Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
309/19.0T8VTL.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
CONTEÚDO DA COMUNICAÇÃO DO OBRIGADO À PREFERÊNCIA
DISTRATE DA ALIENAÇÃO OBJETO DA PREFERÊNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO
(da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. O documento superveniente apresentado em sede de recurso não se destina a trazer ao processo facto novo (somente então alegado), tendo antes de referir-se a facto ocorrido antes do encerramento da discussão em 1.ª instância, devidamente introduzido na causa no respectivo articulado ou em articulado superveniente, que tem como limite temporal justamente aquele encerramento da discussão em 1.ª instância.

II. Não sendo o direito de preferência e a respectiva acção prejudicados pelo posterior distrate da alienação onde se pretende preferir, ainda que a mesma ocorra não é pressuposto de extinção da instância, por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.

III. O que a lei exige no art. 35.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, é que nenhuma acção judicial que verse sobre contrato de arrendamento rural possa ser «recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível» (bold apócrifo), e não que fique desde logo assente a sua validade e eficácia, o que poderá inclusivamente integrar o objecto próprio da lide.

IV. Pese embora seja proibida a prova testemunhal e por presunções judiciais quando a declaração negocial houver de ser reduzida a escrito por força da lei, admite-se, em interpretação restritiva do art. 393.º do CC, que possam ser produzidas desde que exista um mínimo de prova documental que torne verosímil a existência da dita declaração.

V. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova).

VI. O conteúdo da comunicação do obrigado à preferência deverá coincidir com o quadro negocial geral relevante para a correcta formação da vontade de preferir ou de não preferir, incluindo necessariamente o preço e as suas condições de pagamento (montante, prazo e forma de satisfação).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
*
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. H. S. (aqui Recorrida), residente na Calçada …, em Vila Real, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. L., residente em Largo do …, em Vila Real, e X - Comércio de Micro Informática, Limitada (aqui Recorrente), com sede na Quinta …, em Vila Real, pedindo que:

· fosse reconhecido o direito de haver para si o prédio rústico (que melhor identificou) vendido pela 1.ª Ré (M. L.) à 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), mediante o pagamento do preço declarado na escritura pública de compra e venda;

· fosse ordenado o cancelamento do registo da aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/10/2019, do dito prédio a favor da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada).

Alegou para o efeito, em síntese, ser arrendatária rural do prédio em causa, por contrato particular escrito de 16 de Setembro de 1969, objecto de duas denúncias escritas sucessivas e de uma prorrogação, por acordo das suas partes iniciais; e ter desde sempre explorado o dito imóvel, fazendo-o agora com a ajuda de dois filhos, que com ela vivem.
Mais alegou que, não obstante ter sido notificada pela 1.ª Ré (M. L.) - na qualidade de sua actual senhoria -, por carta de 07 de Dezembro de 2018, para exercer o seu direito legal de preferência na venda do dito prédio rústico à 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), pelo preço de € 82.500,00, viu sucessivamente ignoradas as duas cartas que lhe enviou, informando-a de que pretendia preferir e pedindo informações mais detalhadas sobre o negócio.
Alegou ainda a Autora (H. S.) ter-se o dito negócio realizado, transmitindo a favor da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) a propriedade do prédio rústico de que é arrendatária, assistindo-lhe por isso o direito de preferir na venda havida, cujos contornos concretos nunca lhe chegaram a ser esclarecidos (data e local de realização da escritura de compra e venda, e condições e forma de pagamento do preço), impedindo-a de exercer o direito aqui em causa.

1.1.2. Regularmente citadas ambas as Rés, apenas a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) veio contestar, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida da instância; e deduzindo reconvenção, pedindo que:

· fosse declarado que o prédio por si adquirido à 1.ª Ré (M. L.), e onde se inclui a área ocupada pela Autora (H. S.) (H. S.), é propriedade sua;

· fosse a Autora (H. S.) condenada a restituir-lhe essa área sendo ainda condenada a abster-se da prática de quaisquer actos que impedissem ou diminuíssem a utilização a fazer dela por si própria;

· fosse a Autora (H. S.) condenada no pagamento da quantia de € 750,00 por cada mês que ocupasse o terreno, contados da notificação da reconvenção.

Alegou para o efeito, e em síntese, que exigindo a lei a imperativa redução a escrito de qualquer contrato de arrendamento rural, e não o exibindo nos autos a Autora (H. S.), o por ela invocado seria nulo; e, exigindo a mesma lei que seja junto à petição inicial de qualquer acção que pressuponha um contrato de arrendamento rural um exemplar do mesmo, sob pena de extinção da instância, verificar-se-ia nos autos essa excepção dilatória inominada
Mais alegou reconhecer a própria Autora (H. S.), na sua petição inicial, ter exercido o seu pretenso direito de preferência depois de decorrido o prazo de oito dias que lhe tinha sido fixado para o efeito, tendo por isso o mesmo caducado.
Ainda em sede de contestação, a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) impugnou os factos alegados pela Autora (H. S.), nomeadamente negando-lhe a qualidade de arrendatária rural do prédio em causa.
Por fim, e já em sede de reconvenção, a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) defendeu ter adquirido validamente o dito prédio rústico, ocupando a Autora (H. S.) parte dele sem qualquer título que a legitimasse para o efeito.

1.1.3. A Autora (H. S.) replicou, pedindo que, quer as excepções deduzidas, quer o pedido reconvencional formulado, fossem julgados totalmente improcedentes, e reiterando o seu pedido inicial.
Alegou para o efeito, em síntese, ter junto aos autos um contrato de arrendamento rural escrito, bem como a respectiva prorrogação, não assinados por si e pelos seus fiadores por não o saberem fazer; e ter o último acordo (prorrogação de contrato de arrendamento) sido assinado por sua conta a rogo, por testemunhas, desconhecendo todos que teriam que ter confirmado por notário tais assinaturas.
Mais alegou que, terminando num sábado o prazo de oito dias concedido para exercício da sua preferência, poderia exercê-la ainda na segunda-feira seguinte, o que fez, não tendo por isso caducado o seu direito.
Por fim, a Autora (H. S.) reiterou ser efectiva arrendatária do prédio rústico em causa, tornando desse modo infundado o pedido reconvencional.

1.1.4. Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho: admitindo a reconvenção; fixando o valor da acção em € 82.500,00; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância, nomeadamente julgando improcedente a excepção dilatória inominada de falta de contrato escrito de arrendamento rural, bem como a excepção peremptória de caducidade do exercício do direito de preferência em causa); definindo o objecto do litigio («- O direito de a autora exercer a preferência na compra e venda do prédio identificado nos autos») e enunciando os temas da prova («1 - Apurar se a autora é arrendatária do prédio identificado nos autos e que foi objeto de compra e venda entre a primeira e a segunda ré», «2- Apurar se a comunicação feita à autora para exercer o direito de preferência continha ou não todos os elementos essenciais do contrato, com importância decisiva na formação da vontade da autora», «3 - Apurar se o contrato de arrendamento alegado pela autora é válido ou não e está em vigor», e «4 - Apurar se a autora está a ocupar sem qualquer título e sem autorização um trato de terreno de cerca de 7000 metros quarados junto ao limite sul do prédio em causa»); apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para realização da audiência de julgamento.

1.1.5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
IV- DECISÃO:
Por tudo o exposto,
1- Julgo a presente ação procedente, pelo que:
a) Reconheço à Autora H. S. o direito de haver para si o prédio vendido, melhor identificado no artigo 29º da petição inicial, substituindo-se à 2ª Ré, X – Comércio de Micro informática, Lda., na respetiva titularidade, mediante o pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda.
b) Ordeno o cancelamento do registo da aquisição e inscrição relativa à apresentação 4202 de 11/01/2019 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia de ..., sob o número ……;
2 - Julgo totalmente improcedente a reconvenção, pelo que absolvo a autora reconvinda dos pedidos.
3 - Custas a cargo da ré contestante, quer da ação quer da reconvenção.
4 - Registe e notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformada com esta decisão, a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado provido, revogando-se a sentença recorrida».

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1.ª - A recorrente não se conforma com a decisão proferida, porquanto a mesma fez errada decisão da matéria de facto e menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar.

2.ª - No dia nove de Março de dois mil e vinte, no Cartório Notarial ..., sito na Quinta da ..., perante M. C., NIF ………, respetiva Notária, foi realizada escritura pública pela qual distrataram a escritura de Compra e Venda, exarada de folhas vinte e três a folhas vinte e quatro, do Livro de Notas para Escrituras número Trezentos e Três, daquele Cartório Notarial.

3.ª - A recorrente procede, nesta altura, à junção do referido documento ao abrigo do disposto no artigo 651º, nº 1 do C.P.C., que remete para o disposto no artigo 425º do C.P.C., uma vez que a junção deste documento não tinha sido possível até este momento, assim como por tal junção se ter revelado necessária em virtude do julgamento proferido em primeira instância.

4.ª - Por conseguinte, ocorreu no presente caso uma revogação do contrato por comum acordo, com eficácia retroativa entre as partes, é o chamado contrato extintivo ou abolitivo ou “contrarius consensus” – artigo 406º, nº 1 do C.C..

5.ª - Por conseguinte, deixaram de estar reunidos os requisitos para o invocado exercício do direito de preferência por parte da A., estipulado no artigo 31º, nº 2 do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro, com a consequente extinção da instância por inutilidade superveniente da lide - artigo 277º, e) do C.P.C., o que se invoca com as devidas consequências.

Sem prescindir, caso assim não se entenda:

6.ª - O Tribunal recorrido considerou como provados os factos assentes em 2º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 22º na parte “…de que ela era arrendatária…”, da fundamentação de facto e considerou também como provados os factos assentes em 39º, 40º, 41º a., b., c., d., e., f., g., h., i., j., k., l. da fundamentação de facto.

7.ª - Donde decorre a existência de contradição entre a matéria de facto dada como provada, isto porque o Tribunal recorrido, como se viu, deu como provada a existência de dois contratos de arrendamento para o mesmo imóvel, pelo mesmo senhorio, mas para dois arrendatários distintos.

8.ª - Ou seja, o Tribunal recorrido deu como provada matéria de facto que comporta atos materiais contraditórios entre si.

9.ª - Tal resulta no vício previsto e remediado na alínea c), do nº 2, do artigo 662º do C.P.C., trata-se de caso exemplar do que pode constituir erro de julgamento e que impõe ao Tribunal da Relação a anulação da decisão proferida na 1ª instância, por ser contraditória, nos termos acima expostos, a decisão sobre os pontos determinados da matéria de facto.

Caso assim não se entenda:

10.ª - Impunha-se decisão da matéria de facto diversa da proferida, no sentido de:
i) O Facto Assente em 2º deve passar a ter o seguinte teor:
2º Existe um documento escrito denominado por contrato particular de arrendamento de prédio rústico, realizado em 16 de setembro de 1969, entre a Autora e o então marido, J. C., na qualidade de arrendatários, e J. S., na qualidade de senhorio, referente ao referido prédio, com exclusão de algumas parcelas aí mencionadas, no qual constava ter sido dado de arrendamento à autora e seu marido, mas não assinado pelos outorgantes.”
ii) Devem ser dados como COMO NÃO PROVADOS os seguintes factos 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º na parte “…arrendado à A….”, 22º na parte “…de que ela era arrendatária.”, 33º, 34º, 35º, 36º, 40º na parte “…ao abrigo do contrato de arrendamento referido supra.”, 42º na parte “…depositando a renda…”;
iii) O Facto Provado 47º na parte “Os antecessores das RR….” deve passar a ter o seguinte teor: “As RR., por si e seus antecessores…”
iv) Devem ser dados COMO PROVADOS factos o constante na sentença nos pontos b-, c-, d-, e- e f – da fundamentação de facto.

11.ª - Com base na PROVA TESTEMUNHAL composta por: O Depoimento da Testemunha A. P. consta gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação no Tribunal, com duração: [00:00:00 a 00:08:29], mas com relevo para este recurso em 00:00:29; 00:00:43; 00:00:46; 00:0052 a 00:0059; 00:01:01 a 00:01:10; 00:03:12 a 00:03:16; 00:03:52 a 00:03:54; 00:04:34 a 00:04:37; de 00:05:46 a 00:05:59; 00:06:00 a 00:06:35; 00:07:30 a 00:07:46; 00:08:00 a 00:08:12; conforme excertos transcritos; Depoimento da Testemunha L. C. consta gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação no Tribunal, com duração: [00:00:00 a 00:10:43], mas com relevo para este recurso de 00:00:10 a 00:00:15; 00:00:44 a 00:00:49; 00:01:02; 00:02:53 a 00:02:57; 00:03:00 a 00:03:15; 00:04:19 a 00:04.35; 00:04:59 a 00:05:17; 00:06:16 a 00:06:34; 00:07:36 a 00:07:59; 00:08:09 a 00:09:00; 00:09:43 a 00:09:55; 00:09:58 a 00:10:32; conforme excertos transcritos; Depoimento da Testemunha D. M. consta gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação no Tribunal, com duração: [00:00:00 a 00:09:05], mas com relevo para este recurso de 00:00:18 a 00:00:26; 00:00:33 a 00:00:39; 00:03:27 a 00:04:17; 00:05:44 a 00:06:25; 00:07:07 a 00:07:14; 00:07:40 a 00:08:22; 00:08:41 a 00:08:54; conforme excertos transcritos; Depoimento da Testemunha A. J. consta gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação no Tribunal, com duração: [00:00:00 a 00:11:44], mas com relevo para este recurso de 00:00:31 a 00:00:34; 00:00:45 a 00:00:51; 00:03:34 a 00:03:39; 00:07:48 a 00:07:54; 00:09:15 a 00:10:00; 00:11:26 a 00:11:34; conforme excertos transcritos; Depoimento da Testemunha R. C. consta gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação no Tribunal, com duração: [00:00:00 a 00:06:05], mas com relevo para este recurso de 00:00:21 a 00:00:33; 00:01:41 a 00:02:34; 00:03:25 a 00:03:38; 00:05:12 a 00:05:43; conforme excertos transcritos; O Depoimento da Testemunha J. A. consta gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação no Tribunal, com duração: [00:00:00 a 00:05:01], mas com relevo para este recurso de 00:03:20 a 00:03:31 conforme excertos transcritos; Depoimento da Testemunha L. C. consta gravado no sistema de gravação digital integrado, em aplicação no Tribunal, com duração: [00:00:00 a 00:09:04], mas com relevo para este recurso de 00:00:23 a 00:00:43; 00:01:08 a 00:01:12; 00:01:19 a 00:02:48; 00:03:26 a 00:04:59; 00:08:07 a 00:08:47 conforme excertos transcritos.

12.ª - Ainda com base na PROVA DOCUMENTAL composta por: Documento n.º 1 junto com a petição inicial; Documento n.º 3 junto com a petição inicial; Documento n.º 4 junto com a petição inicial; Documento nº 5 junto com a p.i.; Documento nº 6 da p.i.; Documento nº 7 da p.i.; Documento 8 junto com a p.i.; Documento 9 da p.i.; Documento 10 da p.i.; Documento 11 da p.i.; Documento 12 da p.i.; Documento 1 junto com a contestação; Documento 2 junto com a contestação; Documento 3 junto com a contestação; Documentos 4 a 9 juntos com a contestação; Documento 10 junto com a contestação; Documento 11 junto com a contestação; Documento 12 a 14 juntos com a contestação; Documentos 15, 16, 17 e 18 juntos com a contestação; Documentos 19 a 24 juntos com a contestação; Documento 25 junto com a contestação; Documentos 26 e 27 juntos com a contestação; Documento 28 junto com a contestação; Documento 29 junto com a contestação; Documento 30 junto com a contestação; Documentos 31 e 32 juntos com a contestação; Documento 33 junto com a contestação; Documento 34 junto com a contestação; Documento 1 junto com a réplica e Documentos juntos pela Caixa ... a 31 de Outubro de 2019 e a 11 de Novembro de 2019; Documentos 2 e 3 juntos com a réplica:

13.ª - O Tribunal recorrido fez errada decisão da matéria de facto e designadamente incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 393º, nº 1 e 394º, nº 1 do C.C..

14.ª - No caso dos autos não existe qualquer direito de preferência da A., como previsto no artigo 31º, nº 2 do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro, com remissão para o artigo 416º do C.C..

15.ª - Em primeiro lugar, o contrato de arrendamento invocado pela A. não tem qualquer validade.

16.ª - Por outro lado, como supra alinhavado, o alegado contrato particular de arrendamento de prédio rústico, referente à Quinta ..., sita na freguesia de ..., excluídos os pomares da mesma Quinta e as macieiras e outras fruteiras plantadas na parte restante, não se mostra assinado pelos donos do terreno (alegados senhorios) ou RR., nem por qualquer outra pessoa que ocupasse uma posição ativa na discutida relação contratual.

17.ª - Logo não existe qualquer redução a escrito de um contrato de arrendamento rural, nem qualquer outro negócio, daí que não existindo qualquer contrato de arrendamento reduzido a escrito o invocado contrato de arrendamento sempre sofre de nulidade.

18.ª - O artigo 6º do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro, no seu nº 1 estipula que “Os arrendamentos rurais são obrigatoriamente reduzidos a escrito, constando dos mesmos a identificação completa das partes contratantes, a indicação do número de identificação fiscal e respetiva morada de residência ou sede social, bem como a identificação completa do prédio ou prédios objeto do arrendamento”.

19.ª - E o seu nº 2 mais adianta que “A não redução a escrito dos contratos de arrendamento rural celebrados ou renovados na vigência do presente decreto-lei gera a sua nulidade”.

20.ª - Mais: o artigo 7º, nº 1 do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro estipula que “O contrato de arrendamento rural é reduzido a escrito”.

21.ª - Acresce que o artigo 35º, nº 5 do Decreto – Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro estipula que “Nenhuma ação judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária.”

22.ª - Desta maneira, a falta de assinatura por parte dos contraentes num contrato de arrendamento rural constitui uma formalidade “ab substanciam” e de conhecimento oficioso, o que implica a nulidade desse contrato – conforme estipula o artigo 220º do C.C..

23.ª - Por outro lado, está em causa o conceito de declaração negocial como verdadeiro elemento do negócio jurídico, como está regulado nos artigos 217º e ss. do C.C..

24.ª - Trata-se de um verdadeiro elemento do negócio, uma realidade componente ou constitutiva da estrutura do negócio, e de tal maneira, que a sua falta conduz à inexistência material do negócio.

25.ª - Acresce que se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal, tal é o que resulta do disposto no artigo 393º, nº 1 do C.C..

26.ª - Também é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º do C.C., quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores – artigo 394º, nº 1 do C.C..

27.ª - Noutro prisma, J. S. requereu a notificação judicial avulsa de J. C. e mulher H. S., tendo alegadamente junto o Título de arrendamento, um documento e duplicados legais.

28.ª - Ora, por um lado, a considerar-se tal contrato como nulo, o mesmo não produz desde o início (ab initio), por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo, os efeitos a que tendia.

29.ª - Por outro lado, a ser o mesmo inexistente, a realidade não corresponde à noção do negócio aludido, visto que, por esta via, a declaração não pode produzir os seus efeitos.

30.ª - Daí que, por qualquer uma destas vertentes, o documento em análise sempre seria irrelevante ou inócuo em termos jurídicos.

31.ª - No entanto, há a considerar a hipótese de tal documento corporizar uma manifestação de vontade e um verdadeiro ato jurídico válido e eficaz.

32.ª - Ou seja, nesta senda, já será necessário convocar, para atribuir validade ao contrato de arrendamento rural datado de 16 de Setembro de 1969, o conceito de declaração negocial tácita previsto no artigo 217º, nº 1 do C.C..

33.ª - Neste caso, o documento em análise demonstra que o proprietário da Quinta ... tacitamente reconheceu a existência, validade e eficácia do contrato de arrendamento celebrado em 16 de Setembro com a A. e o seu falecido marido.

34.ª - Contudo, como do próprio documento se alcança o senhorio através dele operou a cessação do contrato de arrendamento datado de 16 de Setembro de 1969 por oposição à renovação ou por denúncia, a partir do dia 1 de Outubro de 1972.

35.ª - Acresce que J. S. a requereu outra notificação judicial avulsa de J. C. e mulher H. S., tendo alegadamente junto o Título de arrendamento, um documento e duplicados legais.

36.ª - Ora, por um lado, a considerar-se tal contrato de arrendamento de 16 de Setembro de 1969 como nulo, o mesmo não produz desde o início (ab initio), por força da falta ou vício de um elemento interno ou formativo, os efeitos a que tendia.

37.ª - Por outro lado, a ser o mesmo inexistente, a realidade não corresponde à noção do negócio aludido, visto que, por esta via, a declaração não pode produzir os seus efeitos.

38.ª - Daí que, por qualquer uma destas vertentes, o documento em análise sempre seria irrelevante ou inócuo em termos jurídicos.

39.ª - No entanto, há a considerar a hipótese de tal documento corporizar uma manifestação de vontade e um verdadeiro ato jurídico válido e eficaz.

40.ª - Ou seja, nesta senda, já será necessário convocar, para atribuir validade ao contrato de arrendamento rural datado de 16 de Setembro de 1969, o conceito de declaração negocial tácita previsto no artigo 217º, nº 1 do C.C..

41.ª - Neste caso, o documento em análise demonstra que o proprietário da Quinta ... tacitamente reconheceu a existência, validade e eficácia do contrato de arrendamento celebrado em 16 de Setembro com a A. e o seu falecido marido, tanto assim que terá operado a sua prorrogação, depois de 30 de Setembro de 1972.

42.ª - Contudo, como do próprio documento se alcança o senhorio através dele operou a cessação do contrato de arrendamento datado de 16 de Setembro de 1969 por oposição à renovação ou por denúncia, a partir do dia 1 de Outubro de 1973.

43.ª - À luz do Decreto – Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro, designadamente do seu artigo 19º, nº 1, o contrato de arrendamento cessa por oposição à renovação ou por denúncia de uma das partes, mediante comunicação escrita.

44.ª - É ainda importante destacar que os arrendatários não se opuseram à efetivação da oposição à renovação ou da denúncia, como prescreve o artigo 19º, nº 9 do Decreto-Lei 294/2009, de 13 de Outubro.

45.ª - Neste quadro, a intitulada Prorrogação de Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico, alegadamente celebrado entre J. S., como proprietário, e J. C. e mulher H. S., por via do qual a A. pretende demonstrar a prorrogação do contrato de arrendamento de prédio rústico celebrado em 16 de Setembro de 1969, não tem, com o devido respeito, qualquer valor jurídico, nem probatório.

46.ª - Em primeiro lugar, em bom rigor, a figura jurídica da prorrogação do contrato de arrendamento rural por acordo das partes não tem consagração legal.

47.ª - Portanto, nunca as partes poderiam ter celebrado qualquer prorrogação do contrato, dado que a mesma opera automaticamente, por força da lei, em caso de não ser denunciado nos termos da lei.

