimentadas em continuidade com a edificação principal, sem qualquer separação, e em utilização conjunta, como comprovam as fotografias seguintes.”

Mais esclareceu o Sr. Perito (fls. 75 v.º):
- (…) “a área de jogo do campo de futebol não é uma construção térrea assente diretamente num solo agrícola, mas sim uma construção grande em betão armado com um piso por baixo composto por balneários, instalações sanitárias, etc (…).
Trata-te, portanto, de um prédio urbano com construções diversas, desde a sua cota superior no muro de vedação junto à via publica até aos balneários do campo de futebol na cota mais inferior”.

Ora, no caso em apreço – e como bem referem os recorridos –, não têm aplicação os arestos jurisprudenciais invocados pelos RR. no seu recurso, que consideraram, nos casos aí em discussão, um campo de futebol como um prédio rústico, uma vez que, nessas situações concretas, estavam em causa campos de futebol em terra batida, desassociados de qualquer habitação e áreas integrantes envolventes; diversamente, no caso objeto dos autos, está em causa um campo de futebol pavimentado vedado com rede, integrado na área envolvente do identificado urbano.
Nesta conformidade, afigura-se-nos ser de manter a resposta dada pelo tribunal recorrido ao ponto 16 dos factos provados, pelo que improcede a impugnação ao ponto fáctico em apreço.
*
Alínea a) dos factos não provados.

O referido ponto fáctico objeto de impugnação tem o seguinte teor:
«a- No prédio dos réus E. P. e mulher, existe uma predominância do prédio rústico, dado que da área total do prédio dos segundos réus, 4 729 m2 correspondem à área descoberta e estão afetos a fins agrícolas (vinha da região demarcada do Douro) e apenas 147 m2 correspondem à área coberta».
Relativamente ao enunciado ponto impugnado dir-se-á tão somente que a pretensão impugnatória deduzida – no tocante ao segmento “no prédio dos réus E. P. e mulher, existe uma predominância do prédio rústico” – jamais poderia proceder, visto a mesma comportar um juízo de valor, que não é subsumível a um juízo de facto.
Como é sabido, a distinção entre matéria de facto e matéria de direito tem sido controversa, quer na doutrina quer na jurisprudência.
Na formulação de Alberto dos Reis (7), «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei».
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados. Trata-se de matéria que não se cinge ao elencar do facto, mas tem em si, explicita ou implicitamente, considerações valorativas sobre esse facto, ou seja, apreciações que ultrapassam a objetividade do facto e trazem consigo a subjetividade da análise valorativa de uma determinada ocorrência da vida real. Dito de outro modo, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova (8).
A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso, o facto conclusivo deve ser havido como não escrito. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito” (9).

Ora, no caso em apreço, a asserção de que “no prédio dos réus E. P. e mulher, existe uma predominância do prédio rústico” traduz um juízo de valor, pelo que estaria vedado tomar em consideração a referida asserção valorativa (quer ao nível dos factos provados, quer dos não provados).
E quanto ao demais segmento da alínea impugnada – «da área total do prédio dos segundos réus, 4.729 m2 correspondem à área descoberta e estão afetos a fins agrícolas (vinha da região demarcada do Douro) e apenas 147 m2 correspondem à área coberta» –, releva o que consta já do ponto 16 dos factos provados.
Nesta conformidade, improcede totalmente a impugnação da decisão da matéria de facto.
*
3. Do preenchimento (ou não) dos pressupostos do exercício do direito legal de preferência previsto no art. 1380.º do CC.
A presente acção visa obter o reconhecimento aos autores, aqui recorridos, do direito legal de preferência conferido pelo n.º 1 do art. 1380º do CC aos proprietários de terrenos confinantes em caso de venda a quem não seja proprietário confinante.
Os autores pretendem que lhes seja reconhecida primazia na aquisição de um prédio rústico, objecto de contrato de compra e venda outorgado por escritura pública de 14 de novembro de 2019, entre os réus, o 1ºs RR. como vendedores e os 2ºs RR. na qualidade de compradores.