48.ª - Em segundo lugar, acontece que o referido contrato de arrendamento datado de 16 de Setembro de 1969 foi denunciado pelo alegado senhorio e, pelo menos, duas vezes, uma a partir do dia 1 de Outubro de 1972 e outra a partir do dia 1 de Outubro de 1973.

49.ª - Daqui decorre que nunca se poderia ter celebrado, como não se celebrou, uma prorrogação de um contrato de arrendamento denunciado e terminado, pelo menos a 30 de Setembro de 1973 e para vigorar a partir de 1 de Outubro de 1973, pela simples e decisiva razão que não se pode prorrogar algo que não existe juridicamente, nem factualmente.

50.ª - Em segundo lugar, mesmo que assim não se entendesse, tal documento não se mostra assinado pelos donos do terreno (alegados senhorios) ou RR., nem por qualquer outra pessoa que ocupasse uma posição ativa na discutida relação contratual.

51.ª - A este respeito, assinale-se que os rogos alegadamente contantes do documento não foram dados nem confirmados perante notário, depois de lido o documento ao rogante, como exige o disposto no artigo 373º, nº 4 do C.C..

52.ª - Logo não existe qualquer redução a escrito de tal prorrogação do contrato de arrendamento rural, nem qualquer outro negócio.

53.ª - Acresce que se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal, tal é o que resulta do disposto no artigo 393º, nº 1 do C.C..

54.ª - Também é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º do C.C., quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores – artigo 394º, nº 1 do C.C..

55.ª - Daí que não existindo qualquer prorrogação do contrato de arrendamento reduzida a escrito o invocado documento sempre sofre de nulidade.

56.ª - Tendo, nesta sede, aplicação as mesmas normas que regulam a forma do contrato de arrendamento rural.

57.ª - Com efeito, o artigo 35º, nº 5 do Decreto-Lei nº 358/88, de 25 de Outubro estabelecia que “Nenhuma ação judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato quando exigível”.

58.ª - Com efeito, o artigo 6º do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro, no seu nº 1 estipula que “Os arrendamentos rurais são obrigatoriamente reduzidos a escrito, constando dos mesmos a identificação completa das partes contratantes, a indicação do número de identificação fiscal e respetiva morada de residência ou sede social, bem como a identificação completa do prédio ou prédios objeto do arrendamento”.

59.ª - E o seu nº 2 mais adianta que “A não redução a escrito dos contratos de arrendamento rural celebrados ou renovados na vigência do presente decreto-lei gera a sua nulidade”, mais: o artigo 7º, nº 1 do Decreto-Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro estipula que “O contrato de arrendamento rural é reduzido a escrito”, acresce que o artigo 35º, nº 5 do Decreto – Lei nº 294/2009, de 13 de Outubro estipula que “Nenhuma ação judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária.”

60.ª - Desta maneira, a falta de assinatura por parte dos contraentes numa alegada prorrogação do contrato de arrendamento rural constitui uma formalidade “ab substanciam” e de conhecimento oficioso, o que implica a nulidade dessa alegada prorrogação de contrato – conforme estipula o artigo 220º do C.C..

61.ª - Com efeito, o artigo 220º do C.C. consagra explicitamente, como regra, a solução que considera as formalidades legais da declaração como formalidades ad substanciam (e não como meras formalidades ad probationem) – Cfr. Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição revista e atualizada, Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Lda., págs. 210 e 211.

62.ª - De tal maneira, que a sua falta conduz à inexistência material do negócio.

63.ª - Em terceiro lugar, mesmo que assim não se entendesse, adverte-se que tal prorrogação apenas diria respeito aos seguintes prédios rústicos:
- Lameiro de …; - Lameiro …; - Lameiro … (até à mina Exclusive);- Terras de … ou de Ribas (menos o pomar); - Matas e Lameiro, que entronca com a Estrada que conduz a ….

64.ª - Por referência aos depósitos bancários à ordem do senhorio ou de quem o representa, é fundamental esclarecer que os donos do imóvel nunca reconheceram a validade de tal alegado depósito de rendas, que até desconheciam, tanto assim que nunca fizeram uso de tais quantias alegadamente depositadas.

65.ª - Na realidade, sobre esta matéria rege o artigo 14º do Decreto-Lei 294/2009, de 13 de Outubro, do qual resulta, em primeiro lugar, que o depósito das rendas diz respeito apenas às que estejam em atraso, portanto, se a A. como alegada arrendatária fez uso de tal depósito é porque as rendas estavam em atraso, logo, nunca cumpriu com o pagamento pontual das rendas.

66.ª - Em segundo lugar, o alegado arrendatário pode proceder ao depósito da renda quando lhe seja permitido fazer cessar a mora e ainda quando esteja pendente de ação de despejo – artigo 14º, nº 1 do D.L. 294/2009, de 13 de Outubro.

67.ª - Também por aqui se vê que a alegada arrendatária para usar o depósito das rendas é porque estaria em mora, isto é, não cumprindo com o pagamento pontual das rendas.

68.ª - Acresce que o depósito das rendas consiste no depósito judicial, feito à ordem do credor, com o fim de liberar definitivamente o devedor do vínculo obrigacional, isto é, no contexto designadamente de uma ação de despejo, o que tudo, pelas razões vindas de expor, nunca aconteceu.

69.ª - Diga-se ainda que a A. nem sequer cumpriu com tal alegado depósito com as regras exigidas pelo artigo 14º, nº 2, a) a 3) do D.L. 294/2009, de 13 de Outubro.

70.ª - No caso em apreço, verifica-se que o depósito não é assinado por nenhum dos alegados arrendatários, sendo assinado por pessoa diferente da A. e que não foi efetuada a rogo da alegada arrendatária – artigo 373º, nº 1 do C.C., tão pouco existe rogo dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante - como ordena o disposto no artigo 373º, nº 4 do C.C..

71.ª - Noutro segmento, o senhorio identificado é diferente da R. nos presentes autos M. L., sendo que no documento em causa nada se diz igualmente quanto à identificação do locado, nomeadamente em lado algum se refere à Quinta de …, sito em ..., freguesia de ... (extinta), Vila Real, composto de lameiro, pomar, vinha, pastagem, mato e instalações agrícolas, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº ... da mesma freguesia (agora artigo ... da freguesia de ... e ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ....

72.ª - Outro aspeto importante é a clara omissão de indicação do motivo pelo qual é solicitado o depósito.

73.ª - Para além disso, e como demonstração que o depósito das rendas deve ser efetuado apenas em decurso de litígio judicial, é a exigência do nº 4 do artigo 14º do D.L. 294/2009, de 13 de Outubro, mas como bem refere a Caixa ..., no depósito em causa, não é feita qualquer menção a processo de Tribunal.

74.ª - Por último, não estão verificados os requisitos exigidos para a consignação em depósito estatuída no artigo 841º do C.C., entre eles o que exige que a prestação não tenha tido lugar quando a obrigação já estava vencida – cfr. Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 2º - 216, pág. 217.

75.ª - Por conseguinte, deveria ter sido declarada procedente a exceção dilatória inominada decorrente da aplicação do artigo 35º, nº 5 do Decreto-Lei 294/2009, de 13 de Outubro, ao abrigo do artigo 576º, nº 2 do C.P.C..

76.ª - Sendo que o Tribunal recorrido violou, igualmente, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 6º, 7º, 14º, 19º, 35º, nº5 do Decreto-Lei 294/2009, de 13 de Outubro.

77.ª - Noutro segmento, mais se dirá que não existe qualquer direito da autora a exercer o direito de preferência na compra e venda em causa nos autos.

78.ª - Com efeito, a A. foi identificada como confinante e por esse motivo foi notificada, ou seja, tal demonstra a inexistência de qualquer situação de arrendamento rural a favor da A., assim como a legítima, séria e real convicção das RR. em como a A. não era, como não é, arrendatária rural do imóvel vendido.

79.ª - Mas, mesmo que assim não se entendesse, sempre a comunicação para preferência preenche todos os requisitos e elementos essenciais exigidos pelo artigo 31º, nº 2 do D.L. 294/2009, de 13 de Outubro e do artigo 416º do C.C..

80.ª - Revertendo ao caso concreto, verifica-se que o obrigado à preferência enunciou todos esses elementos essenciais, desde logo, comunicou o projeto negocial, dado que informou ser intenção da dona e possuidora do imóvel celebrar, sobre o imóvel, um contrato de compra e venda, depois, informou o respetivo preço no valor de 82 500,00 €, por outro lado, as condições de pagamento foram claramente informadas, designadamente o valor de 82 500,00 € devia ser pago na escritura, por último, foi ainda identificado o terceiro adquirente, como sendo a sociedade X, Lda., aqui 2ª R. e mais se indicou o prazo para o exercício da preferência de 8 dias, nos termos do artigo 416º, nº 2 do C.C. e ainda se forneceu o endereço para a Resposta, como sendo L. C., Rua … Vila Nova de Gaia.

81.ª - Esta comunicação para preferência foi recebida pela A. em 7 de Dezembro de 2018, como consta do documento em causa e foi confessado nos autos pela própria A..

82.ª - De modo que é forçoso concluir que a A. conheceu os elementos essenciais do negócio a 7 de Dezembro de 2018.

83.ª - Para além disso, a A. enviou uma Resposta com a alegada comunicação de exercício do direito de preferência na transmissão da propriedade do prédio rústico sob o artigo matricial ... e registo predial nº ....

84.ª - A primeira consideração é reportada à data do documento como sendo tendo sido praticado em Vila Real a 17 de Dezembro de 2018, mas recebido pela 1ª R. apenas a 18 de Dezembro de 2018, conforme documento nº 2 junto com a contestação.

85.ª - Estas datas ultrapassam em 2 e 3 dias o prazo de 8 dias dado pelo obrigado à preferência e conhecido pela A. a 7 de Dezembro de 2018.

86.ª - Desta maneira, verifica-se que o alegado direito da A. se havia extinto por caducidade.

87.ª - A A. denota ter compreendido os elementos essenciais do negócio, porém a A. não declarou querer preferir, com efeito, a A. limitou-se a manifestar um interesse em exercer o direito de preferência e o interesse na propriedade referida, tendo solicitado uma reunião para obter informações mais detalhadas.

88.ª - No entanto, nem sequer concretizou que tipo de informações mais detalhadas pretendia.

89.ª - Assim sendo, por esta via, a alegada resposta da A. não cumpre os requisitos legais para ser considerada uma verdadeira aceitação da preferência, antes pelo contrário, equivale a uma renúncia à luz princípios gerais da boa fé e da segurança do comércio jurídico, com a consequente extinção do invocado direito de preferência.

90.ª - Por conseguinte, deveria ter sido declarada procedente a exceção perentória de caducidade do exercício do alegado direito de preferência da A., ao abrigo do artigo 576º, nº 2 do C.P.C..

100.ª - Sendo que o Tribunal recorrido violou, igualmente, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 14º, 31º, nº 2 do Decreto-Lei 294/2009, de 13 de Outubro, assim como do artigo 416º, nº 2 do C.C..

101.ª - No caso dos autos, a A. tem falta de legitimidade para ocupar a parcela de terreno referida na contestação/reconvenção.

102.ª - Com efeito, J. S. e, ultimamente, M. L. sempre foram os donos e legítimos possuidores da Quinta ..., os quais foram, na realidade, os patrões de J. C. e esposa aqui A. H. S., pelo que a A. e o seu falecido marido eram os caseiros da Quinta ....

103.ª - Na realidade, foi até celebrado contrato de arrendamento de prédio rústico em 19/03/1983 entre J. S. e F. F. e J. T., sendo certo que a A. nunca reagiu contra o arrendamento identificado supra.

104.ª - E ao longo dos anos, foi o Sr. J. S. e seus herdeiros que tiraram dividendos do terreno e suportaram as despesas.

105.ª - Nomeadamente: com pagamento de prémios de seguros do terreno em causa nos presentes autos – Quinta …, com realização de estudo de fertilidade do solo, com instalação de energia elétrica através da celebração de contrato de fornecimento de energia elétrica, com pagamento da energia elétrica consumida, com contratação dos serviços municipalizados de água e saneamento o respetivo fornecimento, suportando o depósito de garantia, a construção do ramal de acesso, a taxa de ligação e os consumos, com a venda das uvas e recebendo o respetivo preço, com o registo da vinha no Instituto da Vinha e do Vinho, com aquisição dos produtos de tratamento das culturas e máquinas, com a venda da fruta recebendo o respetivo preço, com a aquisição de árvores de fruto para as plantarem no terreno, com a cedência da lenha existente no terreno a terceiros e pagaram aos diversos trabalhadores agrícolas que no terreno executaram trabalhos.

106.ª - Acresce que foi celebrada a escritura de compra e venda celebrada no dia 26 de Dezembro de 2018, no Cartório Notarial ..., entre L. C., na qualidade de procurador de M. L. e F. C., na qualidade de sócio e gerente da 2ª R. “X – COMÉRCIO DE MICRO INFORMÁTICA, LDA.”.

107.ª - No seguimento, da descrição na Conservatória do Registo Predial ... do prédio em discussão nos autos, retira-se a inscrição de propriedade a favor da A. pela AP. 4202 de 2019/01/11, por aquisição.

108.ª - Mais: o prédio rústico encontra-se inscrito a favor da 2ª R. X na matriz predial rústica com o artigo ...º (matriz nº ... da extinta freguesia de ..., da freguesia de ... e ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o nº ....

109.ª - Por outro lado, a 2ª R. enviou à A. uma carta de interpelação com data de 2 de Janeiro de 2019 a reivindicar a parte do imóvel detida pela A..

110.ª - A A. tem vindo a ocupar o prédio sem autorização das RR. ou anteriores donos do prédio e sem qualquer motivo para estar a ocupar o terreno.

111.ª - Sendo a 2ª R., como dona e possuidora do imóvel, por si e seus antepossuidores, que cultiva e colhe frutas, tomates, alfaces, milho, cebolas, vinhos e outros produtos, fez e faz obras e melhorias ou consente que o façam no terreno identificado e suporta as despesas com água, luz e seguros, o que sucede há mais de 30 anos, à vista de todas as pessoas, sem a oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, na intenção e convicção que o mesmo lhes pertencia, pelo que, se outro título não tivesse, sempre teria adquirido o referido prédio por usucapião.

112.ª - Sucede, porém, que a A. tem vindo a ocupar o prédio com uma horta, gado e cão num trato de terreno de cerca de 7 000 m2, junto ao limite sul do terreno, ocupação sem autorização das RR. ou anteriores donos do prédio.

113.ª - A A. impede assim o livre acesso e utilização desse trato de terreno pela 2ª R. X, aqui recorrente, a A. não tem qualquer motivo para estar a ocupar o terreno, sendo que a A. recorrente já solicitou que a A. abandonasse o trato de terreno ocupado, mas a A. recusa a entrega do terreno.

114.ª - A A. deverá devolver à R. o trato de terreno rústico identificado e que ocupa.

115.ª - Pelo que deve a reconvenção ser julgada provada e procedente e por via dela:
Declarar-se que o prédio identificado em 64 da contestação/reconvenção, onde se inclui o trato de terreno identificado em 75 da contestação/reconvenção é propriedade da aqui recorrente;
Ser a A. condenada a restituir à R. X esse trato de terreno;
Ser a A. condenada a abster-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização por parte da R. X do terreno;
Ser a A. condenada ao pagamento da quantia de € 750,00 por cada mês que ocupe o terreno a contar da notificação da reconvenção.

116.ª - O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto, entre outros, nos artigos 1305º e 1344º do C.C..
*
1.2.2. Contra-alegações

A Autora (H. S.) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso de apelação interposto pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) e se mantivesse a sentença recorrida, sendo ainda aquela condenada como litigante de má fé, indemnizando-a em € 1.500,00, para reembolso das despesas suportadas com honorários e taxa de justiça.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1. A douta decisão recorrida não padece de qualquer erro de julgamento ou de incorrecta interpretação ou aplicação do direito.

2. A recorrente criou um facto novo após ser proferida a decisão de mérito pelo tribunal a quo.

3. O tribunal ad quem não deve conhecer deste novo facto, mantendo em tudo a decisão recorrida.

4. Esta nova pretensão da recorrente terá de ser totalmente rejeitada porque incide sobre questões que, notoriamente, não foram anteriormente apreciadas e não sendo de conhecimento oficioso, não pode, por isso, o Tribunal ad quem confrontar-se com estas questões novas (Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, Almedina, pág. 119 e segs.).

5. Pois que, os documentos apresentados depois do encerramento da discussão devem reportar-se a factos já anteriormente levados ao processo, nos articulados normais ou supervenientes e não a trazer factos novos (cfr. o disposto no art. 425º do C.P.C.).

6. Isto é, os documentos supervenientes não se destinam a trazer ao processo factos supervenientes (Cfr. Ac. STJ. de 05-05-2015, Proc. 700/13. sumários. 2015 p. 258, in Novo Código de Processo Civil anotado, Ediforum, pág. 627, de Abílio Neto).

7. Os documentos têm de referir-se a factos ocorridos antes do encerramento da discussão em 1ª instância, a facto reportado aos fundamentos da acção ou da defesa e devidamente introduzido na causa no respectivo articulado, no limite, mediante alegação em articulado superveniente, o que tem como limite temporal, justamente, aquele encerramento da discussão em 1ª instância (Cfr. Ac. RC., de 15-09-2015, Proc. 889/10, in dgsi.Net).

8. Do mesmo modo, a junção do documento, nunca poderia ser possível, dada a inexistência de facto e de direito desse mesmo documento.

9. Com o devido respeito, é querer, como diz o povo, “fazer o fato à medida do dono”.

10. A decisão recorrida, decidida na 1ª instância, não foi uma surpresa, ou imprevisão que justificasse a junção de novos documentos nesta fase de recurso (Cfr. Ac RG. De 30-04-2020, Procº. 1441/16.7T8BRG.G1, in www.dgsi.pt).

11. A instância, não restam dúvidas, estabilizou-se e tramitou nos devidos termos legais, obedecendo aos princípios da prova livre e legal e do contraditório, o que implica que o tribunal ad quem não deva conhecer de factos novos.

12. Por conseguinte, não deve ser atendida pelo tribunal ad quem a invocada inutilidade superveniente da lide, mantendo-se a instância.

13. A douta decisão recorrida não padece de qualquer erro de julgamento ou de incorrecta interpretação ou aplicação do direito.

14. Como refere a própria sentença a quo, os depoimentos das testemunhas pouco esclarecem, mas encontram confirmação noutras provas (…).

15. Veja-se o facto das testemunhas referirem (…) os “caseiros”, os “patrões”…

16. Trata-se de depoimentos prestados por pessoas com falta de conhecimentos específicos ou técnicos, do povo rural;

17. Estas testemunhas não sabem, nem têm que saber, o que é o arrendatário, ou o inquilino;

18. Mas sabem, como ficou provado e consta dos autos, que a autora, aqui recorrida, sempre cultivou o terreno e pagava uma renda.

19. E sabem também as testemunhas que houve fiadores da autora quando fizeram o contrato de arrendamento.

20. A recorrente pretende, numa tentativa desesperada de fuga para a frente, por em causa a valoração crítica da prova realizada pelo tribunal a quo que, nos termos do disposto do artº. 607º nº 5 do C.P.C., é regido pelo princípio da livre apreciação do julgador.

21. A recorrente, criou ex novo, fez nascer um facto, no dia 9 de março de 2020, isto é, mais de 30 dias após a publicação da sentença, a recorrente e a 1ª. Ré, foram “iluminadas por uma luz cintilante” que lhes mostrou nitidamente o caminho, ou atalho de percurso, para cortar de vez, ao arrepio de toda aprova produzida, discutida, contraditada e decidida em julgamento, a demanda ganhadora da autora, aqui recorrida.

22. Porém, como o direito regula todos os interesses que se estabelecem entre todos os membros da comunidade jurídica, os actos jurídicos levados a cabo por uns, podem afectar os interesses de outros e é função do direito disciplinar todos os interesses de modo a que os mesmos sejam conformados por princípios de justiça (Cfr. Ac. RC. Nº 166/17. 0T8PNI.C1, de 17-09-2019, in www.dgsi.pt);

23. Os direitos subjectivos e o seu exercício não são garantidos sem limites, havendo que indagar se, no caso concreto, existem circunstâncias ou relações especiais em virtude das quais o exercício incorre em contradição com a ideia de justiça (Cfr. Ac. Rl. Nº 1199/11.6TVL.SB, de 20-03-2013, in www dgsi.pt).

24. A lei é clara ao referir expressamente que a alienação ou modificação por distrate, não prejudica o direito de preferência e a respectiva ação – art. 1410, nº 2 do C.C.

25. Este preceito civilista vem já do texto da reforma de 1930, como reacção contra um expediente de que comprador e vendedor se serviam para afastar o direito do preferente, quando viam a situação perdida (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2º edição, reimpressão, Coimbra Editora,1987, pág. 381).

26. No caso dos presentes autos, mutatis mutandis, a recorrente, viu a sua situação perdida, totalmente desfavorável, pela decisão do tribunal a quo.

27. Vindo agora, utilizando um expediente contra legem, querer afastar a preferente.

28. A recorrente, abundantemente, está a por em causa princípios da confiança jurídica porque, existe um comportamento com que, razoavelmente, não se contava face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expectativas que gerou (no mesmo sentido o Ac. Rl.nº 1199, supra referido).

29. A ser como pretende a recorrente, no caso dos presentes autos, ou noutras situações jurídicas abstractamente consideradas, estar-se-ia sempre perante um direito limitado, coxo à nascença, em que o instituto do direito de preferência, a exercitar pelo preferente, viveria sempre com o espectro de uma “espada de Dâmocles” sobre o pescoço, nas mãos do alienante e do adquirente.

30. Estamos perante uma clamorosa situação de abuso de direito por parte da recorrente.

31. O abuso de direito pressupõe a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito que, contudo, é exercido de forma que excede manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social e económico (art. 334º CC.).

32. Na tipologia do abuso de direito, sobressai o “venire contra factum proprium”, que equivale a dar o dito por não dito, radicando numa conduta contraditória da mesma pessoa ao pressupor duas atitudes antagónicas, sendo a primeira (factum proprium) contrariada pela segunda atitude, com manifesta violação dos deveres de lealdade e dos limites impostos pelo princípio da boa fé (Cfr. Ac. Stj. nº 3820/07.1TVI.SB.L2.S1, de 05-05-2015, in www.dgsi.pt).

33. Seguindo as lições de Menezes Cordeiro, uma das tipologias que configura abuso de direito, é a “inalegabilidade formal”, ou seja, quando alguém alega, de forma desconforme com a boa fé, designadamente, por lhe ter dado causa, a nulidade formal de um negócio.

34. Uma outra modalidade de abuso de direito, ainda no dizer daquele insigne mestre, é o “desequilíbrio no exercício das posições jurídicas”, ou seja, o exercício do direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que a outra parte podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (Cfr. Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo 1, 2ª edição, Coimbra, pág. 249-269).

35. A recorrente, nos presentes autos, salvo entendimento contrário, actuou de má-fé ou, pelo menos, com negligência grave, conforme o disposto no art. 542º, nº 2 do C.P.C..

36. Sustentou a sua pretensão numa realidade “criada para o efeito”, em claro desrespeito e desobediência de qualquer regra de prudência e ponderação (Cfr. Ac. R.G., Procº nº 27/15.8T8TMC.G1, de 10-05-2018, in www.dgsi.pt).

37. Inconsiderando, por isso, o princípio da boa fé processual.

38. É que, o processo, sendo uma realidade formal ou “formalizadora” de actos, deve corresponder ao percurso que seja necessário e devido à realização da justiça, e esta, não se consegue sem ordem e sem regra e, na realidade, nem sempre os fins justificam os meios para se conseguirem aqueles (Cfr. Carlos Castelo Branco, in, A Prova Ilícita: Verdade ou Lealdade, Colectânea de Jurisprudência, Almedina 2018, pág. 11/12.).

39. Destarte, ao abuso de direito que a douta sentença a quo considera existir, vem agora a recorrente acrescentar ao processo, em violação às mais elementares regras de direito e princípios de justiça, um documento novo, criando uma nova realidade à sua medida, o que só confirma a valoração e análise crítica feita pela meritíssima juiz a quo.

40. Quanto à restante Matéria de Facto alegada pela recorrente, consideramos ser toda ela desprovida de fundamento probatório, atendendo à rigorosa e crítica análise descrita na sentença a quo.

41. A meritíssima juiz formou a sua convicção no conjunto da prova produzida de forma crítica e devidamente fundamentada;

42. Razão pela qual muito bem andou ao decidir como decidiu.

43. Nestes termos deve negar-se provimento ao recurso interposto pela recorrente e manter-se a douta sentença proferida nos autos, nos seus precisos termos.

44. Devendo ainda condenar-se a recorrente por ter alegado em litigância de má fé processual e, em consequência, indemnizar a recorrida no reembolso das despesas suportadas em honorários e na taxa de Justiça, que se computam, nesta sede, em 1.500,00 euros.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Identificação das questões a conhecer

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela 2.ª Ré, 06 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - Deverá ser admitido o documento «DISTRATE DE COMPRA E VENDA», junto pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) com as suas alegações de recurso, e em função dele declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da excepção dilatória inominada de falta de junção, com a petição inicial, de contrato escrito de arrendamento (conforme exigido pelo art. 35.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 358/88, de 25 de Outubro)?

3.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação das regras de direito probatório material, nomeadamente ao considerar ser admissível a prova testemunhal para demonstrar a existência de um contrato (de arrendamento rural) de imperativa redução a escrito ?

4.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque

. não permitia que se dessem simultaneamente como demonstrados, por contraditórios entre si, por uma lado, os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 22 (parcial), e, por outro, os factos provados aí enunciados sob o números 39, 40 e 41, a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e l) (isto é, «o Tribunal recorrido (…) deu como provada a existência de dois contratos de arrendamento para o mesmo imóvel, pelo mesmo senhorio, mas para dois arrendatários distintos»);

. não permitia que se dessem como demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 2, nessa exacta redacção («Por contrato particular de arrendamento de prédio rústico, reduzido a escrito, realizado em 16 de Setembro de 1969, entre a Autora e o então marido, J. C., na qualidade de arrendatários, e J. S., na qualidade de senhorio, o referido prédio, com exclusão de algumas parcelas aí mencionadas, foi dado de arrendamento à Autora e seu marido»), sob o número 7 («Em 29 de Novembro de 1973, foi celebrado entre as partes um contrato denominado de «Prorrogação de Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico», do qual consta que prorroga o contrato de arrendamento inicial, de 16 de Setembro de 1969, agora limitado às parcelas aí identificadas, renovando-se automática e legalmente por períodos sucessivos, mantendo-se até aos dias de hoje»), sob o número 8 («A renda anual devida pelo arrendamento foi estipulada à data em $ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos escudos)»), sob o número 9 («A Autora sempre cumpriu com o pagamento pontual das rendas, através de depósito bancário à ordem do senhorio ou de quem o representa»), sob o número 10 («A Autora, desde o início do arrendamento, que cria e apascenta gado, roça mato, planta e poda árvores, cultiva hortícolas, granjeia o terreno, lavra, rega e aduba»), sob o número 11 («A Autora cultivou e cultiva aquele prédio rústico para fins agrícolas, conforme se encontra estipulado no contrato de arrendamento»), sob o número 12 («A Autora e o seu marido, enquanto este foi vivo, sempre cultivaram aquele prédio em conformidade com os fins constantes do contrato»), sob o número 13 («A Autora vive em economia comum com dois dos seus sete filhos, solteiros, maiores, que a ajudam no cultivo e manutenção do prédio arrendado»), sob o número 14 («Dada a avançada idade da Autora (87 anos), são estes dois filhos, que sempre com ela viveram e assim continuam, que conferem o apoio inerente ao trabalho e cultivo do prédio, adequados à execução da actividade prevista no contrato, contribuindo para o sustento da casa de família»), sob o número 15, parcial («No dia 07 de Dezembro de 2018, a Autora recebeu uma carta em nome de L. C., na qualidade de procurador da 1ª Ré, M. L., a comunicar-lhe a intenção de vender o prédio rústico arrendado à Autora, identificado no artigo 1º da petição inicial»), sob o número 22, parcial («No dia 26 de Dezembro de 2018, estiveram com a Autora, na sua residência em Ferreiros, ..., o procurador da 1ª Ré, senhor L. C., e um senhor que dizia ser da X – Lda., dizendo-lhe que já havia novos proprietários do prédio de que ela era arrendatária»), sob o número 33 («A data e o local previstos para a escritura e o modo ou forma de pagamento representam factores decisivos na formação da vontade da Autora de preferir ou não, já que, do seu conhecimento, dependia o diligenciar, no curto lapso de tempo que dispunha, para disponibilizar o dinheiro e os mais adequados meios de pagamento»), sob o número 34 («Para a Autora, pessoa de parcas posses financeiras, não é fácil ter que dispor em duas semanas de uma quantia daquela importância, e mais ainda sem saber a melhor maneira de conseguir esse financiamento»), sob o número 35 («A Autora só veio ter conhecimento de todos os elementos essenciais da alienação do prédio no dia 16 de Janeiro 2019»), sob o número 36 («A Autora, que sempre exerceu a actividade agrícola, pretende continuar essa mesma actividade no prédio durante, pelo menos, 5 anos»), sob o número 40, parcial («A Autora nunca reagiu contra o arrendamento identificado no número anterior, com o esclarecimento de que sempre continuou a cultivar parte dessa quinta, ao abrigo do contrato de arrendamento referido supr), sob o número 42, parcial («A Autora não entrega qualquer quantia (a título de renda ou outra) à 1ª Ré ou à Ré X, depositando a renda numa conta na Caixa ..., titulada pelo marido da 1ª Ré ») e sob o número 47, parcial («Os antecessores das Rés, cultivavam, pelo menos, os pomares e as vinhas, fizeram obras e melhorias ou consentiram que o fizessem no terreno identificado e suportaram as despesas com água, luz e seguros»);

. e impunha que se dessem como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorrida sob a alínea b) («Não existe qualquer arrendamento em vigor entre Autora e Rés»), sob a alínea c) («A Autora tem vindo a ocupar o prédio num trato do terreno de cerca de 7000 metros quadrados junto ao limite sul do terreno»), sob a alínea d) («Ocupação sem autorização das Rés ou anteriores donos do prédio»), sob a alínea e) («A Autora não tem qualquer motivo para estar a ocupar o terreno») e sob a alínea f) («A 2ª Ré X cultivava e colhia frutas, tomates, alfaces, milho, cebolas, vinhos e outros produtos, fez e faz obras e melhorias ou consente que o façam no terreno identificado e suporta as despesas com água, luz e seguros») ?

5.ª - Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita, mas também de forma independente dele), por forma a que se julgue a acção totalmente improcedente (absolvendo-se as Rés do pedido formulado pela Autora, de reconhecimento do seu direito de preferência na venda feita por elas de prédio rústico de que é arrendatária) e o pedido reconvencional totalmente procedente (reconhecendo-se a 2.ª Ré como proprietária do dito prédio rústico e condenando-se a Autora a desocupá-lo, por não ter qualquer título que legitime a sua utilização) ?

6.ª - Improcedendo o recurso, deverá a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) ser condenada como litigante de má fé (nomeadamente, numa indemnização de € 1.500,00 a favor da Autora, a título de honorários e taxa de justiça) ?
*
2.2.2. Identificação das questões excluídas de apreciação
2.2.2.1. Excepção peremptório de caducidade

Precisa-se, a propósito da limitação do número das questões enunciadas como constituindo o objecto deste recurso de apelação, que se tem presente que a 2.ª Ré recorrente (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) defendeu igualmente nas suas alegações a verificação nos autos da excepção peremptória da caducidade do exercício, pela Autora (H. S.), do direito de preferência que aqui pretende ver reconhecido (por alegadamente o ter exercido depois de esgotado o prazo e oito dias concedido para o efeito).
Contudo, essa excepção foi expressamente conhecida no despacho saneador proferido nos autos (1); e dele não foi então interposto qualquer recurso.
Ora, lê-se no art. 644.º, n.º 1, al. b), do CPC que cabe «recurso de apelação» do «despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos».
Precisa-se que «o despacho saneador incide sobre o mérito da causa quando nele se julgue procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados; outrossim quando independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se apreciem excepções peremptórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade. Em qualquer dos casos, ainda que a decisão não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões, está sujeita a recurso imediato» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, págs. 152 e 153).
Não ocorrendo o mesmo, a dita decisão que conheceu do mérito transita em julgado (art. 628.º do CPC); e, como tal, deixa de ser passível de impugnação em posterior recuso a interpor da decisão final (art. 619.º, n.º 1 do CPC).

Logo, e com tal fundamento, não pode mais se apreciada (nomeadamente, por este Tribunal ad quem) a excepção peremptória de caducidade do exercício do direito de preferência invocado pela Autora (H. S.), por ter sido conhecida e julgada improcedente no despacho saneador, sem que do mesmo haja sido interposto qualquer recurso, transitando assim em julgado.
*
2.2.2.2. Excepção peremptória de falta de pagamento de rendas

Precisa-se ainda, de novo a propósito da limitação do número das questões enunciadas como constituindo objecto deste recurso de apelação, que se tem igualmente presente que a 2.ª Ré recorrente (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) defendeu a verificação nos autos da excepção peremptória de falta de pagamento pela Autora (reclamada arrendatária rural) de rendas, nomeadamente por os alegados depósitos por ela realizados para o efeito na Caixa ... não serem idóneos para o pretendido efeito liberatório (por reclamada falta dos exigíveis pressupostos legais).
Contudo, esta questão foi invocada pela primeira vez pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) em sede de alegações de recurso próprias, isto é, não foi oportunamente (com a sua contestação) invocada (sendo alegadamente de verificação anterior), conforme o exige o art. 573.º do CPC, ao consagrar o efeito preclusivo da contestação. Com efeito, lê-se expressamente no mesmo que toda «a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado» (n.º 1); e depois «da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente» (n.º 2).

Acresce, e conforme referido supra, que tal questão consubstancia uma «questão nova», isto é, não foi anteriormente submetida a contraditório da Autora (H. S.) e apreciada pelo Tribunal a quo, pelo que o seu conhecimento aqui e agora, não só violaria o referido princípio da preclusão da defesa, como equivaleria à supressão - não autorizada - de um grau de jurisdição.
Ora, é pacífico que «os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas»; e compreende-se «perfeitamente as razões que levaram a que o sistema assim fosse arquitectado», já que a «diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 87) (2).

Logo, e com tais fundamentos, não pode ser aqui apreciada a excepção peremptória de falta de pagamento de rendas pela Autora, por, reportando-se a momento anterior à contestação, não ter sido nela alegada; e, reportando-se a momento posterior àquele articulado, não ter sido invocada perante o Tribunal a quo e por ele conhecida, consubstanciando questão nova perante este Tribunal ad quem.
*
III - QUESTÕES PRÉVIAS

3.1. Questões impeditivas da apreciação do mérito da causa - Momento do seu conhecimento

3.1.1. Lê-se no art. 663.º, n.º 2 do CPC que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art. 608.º, n.º 2 do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
*
3.1.2. Concretizando, tendo sido pedida pela 2.ª Ré recorrente (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) a junção aos autos de documento que alegadamente justificaria a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (cuja declaração impetrou), e invocada por ela a excepção dilatória inominada de falta de junção aos autos, com a petição inicial, do contrato escrito de arrendamento que fundaria a preferência que a Autora aqui pretende exercer (cujo reconhecimento pediu), deverão tais questões ser apreciadas de imediato, e de forma prévia às restantes objecto de sindicância, já que, sendo verificadas, poderão impedir o conhecimento das demais (3).
*
3.2. Junção de documento (em sede de recurso) - Impossibilidade / Inutilidade superveniente da lide

3.2.1.1. Junção de documento

Lê-se no art. 651.º, n.º 1 do CPC que as «partes podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».
Com efeito, a junção de prova documental «deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág.184, com bold apócrifo).
Mais se lê, no art. 425.º do CPC, que, depois «do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento», resultando do art. 423.º do mesmo diploma que os documentos deverão «ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes» (n.º 1), ou «até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado» (n.º 2), ou até ao encerramento da discussão, desse que a sua «apresentação não tenha sido possível ate aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior» (n.º 3).

Assim, e na primeira hipótese («documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento»), encontramos situações em que o documento estava em poder de terceiro, que não o disponibilizou antes; ou em que, tendo a sua emissão por terceiro sido requerida atempadamente, só posteriormente se logrou; ou em que a parte só posteriormente teve conhecimento da sua existência, sem que essa ignorância prévia lhe seja censurável, mesmo a título de negligência (4).
Compreende-se, por isso, que aqui apenas se «legitima a apresentação imediata, logo que cesse a impossibilidade de apresentação, não podendo a parte aguardar pelo derradeiro momento pressuposto pela norma de dilação - o encerramento da discussão em primeira instância», assim se antecipando para a fase anterior a solução prevista no art. 425.º do CPC.

Já na segunda hipótese («documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior»), a «apresentação torna-se necessária em virtude de ocorrência posterior, nomeadamente, no caso (expressamente previsto na lei antiga) de se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo previsto no número anterior» (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil. Os Artigos da Reforma, Almedina, Outubro de 2013, pág. 341); ou ainda no caso de, «provando [os documentos supervenientes] factos anteriores, se formem posteriormente» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 250).
Precisa-se, porém, que o «facto (“ocorrência”) posterior a que se refere o nº 3 do art. 423 não é um facto principal, pois este só pode ser introduzido na causa mediante a alegação em articulado superveniente, já coberto pela norma do nº 1 do artigo; a previsão do nº 3 respeita a factos instrumentais relevantes para a prova dos factos principais ou factos que interessem à verificação dos pressupostos processuais. Sendo a ocorrência posterior, o documento que a prova não pode deixar de se ter formado, também ele, posteriormente; mas a esta situação há que assimilar os casos em que o facto (ainda que principal e como tal alegado) tenha ocorrido antes da preclusão do art. 423-2, fazendo já parte do processo, mas o documento que o prova (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial) só posteriormente se tenha formado» (José Lebre de Freitas, op. cit., pág. 250, nota 67).
Contudo, precisa-se ainda que a «apresentação do documento não se torna necessária em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha alude a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de um facto essencial já alegado - ou de um facto puramente probatório. A ocorrência quer torna necessária a apresentação deste meio de prova é a pretérita alegação desta matéria, cabendo a situação no nº 1 deste artigo» (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, op. cit., pág. 341) (5).

Logo, a parte que pretenda juntar documentos depois do articulado em que alega os factos correspondentes (nomeadamente, quando o faça com as suas alegações de recurso) terá de, simultaneamente, justificar o carácter superveniente da pretendida junção, seja ela de ordem objectiva (se o documento só foi produzido depois da audiência de julgamento, ou se só depois dela se tornou necessária a junção), seja ela de ordem subjectiva (como é o caso de só depois dessa altura se ter tido conhecimento da sua existência, ou de só então lhe ter sido possível obtê-lo) (conforme Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª edição, Almedina, pág.192).
A alegação de superveniência referida terá ainda que se demonstrada, mediante incidente nos termos dos arts. 292.º a 295.º, ambos do CPC (6).

Compreende-se, por isso, que a jurisprudência não hesite em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova (Ac. do STJ, de 27.06.2000, CJSTJ, Tomo II, pág. 131, ou Ac. do STJ, de 18.02.2003, CJSTJ, Tomo I, pág. 103), não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado (Ac. do STJ, de 03.03.1989, BMJ, n.º 385, pág. 545).
Compreende-se também que a mesma jurisprudência considere que, «não se tratando de documento ou facto superveniente», a «possibilidade de junção de documentos com a alegação de recurso de apelação (…) só existe para aqueles casos em que a necessidade de tal junção foi criada pela primeira vez, pela sentença da primeira instância», o que nomeadamente sucederá quando a «decisão de primeira instância (…) se tenha baseado em meio probatório não oferecido pelas partes, ou quando se tenha fundado em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes, justificadamente, não contavam» (Ac. do STJ, de 26.09.2012, Gonçalves Rocha, Processo n.º 174/08.2TTVFX.L1.S1, com bold apócrifo) (7).
Pressupõe-se, pois, aqui (junção do documento tornada necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), «a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum» (Ac. da RC, de 18.11.2014, Teles Pereira, Processo n.º 628/13.9TBGRD.C1, com bold apócrifo).
Em qualquer caso, porém, os documentos supervenientes não se destinam a trazer ao processo factos supervenientes: «o documento tem de referir-se a facto ocorrido antes do encerramento da discussão em 1ª instância, a facto reportado aos fundamentos da acção (ou da defesa), e devidamente introduzido na causa no respectivo articulado, no limite mediante alegação em articulado superveniente - articulado este que tem como limite temporal justamente aquele encerramento da discussão em 1ª instância (arts. 588º, nº 1, e 611º, nº 1, do NCPC) -, e não a facto novo somente alegado em recurso» (Ac. da RC, de 15.09.2015, Moreira do Carmo, Processo n.º 889/10.5TBFIG.C1).
*
3.2.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, veio a 2.ª Ré recorrente (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) juntar, com as suas alegações de recurso, certidão de uma escritura pública epigrafada «DISTRATE DE COMPRA E VENDA», celebrada em 09 de Março de 2020, e por meio da qual ela e a 1.ª Ré (M. L.) declararam que, «pela presente escritura distratam a (…) escritura de Compra e Venda» celebrada «no dia vinte e seis de dezembro e dois mil e dezoito», em que a segunda «vendeu à sociedade X-COMÉRCIO DE MICRO INFORMÁTICA LDA (…), pelo preço de OITENTA E DOIS MIL E QUINTOS EUROS», «o prédio rústico» de que a aqui Autora se reclama arrendatária, tendo a antes vendedora «já restituído» à antes compradora «o preço que ela pagou na escritura agora revogada, através do cheque número 920000004, sacado sobre o Banco …, no dia de hoje».
Está-se, assim, perante um contrato extintivo ou abolitivo, um contrarius consensus, autorizado pelo art. 406.º, n.º 1 do CC, onde nomeadamente se lê que o «contrato (…) só pode (…) extinguir-se por mútuo consentimento dos contraente ou nos casos admitido na lei». Aqui, as mesmas partes que intervieram na inicial compra e venda de prédio rústico onde a Autora pretende preferir, vieram depois, por novo acordo de vontades, revogar aquele prévio negócio.

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não pode o documento em causa ser admitido nos autos, já que se reporta a factos novos, de verificação posterior ao encerramento da discussão em primeira instância, momento que o art. 611.º, n.º 1, in fine, do CPC fixa como limite derradeiro da sua atendibilidade.
Dir-se-á ainda que a junção do dito documento não se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, isto é, por a fundamentação da sentença, ou o objecto da condenação, terem exigido a prova de factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes daquela decisão ter sido proferida.
O que se trata aqui é de uma realidade bem diversa, já que o dito documento não se reporta ao âmbito dos factos que integravam o objecto do litígio, à respectiva discussão e prova, pretendendo antes certificar uma intencional e posterior alteração do mesmo, nomeadamente pela revogação do negócio onde a Autora (H. S.) pretendia preferir.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, de «acordo com o disposto nos arts. 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do C.P.C., só podem justificar a junção de documentos na fase processual de recurso: i) a impossibilidade da sua apresentação em tempo oportuno, nos termos definidos pelo art.º 423.º do C.P.C.; e ii) a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância. Reconduz-se à primeira situação a superveniência do documento, tendo como referência o momento do julgamento em 1.ª Instância, superveniência que poderá ser objectiva se o documento foi produzido em data posterior àquela em que ele devia ter sido apresentado, ou poderá ser subjectiva se o conhecimento da sua existência só foi adquirido por quem o apresenta posteriormente ao referido momento. Quanto à necessidade motivada no julgamento da 1.ª Instância, só uma decisão surpresa, imprevista, justifica a junção de documentos nesta fase de recurso, não servindo de pretexto a surpresa quanto ao resultado» (Ac. da RG, de 30.04.2020, Fernando Fernandes Freitas, Processo n.º 1441/16.7T8BRG.G1).
Logo, o documento é inadmissível nesta fase de recurso.

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, indefere-se a junção aos autos do documento apresentado pela 2.ª Ré recorrente (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) com as suas alegações de recurso.
*
3.2.2.1. Impossibilidade / Inutilidade superveniente da lide

3.2.2.1.1. Em geral

Lê-se no art. 277.º, al. e), do CPC que a «instância extingue-se com» a «impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide».
Está-se perante formas anómalas de extinção da instância (formalmente introduzidas no direito processual nacional pela reforma de 1961), que radicam no desaparecimento irremediável de algum dos elementos constituintes da relação processual (o sujeito ou o objecto) ou dos interesses subjacentes.
Logo, está-se perante uma espécie de caducidade da instância em sentido amplo, na medida em que, não radicando em qualquer acto processual das partes (v.g. negócio jurídico processual), nem em acto do juiz, traduz-se numa ocorrência que assume a natureza de facto processual stricto sensu.