Alicerçaram esse direito de preferência na contiguidade desse prédio com um prédio rústico de que são proprietários, afirmando mostrarem-se preenchidos os pressupostos estabelecidos no n.º 1 do art. 1380º do CC.
Diversamente, consideraram os RR. que a pretensão dos AA. carecia de fundamento, visto que os 2ºs réus adquirentes também são proprietários de um terreno confinante e continuam a exploração que era feita no prédio adquirido.
Mais alegaram que, apesar de o prédio dos 2ºs réus constar inscrito como prédio misto, tal só se verifica ao nível do registo predial, já que está em causa um prédio urbano e um prédio rústico, existindo uma predominância do rústico em termos de área, além de que, somada à área do prédio adquirido, se aproxima mais da área da unidade de cultura, que atualmente é de 4 ha, do que o prédio dos autores, o que releva para efeitos do art. 1380º, n.º 2, al. b) do CC.
Na sentença recorrida considerou-se que os autores demonstraram os pressupostos exigidos pelo art. 1380º, n.º 1, do CC, para que possa ser-lhes reconhecido o direito de preferência na compra e venda realizada entre os réus, relativamente ao prédio objeto dessa compra e venda, com exceção do pressuposto de os adquirentes não serem proprietários confinantes.
E uma vez que os réus invocaram que os réus adquirentes também são proprietários de um prédio confinante com o prédio vendido e que teria aplicação a previsão do n.º 2 do referido preceito, seguindo a regra prevista na al. b) do mesmo normativo – nos termos da qual o direito de preferência caberá ao proprietário que, pela preferência, obtenha área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respetiva zona –, concluiu-se que é o prédio dos réus adquirentes que, juntamente com o prédio vendido, obtém área que mais se aproxima da unidade de cultura para a zona em causa.
Contudo, entendendo que, no que diz respeito ao prédio confinante dos réus adquirentes, se verificava a situação prevista na al. a) do art. 1381º do CC, o que lhes retira o direito de preferência, e sendo os autores proprietários de prédio rústico confinante com o prédio objeto da venda, tendo ambos os prédios área inferior à unidade de cultura, além de que aos autores não foi feita comunicação para preferência antes da venda e que os mesmos procederam ao depósito do valor devido, decidiu a Mm.ª Juíza “a quo” julgar a ação procedente, nos termos pretendidos pelos demandantes.
Insurgem-se os recorrentes contra o assim decidido, pugnando desde logo pela improcedência da ação, porquanto os AA. não alegaram e, consequentemente, não demonstraram um dos requisitos essenciais do direito de preferência nos termos do art. 1380.º, n.º 1, do CC, qual seja, o de que os RR. adquirentes não serem proprietários confinantes ou que sendo igualmente confinantes, como são, porque motivo o seu direito prevalece sobre o direito dos RR. adquirentes.
Vejamos como decidir.
Para averiguar se aos AA./recorridos assiste (ou não) o direito de preferência que se arrogam, importa tomar em consideração o estatuído nos arts. 1380º e 1381º, ambos do CC.

Sob a epígrafe “Direito de preferência”, o primeiro dos citados normativos prescreve:

«1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
2. Sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito:
a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem;
b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.
3. Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.
4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações».

E o art. 1381.º (“Casos em que não existe o direito de preferência”) dispõe:

«Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:
a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;
b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar».
Também designado de opção, preempção, prelação e tanteio, a preferência com eficácia real ou a preferência real consiste no direito de certa pessoa adquirir, com afastamento de outro adquirente, e nas mesmas condições acordadas com este (tanto por tanto), um direito relativo a uma coisa, no caso de ele ter sido transmitido por título oneroso (10). No dizer de Henrique Mesquita (11), “o direito de preferência dotado de eficácia erga omnes não pode qualificar-se como um puro e simples direito potestativo. Trata-se, antes, de uma relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, que visam proporcionar e assegurar ao preferente uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial, de certo direito, logo que se verifiquem os pressupostos que condicionam o exercício da prelação”.