Precisando, no caso da impossibilidade superveniente da lide, se «por facto posterior ao início da instância (propositura da acção), desaparecer uma das partes e não for juridicamente admissível a sua substituição», ou «se a causa de pedir se extinguir por motivo estranho à composição da lide, a relação jurídica processual, desprovida de um dos seus elementos vitais, sucumbe» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 3.ª edição, pág. 54).
Será, por exemplo, o caso de morrer ou se extinguir parte que titulava direitos pessoais ou intransmissíveis ou situações jurídicas subjectivamente infungíveis; ou ainda de perda de objecto material do litígio infungível, ou de desaparecimento dos fundamentos da acção, de aniquilamento ou consumpção do efeito jurídico pretendido.
Precisando novamente, e agora no caso da inutilidade superveniente da lide, verifica-se quando, após a propositura da acção, ocorre um facto que determina a falta de interesse processual do autor, nomeadamente por a decisão a proferir já não possuir qualquer efeito útil, ou porque já não é possível satisfazer a pretensão do demandante, ou porque o fim visado com a acção foi atingido por outro meio (Alberto do Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume III, Coimbra, 1946, págs. 367-373).
*
3.2.2.1.2. Em particular - Acção de preferência

Lê-se no art. 1410.º, n.º 2 do CC que o «direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial».
Compreende-se que assim seja, já que as «preferências legais conferem ao respectivo titular a faculdade de, em igualdade de condições (tanto por tanto), se substituir a qualquer adquirente da coisa sobre que incidem, em certas formas de alienação. Do exercício da preferência resulta apenas uma modificação subjectiva do negócio de alienação: substituição do adquirente pelo preferente».
Ora, a «afirmação de que o distrate (rescisão por mútuo acordo) da alienação não prejudica o direito de preferência vem já do texto da reforma de 1930 (…), como reacção contra um expediente de que comprador e vendedor se serviam para afastar o direito do preferente, quando viam a situação perdida»; e manteve-se a «expressão distrate (e não se usou o termo resolução ou rescisão), para acentuar o carácter voluntário do acto, sempre posterior à alienação».
Compreende-se, por isso, que se afirme que, face a esta eficácia real do direito de preferência legal, a preferência converte-se «num verdadeiro direito real de aquisição» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, págs. 371 a 382) (8).
Por outras palavras, «a eficácia real implica a inerência. E a inerência significa que o direito do preferente atinja o imóvel, quaisquer que sejam as vicissitudes fácticas ou as actuações jurídicas de que seja objecto» (J. Oliveira Ascensão, «Direito de Preferência do Arrendatário», Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume III, Almedina, pág. 270).
*
3.2.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, tendo a 1.ª Ré (M. L.) e a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) celebrado, em 09 de Março de 2020, uma escritura pública de «DISTRATE DE COMPRA E VENDA» do prévio negócio de alienação do prédio rústico de que a Autora (H. S.) se reclama arrendatária, e por isso onde pretende preferir no lugar da adquirente, veio esta última defender em alegações de recurso ter-se assim a instância extinto por inutilidade superveniente da lide.
Consubstanciando a dita extinção uma excepção dilatória, sendo a mesma de conhecimento oficioso, e tendo o facto que lhe daria origem chegado ao conhecimento deste Tribunal ad quem, importaria que sobre ela se pronunciasse (arts. 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2 e 578.º, todos do CPC).

Contudo dir-se-á, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que o «DISTRATE DE COMPRA E VENDA» havido nunca poderia consubstanciar uma inutilidade superveniente da lide, mas antes uma impossibilidade superveniente da mesma, já que se manteria intacto o interesse da Autora (H. S.) em preferir na primitiva compra e venda, tendo-se quanto muito tornado de impossível satisfação (precisamente, pelo desaparecimento da dita compra e venda).
Dir-se-á ainda, e conforme referido supra, que a revogação, pelas respectivas partes, do primitivo negócio de alienação é, porém, inoponível à Autora (H. S.); e, desse modo, a instância permanece incólume nos seus elementos constituintes essenciais (nomeadamente, os respectivos sujeitos e objecto).
Logo, inexiste qualquer extinção da instância, por inutilidade ou impossibilidade supervenientes da lide.

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julga-se improcedente a excepção dilatória de inutilidade e/ou impossibilidade supervenientes da lide.
*
3.3. Excepção dilatória inominada de falta de junção aos autos, com a petição inicial, do contrato escrito de arrendamento

3.3.1.1. Obrigatória redução a escrito (do contrato de arrendamento rural)

Lê-se no art. 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Rural), que «os arrendamentos rurais são obrigatoriamente reduzidos a escrito, constando dos mesmos a identificação completa das partes contratantes, a indicação do número de identificação fiscal e respectiva morada de residência ou sede social, bem como a identificação completa do prédio ou prédios objecto do arrendamento».
De forma conforme, reafirma-se no art. 7.º seguinte que o «contrato de arrendamento rural é reduzido a escrito» (n.º 1); e são «elementos obrigatórios do mesmo» a «identificação completa das partes», a «identificação do bem objecto de arrendamento», o «fim a que se destina», o «valor estipulado para a renda», e a «indicação da data de celebração» (n.º 2, als. a), b), c), d) e e) do mesmo preceito).
Mais se lê, no n.º 2 do art. 6.º citado, que a «não redução a escrito dos contratos de arrendamento rural celebrados ou renovados na vigência do presente decreto-lei gera a sua nulidade».
Logo, esta imperativa redução a escrito consubstancia uma formalidade ad substantiam (e não meramente uma formalidade ad probationem), refirmando-se no regime particular em causa a solução geral consagrada no art. 220.º do CC, segundo o qual a «declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei».

Concluiu-se no Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, o regime iniciado na Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro (que aprovou as Bases Gerais da Reforma Agrária), cujo art. 3.º ´impunha essa imediata redução a escrito para arrendamento rurais cuja superfície agrícola útil fosse igual ou superior a dois hectares, ficando porém inicialmente de fora as superfícies agrícolas úteis inferiores e todos os arrendamentos rurais de agricultores autónomos.
Previa-se, no entanto, no mesmo preceito que no período de três anos após o início da vigência do diploma referido (ou seja, a partir de 29 de Setembro de 1980) seriam obrigatoriamente reduzidos a escrito todos os contratos (quer ao agricultor autónomo, quer aos demais) em que a superfície agrícola útil fosse superior a um hectare; e, decorridos que fossem seis anos (a partir da mesma data, 29 de Setembro de 1980) a obrigatória redução a escrito estender-se-ia a todos os contratos.
Ponderou-se, então, as vantagens «do contrato escrito tipificar o conteúdo do acordo e definir com segurança para as partes, de forma objectiva, o clausulado, bem como reforçar o sentimento de subordinação em relação a algo de concretamente normativo e vinculante - o que se consegue através da solenidade da forma»; e havendo ainda «a intenção de uma intervenção reestruturadora no mundo agrário, um controlo administrativo pelo Estado das situações contratuais levadas a cabo e uma promoção da sua adequação à lei em vigor» (Virgílio de Jesus Miranda Carvalho, Aspectos Práctico-Jurídicos do Arrendamento Rural, Coimbra Editora, Limitada, 1984, pág. 29).
Contudo, a solução referida não deixou de ser criticada, nomeadamente por a «esmagadora maioria dos agricultores-rendeiros» serem então «pequenos e pequeníssimos agricultores, entre os quais o contrato verbal constituiu e constitui a regra; económica e socialmente débeis sem se aperceberem muito bem do interesse dos contratos escritos, submetidos às pressões de uma estrutura social onde impera o caciquismo dos proprietários, permanecem agarrados à tradição do contrato verbal, que mais agrava a sua precária situação de dependência dos senhorios» (A. Lopes Cardoso, A nova lei da reforma agrária, Livros Horizonte, 1977, pág. 137).

O Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro (disciplinando o regime geral do Arrendamento Rural) veio reforçar, neste particular, o regime anterior, lendo-se no seu art. 3.º que os «arrendamentos rurais, incluindo os arrendamentos ao agricultor autónomo, são obrigatoriamente reduzidos a escrito» (n.º 1); e, por isso, qualquer «das partes tem a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a redução a escrito do contrato» (n.º 3), sendo que a «nulidade do contrato não pode ser invocada pela parte que, após notificação, tenha recusado a sua redução a escrito» (n.º 4).
Esclarecia ainda, no seu art. 36.º, que aplicando-se o novo regime legal aos «contratos existentes à data da entrada em vigor da presente lei» (n.º 1), o «novo regime previsto no artigo 3.º (…) apenas se aplicará aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor a partir de 1 de Julho de 1989».

Por fim, reafirmando-se no Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, o regime de forma do último diploma citado, veio ainda o seu art. 39.º esclarecer que, aplicando-se, «obrigatoriamente e na íntegra», aos contratos de arrendamento rural «celebrados a partir da data de entrada em vigor do presente decreto-lei» (n.º 1), aplicar-se-ia ainda aos contratos de arrendamento existentes à data da sua entrada em vigor», mas apenas «a partir do fim do prazo do contrato, ou da sua renovação, em curso» (n.º 2, al. a)).
*
3.3.1.2. Abuso de direito
3.3.1.2.1. Definição

Lê-se no art. 334.º do CC que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
Dir-se-á assim, e antes de mais, que o instituto do abuso de direito assenta na existência de limites indeterminados à actuação jurídica individual, resultantes da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito exercido.
Trata-se de uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais com que o legislador pode obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que redundaria o exercício de um direito por lei conferido (Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, pág. 63) (9).
Pretende-se ainda com ele assegurar expectativas e direccionar condutas (uma das funções primárias do Direito): assegurar, por um lado, a confiança fundada nas condutas comunicativas das «pessoas responsáveis», assente na própria credibilidade que estas condutas reivindicam; e, por outro, dirigir e coordenar dinamicamente a interacção social e criar instrumentos aptos a dirigir e coordenar essa interacção, por forma a alterar as possibilidade de certas condutas no futuro. Ambas as funções relacionam-se com aquela «paz jurídica» que, ao lado da «justiça» é referida como uma das expressões da própria «ideia de direito» (Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, pág. 346).

A lei utiliza aqui, propositadamente, conceitos indeterminados («boa fé», «bons costumes», «fim social ou económico do direito») como modo privilegiado de atribuir ao aplicador intérprete - maxime ao juiz - instrumentos capazes de promover, no caso concreto, uma busca mais apurada da justiça (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, pág. 198) (10).

Adoptou-se, ainda, uma concepção de abuso de direito «objectiva», isto é, «não é necessária a consciência de se excederem, como seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites.
Isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso de direito consagrado no artigo 334º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 298).

Exige-se, porém, que o excesso cometido seja «manifesto», isto é, que o direito em causa tenha sido exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, por a invocação e aplicação de um preceito concreto da lei, válida para o comum dos casos, resultar na hipótese concreta intoleravelmente ofensiva do sentido ético-jurídico dominante na colectividade (boa fé e bons costumes), ou desvirtuar os juízos de valor positivamente nele consagrados (fim social ou económico).
Concluindo, o abuso do direito pressupõe, logicamente, a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), e que o titular respectivo se exceda no exercício dos seus poderes. «A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deva ser exercido» (Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., pág. 300).
*
3.3.1.2.2. Modalidades

Encontram-se já identificadas pela doutrina e pela jurisprudência as figuras mais típicas de manifestação de abuso de direito, contando-se entre elas: o venire contra factum proprium; as inalegabilidades formais; a supressio e a surrectio; o tu quoque; e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

Precisando (no que ora nos interessa), «a locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente», pelo que «se está perante dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos entre si e diferidos no tempo. O primeiro - factum proprium - é, porém, contrariado pelo segundo» (António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa Fé No Direito Civil, Colecção Teses, Almedina, Volume II, págs. 742 e 745, com bold apócrifo).
Com efeito, a todos os negócios jurídicos deve presidir um princípio de confiança que, levando à expectativa de certa conduta futura, implica uma auto vinculação. Logo, «a confiança permite um critério de decisão: um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas. (...). Basta que o confiante ignore a instabilidade do factum proprium, sem ter desacatado os deveres de indagação que ao caso caibam» (ibidem, p. 756 e 758, com bold apócrifo).
Assim, «a proibição de venire contra factum proprium representa um modo de exprimir a reprovação por exercícios inadmissíveis de direitos e posições jurídicas. Perante comportamentos contraditórios, a ordem jurídica não visa a manutenção do status gerado pela primeira actuação, que o Direito não reconheceu, mas antes a protecção da pessoa que teve por boa, com justificação, a actuação em causa. O factum proprium impõe-se não como expressão da regra pacta sunt servanda, mas por exprimir, na sua continuidade, um factor acautelado pela concretização da boa fé» (ibidem, p. 769 e 770, com bold apócrifo).
Pode, pois, dizer-se que serão pressupostos exigíveis de aplicação da modalidade venire contra factum proprium do instituto em causa (condicionantes da sua actuação como instrumento de realização da justiça, e impeditivos da sua indevida banalização, por caucionadora de pretensões juridicamente infundamentadas):

. uma situação objectiva de confiança - uma conduta de alguém que, de facto, possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada situação futura (v.g. mera conduta de facto - nalguns casos mesmo simples passividade -, ou declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz, mas que revele directa ou indirectamente a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro);

. um investimento na confiança criada, de carácter irreversível - o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica apenas surgem quando uma contraparte, com base na situação criada, toma disposição ou organiza planos de vida de que lhe advirão danos, se a sua confiança vier a ser frustrada.
Torna-se, assim, necessário, não só uma relação de causalidade entre o facto gerador da confiança e o investimento da contraparte (o investimento foi feito apenas com base na dita confiança), como ainda que o dano que provocaria a conduta violadora da fides não seja removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma solução satisfatória (v.g. ou porque não existe, ou porque o investimento feito não é economicamente recuperável, ou porque a situação criada não pode ser removida, ou só pode sê-lo em condições muito onerosas).

. boa fé da contraparte que confiou - nos casos em que a base da confiança é uma aparência (porque a intenção real do responsável pela aparência diverge da sua intenção aparente), a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esteja de boa fé (por desconhecer aquela divergência), e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico.
Logo, o cuidado e as precauções exigíveis da contraparte que reivindica a protecção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais vultuosos forem os «investimentos» (iniciativas, actos de disposição, decisões) feitos com base na confiança; e sê-lo-ão sobretudo quando circunstâncias particulares suscitem dúvidas sobre a verdade da situação aparente (v.g. nos negócios de grande vulto, que exigem uma actividade preparatória rodeada de muitas precauções, será menos desculpável a crença nos poderes de um procurador aparente do que nos negócios correntes da vida» (tudo apud Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, págs. 415 a 418).

Relativamente à locução dupla supressio e surrectio, traduz «a situação do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar o princípio da boa fé» consagrado no art. 762º do C.C.; ou o inverso do mesmo fenómeno, isto é, uma pessoa veria, por força da boa fé, surgir na sua esfera uma possibilidade que, de outro modo, não lhe assistiria (sendo a surrectio a contraface da supressio).
Contudo, exige-se um decurso significativo de tempo, acompanhado de várias circunstâncias (v.g. o conhecimento do direito e da possibilidade de o exercer), sem exercício do direito, acompanhado de indícios de que tal direito não mais será exercido, sendo desnecessária culpa ou qualquer outro elemento subjectivo por parte do não exercente (António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da Boa Fé No Direito Civil, Colecção Teses, Almedina, Volume II, pág. 797).
Por outras palavras, «a realidade social da supressio, que o Direito procura orientar, está na ruptura das expectativas de continuidade da auto-apresentação praticada pela pessoa que, tendo criado, no espaço jurídico, uma imagem de não-exercício, rompe, de súbito, o estado gerado.
(…) A supressio pode, pois, considerar-se uma forma de proscrever os comportamentos contraditórios», estando a sua chave «na alteração registada na esfera da contraparte, perante o não exercício. Protege-se a confiança desta, em que não haverá mais exercícios; a bitola pode ser procurada no sentido que o destinatário normal daria ao não exercício - Art. 236º, nº 1 do Código Civil» (op. cit., pág. 813).

Logo, haverá uma «contradição inadmissível em boa fé entre uma omissão prolongada do exercício do direito, em circunstâncias tais que suscitam a expectativa de que ele não virá a ser exercido. Uma vez consolidada a confiança e a expectativa - a fé - e desde que essa consolidação da confiança seja imputável ao titular do direito, a brusca inflexão de atitude é contrária à boa fé» (Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral de Direito Civil, 2.ª edição, Almedina, pág. 685).
Contudo, «a confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura. Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança é preciso que ela, directa ou indirectamente, revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro» (Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, pág. 416).
*
3.3.1.3. Apresentação em juízo de contrato escrito de arrendamento

De forma conforme com a imperativa redução a escrito que exigiu ao contrato de arrendamento rural, lê-se no art. 35.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, que nenhuma «acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária».
Idêntica solução fora já antes consagrada no art 35.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, onde igualmente se lia que nenhuma «acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária».
Trata-se de um obstáculo de ordem processual (excepção dilatória) a que as respectivas partes possam requerer qualquer procedimento judicial relativo ao contrato de arrendamento rural sem que comprovem a sua existência através de documento escrito, a menos que aleguem e venham a provar que a falta do documento escrito é imputável ao outro contraente (Gama Prazeres, Novo Regime do Arrendamento e Emparcelamento Rural, Porto Editora, pág. 68).
*
3.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
3.3.2.1. Obrigatória redução a escrito

Concretizando, verifica-se que a Autora (H. S.) invocou nos autos (e juntou aos mesmos) a existência de um contrato escrito de arrendamento rural, inicialmente celebrado em 16 de Setembro de 1969, entre ela própria e o seu então marido, J. C., como arrendatários; e J. S., então marido da aqui 1.ª Ré (M. L.), como senhorio.
Não obstante tal documento não se mostre assinado por qualquer das alegadas partes respectivas, certo é que a Autora, hoje viúva, reconheceu nos autos como sua a declaração de vontade que aí lhe é imputada; e quem ali figura como senhorio veio posteriormente, por meio de duas sucessivas notificações judiciais avulsas que promoveu, com vista à sua denúncia (operadas a partir de 01 de Outubro de 1972 e de 01 de Outubro de 1973) reconhecer expressamente a sua celebração, isto é, como sua a declaração de vontade que nele lhe é imputada.
Precisa-se, relativamente a esta última afirmação, que só assim se justifica que o dito senhorio refira em qualquer uma das duas notificações judiciais avulsas mencionadas que «deu de arrendamento aos requeridos a sua propriedade rústica denominada Quinta ..., sita na freguesia de ..., nos termos de contrato escrito junto», que deu como reproduzido; que esclarecesse (de forma conforme como contrato escrito junto) que «o arrendamento foi feito pelo prazo de três anos, tendo o seu início no dia 1 de Outubro de 1969, (…) podendo ser prorrogado por períodos de um ano, se convier a ambas as partes contratantes»; e que ao «requerente não convém a continuação nem a prorrogação do arrendamento em causa, pelo que pretende denunciá-lo», requerendo por isso «ao Juiz de Direito da Comarca de Vila Real se dignasse mandar notificar judicialmente os requeridos, os ditos arrendatários, para, no dia um de Outubro» do ano corrente «se considerarem despedidos e deixarem e entregarem ao requerente a referida Quinta ... e seus pertences e alfaias que tinham em seu poder para o granjeio da propriedade, tudo nos precisos termos e para os fins do artigo 964º e seguintes do Código do Processo Civil, na parte a esta notificação aplicável».
Ora, exigindo a lei expressamente, sob pena de nulidade, a redução a escrito do contrato de arrendamento rural, não exige do mesmo modo a sua assinatura (11), embora naturalmente a pressuponha, como forma de certificar que a declaração de vontade nele imputada à cada uma das respectivas partes foi, de facto, por ela emitida.
Vindo, porém, posteriormente as ditas partes a reconhecerem como próprias as ditas e respectivas emissões de vontade (ali como tal imputadas), tem-se não só como existente o contrato escrito de arrendamento rural em causa, como igualmente válido e eficaz, uma vez que a respectiva assinatura não foi exigida por lei como requisito de validade.
*
Prosseguindo, verifica-se que em 29 de Novembro de 1973, já depois de operada a segunda denúncia referida (do inicial contrato de arrendamento rural, com efeitos reportados a 01 de Outubro de 1973), as respectivas e assumidas partes vieram celebrar um novo contrato escrito, agora epigrafado «Prorrogação de Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico»; e nele afirmaram prorrogarem o contrato de arrendamento rural inicial (de 16 de Setembro de 1969), pese embora neste momento limitado às parcelas nele identificadas, renovando-se o mesmo, automática e legalmente, por períodos sucessivos de um ano.
Reconhece-se, antes de mais, razão à 2.ª Ré recorrente (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), quando a mesma afirma que, tendo já antes cessado (por denúncia) o dito contrato de arrendamento inicial, não podia o mesmo ser objecto de prorrogação (que pressuporia que o prazo de vigência próprio ainda se encontrasse em curso).
Contudo, se o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes (nomeadamente, no apuramento das suas vontades), por isso lhe impor o princípio do dispositivo, já a qualificação de um contrato é matéria de direito, sobre a qual o tribunal se pronuncia livremente, sem estar vinculado à denominação (nomen iuris) que os contraentes tenham adoptado (art. 5.º do CPC) (12).
Dir-se-á, assim, que a dita «prorrogação» correspondeu, na realidade, à celebração de um novo contrato de arrendamento rural, em tudo idêntico ao primitivo (celebrado em 16 de Setembro de 1969), de acordo com as cláusulas nele expressamente consagradas.

Dir-se-á, ainda, que este novo documento também não se mostra assinado por quem nele figura como senhorio; e, tendo sido assinado a rogo por conta de quem nele figura como arrendatário, o dito rogo não foi «dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante», conforme o exige o art. 373.º, n.º 4 do CC.
Ora, se é certo que posteriormente a Autora (H. S.) reconheceu como própria a declaração de vontade que aí lhe é imputada, certo é que outro tanto não terá sucedido de forma expressa por quem aí figura como senhorio, ou por quem lhe sucedeu mortis causa, nomeadamente a aqui 1.ª Ré (M. L.).
Para esse feito não poderá contar-se com a carta de 07 de Dezembro de 2018, que L. C., na qualidade de procurador da 1.ª Rá, remeteu à Autora para exercício de preferência, já que a dita preferência é aí reportada a uma alegada qualidade de proprietária de prédio confinante e não de arrendatária rural.
Contudo, dir-se-á que, se faltou o reconhecimento expresso da autoria, como própria, da declaração de vontade imputada ao senhorio no novo contrato de arrendamento rural, certo é que esse reconhecimento não deixou de se verificar de forma tácita.
Com efeito, lê-se no art. 217.º, n.º 1 do CC que, podendo a declaração negocial ser «expressa ou tácita, será expressa «quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade», e será tácita «quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem».