O citado art. 1380º, n.º 1, do CC confere um direito de preferência recíproco entre proprietários de terrenos confinantes, com áreas inferiores à unidade de cultura (12).
O direito de preferência fundado na confinância de prédios rústicos insere-se num conjunto de disposições legais (como seja, os arts. 1376º, 1378º e 1382º do CC) que têm por finalidade lutar contra a excessiva fragmentação da propriedade rústica, atendendo aos inconvenientes de ordem económica que dela resultem, designadamente a baixa produtividade de prédios de reduzida área.
Todas essas providências destinam-se a impedir a excessiva divisão da propriedade rústica e a incentivar e facilitar o emparcelamento (13).
Dito por outras palavras, o objectivo prosseguido com o art. 1380º do CC é o de evitar e combater a fragmentação excessiva da propriedade rústica, fomentando «o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objectivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rendíveis» (14) ou de facilitar a «extinção de situações que não são as mais consentâneas com a boa exploração económica dos bens» (15), podendo o proprietário do conjunto, após o exercício do direito de preferência, «proceder a uma reconversão cultural, operação que, dadas as exíguas dimensões dos terrenos confinantes, não teria viabilidade económica em relação a cada um deles isoladamente» (16).
Nesse exercício, mais do que a satisfação do mero interesse privado do proprietário confinante em aumentar o seu domínio fundiário, estão em causa, sobretudo, relevantes interesses de ordem pública, de natureza económica e social (17).
Segundo o ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela (18), o direito real de preferência atribuído pelo citado preceito apresenta os seguintes pressupostos: «a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante» (19) (20).
Por se tratarem de factos constitutivos é sobre aqueles que se arrogam titulares do direito de preferência e que pretendem que lhes seja judicialmente reconhecido esse direito que recai o ónus de alegação e prova de todos estes requisitos, nos termos do disposto no art. 342º, n.º 1, do CC (21) (22).
Factos impeditivos do direito de preferência são, em alternativa: i) algum dos terrenos (o terreno a alienar ou o terreno propriedade do preferente) constituir parte componente de prédio urbano ou se destinar a algum fim que não seja a cultura ou ii) o prédio ser alienado em conjunto com outros prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar (23).
É sobre aqueles contra quem é invocado este direito que recai, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 342º, n.º 2, e 1381º, als. a) e b), ambos do CC, o ónus de provar factos dos quais se possa concluir pela verificação de alguma das exceções contidas nestas duas alíneas (24). O mesmo é dizer que os réus, na acção de preferência, poderão, por sua vez, obviar à procedência do pedido, mediante a prova de alguma das excepções (factos impeditivos) indicadas no art. 1381º.
Particularizando o caso concreto, e perante a prova feita no processo, a conclusão que desde logo ressalta é a de que a ação não deveria ter sido julgada procedente, em virtude de os AA. não terem provado um dos pressupostos constitutivos de que o n.º 1 do art. 1380º do CC faz depender o direito de preferência.

Efectivamente, como bem se refere na sentença recorrida, no caso em apreciação, os autores demonstraram:
- que são proprietários de um prédio rústico confinante com o prédio rústico objeto da venda realizada entre os réus;
- que tanto o prédio dos autores como o prédio vendido estão afetos a vinha da região demarcada do Douro;
- que a área de qualquer desses dois prédios rústicos, o dos autores e o vendido, é inferior à unidade de cultura prevista para esta região, a qual, no que respeita à vinha do Douro, é de 2,5 hectares (cfr. Portaria n.º 19/2019, de 15/01, em vigor à data da venda em causa).
Contudo, não provaram os AA./preferentes o pressuposto de os adquirentes não serem proprietários de prédio confinante (25).
No caso, provou-se aliás o facto contrário (àquele pressuposto constitutivo), pois está demonstrado que os adquirentes do imóvel em causa (2ºs réus) também são proprietários de um terreno confinante com o mesmo.