Ora, no caso dos autos, verifica-se que a Autora (H. S.) procedeu sempre ao pagamento pontual das rendas, não entregando porém qualquer quantia à 1.ª Ré (M. L.) ou a quem a representa, depositando-as antes numa conta na Caixa ..., titulada pelo marido daquela, isto é, o identificado senhorio do contrato de arrendamento rural agora em causa (de 29 de Novembro de 1973).
Não é, assim, crível que a Autora (H. S.), analfabeta (e, por isso, tendo o dito contrato sido assinado por sua conta a rogo), soubesse por si própria qual o número da conta e qual a instituição bancária do seu permanente senhorio, se o mesmo não lha tivesse facultado; e que este recebesse ininterruptamente o depósito da dita renda em conta sua, tal como a 1.ª Ré (M. L.), sua viúva (que lhe sucedeu na titularidade de tais valores), sem reagirem por mais de quarenta anos ao seu recebimento indevido.
Acresce que está igualmente assente nos autos que a Autora (H. S.) se mantêm ininterruptamente, desde 1973, a ocupar, explorando-o agricolamente, parte do prédio rústico em causa, precisamente a definida para o efeito no contrato de arrendamento rural escrito de 1973, sem que tivesse sido dado notícia nos autos que o seu inicial senhorio, ou a 1.ª Ré (M. L.) - que depois lhe sucedeu nessa qualidade - alguma vez tivessem reagido a essa ocupação.
Tem-se, assim, como tacitamente assumida por J. S. e pela 1.ª Ré (M. L.), sua viúva, a autoria da declaração de vontade imputada ao mesmo no contrato de arrendamento rural de 29 de Novembro de 1973, invocado nos autos.

Afirma-se, por isso e novamente, que não só se tem como existente o contrato escrito de arrendamento rural de 29 de Novembro de 1973, como se tem o mesmo como válido e eficaz, uma vez que, não tendo a respectiva assinatura sido exigida por lei como requisito de validade própria, a autoria das declarações de vontade nele imputadas às respectivas partes foi reconhecida como própria pelas mesmas.
*
3.3.2.2. Abuso de direito

Contudo, e ainda que assim se não entendesse (considerando o dito contrato nulo, por falta de redução a escrito e/ou de assinatura, ou de válida assinatura), dir-se-á (de forma conforme com o já antes ajuizado pelo Tribunal a quo, na sentença proferida nos autos) que, mercê dos comportamentos omissivos dos últimos quarenta anos (referidos antes como próprios dos senhorios), não poderia agora a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) - que lhes sucedeu naquela posição, mercê da compra e venda havida - invocar nos autos a sua nulidade (por falta de forma devida), por isso consubstanciar manifesto abuso de direito.

Com efeito, e relativamente ao venire contra factum proprium, não só existiu uma tomada de posição vinculante dos senhorios em relação a uma dada situação futura (não reagindo, por mais de quarenta anos, a uma actuação da Autora (H. S.) única e absolutamente consentânea com a respectiva qualidade de arrendatária rural de prédios seus), como esta realizou efectivamente um investimento na confiança alegadamente criada pela sua passividade, de carácter irreversível (continuando a explorar economicamente, em proveito próprio, os prédios rústicos objecto do contrato de arrendamento referido); e nada se provou em desabono da boa fé com que a Autora assim agiu, isto é, fazendo-o com o cuidado e as precauções próprias de um qualquer arrendatário rural.
Há, assim, uma relação de causalidade entre o facto gerador da confiança (passividade/inércia dos senhorios) e o investimento da contraparte, feito apenas com base na dita confiança (mantendo-se Autora, por mais de quarenta anos, a agricultar em proveito próprio prédios alheios, por meio do pagamento de uma renda); e actuando aquela no desconhecimento de que poderia, afinal, não ser sua arrendatária, de forma absolutamente compreensível e desculpável (atenta, nomeadamente, a sua condição de analfabeta).
Logo, tem-se efectivamente como verificado um manifesto abuso de direito, na sua modalidade de venire contra factum proprium, na actual inovação, pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), da nulidade por falta de forma (para quem não sufrague o juízo oposto, exposto no ponto anterior) do contrato de arrendamento rural em causa nos autos.

Já relativamente a uma eventual supressio, dir-se-á que, não só é inegável que existiu o decurso de um muito significativo lapso de tempo sem que os senhorios exercessem o seu direito de invocarem a nulidade referida, como se crê ter sido o mesmo acompanhado de indícios de que tal direito não mais seria exercido, nomeadamente por não se terem alterado as circunstâncias em que a respectiva passividade/inércia se manifestou (para tanto não bastando a mera - e recente - alteração de identidade respectiva).
Logo, tem-se igualmente como verificado um manifesto abuso de direito, agora na modalidade de supressio, na actual inovação, pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), da eventual nulidade, por falta de forma, do contrato de arrendamento rural em causa.
*
3.3.2.3. Apresentação em juízo

Contudo, e ainda que assim se não entendesse (isto é, se tivesse o dito contrato como nulo, sendo legítima a invocação de tal vicio), dir-se-á (de forma conforme com o já antes ajuizado pelo Tribunal a quo, no despacho saneador proferido nos autos) que o que a lei exige no art. 35.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, é que nenhuma acção judicial possa ser «recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível» (bold apócrifo), e não que fique desde logo assente a sua validade e eficácia, o que poderá inclusivamente integrar o objecto próprio da lide.
Compreende-se que assim seja, nomeadamente numa acção de preferência como a dos autos, que terá que ser intentada nos seis meses seguintes à data em que o preferente preterido teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação havida, sob pena de caducidade do seu direito (art. 1410.º, n.º 1 do CC).
Logo, tendo sido efectivamente junto aos autos um contrato escrito de arrendamento rural, cujas identificadas partes coincidem com a aqui demandante (ali arrendatária) e a aqui primeira das demandadas (por ter sucedido, mortis causa, na posição do ali senhorio), mostra-se cumprida a exigência legal referida; e foi correctamente relegada para a discussão da causa a apreciação da sua validade e eficácia (nomeadamente, discutindo-se se a verificação da autoria das emissões de vontade ali imputadas ao proprietário senhorio e aos arrendatários poderia, ou não, ser feita por meio de prova testemunhal).

Deverá, assim, julgar-se nesta parte improcedente o recurso de apelação interposto pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), por ser efectivamente improcedente a excepção dilatória inominada de falta de junção aos autos, com a petição inicial, do contrato escrito de arrendamento rural.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
4.1.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente - e renumerados):

1 - Existe um prédio rústico, denominado em Quinta ... de Água, sito em ..., freguesia de ... (extinta), Vila Real, composto de lameiro, pomar, vinha, pastagem, mato e instalações agrícolas, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ... da mesma freguesia (agora artigo ... da freguesia de ... e ...) e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ....
(facto provado na sentença recorrida sob o número 1)

2 - O referido terreno confronta a norte com estrada, a sul com ribeiro e estrada, a nascente com J. F. e outros, e a poente com caminho.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 46)

3 - Em 16 de Setembro de 1969, por contrato particular de arrendamento de prédio rústico, reduzido a escrito, realizado entre a H. S. (aqui Autora) e o então marido, J. C., na qualidade de arrendatários, e J. S., na qualidade de senhorio, o referido prédio, com exclusão de algumas parcelas aí mencionadas, foi dado de arrendamento à Autora e seu marido.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 2)

4 - O contrato de arrendamento efectuado em 16 de Setembro de 1969, por vontade expressa do proprietário, J. S., foi objecto de duas denúncias.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 4)

5 - A primeira denúncia referida no facto anterior foi operada a partir do dia 01 de Outubro de 1972.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 5)

6 - A segunda denúncia referida no facto provado enunciado sob o número foi operada a partir de 01 de Outubro de 1973.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 6)

7 - Em 29 de Novembro de 1973, foi celebrado entre as partes um contrato denominado de «Prorrogação de Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico», do qual consta que se prorroga o contrato de arrendamento inicial, de 16 de Setembro de 1969, agora limitado às parcelas aí identificadas, renovando-se automática e legalmente por períodos sucessivos, mantendo-se até aos dias de hoje.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 7)

8 - A renda anual devida pelo arrendamento foi estipulada à data em Esc. 4.500$00 (quatro mil, quinhentos escudos e zero centavos).
(facto provado na sentença recorrida sob o número 8)

9 - A Autora (H. S.) sempre cumpriu com o pagamento pontual das rendas, através de depósito bancário à ordem do senhorio ou de quem o representa.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 9)

10 - A Autora (H. S.) e o seu marido, enquanto este foi vivo, sempre cultivaram aquele prédio em conformidade com os fins constantes do contrato.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 12)

11 - A Autora (H. S.) cultivou e cultiva aquele prédio rústico para fins agrícolas, conforme se encontra estipulado no contrato de arrendamento.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 11)

12 - A Autora (H. S.), desde o início do arrendamento, que cria e apascenta gado, roça mato, planta e poda árvores, cultiva hortícolas, granjeia o terreno, lavra, rega e aduba.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 10)

13 - A Autora (H. S.) vive em economia comum com dois dos seus sete filhos, solteiros, maiores, que a ajudam no cultivo e manutenção do prédio arrendado.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 13)

14 - Dada a avançada idade da Autora (H. S.) (87 anos), são estes dois filhos, que sempre com ela viveram e assim continuam, que conferem o apoio inerente ao trabalho e cultivo do prédio, adequados à execução da actividade prevista no contrato, contribuindo para o sustento da casa de família.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 14)

15 - Em 19 de Março de 1983, J. S. celebrou um contrato de arrendamento através do qual declarou dar de arrendamento a Quinta ... de Água a F. F. e a J. T..
(facto provado na sentença recorrida sob o número 39)

16 - A Autora (H. S.) nunca reagiu contra o arrendamento identificado no facto provado anterior, com o esclarecimento de que sempre continuou a cultivar parte dessa quinta, ao abrigo do contrato de arrendamento referido supra.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 40)

17 - Ao longo dos anos, J. S. e seus herdeiros tiraram dividendos do terreno e suportaram as despesas, nomeadamente:

a. Pagamento de prémios de seguros do terreno em causa nos presentes autos (Quinta …);
b. Realização de estudo da fertilidade do solo;
c. Procederam à instalação de energia eléctrica através da celebração de contrato de fornecimento de energia eléctrica;
d. Pagamento da energia eléctrica consumida;
e. Contrataram com os serviços municipalizados de água e saneamento o respectivo fornecimento, suportando o depósito de garantia, a construção do ramal de acesso, a taxa de ligação e os consumos;
f. Procederam à venda das uvas recebendo o respectivo preço;
g. Procederam ao registo da vinha no Instituto da Vinha e do Vinho;
h. Adquiriram os produtos de tratamento das culturas, máquinas;
i. Procederam à venda da fruta recebendo o respectivo preço;
j. Adquiriram árvores de fruto para as plantarem no terreno;
k. Cederam a água e lenha existente no terreno a terceiros;
l. Pagaram aos diversos trabalhadores agrícolas que no terreno executaram trabalhos.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 41)

18 - O prédio rústico referido nos factos anteriores (Quinta ... de Água) proveio à propriedade de M. L. (aqui 1.ª Ré) por escritura de partilhas, inscrito como «verba número um», efectuada no ano de 2008, após decesso do anterior proprietário, J. S..
(facto provado na sentença recorrida sob o número 3)

19 - Em 30 de Novembro de 2018, a 1.ª Ré (M. L.) remeteu à Autora (H. S.) uma carta com o seguinte assunto: «Exercício do direito de preferência – Transmissão da propriedade do prédio rústico situado em ..., na freguesia de ..., concelho de Vila Real».
(facto provado na sentença recorrida sob o número 37)

20 - A 1.ª Ré (M. L.) comunicava através da referida carta o projecto de venda do terreno em causa nos presentes autos; e da mesma constava o prazo para o exercício da preferência, de 8 dias.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 38)

21 - No dia 07 de Dezembro de 2018, a Autora (H. S.) recebeu uma carta, em nome de L. C., na qualidade de procurador da 1.ª Ré (M. L.), a comunicar-lhe a intenção de vender o prédio rústico arrendado à Autora, identificado no facto provado enunciado sob o número 1.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 15)

22 - Mais dizia, na referida carta, que a venda iria ser feita a favor de X - Comércio de Micro Informática, Limitada (aqui 2.ª Ré), pelo valor de € 82.500,00 (oitenta e dois mil, quinhentos euros, e zero cêntimos), pagos à data da escritura.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 16)

23 - Mais dizia, na referida carta, que a Autora (H. S.) poderia exercer o seu direito de preferência sobre a venda anunciada e pelo preço indicado, comunicando para isso a sua pretensão no prazo de 8 dias.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 17)

24 - A data e o local previstos para a escritura, e o modo ou forma de pagamento, representam factores decisivos na formação da vontade da Autora (H. S.) de preferir ou não, já que, do seu conhecimento, dependia diligenciar, no curto lapso de tempo que dispunha, para disponibilizar o dinheiro e os mais adequados meios de pagamento.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 33)

25 - Para a Autora (H. S.), pessoa de parcas posses financeiras, não é fácil ter que dispor em duas semanas de uma quantia daquela importância, e mais ainda sem saber a melhor maneira de conseguir esse financiamento.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 34)

26 - A Autora (H. S.) respondeu ao procurador da 1.ª Ré (M. L.), também através de carta registada enviada no dia 17 de Dezembro de 2018, que estava interessada em exercer o seu direito de preferência na transmissão do imóvel de que é arrendatária.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 18)

27 - Acrescentou, porém, a Autora (H. S.) que pretendia saber informações mais detalhadas sobre a transmissão da propriedade.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 19)

28 - A Autora (H. S.) disponibilizou para tal o contacto telefónico, a fim de facilitar e trocar melhor a informação.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 20)

29 - A 1.ª Ré (M. L.) não respondeu à carta enviada pela Autora (H. S.), nem tão pouco a contactou por qualquer outra via.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 21)

30 - No dia 26 de Dezembro de 2018, o prédio referido no facto provado enunciado sob o número 1 veio à titularidade da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), por escritura pública de compra e venda outorgada nesse dia, no Cartório Notarial ..., sito na Quinta da ....
(facto provado na sentença recorrida sob o número 29)

31 - O prédio identificado no número anterior adveio ao domínio da Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) por contrato de compra e venda outorgado por escritura pública celebrado no Cartório Notarial M. C., sito em Vila Real, em 26 de Dezembro de 2018.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 44)

32 - Foi parte vendedora a então proprietária do prédio, a 1.ª Ré (M. L.), representada no acto pelo seu procurador, L. C..
(facto provado na sentença recorrida sob o número 30)

33 - Na referida escritura, a 1.ª Ré (M. L.) declarou vender à 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), e esta declarou comprar, pelo preço de € 82.500,00, o terreno identificado nos autos.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 45)

34 - Na escritura pública declarou-se que o preço da venda pago pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) foi de € 82.500,00 (oitenta e dois mil, quinhentos euros e zero cêntimos).
(facto provado na sentença recorrida sob o número 31)

35 - Consta também da escritura pública de compra e venda, que o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e o documento de liquidação do Imposto de Selo, foram pagos no dia 21 de Novembro de 2018.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 32)

36 - No dia 26 de Dezembro de 2018, estiveram com a Autora (H. S.), na sua residência em …, ..., o procurador da 1.ª Ré (M. L.), L. C., e um senhor que dizia ser da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), dizendo-lhe que já havia novos proprietários do prédio de que ela era arrendatária.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 22)

37 - No dia 04 de Janeiro de 2019, a Autora (H. S.) recebeu uma carta enviada pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), intitulando-se nova proprietária e que a mudança de propriedade da Quinta de … foi feita na manhã do dia 26 de Dezembro de 2018.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 23)

38 - Perante aquela informação dada pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), e de forma a obter da 1.ª Ré (M. L.), na qualidade de obrigada à prelação, uma resposta mais detalhada e completa sobre a propalada alienação do prédio, enviou-lhe a Autora (H. S.) uma segunda carta.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 24)

39 - A Autora (H. S.) reiterou à 1.ª Ré (M. L.) que clarificasse melhor os elementos essenciais da projectada venda, para assim poder decidir de forma mais esclarecida e decisiva quanto ao exercício dos seus direitos em causa.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 25)

40 - A 1.ª Ré (M. L.) nada disse sobre o solicitado.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 26)

41 - No dia 16 de Janeiro de 2019, perante os acontecimentos descritos, a Autora (H. S.) dirigiu-se à Conservatória de Registo Predial ..., tendo ali confirmado a venda do referido prédio a favor da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada).
(facto provado na sentença recorrida sob o número 27)

42 - Encontra-se inscrito a favor da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), na matriz predial rústica n.º ...º (matriz n.º ... da extinta freguesia de ...) da freguesia de ... e ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... o prédio rústico denominado ..., correspondente a uma quinta com oliveiras, árvores de fruto, videiras, macieiras, lameiros, mato e instalações agrícolas.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 43)

43 - Aparece a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), com sede em Quinta … – Vila Real, mencionada em documento público de registo como sendo dona de um prédio rústico, sito em Quinta ... de Água, ..., freguesia de ... e ..., Vila Real, com a área de 34240 m2, composto de lameiro, pomar, vinha, pastagem, mato e instalações agrícolas, a confrontar, a norte com estrada camarária, a sul com ribeiro e estrada camarária, a nascente com J. F. e a poente com caminho público, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., o qual proveio do artigo rústico n.º ... da extinta freguesia de ..., e descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ....
(facto provado na sentença recorrida sob o número 28)

44 - A Autora (H. S.) só veio ter conhecimento de todos os elementos essenciais da alienação do prédio no dia 16 de Janeiro 2019.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 35)

45 - A Autora (H. S.), que sempre exerceu a actividade agrícola, pretende continuar essa mesma actividade no prédio durante, pelo menos, 5 anos.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 36)

46 - A Autora (H. S.) não entrega qualquer quantia (a título de renda ou outra) à 1.ª Ré (M. L.) ou à Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), depositando a renda numa conta na Caixa ..., S.A., titulada pelo marido da 1.ª Ré.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 42)

47 - Os antecessores das Rés cultivavam, pelo menos, os pomares e as vinhas, fizeram obras e melhorias ou consentiram que o fizessem no terreno identificado, e suportaram as despesas com água, luz e seguros.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 47)

48 - O referido no facto provado anterior que sucede há mais de 30 anos.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 48)

49 - O referido no facto provado enunciado sob o número 47 sucede à vista de todas as pessoas.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 49)

50 - O referido no facto provado enunciado sob o número 47 sucede sem a oposição de quem quer que seja.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 50)

51 - O referido no facto provado enunciado sob o número 47 sucede de forma ininterrupta.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 51)

52 - O referido no facto provado enunciado sob o número 47 sucede na intenção e convicção dos antecessores das Rés de que o mesmo lhes pertencia.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 52)

53 - A 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) já solicitou que a Autora (H. S.) abandonasse o prédio que cultiva.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 53)

54 - A Autora (H. S.) recusa a entrega do terreno.
(facto provado na sentença recorrida sob o número 54)
*
4.1.2. Factos não provados

Na mesma decisão, o Tribunal de 1ª Instância deu como não provados os seguintes factos:

a) A Autora (H. S.) e seu marido sempre obtiveram do cultivo do referido prédio rústico os frutos suficientes para o sustento da família, o que constituía a única fonte de rendimento.

b) Não existe qualquer arrendamento em vigor entre a Autora (H. S.) e as Rés.

c) A Autora (H. S.) tem vindo a ocupar o prédio num trato do terreno de cerca de 7000 metros quadrados junto ao limite sul do terreno.

d) A ocupação referida no facto não provado anterior é feita sem autorização das Rés ou anteriores donos do prédio.

e) A Autora (H. S.) não tem qualquer motivo para estar a ocupar o terreno.

f) A 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) cultivava e colhia frutas, tomates, alfaces, milho, cebolas, vinhos e outros produtos, fez e faz obras e melhorias ou consente que o façam no terreno identificado e suporta as despesas com água, luz e seguros.
*
4.2. Modificabilidade da decisão de facto - Erro de julgamento
4.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal
4.2.1.1. Prova livre versus Prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação

Lê-se no art. 607.º, n.º 5, I parte, do CPC que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto».
Contudo, esta «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art. 607.º do CPC citado).
Distingue-se, assim, entre os casos de: prova legal (vinculada, tabelada ou tarifada), isto é, meios de prova cuja força probatória se impõe ao juiz, não tendo este qualquer margem de valoração acerca da factualidade expressa por tais meios probatórios (13); e prova livre, isto é, meios de prova cujo valor probatório é livremente apreciado pelo juiz (14).
A regra geral será, então, a livre apreciação da prova pelo Tribunal, sem prejuízo dos casos de apreciação vinculada, como acontece com a confissão judicial escrita (art. 358.º, n.º 1 do CC), com a confissão extrajudicial constante de documento dirigida à parte contrária (art. 358.º, n.º 2 do CC), e com certa prova documental (arts. 371.º, n.º 1, 376.º, n.º 1 e 377.º, todos do CC).

Mais se lê, no art. 662.º, n.º 1 do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607.º, n.º 4 do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2 do mesmo diploma). (15)
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CPC), ou quando exista acordo das partes (art. 574.º, n.º 2 do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358.º do CC, e arts. 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
*
4.2.1.2. Inadmissibilidade de prova testemunhal versus Declaração negocial imperativamente escrita ou de necessária prova escrita

4.2.1.2.1. Regra geral

Lê-se no art. 393.º, n.º 1 do CC, que se «a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal».
Prevêem-se aqui quer as formalidade ad substantiam, quer as formalidades ad probationem, impedindo-se quanto a umas e outras (na falta do exigível escrito) o seu suprimento por meio de prova testemunhal.
Dir-se-á ainda que, se de acordo com o art. 351.º do CC as «presunções judiciais só são admitidas nos termos em que é admissível a prova testemunhal», também elas estarão excluídas para demonstração da existência de uma declaração negocial de imperativa forma escrita, ou que só possa ser provada por escrito.
Compreende-se, por isso, que se afirme que «vedada a prova testemunhal também ficará vedado o recurso às presunções judiciais - prova da primeira aparência (presunção simples) - “ex vi” do artigo 351.º do Código Civil»; e «restando assim, a nível das presunções, (…) as presunções legais», bem como a prova por (…) confissão» (Ac. do STJ, de 07.02.2017, Sebastião Póvoas, Processo n.º 3071/13.6TJVNF.G1.S1).
*
4.2.1.2.2. Excepções (à inadmissibilidade de prova por testemunhas)

Contudo, e aderindo à pretérita construção doutrinal de Vaz Serra a este respeito («Provas, Direito Probatório Material», BMJ, n.º 112, págs. 199 a 216), a jurisprudência vem admitindo expressamente três excepções à inadmissibilidade da prova testemunhal prevista no art. 393.º, n.ºs 1 e 2 do CC (e também no art. 394.º do mesmo diploma), nomeadamente:

. existência de qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado (16) - existindo «um começo de prova por escrito, a prova testemunhal terá o papel de um suplemento de prova, pois as testemunhas não são já o único meio de prova do facto; e a excepção justifica-se pela circunstância de, neste caso, o perigo da prova testemunhal ser, em grande parte, eliminado, uma vez que a convicção do juiz está já firmada em parte com base num documento» (Vaz Serra, op. cit).
Precisa-se, porém, que o princípio de prova escrita deve emanar de quem a mesma é oposta (e não de um terceiro); e a letra e a assinatura têm de ser previamente reconhecidas ou verificadas.