Ora, estando provado que os RR. adquirentes são proprietários confinantes em relação ao prédio alienado, afastado fica o direito de preferência de que os AA. se arrogam, já que o exercício deste direito pressupõe que os terceiros adquirentes não sejam proprietários de prédio confinante à data do negócio jurídico. Isto porque o direito de preferência existe, só e apenas, quando a alienação seja feita a proprietário não confinante, pois nos outros casos não tem qualquer sentido a atribuição do direito de preferência legal.
Fruto, porventura, do errado enquadramento jurídico feito pelos RR. na contestação, que aludem a uma situação de prevalência do seu direito de preferência (26) (27), na sentença recorrida, ao invés de se retirar as consequências jurídicas da não demonstração daquele pressuposto constitutivo, alicerçou-se naquela asserção e, na pressuposição da verificação duma situação de concurso de preferentes, enveredou-se pela apreciação dos requisitos previstos no n.º 2 do art. 1380º do CC, bem como dos fundamentos de exclusão do direito preferência estabelecidos no art. 1381º do mesmo diploma legal [em especial da alínea a)], de modo a determinar qual dos preferentes concorrentes deveria prevalecer, concluindo-se, como se disse, pela exclusão do direito de preferência dos 2ºs RR. e prevalência do direito dos demandantes.
Salvaguardando sempre o devido respeito por opinião contrária, entende-se que a situação ajuizada nos autos não é confundível com um concurso de preferentes, pelo que carece de fundamento o recurso ao regime estabelecido no n.º 2 do art. 1380º do CC.
Acresce que, contrariamente ao explanado na sentença recorrida, não estando em causa o exercício do direito de preferência por parte dos 2ªs RR. (mas tão só dos AA/recorridos) (28), também se entende que não havia fundamento para recorrer ao regime previsto no art. 1381º do CC a fim de afastar a aquisição do direito de propriedade pelos 2ºs RR.
Como é sabido, havendo vários proprietários de prédios confinantes com direito de preferência, haverá um concurso de preferentes na modalidade de preferentes concorrentes, em que o facto constitutivo da preferência determina a constituição de vários direitos de preferência a favor de outros tantos titulares; este concurso de preferentes é dirimido de acordo com os vários critérios definidos nos n.ºs 2 e 3 do art. 1380º do CC (29).
Contudo, no caso de o projetado adquirente ser um proprietário de terreno confinante – como sucede no caso vertente, saliente-se – não há constituição de direitos de preferência a favor dos demais proprietários de terrenos confinantes e, consequentemente, não há concurso de preferentes (30).
Na verdade, no caso do n.º 1 do art. 1380º do CC a questão da preferência não se põe quando a venda tenha sido feita a um dos proprietários confinantes, mas apenas na hipótese de ter sido a um estranho. O direito de preferência do proprietário de terreno confinante apenas ocorre no caso de venda ou dação em cumprimento a terceiros e não no caso em que a alienação ocorra a favor de um dos proprietários confinantes.
Logo, no caso sub judice, os AA., na qualidade de proprietários confinantes, teriam, portanto, em princípio, o direito de preferir na alienação, desde que se verificassem todos os pressupostos previstos no n.º 1 do art. 1380º do CC.
Só que essa condição não se verifica, pois embora se esteja perante a alienação de um terreno afectado a fins agrícolas e de área inferior à unidade de cultura, que os AA. são proprietários de um prédio confinante afectado ao mesmo fim e também de área inferior à unidade de cultura e que aos AA., enquanto pretensos preferentes, não lhes foi dado conhecimento do projeto da alienação, a verdade é que resultou provado que a venda do prédio em litígio se realizou a favor dos 2ºs RR. que, à data do negócio em causa, eram (também) proprietários confinantes do terreno alienado, o que nos reconduz à inverificação de um dos pressupostos ou factos constitutivos do direito de preferência de que os AA. se arrogam.