. a impossibilidade (moral ou material) de obtenção de prova escrita por parte de quem invoca a prova testemunhal - compreende-se que quando a lei impõe às partes que procurem uma prova escrita dos seus actos, fá-lo no pressuposto de que elas têm meios para o fazer, deixando essa exigência de fazer sentido quando a parte que procura demonstrar a existência da declaração negocial não pôde obter - do seu contraente, ou dos contraentes terceiros - ex ante uma prova escrita.
Precisa-se, porém, que esta impossibilidade (que, sendo maior do que uma simples dificuldade, não tem de ter carácter absoluto), deve reportar-se ao momento da estipulação negocial, sendo atendíveis as situações objectiva e subjectiva dos contraentes.

. e a perda, sem culpa, da prova escrita - esta excepção «tem como pressuposto prévio, cuja demonstração incumbe ao alegante, a alegação e prova de que o documento se formou validamente, ficando a eficácia da prova do conteúdo do documento subordinada à de perda não culposa do mesmo. Aqui é essencial que a perda não seja de algum modo imputável à fata de diligência da parte, que a mesma não possa imputar-se a alguma forma de imprudência ou de negligência e incúria na custódia do escrito, aferidas segundo os cânones de comportamento exigíveis ao bom pai de família» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3.ª edição, Almedina, Janeiro de 2017, págs. 228 e seguintes, com indicação de diversos arestos na nota 495).
*
4.2.1.3. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1.3.1. Aplicação da regra geral

Concretizando, verifica-se que, tendo a Autora (H. S.) invocado nos autos um contrato de arrendamento rural, celebrado em 29 de Novembro de 1972, entre ela e o então seu marido, J. C., como arrendatários, e J. S., como senhorio, o mesmo seria, por força da lei, imperativamente reduzido a escrito, sob pena de nulidade respectiva (conforme detalhadamente explicitado supra).
Mais se verifica que, tendo a Autora (H. S.) junto aos autos o alegado documento escrito que o corporizaria, o mesmo não se mostra porém assinado pelo senhorio, ou por quem o represente, não tendo igualmente a assinatura a rogo feita por sua conta sido devidamente reconhecida em notário (conforme igualmente detalhado supra).
Assim, e não se reconhecendo a bondade do juízo exposto supra (de que a lei exige, como formalidade ad substanciam, a redução a escrito do dito contrato, mas não simultaneamente a sua assinatura pelas respectivas partes - embora a pressuponha como natural -, tendo porém aquelas reconhecido depois como própria a autoria das declarações de vontade que ali lhes são imputadas), seria inadmissível que se pretendesse provar por testemunhas, ou por presunções judiciais, a existência do dito contrato, bem como o seu concreto teor (arts. 351.º e 393.º, ambos do CC).
*
4.2.1.3.2. Aplicação da excepção - Princípio de prova escrita

Concretizando uma vez mais, considerou porém o Tribunal a quo que a Autora (H. S.) juntara diversos documentos escritos, alguns provenientes duma das pessoas contra quem a acção é dirigida (a 1.ª Ré), tornando verosímil o facto alegado (a efectiva celebração do contrato de arrendamento rural em causa); e, ao fazê-lo, permitiu a título excepcional a prova do mesmo por testemunhas e por presunções judiciais.
Com efeito, vem-se defendendo que, o art. 393.º, n.º 1 do CC, «ao impedir o recurso exclusivo à prova testemunhal e/ou por presunções judiciais, não veda completamente a ponderação de tais meios de prova quando conjugados com meios de prova documental ou outra de valor idêntico que constitua, pelo menos, um princípio de prova» do facto pretendido provar, «pois, nessa situação, a convicção do tribunal está já parcialmente formada com base (…) neste escrito, e a prova testemunhal limitar-se-á a esclarecer o significado (…) da declaração constante do escrito que constitui começo de prova. Deve, assim, entender-se, que havendo um princípio de prova documental, a prova testemunhal já não é o único meio de prova do facto, razão pela qual o perigo decorrente da falibilidade da prova testemunhal é eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento. A apreciação da prova deve ocorrer sob o signo da probabilidade lógica – de evidence and inference -, ou seja, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis» (Ac. da RG, de 21.11.2019, Jorge Teixeira, Processo n.º 503/18.0T8GMR.G1).

Ora, ponderando expressamente o exposto, viria o Tribunal a quo a decidir na sentença recorrida:
«(…)
De facto, apesar de os documentos referidos e que constituem contratos de arrendamento não se mostrarem assinados pelos outorgantes e se tratar de um contrato que apenas por documento pode ser provado, entendemos que os documentos referidos constituem um princípio de prova, que acabou por ser complementado pelas declarações de parte e pelos depoimentos das testemunhas, sendo certo que não teria certamente sido enviada carta para exercício do direito de preferência pela autora, caso a mesma não fosse arrendatária do prédio em causa, pelo que se considera ultrapassada a questão que resulta dos arts. 393º e 394º do Código Civil.
(…)
Deste modo, como já referido, o tribunal deu a factualidade relacionada com a existência de um contrato de arrendamento rural provada com base nos documentos referidos, apesar de não se mostrarem assinados, complementados com as declarações de parte e a prova testemunhal que não deixaram dúvidas sobre o facto de a autora ter cultivado, pelo menos, parte do prédio em causa, desde a data que consta dos referidos documentos, o que é, ainda, confirmado pelos documentos que comprovam o pagamento/depósito das rendas.

Na decisão da matéria de facto foram, ainda, considerados os seguintes documentos:

- O documento de fls. 7 verso a 8, que configura, nos termos referidos, o primeiro contrato de arrendamento celebrado em 1969.
- A escritura de partilhas de fls. 8 verso a 20 e que comprova como o prédio em causa veio à propriedade da primeira ré.
- Os documentos de fls. 21 e 22 que constituem requerimentos feitos ao Juiz da Comarca de Vila Real, por J. S., a pedir a notificação judicial dos arrendatários, a autora e seu marido, do contrato de arrendamento que tem como objeto a quinta em causa, um de 1972 e outro de 1973.
- O documento de fls. 23 a 24 que foi denominado de “Prorrogação de Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico”, que tem como objeto o arrendamento da quinta em questão, datado de 29 de novembro de 1973, e que não consta ter sido denunciado. Este documento configura o segundo contrato de arrendamento celebrado e faz menção expressa do primeiro, celebrado em 1969, para além de reduzir o objeto do arrendamento aos prédios aí mencionados, o que vai ao encontro do que foi referido pelas testemunhas, no sentido de que a autora, a certa altura, deixou de cultivar os pomares e a vinha.
- Os comprovativos do depósito das rendas, juntos a fls. 25 e 101 a 108.
- A carta de fls. 25 verso, enviada à autora e a dar-lhe a oportunidade de exercer o direito de preferência, e a resposta da autora a essa carta, também através de carta junta a fls. 26, posição reiterada através da carta de fls. 27 verso a 28.
(…)»

Dir-se-á subscrever este Tribunal ad quem inteiramente esse seu juízo, tanto mais que o que aqui se exige é um documento escrito que torne verosímil (e não necessariamente certa) a celebração do contrato de arrendamento de 29 de Novembro de 1973.

Ora, tendo em conta que o mesmo remete para o contrato de arrendamento inicial, de 18 de Setembro de 1969, que o proprietário do prédio rústico em causa e senhorio em ambos os acordos escritos confessou expressamente ter outorgado aquele primeiro (por meio das duas sucessivas e formais denúncias que promoveu), que ele próprio recebeu, ao longo de mais de dez anos, o pagamento de renda por meio de depósitos realizados em conta bancária titulada por si, outro tanto sucedendo depois com a 1.ª Ré (M. L.), sua viúva, por mais outros vinte anos, e que esta última ainda endereçou à Autora, em 30 de Novembro de 2018, uma carta convidando a preferir na sua projectada venda, tem-se como reunida a idónea prova documento que torna verosímil a efectiva celebração do contrato de arrendamento em causa.
Nessa medida, permitia esta prova documental escrita não só a produção de prova por testemunhas sobre aquele facto, como a sua posterior utilização em sede de apreciação crítica da prova; e ainda a utilização de quaisquer presunções judiciais no mesmo sentido.
*
Deverá, assim, julgar-se nesta parte improcedente o recurso de apelação interposto pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada, considerando-se inexistente a violação de direito probatório material invocada por ela, por o Tribunal a quo ter devidamente considerado a prova testemunhal e a prova por presunções judiciais para demonstração da celebração do contrato de arrendamento rural em causa (17).
*
Importa, por isso, verificar de seguida se esta prova testemunhal e por presunções judiciais, bem como a demais que tenha sido produzida, foi insuficiente para que se pudessem ter como demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2 (na sua exacta redacção), 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 (parcial), 22 (parcial), 33, 34, 35, 36, 40 (parcial), 42 (parcial) e 47 (parcial); e se foi ainda suficiente para que se pudessem ter como demonstrados os factos não provados enunciados na sentença recorridas sob as alíneas b), c), d), e) e f).
É, deste modo, o Tribunal ad quem conduzido ao âmbito da livre apreciação da prova, que competia ao Tribunal a quo realizar.
Por fim, deverá ainda verificar se existe alguma contradição entre os factos que fiquem deste modo definitivamente assentes, nomeadamente entre os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2, 7, 8, 9, 10, 11, 1, 13, 14 e 22 (parcial), e os factos provados aí enunciados sob o números 39, 40 e 41, a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e l).
*
4.2.2. Incorrecta apreciação da prova livre
4.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação

Recorda-se que se lê no n.º 2, als. a) e b), do art. 662.º do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662.º representa uma clara evolução [face ao art. 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº 44, pág. 29 e ss.).
*
4.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação

Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640.º, n.º 1 do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art. 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor (18) enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art. 205.º, n.º 1 da CRP) e processual civil (arts.154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC nº 198/2004, de 24 de Março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
*
4.2.2.3. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto

Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior CPC], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).
Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo) (19).
*
4.2.2.4. Caso concreto (cumprimento do ónus de impugnação)

Concretizando, considera-se que a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640.º, n.º 1 do CPC (conclusão distinta de saber se existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados e como não provados.

Com efeito, a Recorrente (2.ª Ré) indicou, quer no corpo das alegações do seu recurso, quer nas respectivas conclusões: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2 - na sua exacta redacção -, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 - parcial -, 22 - parcial -, 33, 34, 35, 36, 40 - parcial -, 42 - parcial - e 47 - parcial -, e os factos não provados aí enunciados sob as alíneas b), c), d), e) e f)); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (uma diferente ponderação quer de toda a prova pessoal, quer de toda a prova documental, produzidas em sede de audiência de julgamento); as exactas passagens da gravação dos depoimentos seleccionados para fundar a sua sindicância (que inclusivamente transcreveu); e a decisão que, no seu entender, se impunha (o darem-se como não demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2 - na sua exacta redacção -, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 - parcial -, 22 - parcial -, 33, 34, 35, 36, 40 - parcial -, 42 - parcial - e 47 - parcial -, e darem-se como demonstrados os factos não provados aí enunciados sob as alíneas b), c), d), e) e f)).

Já relativamente ao juízo crítico próprio da Recorrente (2.ª Ré), assentou o mesmo na reclamação de uma diferente valoração a fazer de toda a prova - pessoal e documental - produzida.
Recorda-se, a propósito, que os arts. 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, do CPC afirmam inequivocamente que a matéria de facto previamente julgada deverá ser alterada quando a prova produzida imponha decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta. Ora, para esse efeito, o recorrente terá que ter contrariar a apreciação crítica da prova realizada pelo Tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos, e consultou criteriosamente os documentos escolhidos, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida e às regras da experiência. Assim, pretendendo o recorrente sindicar este juízo, importará que indique as razões objectivas pelas quais entende que à prova que seleccionou (já antes vista e apreciada pelo Tribunal a quo) deveria ter sido dada outra relevância, o que a simples reiteração do seu conteúdo, e a reclamação conclusiva da respectiva suficiência, é claramente inidónea para este efeito.
Contudo, e no caso dos autos, a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) nem sempre o fez correcta e completamente, limitando-se em grande parte da sua sindicância a grosso modo reiterar (subjectiva, genérica e conclusivamente) a suficiência da prova por si eleita para sufragar a respectiva tese.
Recorda-se, porém, que vem a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a defender que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (conforme Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1).
Crê-se, assim, estar este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art. 640.º do CPC, à reapreciação da matéria de facto pretendida pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), aqui recorrente.
*

4.4. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto

4.4.1. Existência (celebração, teor e cumprimento) do contrato de arrendamento rural invocado pela Autora

Veio a Recorrente (2.ª Ré) defender que a prova produzida não permitia que se desse como provada a celebração, o teor e o cumprimento do contrato de arrendamento invocado nos autos pela Autora (H. S.).
Esta matéria encontra-se vertida nos factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 2, parcial («Por contrato particular de arrendamento de prédio rústico, reduzido a escrito, realizado em 16 de Setembro de 1969, entre a Autora e o então marido, J. C., na qualidade de arrendatários, e J. S., na qualidade de senhorio, o referido prédio, com exclusão de algumas parcelas aí mencionadas, foi dado de arrendamento à Autora e seu marido»), sob o número 7 («Em 29 de Novembro de 1973, foi celebrado entre as partes um contrato denominado de «Prorrogação de Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico», do qual consta que prorroga o contrato de arrendamento inicial, de 16 de Setembro de 1969, agora limitado às parcelas aí identificadas, renovando-se automática e legalmente por períodos sucessivos, mantendo-se até aos dias de hoje»), sob o número 8 («A renda anual devida pelo arrendamento foi estipulada à data em Esc. 4.500$00 (quatro mil, quinhentos escudos e zero centavos)»), sob o número 9 («A Autora sempre cumpriu com o pagamento pontual das rendas, através de depósito bancário à ordem do senhorio ou de quem o representa»), sob o número 10 («A Autora, desde o início do arrendamento, que cria e apascenta gado, roça mato, planta e poda árvores, cultiva hortícolas, granjeia o terreno, lavra, rega e aduba»), sob o número 11 («A Autora cultivou e cultiva aquele prédio rústico para fins agrícolas, conforme se encontra estipulado no contrato de arrendamento»), sob o número 12 («A Autora e o seu marido, enquanto este foi vivo, sempre cultivaram aquele prédio em conformidade com os fins constantes do contrato»), sob o número 13 («A Autora vive em economia comum com dois dos seus sete filhos, solteiros, maiores, que a ajudam no cultivo e manutenção do prédio arrendado»), sob o número 14 («Dada a avançada idade da Autora (87 anos), são estes dois filhos, que sempre com ela viveram e assim continuam, que conferem o apoio inerente ao trabalho e cultivo do prédio, adequados à execução da actividade prevista no contrato, contribuindo para o sustento da casa de família»), sob o número 15, parcial («No dia 07 de Dezembro de 2018, a Autora recebeu uma carta em nome de L. C., na qualidade de procurador da 1.ª Ré, M. L., a comunicar-lhe a intenção de vender o prédio rústico arrendado à Autora, identificado no artigo 1º da petição inicial»), sob o número 22, parcial («No dia 26 de Dezembro de 2018, estiveram com a Autora, na sua residência em …, ..., o procurador da 1.ª Ré, L. C., e um senhor que dizia ser de X - Comércio de Micro Informática, Limitada., dizendo-lhe que já havia novos proprietários do prédio de que ela era arrendatária»), sob o número 36 («A Autora, que sempre exerceu a actividade agrícola, pretende continuar essa mesma actividade no prédio durante, pelo menos, 5 anos»), sob o número 40, parcial («A Autora nunca reagiu contra o arrendamento identificado no número anterior, com o esclarecimento de que sempre continuou a cultivar parte dessa quinta, ao abrigo do contrato de arrendamento referido supr), e sob o número 42, parcial («A Autora não entrega qualquer quantia (a título de renda ou outra) à 1.ª Ré ou à 2.ª Ré, depositando a renda numa conta na CAIXA ..., titulada pelo marido da 1ª Ré »); e nos factos não provados aí enunciados sob a alínea b) («Não existe qualquer arrendamento em vigor entre a Autora e as Rés»), sob a alínea c) («A Autora tem vindo a ocupar o prédio num trato do terreno de cerca de 7000 metros quadrados junto ao limite sul do terreno»), sob a alínea d) («Ocupação sem autorização das Rés ou anteriores donos do prédio») e sob a alínea e) («A Autora não tem qualquer motivo para estar a ocupar o terreno»).
Invocou para o efeito, e quanto aos primeiros (factos provados) a insuficiência da prova pessoal produzida, bem como da prova documental junta; e, quanto aos segundos (factos não provados), a respectiva suficiência.

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pela Recorrente (2.ª Ré).

Assim, ponderou a mesma para este efeito (com bold apócrifo):
«(…)
A convicção do Tribunal no que diz respeito à decisão da matéria de facto baseou-se na análise e confronto de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento e de todos os documentos constantes dos autos.

As testemunhas disseram o seguinte:
A. P. disse ser vizinho da autora, pelo que tem conhecimento de que a autora, e o marido desta, antes de falecer, está no prédio em causa há mais de cinquenta anos, referindo que a ajudava, enquanto vizinho. Referiu que a autora cultivava de tudo, semeava milho e batatas, tinha vacas a pastar, limpava o terreno e as árvores e tinha vinha. Afirmou que a autora continua a cultivar o dito prédio, com a ajuda dos dois filhos solteiros que vivem com ela. Disse, ainda, que a autora era caseira dos donos do prédio, os S. C., e que acha que paga renda.
L. C. disse que trabalha na Quinta desde criança, pelo que conhece a autora e conheceu o marido desta. Afirmou que a autora passou a granjear a quinta em 1970, porque foi quando deixou de granjear as terras que granjeava antes, quando a testemunha as comprou, em 1969. Referiu que desde essa altura, a autora sempre granjeou a continua a granjear os prédios em causa, agora com a ajuda de dois filhos. Disse que primeiro granjeavam a quinta toda, mas depois passaram a granjear só uma parte. Só que a GNR foi lá e mandou limpar as silvas, a autora comunicou à patroa (1ª ré) e esta mandou-a limpar a deixar andar o gado pelo terreno todo. Esclareceu que o prédio tinha vinha, pomar e terra de cultivo, que primeiro cultivavam tudo, mas depois, a autora deixou o pomar e a vinha e passou a cultivar só a terra de cultivo, mas tem o gado a pastar no terreno todo. Afirmou que a autora paga renda, primeiro pagava em alqueires, agora em dinheiro. Disse que presenciou a 1ª ré a dizer à autora para cortar as silvas e deixar andar o gado no terreno todo. Disse também que o Senhor A. M. tomou conta do pomar e das vinhas.
A testemunha D. M. disse conhecer a autora e a primeira ré, cujo marido era padrinho do marido da testemunha. Quanto ao prédio em causa, disse que toda a vida, a autora teve lá o gado e cultivou o prédio, especificando que acontece há cerca de 50 anos. Afirmou que a autora era arrendatária e pagava renda, referindo, até que o seu sogro, A. M., teria ficado como fiador da autora e seu marido, quando fizeram o contrato de arrendamento. Disse que o contrato foi com o Dr. J. S. e, quando este faleceu, com o filho deste, Dr. F. F., marido da 1ª ré.
Referiu que a autora continua a cultivar o prédio, com a ajuda dos dois filhos solteiros. Confirmou que no prédio havia vinhas e pomar que a autora deixou de cultivar, passando a ser cultivados por pessoas contratadas pelo marido da primeira ré, mas, a certa altura, a primeira ré disse à autora para limpar essa parte da quinta, que estava cheia de silvas, e meter lá o gado.
A. J. disse que a autora é tia da sua esposa, pelo que sabe que a autora e seu marido, enquanto foi vivo, cultivam o terreno em causa há cerca de 50 anos. Disse que trabalhou para eles e que granjeavam tudo. Afirmou também que a autora continua a trabalhar esse terreno, agora com a ajuda dos dois filhos, e que também tem animais. Referiu que A. M. e esposa, seus tios, foram fiadores da autora e marido no contrato de arrendamento, mas não sabe como a autora paga a renda.
R. C. disse conhecer a autora e a primeira ré e ter conhecido os respetivos maridos. Referiu que foi Presidente da Junta de Freguesia de ... e conhece o prédio em causa, até porque também tem terrenos confinantes com o mesmo. Disse que, desde que se lembra que vê a autora a cultivar a quinta, como caseira, há mais de 50 anos, o que faz ainda hoje. Contudo, disse que atualmente está quase tudo a monte, como em todos os terrenos, mas que a autora ainda tem a horta e vacas.
Por sua vez, a testemunha J. A. disse que conhece a autora e que é o atual Presidente da Junta da União de Freguesias. Referiu que tem um prédio que, em parte, também confina com a quinta, mas também não teve conhecimento da venda. Referiu que desde sempre se lembra de a autora e o marido trabalharem a quinta. Afirmou que a autora vive com dois filhos solteiros, que continuam a cultivar a quinta, tendo também animais. Disse não saber em que qualidade cultivam a quinta, que pensa que pagam renda, mas não sabe.
Finalmente, a testemunha L. C., sobrinho da primeira ré, disse ter sido quem fez as notificações aos preferentes, incluindo a autora, após a senhora notária ter chamado à atenção para essa situação. Referiu que, contudo, o senhor advogado da ré X, depois do envio dessas notificações, lhe disse que não era necessário, tendo em conta a finalidade do terreno. Disse desconhecer se existe contrato de arrendamento e se a autora paga rendas, até porque na CAIXA ... não lhe deram essa informação. Afirmou que a sua tia, primeira ré, não o informou que havia uma pessoa a cultivar o terreno, afirmação que o tribunal estranha, já que admitiu que mandou a carta à autora, para exercer a preferência, e ela respondeu, referindo que não tem presente o que a autora dizia. Confirmou que não respondeu ao pedido da autora, porque, entretanto, o senhor advogado da ré X lhe disse que não era necessário fazer a comunicação aos preferentes.
Como se pode ver, dos depoimentos prestados pelas testemunhas resulta que efetivamente a autora cultivou ao longo de mais de cinquenta anos o prédio em causa e que ainda o faz atualmente, embora através de dois dos seus filhos.
No entanto, os depoimentos referidos, aliados aos documentos que iremos referir infra, também deixaram claro que a autora, a partir de certa altura, deixou de cultivar o prédio todo, ficando excluídos, pelo menos, os pomares e as vinhas, que passaram a ser cultivados pelos proprietários.
Quanto ao contrato de arrendamento, os depoimentos das testemunhas pouco esclareceram, tendo sido consideradas as declarações de parte prestadas pela autora H. S., as quais, nessa parte, encontram confirmação em documentos que constam dos autos. A autora disse, concretamente, que o contrato de arrendamento foi feito por duas vezes, com o senhor Dr. C.. Explicou que o primeiro foi há cinquenta e tal anos e que o segundo foi passado cerca de vinte anos, tendo todos assinado, tendo até ficado de fiadores o senhor A. M. e a mulher. Disse que no primeiro contrato a renda era de três contos por ano e que ia pagar a casa do senhorio, sendo que depois, aumentou a renda e começou a depositar na CAIXA ..., sendo que aí, era já o filho, F., marido da ré M. L., o senhorio. Afirmou que sempre esteve na quinta, a trabalhar, e que tem lá dois filhos consigo. Confirmou que primeiro começou a trabalhar a quinta toda, mas como era muito trabalho, passou a cultivar só metade; mas, quando foi o segundo arrendamento, passou a cultivar outra vez tudo, por ordem da primeira ré, há cerca de dez anos, e desde aí, granjeia a quinta toda ou deita para lá o gado.
As declarações da autora encontram confirmação parcial nos documentos de fls. 7 verso a 8 e 21 a 24 dos autos, bem como, quanto ao depósito das rendas, nos documentos de fls. 25 e 101 a 108, e, ainda, nos depoimentos das testemunhas.
Contudo, as mesmas declarações afiguraram-se pouco claras, quando fala no segundo arrendamento e refere que foi há cerca de dez anos, já com a primeira ré como senhoria, afirmação que não encontra confirmação em qualquer outro meio de prova, nomeadamente documental.
Aliás, quanto ao contrato de arrendamento, o tribunal apenas deu como provado o que se pode concluir da conjugação dos documentos de fls. 7 verso a 8 e 21 a 24, em conjugação com as declarações da autora e os depoimentos das testemunhas, o que não inclui qualquer arrendamento celebrado há cerca de dez anos, com a primeira ré.
(…)
Deste modo, como já referido, o tribunal deu a factualidade relacionada com a existência de um contrato de arrendamento rural provada com base nos documentos referidos, apesar de não se mostrarem assinados, complementados com as declarações de parte e a prova testemunhal que não deixaram dúvidas sobre o facto de a autora ter cultivado, pelo menos, parte do prédio em causa, desde a data que consta dos referidos documentos, o que é, ainda, confirmado pelos documentos que comprovam o pagamento/depósito das rendas.

Na decisão da matéria de facto foram, ainda, considerados os seguintes documentos:

- O documento de fls. 7 verso a 8, que configura, nos termos referidos, o primeiro contrato de arrendamento celebrado em 1969.
- A escritura de partilhas de fls. 8 verso a 20 e que comprova como o prédio em causa veio à propriedade da primeira ré.
- Os documentos de fls. 21 e 22 que constituem requerimentos feitos ao Juiz da Comarca de Vila Real, por J. S., a pedir a notificação judicial dos arrendatários, a autora e seu marido, do contrato de arrendamento que tem como objeto a quinta em causa, um de 1972 e outro de 1973.
- O documento de fls. 23 a 24 que foi denominado de “Prorrogação de Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico”, que tem como objeto o arrendamento da quinta em questão, datado de 29 de novembro de 1973, e que não consta ter sido denunciado. Este documento configura o segundo contrato de arrendamento celebrado e faz menção expressa do primeiro, celebrado em 1969, para além de reduzir o objeto do arrendamento aos prédios aí mencionados, o que vai ao encontro do que foi referido pelas testemunhas, no sentido de que a autora, a certa altura, deixou de cultivar os pomares e a vinha.
- Os comprovativos do depósito das rendas, juntos a fls. 25 e 101 a 108.
- A carta de fls. 25 verso, enviada à autora e a dar-lhe a oportunidade de exercer o direito de preferência, e a resposta da autora a essa carta, também através de carta junta a fls. 26, posição reiterada através da carta de fls. 27 verso a 28.
(…)
No que diz respeito aos factos não provados, os mesmos não eram do conhecimento direto das testemunhas e não existem documentos com a necessária força probatória que os comprovem.
(…)»

Logo, duas conclusões se podem desde já enunciar: o Tribunal a quo, no seu juízo probatório, ponderou toda a prova produzida a propósito da factualidade em causa; e, atento o seu teor coerente e concertado, considerou-a suficiente para demonstração da tese da Autora (H. S.) e, necessariamente, insuficiente para a demonstração da tese da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), espelhando o contrário daquela primeira.
Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, e consultados os documentos juntos aos autos, afirma-se desde já que se sufraga inteiramente o juízo de prova do Tribunal a quo.
*
Com efeito, o seu teor foi essencialmente confirmado pelas declarações de parte prestadas pela Autora (H. S.).
Reconhece-se, porém, que as mesmas seriam à partida inidóneas para, desacompanhadas de outra prova que as confirmasse, estabelecer a realidade por si alegada, face nomeadamente: ao manifesto interesse que tem na causa; e à previsível e natural existência de outra prova disponível para o efeito, pessoal e/ou documental.
Com efeito, a própria lei afirma que as declarações de parte não confessórias serão livremente apreciadas pelo Tribunal, por naturalmente beneficiarem o próprio declarante (art. 466.º, n.º 3 do CPC).

Assim, e de forma conforme com o reconhecimento da inegável fragilidade decorrente do interesse próprio de quem depõe, ou se defende que:

. em regra, as declarações de parte devem ser consideradas apenas como um princípio ou complemento de prova (exigindo a demonstração do facto que afirmam por uma prova adicional), ou como um de meio de prova eminentemente integrativo (clarificando o resultado dos demais) ou subsidiário (quando inexistam outros) (20);
. não deve ser antecipadamente degradado o valor probatório das declarações de parte, pelo que a maior ou menor idoneidade que lhes seja conferida, no caso concreto, dependerá nomeadamente da possibilidade, ou impossibilidade, de recurso a outros meios de prova, e da forma como foram prestadas, isto é, com ou sem serenidade e relativo desapego face à realidade retratada (circunstâncias a ponderar cum grano salis, face à natureza de parte do depoente), com ou sem convicção e assertividade, nomeadamente na fundamentação (incluindo corroborações periféricas), com ou sem contradições (incluindo correcções espontâneas), com ou sem hesitações ou tibiezas (incluindo reacção da parte a perguntas inesperadas), com ou sem espontaneidade e fluidez (incluindo contextualização espontânea do relato, e riqueza de detalhes) (21).
Contudo, e face às particularidades já assinaladas do caso concreto, as declarações de parte prestadas pela Autora (H. S.) mostrar-se-iam insuficientes para certificarem a existência (celebração, teor e cumprimento) do contrato de arrendamento rural invocado nos autos, face a qualquer um dos dois entendimentos possíveis sobre elas.
*
Vieram, porém, as mesmas a ser, coerente e concertadamente, confirmadas pelos depoimentos prestados por todas as testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, não tanto em termos de qualificação jurídica dos factos cuja verificação certificaram, mas da materialidade dos mesmos (nomeadamente, o manter-se a Autora, há mais de quarenta anos, no prédio rústico em causa, agricultando-o em proveito próprio, inicialmente com o então seu marido, e agora com dois dos seus filhos maiores, pagando por ele renda).
Reconhece-se, sem dificuldade, que só duas testemunhas (D. M. e A. J.) atestarem a efectiva celebração de um contrato de arrendamento, em que inclusivamente intervieram fiadores, por conta das obrigações assumidas pelos arrendatários; e que a quase generalidade das testemunhas falou em «patrões» e «caseiros», e não tanto em «senhorios» e «arrendatários». Contudo, o referido é absolutamente consentâneo com a idade (muita) das ditas testemunhas e a sua literacia (pouca), ajudando ainda tais imprecisões a reforçar a convicção do Tribunal (a quo e ad quem) na sua idoneidade e isenção.
*
Prosseguindo, e mostrando-se as declarações de parte prestadas pela Autora (H. S.) confirmadas pela prova pessoal produzida, foram-no também pela prova documental junta, nomeadamente pelos dois contratos de arrendamento escritos (de 18 de Setembro de 1969 e de 29 de Novembro de 1973), pelas duas notificações judiciais avulsas que denunciaram aquele primeiro (para 01 de Outubro de 1972 e de 1973), e pela documentação bancária certificativa do depósito de rendas em conta titulada pelo inicial senhorio na Caixa ..., S.A..
*
Face a toda esta coerente e concertada prova (que ora se reitera e duplica entre si, ora se complementa, mas sempre sem se contraditar), nem mesmo a única testemunha arrolada pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) - L. C. -, procurador da 1.ª Ré (M. L.), sua tia, foi capaz de a infirmar, por generalizado desconhecimento pessoal da realidade em causa.

Com efeito, inquirido esclareceu: «Quando… quando eu iniciei, portanto, eu sou o representante da minha tia não é, antes de mais, só para saber porque é que eu entro aqui. Eu sou o representante legal dela e, portanto, quando eu comecei a tratar da venda, com o senhor F. C., nós até nem tínhamos imaginado isso dos confinantes, não sabíamos, desconhecíamos isso. E, quando ele marcou a escritura, a notária chamou-lhe a atenção para isso. Portanto, só voltando um bocadinho ao início. A notária chamou-lhe a atenção, se nós já tínhamos feito isso, e ele disse “Não pá, nem nos lembrámos disso”, “Então é melhor fazer”. (…)»; [Só, voltando um bocadinho atrás, mas quando se lhe fez a comunicação à senhora H. S.…] «Por indicação da senhora notária, que me chamou à atenção»; [Já sabia se ela tinha algum… algum contrato celebrado de arrendamento, algum…?] «Não, isso eu desconhecia completamente»; [Se era em rendas e a senhora… a sua tia, M. L., sabe alguma coisa, não sabe de nada?] «Não, não. Desconhecemos absolutamente, a questão dos contratos, sinceramente, desconhecemos»; [Tem recebido as rendas, não tem?] «Eu desconheço, eu desconheço. Já fui à Caixa tentar saber e não me dão informação, portanto, desconheço. Sinceramente, desconheço»; [O senhor falou, falou, naturalmente, quando foi lhe foi outorgado esses poderes da sua tia, a sua tia não lhe disse quem é que estava lá no terreno? Estar lá no sentido de… de granjear o terreno] «Sim. A dona H. S., segundo eu…»; [Se a sua tia lhe disse a si?] « Não. Não, senhor doutor»; [E não lhe disse que conhecia a dona H. S.?] «Não falámos disso, com sinceridade, não falámos disso. Mas eu não ponho em questão que até conheça, não estou a pôr isso em questão. Sinceramente, não falámos»; [Portanto, o senhor desconhece ?] «Desconheço».
*
Precisa-se, por fim, que tendo a Autora (H. S.) logrado provar os factos cujo ónus de alegação e demonstração lhe competia, e espelhando os não provados a sua versão oposta, não poderiam estes últimos quedarem-se senão indemonstrados.

Do mesmo modo ficou desde logo condenado à improcedência o pedido reconvencional formulado (de condenação da Autora a restituir à 2.ª Ré a área por si ocupada, no prédio por aquela adquirido, e a pagar-lhe uma indemnização por essa ocupação intitulada).
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência nesta parte do recurso sobre a matéria de facto, mantendo-se inalterada a redacção dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 22, 36, 40 e 42, e dos factos não provados aí enunciados sob as alíneas b), c), d) e e).
*
4.4.2. Conhecimento das condições que habilitariam a Autora a preferir

Veio ainda a Recorrente (2.ª Ré) defender que a prova produzida não permitia que se desse como provada a omissão de comunicação à Autora (H. S.) de todas as condições da projectada compra e venda cujo conhecimento efectivo a habilitariam a decidir sobre o exercício da sua preferência
Esta matéria encontra-se vertida nos factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 33 («A data e o local previstos para a escritura e o modo ou forma de pagamento representam factores decisivos na formação da vontade da autora de preferir ou não, já que, do seu conhecimento, dependia a Autora diligenciar, no curto lapso de tempo que dispunha, para disponibilizar o dinheiro e os mais adequados meios de pagamento»), sob o número 34 («Para a Autora, pessoa de parcas posses financeiras, não é fácil ter que dispor em duas semanas de uma quantia daquela importância, e mais ainda sem saber a melhor maneira de conseguir esse financiamento») e sob o número 35 («A Autora só veio ter conhecimento de todos os elementos essenciais da alienação do prédio no dia 16 de Janeiro 2019»).
Invocou novamente para o efeito a insuficiência da prova pessoal produzida, bem como da prova documental junta.

Contudo (e de forma totalmente desconforme com a anterior impugnação de facto analisada), ouvidos os excertos seleccionados da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas, e lidas as transcrições respectivas feitas pela Recorrente (2.ª Ré), dos mesmos não resulta qualquer referência à matéria agora em causa, igualmente omissa da prova documental.

Resta-nos, assim, o teor das declarações prestadas pela própria Autora (H. S.), conformes com a normalidade das coisas, isto é: um arrendatário rural de 87 aos de idade, sem património ou outros rendimentos revelados nos autos, formaria a sua vontade de preferir conforme o lapso de tempo de que dispusesse para adquirir a quantia de € 82.5000,00, relativa ao preço a pagar para o efeito, nomeadamente recorrendo a financiamentos estatais ou a crédito bancário, cujas particulares condições de contratação desconheceria à partida, face à sua baixa iliteracia; e apenas após a consulta do registo predial e dos seus documentos de suporte conheceria com rigor as condições concretas do negócio havido, quando omitidas antes pelo obrigado à preferência.
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência nesta parte do recurso sobre a matéria de facto, mantendo-se inalterada a redacção dos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 33, 34 e 35.
*
4.4.3. Remanescente matéria de facto impugnada

Veio ainda a Recorrente (2.ª Ré) defender que a prova produzida não permitia que se desse como demonstrado o factos provado enunciado na sentença recorrida sob o número 47 («Os antecessores das Rés, cultivavam, pelo menos, os pomares e as vinhas, fizeram obras e melhorias ou consentiram que o fizessem no terreno identificado e suportaram as despesas com água, luz e seguros»); e impunha que se desse como demonstrado o facto não provado aí enunciado sob a alínea f) («A 2ª Ré X cultivava e colhia frutas, tomates, alfaces, milho, cebolas, vinhos e outros produtos, fez e faz obras e melhorias ou consente que o façam no terreno identificado e suporta as despesas com água, luz e seguros»).

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, a prova de tais factos é absolutamente irrelevante para o desfecho da presente acção, segundo qualquer das diversas soluções plausíveis de direito, face ao já antes decidido.
Com efeito, consubstanciou-se a forma de aquisição do prédio rústico em causa pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) numa escritura pública de compra e venda, precisamente aquela onde a Autora (H. S.) pretende preferir; e, por isso, torna-se irrelevante a aquisição do mesmo por usucapião, nomeadamente por as Rés terem sucedido na posse dos anteriores proprietários do dito prédio rústico.
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pelo não conhecimento desta parte do recurso sobre a matéria de facto, isto é, não conhecendo a impugnação relativa ao facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 47 e ao facto não provado aí enunciado sob a alínea f).
*
4.4.4. Contradição entre factos provados

Por fim, veio a Recorrente (2.ª Ré) defender existir uma contradição entre factos provados, nomeadamente entre os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 22 (parcial), por um lado, e os factos provados aí enunciados sob o números 39, 40 e 41, a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), k) e l), por outro: «o Tribunal recorrido (…) deu como provada a existência de dois contratos de arrendamento para o mesmo imóvel, pelo mesmo senhorio, mas para dois arrendatários distintos».
Estar-se-ia agora perante um vício da própria decisão sobre a matéria de facto (e não, como até aqui, de um verdadeiro erro de julgamento, por indevida ponderação da prova), no caso por a mesma ser contraditória, colidindo entre si, de forma inconciliável, factos nela dados simultaneamente como provados.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, é o dito vício inexistente.

Com efeito, sendo certo que foram celebrados, sucessivamente, dois contratos de arrendamento rural sobre o mesmo prédio, um em 29 de Novembro de 1973, onde a Autora (H. S.) e o marido figuram como arrendatários, e outro em 19 de Março de 1983, figurando então nessa qualidade F. F. e J. T., ficou igualmente assente nos autos que a Autora nunca reagiu contra o segundo arrendamento, continuando a cultivar parte dessa quinta, a que se limitou de facto a sua condição de arrendatária.

Isso mesmo foi expressamente esclarecido na fundamentação de facto da sentença recorrida (e forma consentânea com o já antes declarado pela generalidade das testemunhas ouvidas), lendo-se nomeadamente a mesma:
«(…)
No entanto, os depoimentos referidos, aliados aos documentos que iremos referir infra, também deixaram claro que a autora, a partir de certa altura, deixou de cultivar o prédio todo, ficando excluídos, pelo menos, os pomares e as vinhas, que passaram a ser cultivados pelos proprietários.
(…)
- O documento de fls. 23 a 24 que foi denominado de “Prorrogação de Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico”, que tem como objeto o arrendamento da quinta em questão, datado de 29 de novembro de 1973, e que não consta ter sido denunciado. Este documento configura o segundo contrato de arrendamento celebrado e faz menção expressa do primeiro, celebrado em 1969, para além de reduzir o objeto do arrendamento aos prédios aí mencionados, o que vai ao encontro do que foi referido pelas testemunhas, no sentido de que a autora, a certa altura, deixou de cultivar os pomares e a vinha.
(…)
- O contrato de arrendamento de fls. 44, datado de 19 de março de 1983, e que tem como objeto o prédio em causa nos autos, sendo, contudo, certo que apesar de o dito contrato se referir à Quinta ..., não implica que não continuasse o arrendamento à autora, o qual, como referido, estava limitado a apenas algumas parcelas da quinta.
- A documentação de fls. 45 a 61 revela que os contratos de seguro, eletricidade e água, bem como análises do solo ou contratos de venda de uvas, se mostram em nome do proprietário, o que não invalida o arrendamento, sendo também certo que, como já dito, os pomares e vinhas estavam excluídos do último contrato celebrado com a autora.
(…)»
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência desta remanescente parte do recurso sobre a matéria de facto, considerando inexistente qualquer contradição ente os factos provados na sentença recorrida.
*
V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Direito de preferência do arrendatário rural
5.1.1.1. Consagração legal (do direito de preferência)

Lia-se no art. 29.º da Lei n.º 76/77, de 29 de Setembro, que, no «caso de venda ou dação em cumprimento de prédios objecto de arrendamento rural, têm direito de preferência, em primeiro lugar, os respectivos arrendatários» (n.º 1), sendo «aplicável neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º do Código Civil» (n.º 2); e, no «caso de exercício judicial deste direito, o preço será pago ou depositado dentro dos vinte dias seguintes ao trânsito em julgado da respectiva sentença, sob pena de caducidade do direito» (n.º 3).

Lia-se depois, no art. 28.º do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, que, no «caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato assiste o direito de preferirem na transmissão» (n.º 1); e no «caso de exercício judicial desse direito, o preço será pago ou depositado dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da respectiva sentença, sob pena de caducidade do direito e do arrendamento».
Lê-se hoje no art. 31.º do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, que, no «caso de venda ou dação em cumprimento de prédios que sejam objecto de arrendamento agrícola ou florestal, aos respectivos arrendatários cujo contrato vigore há mais de três anos, assiste o direito de preferirem na transmissão» (n.º 2); e no «caso do exercício judicial do direito consagrado no n.º 2, o preço é pago ou depositado dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da respectiva sentença, sob pena de caducidade do direito e do arrendamento» (n.º 6).
Logo, o direito português conferiu desde cedo um direito de preferência ao arrendatário rural, isto é, permitiu-lhe, em igualdade de condições, adquirir o prédio arrendado caso o senhorio o pretendesse alienar a terceiro.
Pretendeu-se com este «direito legal de preferência» acautelar «o interesse dos arrendatários rurais de acesso à propriedade da terra por eles trabalhada e o interesse colectivo de fomento da sua exploração por profissionais da agricultura» (Ac. do STJ, de 16.02.2005, Salvador da Costa, Processo n.º 05B4071).

Como é próprio de um direito de preferência legal, o que beneficia o arrendatário rural tem eficácia real. Isto significa que, se o prédio for efectivamente alienado a terceiro, com violação do seu direito, o arrendatário se pode substituir ao adquirente, desde que iguale as condições por ele oferecidas, nomeadamente de preço.
Logo, o preferente não necessita de discutir a validade do acto de alienação violador do seu direito, podendo recair directamente sobre a coisa dela objecto, revertendo-a para si: «por virtude do exercício do direito de preferência o nome do preferente substitui-se ao do adquirente com todos os direitos referentes ao momento da transmissão, tudo se passando juridicamente como se por erro de escrita o nome do adquirente tivesse sido rectificado judicialmente. A alienação não é nula e, antes, produz todos os seus efeitos, operando-se apenas a substituição por outro de um dos sujeitos do contrato» (Pinto Loureiro, Manual dos Direitos de Preferência, Volume II, pág. 309) (22).
Será esta inerência (a certo objecto), bem como a sua eficácia absoluta (de o fazer valer contra todos que o detenham), as razões pelas quais, tradicionalmente, o direito do preferente tem sido considerado um direito real, de aquisição - aquele que confere ao respectivo titular, uma vez verificados certos pressupostos, o poder de adquirir um direito real de gozo sobre determinada coisa.

Pacífico é que o direito real de preferência «goza das duas características típicas dos direitos da mesma espécie [real]: a preferência (ou prevalência) e a sequela.
A primeira característica significa, como de todos é sabido, que, constituído determinado direito real, ele prevalece sobre qualquer outro direito real conflituante, que sobre a mesma coisa se constitua em momento posterior. Quanto à segunda, ela confere ao titular do direito a faculdade de perseguir o respectivo objecto, onde quer que ele se encontre» (Antunes Varela, em anotação ao Ac. do STJ, de 20.06.1969, RLJ, ano 103.º, pág. 479, com bold apócrifo).
Considerado o terceiro adquirente, dir-se-á que «aquele que compra ou recebe em doação uma coisa, sujeita ao direito de preferência de outrem, não pode considerar-se como seu verdadeiro proprietário, enquanto não decorrer o prazo para o exercício daquele direito ou enquanto este não é definido, judicialmente, ficando numa situação semelhante aquele que contrata sob condição resolutiva ou que é sujeito de um negócio jurídico inválido.
Verificada a condição ou declarada a invalidade, tudo tem de ser reposto no estado anterior ao contrato ou ao negócio jurídico, nos termos do estipulado pelos artigos 270º, 276º, 289º e 290º, todos do CC» (Ac. do STJ, de 29.04.2010, Hélder Roque, Processo n.º 81/05.0TBMTS.P1.S1).