E sendo assim, ou seja, sendo os adquirentes proprietários confinantes em relação ao prédio rústico alienado, indemonstrado fica, desde logo, um dos requisitos do art. 1380º, n.º 1, do CC – alienação “a quem não seja proprietário confinante” –, o que tanto basta para se concluir não serem os autores titulares ou beneficiários do direito de preferência sobre o prédio vendido aos 2ºs réus, ora recorrentes. Sendo o acto de alienação realizado com um dos proprietários confinantes, encontra-se, desde logo, plenamente alcançado o fim visado pela lei – do combate à fragmentação excessiva da propriedade rústica –, propiciando a junção das parcelas e salvaguardando a rentabilidade da respectiva exploração agrícola.
Consequentemente, inexistindo o direito invocado pelos AA., não havia – nem há – que indagar dos pressupostos do n.º 2 do art. 1380º do CC (que pressupõe uma situação de concurso de preferentes). De facto, o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do art. 1380º do CC apenas é aplicável quando a venda do prédio em causa é realizada em favor de pessoa que não possa ser considerada, para os efeitos deste preceito, proprietário confinante, titular de direito de preferência (31).
Acresce que, não estando em causa a aferição do exercício do direito de preferência por parte dos adquirentes do prédio alienado (no caso, os 2ºs RR.) – pois que o adquiriram por via negocial, sem subordinação às regras da preferência –, mas tão só em beneficio dos AA. enquanto pretensos preferentes, carece de fundamento o recurso (feito na sentença recorrida) ao regime prescrito no art. 1381º do CC, posto este funcionar como causa impeditiva do direito de preferência, que exclui tal direito.
Em suma, estando demonstrado nos autos que os RR. adquirentes eram, à data da aquisição, proprietários confinantes do prédio alienado, é evidente a inexistência do direito de preferência invocado pelos AA..
Termos em que procede o recurso interposto pelos réus, com a consequente revogação da sentença recorrida.
*
Custas.
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Assim, no caso, como a apelação foi julgada totalmente procedente, mercê do princípio da causalidade, as custas da apelação (bem como da ação) serão integralmente da responsabilidade dos recorridos/autores.
*
Síntese conclusiva:

I - O direito real de preferência atribuído pelo art. 1380º, n.º 1, do Código Civil apresenta os seguintes pressupostos: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
II - Havendo vários proprietários de prédios confinantes com direito de preferência, haverá um concurso de preferentes, sendo este concurso dirimido de acordo com os vários critérios definidos nos n.ºs 2 e 3 do art. 1380º do CC.
III - No caso de o adquirente do prédio ser um proprietário de terreno confinante não há constituição de direitos de preferência a favor dos demais proprietários de terrenos confinantes e, consequentemente, não há concurso de preferentes.
*
VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
i) rejeitar a junção do documento apresentado pelos recorrentes com as alegações de recurso;
ii) condenar os recorrentes numa multa equivalente a 1 (uma) UC – art. 443º, n.º 1, do CPC e art. 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais;
iii) julgar procedente o recurso de apelação, e, em consequência, revogando a sentença recorrida, decidem julgar totalmente improcedente a ação, absolvendo os RR. dos pedidos;
iv) Custas da ação e da apelação a cargo dos apelados/Autores (art. 527.º do CPC).
*
Guimarães, 28 de abril de 2022

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Segundo Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, constituem exemplos de impossibilidade de apresentação o de o documento se encontrar em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação, nos termos do artigo 429.º ou 432.º do CPC só posteriormente o disponibiliza, ou quando a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente é emitida ou no caso de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento [cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º - Artigos 362.º a 626.º, Almedina, 3.ª edição, 2017, p. 243].
2. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., Almedina, p. 229.
3. Cfr. Ac. do STJ de 17/06/2021 (relatora Maria do Rosário Morgado) e Acs. da RP de 02.03.2017 (relatora Paula Leal de Carvalho), de 15/05/2017 (relator Jerónimo Freitas), de 10/10/2016 (relator Jerónimo Freitas), de 13/03/2017 (relator Nelson Fernandes), todos in www.dgsi.pt., e Jaime Octávio Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Atualizado à luz do CPC de 2013, 6ª ed., Coimbra Editora, p. 177.
4. Cfr. João Espírito Santo, O Documento Superveniente para efeito de recurso ordinário e extraordinário, Almedina, pág. 47.
5. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 532 e 533, João Espírito Santo, obra e local citados, e o Ac. RP de 26/09/2016 (relator Manuel Domingos Fernandes), in www.dgsi.pt.
6. Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, 1987, p.58.
7. Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 206-207.
8. Cfr. Acs. do STJ de 28/09/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 29/04/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Pinto Hespanhol); na doutrina, Tiago Caiado Milheiro, In Nulidades da Decisão Da Matéria de Facto, www.julgar.pt., e Antunes Varela, “Juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na ação e o recurso de revista”, CJ, Ano XX, tomo IV, pp. 7 a 14.
9. Cfr. Acs. do STJ de 9/09/2014 (relatora Maria Clara Sottomayor) e de 1/10/2019 (relator Fernando Samões), in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Iuris, 1996, p. 136.
11. Cfr. Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, 1990, p. 225.
12. O art. 21.º (“Direito de preferência”) da Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto – que estabeleceu o regime jurídico da estruturação fundiária, alterando o Código Civil e revogando os Decretos-Leis n.º 384/88, de 25 de outubro, e n.º 103/90, de 22 de março –, prescreve: «1 - Os proprietários de parcelas e prédios rústicos abrangidos pelo projeto de emparcelamento gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de transmissão a título oneroso de qualquer das parcelas ou prédios rústicos aí inscritos, inclusive nas transmissões decorrentes de venda forçada. 2 - Caso seja omissa a identidade dos proprietários ou estes não manifestem interesse no exercício do direito de preferência, o mesmo é transferido para as autarquias locais. 3 - Ao exercício do direito de preferência é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime previsto no Código Civil para os pactos de preferência». No seu art. 49.º (“Unidade de cultura”) – com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2019, de 03/09 –, que: «1 - Entende-se por unidade de cultura a superfície mínima de um terreno rústico para que este possa ser gerido de uma forma sustentável, utilizando os meios e recursos normais e adequados à obtenção de um resultado satisfatório, atendendo às características desse terreno e às características geográficas, agrícolas e florestais da zona onde o mesmo se integra. 2 - Para efeitos da determinação da unidade de cultura releva a distinção entre terrenos de regadio, de sequeiro e de floresta, categorias reconhecidas a partir das espécies vegetais desenvolvidas, bem como das características pedológicas, edáficas, hídricas, económico-agrárias e silvícolas dos terrenos, aferidas com recurso às cartas de capacidade de uso do solo. 3 - Sempre que não seja possível o reconhecimento do tipo de terreno, nos termos do número anterior, deve ser atribuída a categoria de terreno de sequeiro. 4 - A unidade de cultura é fixada por portaria do membro do Governo responsável pela área do desenvolvimento rural e deve ser atualizada com um intervalo máximo de 10 anos. 5 - As transmissões e a transferência de direitos que se verifiquem no âmbito da execução dos projetos de emparcelamento integral efetivam-se independentemente dos limites da unidade de cultura». Por seu turno, a Portaria n.º 19/2019, de 15 de janeiro, que procedeu à alteração da Portaria n.º 219/2016, de 9 de agosto, estabeleceu que a área da unidade de cultura para a região do Douro, onde se integram os prédios em causa, é de 2,5 ha para terrenos de regadio.
13. Cfr., Acs do STJ de 21/01/2016 (relator Silva Gonçalves) de 09/07/2014 (relator Bettencourt de Faria) e de 22/05/2014 (relator Silva Gonçalves), in www.dgsi.pt. e Santo Justo, Direitos Reais, Coimbra Editora, 5ª ed., p. 469
14. Cfr., Pires de Lima e Antunes Varela (com a colaboração de M. Henrique Mesquita), anotação ao art. 1380.º, in Código Civil Anotado, vol. III (Artigos 1251.º a 1575.º), 2ª Ed., 1987, Coimbra Editora, p. 271.
15. Cfr., Pires de Lima e Antunes Varela (com a colaboração de M. Henrique Mesquita), anotação ao art. 414.º, in Código Civil Anotado, vol. I (Artigos 1.º a 761.º), 4ª Ed., 1987, Coimbra Editora, p. 389.
16. Cfr., Pires de Lima e Antunes Varela (com a colaboração de M. Henrique Mesquita), anotação ao art. 1380.º, in Código Civil Anotado, vol. III (…), p. 271.
17. Cfr. Ac. da RC de 27/05/2015 (relator Alexandre Reis), in www.dgsi.pt.
18. Cfr., anotação ao art. 1380.º, in Código Civil Anotado, vol. III (…), pp. 270/271.
19. Numa formulação similar, António Agostinho Guedes refere que, com a extinção da enfiteuse, a preferência atribuída pelo n.º 1 do art. 1380º do CC passou a depender dos seguintes pressupostos: i) estar projetada a venda ou dação em cumprimento de certo terreno; ii) o terreno a alienar ser confinante com o terreno do preferente; iii) ambos os terrenos terem área inferior à unidade de cultura; iv) a alienação projetada ter como beneficiário alguém que não é proprietário confinante (cfr. Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, 2021, p. 320 e O Exercício do Direito de Preferência, Teses, Publicações Universidade Católica Editora, 2006, pp. 113/114).
20. Cfr., no mesmo sentido, Jacinto F. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. V (Artigos 1251º a 1575º), Editora Rei dos Livros, 1997, pp. 136/137 e Rui Pinto/Cláudia Trindade, Código Civil Anotado (Coord. Ana Prata), vol. II (Artigos 1251.º a 2334.º), Almedina, 2017, p. 196.
21. Cfr. Henrique Mesquita, Direito de Preferência (Parecer), in CJ, Ano XI, 1986, tomo V, pp. 50/54 e Ac. do STJ de 28/02/2008 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.
22. Saliente-se que essa regra da repartição do ónus da prova quanto aos factos constitutivos do direito alegado não se altera quer o facto seja positivo, quer seja negativo (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, obra citada, p. 452).
23. Cfr. António Agostinho Guedes, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, (…), p. 320 e O Exercício do Direito de Preferência, (…), p. 114.
24. Cfr. Ac. do STJ de 14/01/2021 (relatora Rosa Tching), in www.dgsi.pt.
25. Este facto, embora formulado na negativa, constitui, como se disse, um dos pressupostos ou elementos constitutivos do direito de preferência. E, no contexto da previsão do n.º 1 do art. 1380.º do CC (que tem como escopo evitar a existência de prédios de área inferior à unidade de cultura), impende sobre o preferente o ónus da prova de que o adquirente não é proprietário de prédio confinante - cfr. Ac. do STJ de 8/09/2016 (relatora Fernanda Isabel Pereira), in www.dgsi.pt.
26. Na contestação, alegam os RR., além do mais, que, por os adquirentes do imóvel em causa (2.ºs RR.) também serem proprietários de um terreno confinante ao mesmo e de que “continuam e continuarão a exploração agrícola do prédio adquirido aos 1.ºs RR., tal como estes vinham fazendo”, são, assim, os 2ºs RR. titulares do direito de preferência na compra do mesmo, direito esse que exerceram, não existindo fundamento para fazer intervir a figura do direito de preferência em favor dos AA., pois prevalece o direito dos 2ºs RR., razão pela qual os primeiros RR. não enviaram qualquer comunicação aos AA. a informá-los dos termos da alienação (cfr. arts. 4º e 17º a 20º).
27. Relembre-se, contudo, que, nos termos do art. 5º, n.º 3, do CPC, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
28. Pois os RR. nem sequer deduziram pedido reconvencional visando obter o reconhecimento do direito de preferência a seu favor.
29. No sentido de os n.ºs 2 e 3 regularem a hipótese do concurso de preferentes, Jacinto F. Rodrigues Bastos, obra citada, p. 138.
30. Cfr. António Agostinho Guedes, Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, (…), p. 321.
31. Cfr. Ac. da RE de 25/11/2009 (relator Bernardo Domingos), in www.dgsi.pt.