Sem embargo da mais correcta classificação de que seja alvo, o direito legal de preferência produz ainda os seus efeitos erga omnes independentemente de registo; e, sendo reconhecido judicialmente, tem como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, do adquirente prelo preferente (23).
Com efeito, e ao contrário do que sucede com o direito convencional de preferência (art. 421.º do CC), o direito legal de preferência está dispensado de registo para produzir efeitos em relação a terceiros, já que a lei o radicou «numa situação objectiva visível ou conhecível» por aqueles (Adriano Vaz Serra, em anotação ao Ac. do STJ, de 20.06.1969, RLJ, ano 103.º, pág. 471).
Compreende-se que assim seja, e ao contrário do que sucede «quando se trata de direitos reais de prelação criados pelas partes», em que «só o registo poderá proporcionar a terceiros o respectivo conhecimento», já que, «no que respeita (…) às preferências legais, a situação é diferente. Nesse caso, é a própria lei que cria directamente a preferência e, por conseguinte, o requisito de publicidade está em larga medida preenchido desde logo por essa circunstância. Para saber se determinada coisa está onerada com algum direito legal de preferência, bastará a consulta dos textos legais uma vez conhecida a situação de facto ou de direito que serve de pressuposto à concessão do direito.
E estas situações (de facto ou de direito) tornam-se, em regra - pela sua objectividade, ostensividade ou visibilidade - facilmente reconhecíveis para terceiros (Antunes Varela, em anotação ao Ac. do STJ, de 20.06.1969, RLJ, ano 103.º, pág. 477, com bold apócrifo).
*
5.1.1.2. Exercício da preferência

Lê-se no art. 418.º do CC, que, querendo «vender a coisa que é objecto» da preferência, «o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato» (n.º 1); e, recebida «a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinalar prazo mais longo».
Relativamente ao conteúdo da comunicação do obrigado à preferência, dir-se-á que o «projecto de venda» e as «cláusulas do contrato» não se confundem com uma minuta deste, coincidindo antes com um quadro negocial geral, relevante para a correcta formação da vontade de preferir ou não preferir, face ao interesse objectivo e subjectivo do titular do direito de preferência. Logo, e necessariamente, incluirá: o preço e as suas condições de pagamento (montante, prazo e forma de satisfação); quaisquer outras cláusulas que revistam conteúdo patrimonial; e a data prevista para a sua outorga.
*
Mais se lê, no art. 1410.º, n.º 1 do CC, que o titular do direito legal de preferência «a quem não se dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a» coisa «alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção».
Logo, «o art. 1410.º, n.º 1, do CC (…) impede o exercício do direito de preferir a todo o tempo, pois fixa um prazo de 6 meses, a contar da data em que o sujeito passivo teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, para a propositura da acção de preferência; no limite, o direito de preferência terá de ser exercido dentro daquele prazo» (Agostinho Cardoso Guedes, O Exercício do Direito de Preferência, Teses, UCP Porto, 2006, pág. 640, com bold apócrifo).
Contudo, o termo inicial desse prazo, na omissão da comunicação para preferir, conta-se «da data em que o preferente tem conhecimento dos elementos essenciais do negócio que lhe deveriam ter sido atempadamente comunicados, e não da data em que o negócio se concretizou» (Ac. do STJ, de 12.11.2009, António Valente, Processo n.º 3330/07.7TBALM.L1-8, com bold apócrifo).
Reitera-se aqui que os «elementos essenciais do negócio» são todos os seus factores capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou de não preferir, isto é, todos os elementos reais do contrato susceptíveis de influenciar aquela vontade num sentido ou noutro.
«Entre esses elementos figura, em posição destacada, o preço, bem como as condições do seu pagamento. O conhecimento da pessoa do adquirente deve considerar-se essencial em relação ao preferente-comproprietário, visto aos consortes poder agradar, ou pelo menos não desagradar, a relação de compropriedade com certa pessoa e desagradar quanto a outras, independentemente do preço da aquisição. E deve considerar-se também essencial em relação, pelo menos, ao preferente-arrendatário, pois a este não é indiferente a pessoa do senhorio, ao qual se encontra ligado por uma relação jurídica duradoura, da qual decorrem, para ambos, vários direitos e obrigações» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 373) (24).

Reportando-se ao prazo de exercício do direito de preferência, precisa-se que se trata, «sem sombra da menor dúvida, de um prazo de caducidade, como claramente resulta do nº 2 do artigo 298º (cfr. O acórdão do S.T.J., de 17 de Julho de 1980, no B.M.J., º 229, págs. 331 e segs.). Para que, portanto o direito de preferência não caduque, é imprescindível que, alienada a coisa sem conhecimento do preferente, ou sem que lhe tenham sido notificados, antes da alienação, todos os elementos essenciais do negócio projectado, ele requeira a sua substituição na posição jurídica do adquirente dentro do prazo legalmente estabelecido. Por outro lado, como a caducidade legal é determinada por “estritas razões objectivas de segurança jurídica” (Vaz Serra, Prescrição extintiva e caducidade, pág. 514), ela verificar-se-á inevitavelmente, se não for praticado o acto que a impede, seja qual for a causa de inacção do titular e seja qual for também a disposição em que o beneficiário da caducidade se encontre, de aproveitar ou não os efeitos que da mesma decorrem (cfr. Antunes Varela, na Rev. de Leg. e de Jr., ano 103º, p. 298)» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 372, com bold apócrifo).
A caducidade do prazo para exercer o direito de preferência é de conhecimento oficioso, não dependendo de alegação pelas partes, uma vez que estamos perante um direito real de aquisição, excluído da sua disponibilidade (Ac. do STJ, de 12.11.2009, António Valente, Processo n.º 3330/07.7TBALM.L1-8) (25).
*
5.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, sendo a Autora (H. S.) arrendatária, desde 29 de Novembro de 1973, de um prédio rústico, gozava sobre o mesmo de um direito de preferência na sua eventual alienação a terceiro (26).
Mais se verifica que, pretendendo a 1.ª Ré (M. L.) - respectiva proprietária e sua senhoria - vendê-lo no final do ano de 2018 à 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) anunciou esse propósito à Autora por carta de 30 de Novembro de 2018 e de 07 de Dezembro de 2018, para que pudesse preferir em tal negócio.
Contudo, indicando-lhe então o preço (€ 82.500,00), que o mesmo deveria ser pago no acto da escritura de compra e venda, a identidade da projectada adquirente (aqui 2.ª Ré) e o prazo de oito dias para o exercício desse direito, não a informou da data de realização da dita escritura, nem lhe precisou o modo ou a forma de pagamento do dito preço.
Ora, sendo a Autora (H. S.) pessoa de fracos recursos económicos, e de reduzida literacia, não lhe era fácil dispor em tão curto espaço de tempo de € 82.500,00, desconhecendo ainda a melhor maneira de se financiar para o efeito. Assim, a data prevista para a formalização da venda, e o modo ou forma de pagamento do preço, representavam factores decisivos na formação da sua vontade de preferir, já que só perante o seu conhecimento poderia prever se conseguiria adquirir até lá o dinheiro necessário, e cumprir com os exigíveis meios de pagamento.
Dir-se-á ainda que o referido não corresponde a uma pretensão subjectiva e irrelevante da Autora, mas antes à normalidade social, isto é, ao que é socialmente adequado e socialmente relevante para a generalidade das pessoas colocadas na sua situação.
Logo, a comunicação à Autora (H. S.) para preferir, realizada pela 1.ª Ré (M. L.), não cumpriu as exigências legais fixadas para o efeito; e, desse modo, vindo a projectada venda a ser efectivamente realizada por ela, em 26 de Dezembro de 2018, à 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), autorizou a propositura da presente acção de preferência pela Autora.

Tendo-a a mesma feito em prazo, e não sendo invocado qualquer outro direito de preferência que prevalecesse sobre o seu, deveria ser julgada procedente, como o foi pelo Tribunal a quo, juízo que aqui se reitera.
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada).
*
5.2. Litigância de má fé

5.2.1.1. Definição de conduta

Lê-se no art. 542.º, n.º 2, als. a), b), c) e d) do CPC, que será considerado litigante de má fé «quem, como dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, ou tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, ou tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».

O dever de cooperação (referido na alínea c) citada) encontra-se definido no art. 7.º, n.º 1 do CPC, aí se afirmando que «na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio».

Importa dizer que, antes da redacção conferida ao CPC de 1961 pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (na altura, ao seu art. 456.º, n.º 2), tanto a jurisprudência como a doutrina entendiam que a condenação por litigância de má fé pressupunha a existência de dolo, neste caso a voluntária dedução de uma pretensão - executiva - cuja falta de fundamento se não ignorava, ou a voluntária e consciente alteração da verdade dos factos. Era, pois, necessária a consciência de não se ter razão (Ac. da RC, de 11.01.83, CJ, Tomo 1, pág. 28).
Por outras palavras, então o que importava é que existisse uma «intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas com leviandade ou imprudência (má fé em sentido ético)» (Manuel de Andrade, op. cit., pag. 358). Estas leviandade e imprudência, bem como o erro, ou a falta de justa causa, seriam insuficientes para caracterizarem a má fé processual, exigindo-se a consciência (o saber) e a vontade (o querer) de se estar a actuar contra a verdade, ou com propósitos ilegais.
Assim, «no dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida - dolo directo - ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial - dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se, dos meios e poderes processuais, um uso manifestamente reprovável» (Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, I, Almedina, 1984, pág. 380).
O fundamental era, pois, a equiparação ou aproximação do dolo à má fé, sendo que «na base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 1982, pág. 263) (27).
No mesmo sentido se foi concertadamente pronunciando a jurisprudência (28).

Com o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, consagrou-se um regime mais exigente no CPC de 1961, em conformidade com o reforço dos deveres de colaboração das partes, consagrados nomeadamente no seu art. 266.º-A (dever de boa fé processual) e no seu art. 266.º-B (dever de recíproca correcção).
Assim, admitiu-se expressamente que, ao lado do dolo, figurasse igualmente a negligência grave, por isso se substituindo o necessário conhecimento da falta de fundamento da oposição deduzida, pela obrigação de conhecer a falta de fundamento da oposição deduzida (29).
Esse regime passou para o actual CPC.
*
Contudo, a condenação como litigante de má fé pressupõe prudência e cuidado do julgador, bem como a correcta destrinça entre lide temerária ou ousada e a actuação dolosa ou gravemente negligente, sob pena de se poder estar a cercear indevidamente o direito de acção.
O mesmo integra-se no direito fundamental de acesso aos tribunais (art. 20.º, n.º 1 da CRP), constituindo um direito subjectivo autónomo e distinto do direito material que se pretende fazer actual em juízo, pelo que o seu exercício não está dependente de qualquer requisito prévio de demonstração da existência do direito substancial. Exigir isso, seria fechar a porta a todos os interessados: aos que não têm, e aos que têm razão. Assim, o recurso aos tribunais judiciais representa um facto lícito, mesmo que se venha a demonstrar que o direito que se pretendeu fazer valer em juízo não existia. O direito de acção só é ilegítimo quando se litiga com má fé (mais desenvolvidamente, Ac. da RL, de 16.12.2003, Arnaldo Silva, Processo n.º 8263/2003-7).
Logo, a litigância de má fé não pode confundir-se com: pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da prova respectiva, de não se ter logrado convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento; a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; na discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos; ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, lograr convencer.

Com efeito:
. «Não havendo a parte logrado provar os factos por si articulados, nem por isso se pode concluir pela falsidade ou a desconformidade com a verdade da alegação respectiva, de forma a tornar legítima uma pronúncia de litigância de má fé com base na alínea b) do nº2 do Artigo 456º do Código de Processo Civil» (Ac. do STJ, de 11.12.2003, Lucas Coelho, Processo n.º 03B294).
«Ou seja, o juízo sobre a má fé não deve ser mera decorrência da prevalência de uma das teses factuais em confronto, devendo, antes, basear-se num convencimento assente em dados irrefutáveis» (Ac. do STJ, de 19.9.2002, Quirino Soares, Processo n.º 02B1949).

. «A falta de razão da parte, segundo o entendimento do tribunal, não chega para caracterizar a má fé. Se estivermos no âmbito duma interpretação dos factos e do direito em que seja ainda aceitável divergência de opiniões e discordância das partes, estando estas genuinamente convictas da sua razão substantiva, então será de reconhecer que nos situamos no domínio do exercício (lícito) do direito de acesso ao direito e aos tribunais, constitucionalmente protegido» (Ac. da RP, de 27.01.2009, Mário Serrano, Processo n.º 0827486).

. Em matéria de direito, designadamente o processual, a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei, não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta (Ac. do STJ, de 26.2.2009, Salvador da Costa, Processo n.º 09B0347).
*
5.2.1.2. Consequências

Concluindo-se pela má fé, será a parte prevaricadora condenada em multa que sancione o seu comportamento, e, caso tenha sido pedida pela parte contrária, numa indemnização a favor desta (art. 542.º, n.º 1 do CPC).
A respeito da multa dispõe o 27.º, n.º 3 do RCP, devendo a mesma ser fixada entre duas a cem unidades de conta processuais.
Dentro destes limites, deverá atender-se «ao grau de má fé, revelado através dos factos concretos, e à situação económica do litigante doloso, por forma a assegurar quer a função repressiva, de punir o delito cometido, quer a função preventiva, de evitar que o mesmo ou outros o pratiquem de futuro» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição, Coimbra Editora Limitada, Coimbra, 1981, pág. 269).

Já a respeito da indemnização dispõe o art. 543.º do CPC, segundo o qual a mesma poderá consistir «no reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários» (al a), bem como, e em acréscimo àquele reembolso, «na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé» (al b).
Deste modo, a situação prevista na alínea a) constitui uma modalidade de indemnização limitada, simples ou de primeiro grau, que se reporta ao «reembolso das despesas que a má fé obrigou a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos».
Contudo, «o litigante de má fé só tem que pagar a importância equivalente às despesas que o seu adversário teve de fazer como consequência directa da má fé. Quer dizer, a responsabilidade limita-se aos danos directamente emergentes do procedimento doloso» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, págs. 276-277).
A situação prevista na alínea b) constitui uma modalidade de indemnização plena, agravada ou de segundo grau, que se reporta ao «reembolso das despesas e satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária». Agora «a responsabilidade traduz-se na fórmula “lucros cessantes e danos emergentes”, quer os danos sejam consequência directa da má fé processual, quer sejam consequência indirecta» (Alberto dos Reis, ibidem).
Por outras palavras, a indemnização integra prejuízos correspondentes a danos emergentes e a lucros cessantes que tenham, directa ou indirectamente, por fonte o comportamento doloso ou gravemente negligente, sem exclusão dos danos de natureza não patrimonial desde que com a litigância tenham o nexo exigido por lei, de causalidade adequada (Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, Volume I, Almedina, 1998, pág. 336).
Face a ambas as formas legais, das alíneas a) e b) citadas, o juiz deverá optar «pela indemnização que julgar mais adequada à conduta da parte»; «naturalmente, que o tribunal imporá ao litigante ou a indemnização simples, ou a indemnização agravada, conforme o grau de má fé, conforme a maior ou menor gravidade da conduta dolosa», não tendo «que ser levado em conta (…) a capacidade económica e financeira do condenado, nem tão pouco o valor da acção», ponderados sim a propósito da multa igualmente aplicada a este título (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 278).
Resta dizer que, «em qualquer dos casos [das alíneas a) e b), do n.º 1, do art. 543.º citado], não estão em causa todos os danos que a parte contrária possa ter sofrido em consequência do processo, mas apenas aqueles que, tendo-se produzido posteriormente a ela, são imputáveis à litigância de má fé» (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, pág. 225).
Diz-se então que «a indemnização há-de circunscrever-se ao âmbito processual em que a má fé operou. (…) Pelo Código só tem de tomar em consideração as despesas ocasionadas pela má fé e como esta pode dizer respeito unicamente a determinada fase do processo, a actos, termos e incidentes limitados, daí a diferença considerável» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, pág. 278).
Por outras palavras, se a condenação respeitar apenas a uma fase processual, a indemnização à parte contrária deve corresponder apenas às despesas feitas nessa fase.
Assim, e por exemplo, se a má fé ocorreu com a apresentação da contestação, apenas os danos sofridos a partir daí poderão ser tidos como consequência dessa má fé (cfr. Ac. da RP, de 04.03.1993, Emérico Soares, BMJ, n.º 425, pág. 624). Logo, a indemnização devida na sequência da condenação por litigância de má fé tem de ligar-se por um nexo de causalidade adequada aos danos que não existiriam se não tivesse existido a litigância dolosa (Ac. da RL, 31.05.2007, Américo Marcelino, Processo n.º 3490/2007-2).
No caso do reembolso de despesas tidas com honorários, estes «são pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está embolsado» (n.º 4, do art. 543.º do CPC).
*
5.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, confrontada com o recurso de apelação interposto pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) - em particular, com o seu «DISTRATE DE COMPRA E VENDA» e pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide -, veio a Autora (H. S.) defender ter aquela actuado de má fé; e pedir a sua condenação no pagamento de uma indemnização a seu favor, de € 1.500,00, para reembolso de despesas suportadas com honorários e taxa de justiça.

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, crê-se que, não obstante a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) tenha soçobrado naquela sua concreta pretensão, não se crê que a mesma corresponda a «omissão grave do dever de cooperação» (que não pressupõe que abdique da defesa em juízo dos seus interesses próprios, segundo formas processual e substantivamente previstas para o efeito), ou a «um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais» (tanto mais que o documento se formou fora dos autos, e não funda o recurso de apelação em apreciação, sendo antes uma questão incidental na sua marcha).
Logo, se é certo que aquela concreta pretensão da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) contraria disposição legal expressa (o art. 1410.º, n.º 2 do CC), tem-se por igualmente certo que esse desconhecimento da lei não equivale necessariamente a lide dolosa, antes se tendo por lide temerária ou ousada.
Acresce que, tendo fundado o seu recurso de apelação em outros e bens distintos fundamentos (conexos com a prévia apreciação que deles foi feita pelo Tribunal a quo), não pode também afirmar-se que aquela sua outra iniciativa instrumentalizou o processo ou fez a parte contrária incorrer em acrescidas despesas (já que as por ela agora invocadas seriam sempre exigidas pela contra-alegação que entendeu apresentar no recurso de apelação interposto).
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência do pedido de condenação, como litigante de má fé, da 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), formulado pela Autora.
*
VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada), e em julgar improcedente o pedido de condenação respectiva como litigante de má fé, formulado pela Autora (H. S.) e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a sentença recorrida;

· Absolver a 2.ª Ré (X - Comércio de Micro Informática, Limitada) do pedido de condenação respectiva como litigante de má fé, formulado pela Autora.
*
Custas da apelação pela 2.ª Ré (art. 527.º, n.º 1 do CPC).
*
Guimarães, 05 de Novembro de 2020.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.




1. Lê-se no despacho saneador proferido nos autos, a propósito da excepção peremptória da caducidade do exercício, pela Autora, do direito de preferência que aqui pretende ver reconhecido: «(…) Nos termos legais - art. 416º, nº 2 do Código Civil, recebida a comunicação, deve o titular do direito de preferência exercer tal direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade. É a própria autora quem aelga que foi notificada pela primeira ré, em 7 de dezembro de 2018, da intenção de vender o prédio em causa e de que poderia exercer o seu direito de preferência no prazo de oito dias. Como também é a autora quem alega que respondeu através de carta registada enviada em 17 de dezembro de 2018, ou seja, dez dias após a notificação. No entanto, o dia 17 de dezembro de 2018 coincide com uma segunda-feira, sendo que o oitavo dia após a notificação foi um sábado e o nono dia um domingo. Sendo assim, como foi, face ao disposto no art. 279º, al. e) do Código Civil, que dispõe que se transfere para o primeiro dia útil, o prazo que termine em domingo ou dia feriado, tendo o prazo em causa terminado no sábado, dia 15 de dezembro de 2018, parece ter caducado o direito da autora de exercer a referência na venda do prédio do qual é arrendatária. Sucede que a jurisprudência tem vindo a decidir que apesar de o Código Civil não prever o sábado, deve entender-se que os prazos que terminem nesse dia, devem transferir-se para o primeiro dia útil seguinte. Assim foi decidido no Acórdão STJ de 14-03-1990, onde se diz que “I - Nos prazos substantivos, o termo ocorre em dia certo sem se suspender nas férias, feriados, sábados ou domingos, salvo a hipótese do seu termo ocorrer num destes dias; II - O artigo 279º do Código Civil não prevê o sábado nem teria de prever, porque nessa data as secretarias judiciais estavam abertas ao sábado o que só veio a ser alterado pela lei 35/80, de 29 de julho; III - Mesmo quando as secretarias judiciais estavam abertas ao sábado, só no período da manhã, se entendeu que os prazos que findavam nesse dia passariam para o primeiro dia útil seguinte”. E também no Acódão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-10-2014, se decidiu: “A disposição da primeira parte da alínea e) do artigo 279º do Código Civil deve ser interpretada de forma actualista, no sentido de que, também quando o último dia do prazo caia num sábado transfere-se para o primeiro dia útil”. Pelo exposto, o exercício do direito de preferência pela autora foi tempestivo, pelo que julgo improcedente a arguida exceção de caducidade. (…)»
2. No mesmo sentido, numa jurisprudência uniforme, Ac. do STJ, de 29.04.1998, BMJ, n.º 476, pág. 401; e Ac. do STJ, de 01.10.2002, CJSTJ, Tomo III, pág. 65.
3. Neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem.
4. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 24.03.2015, Fonte Ramos, Processo n.º 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1, onde se lê que só «são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento». Ainda, Ac. da RC, de 18.11.2014, Teles Pereira, Processo n.º 628/13.9TBGRD.C1, onde se lê que só «são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento».
5. No mesmo sentido, Ac. da RG, de 27.02.2014, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 323/12.6TBFLG-E.G1, onde se lê que «deve ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado».
6. Neste sentido, Ac. da RL, de 22.10.2014, Celina Nóbrega, Processo nº 681/13.5TTLSB.L1-4.
7. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 21.01.2014, Maria Clara Sottomayor, Processo n.º 9897/99.4TVLSB.L1.S1, e Ac. do STJ, de 18.04.2006, Sebastião Póvoas, Processo n.º 06A844.
8. Neste sentido, Antunes Varela, em anotação ao Ac. do STJ, de 20.06.1969, RLJ, ano 103º, pág. 476, ou Ac. do STJ, de 29.04.2014, Azevedo Ramos, Processo n.º 353/2002.P1.S1. Contudo, suscitando dúvidas sobre a sua mais correcta classificação como direito inerente de aquisição, J. Oliveira Ascensão, «Direito de preferência do arrendatário», Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume III, Almedina, Dezembro de 2002, págs. 271 a 273. Defendendo ser antes uma relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Colecção Teses, Almedina, 1990, pág. 217.
9. No mesmo sentido, Almeida Costa, Direito das obrigações, 3.ª edição, Almedina, pág. 60; e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 298.
10. Relativamente a tais conceitos indeterminados, pode dizer-se que: . boa fé - objectiva-se em regras de actuação (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, Tomo I, págs. 180 e 182): é a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade nos comportamentos e, designadamente, na celebração e execução dos negócios jurídicos (Ana Prata, Dicionário Jurídico, 2.ª edição, Almedina, 1989, pág. 78), reporta-se à correcção e lealdade (Fernando Augusto Cunha e Sá, Abuso de Direito, C.E.F.D.G.C.I., Lisboa, 1973, pág. 193). Por isso, agir de boa fé é «agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesse da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar» (Ac. do STJ, de 10.12.1991, BMJ, n.º 412, pág. 460). A este propósito deverá ser tido em consideração o disposto nos arts. 227.º e 762.º, ambos do CC, que se referem à exigência da actuação de boa fé nos preliminares e formação do contrato, no cumprimento da obrigação e exercício do direito. . os bons costumes - é conjunto de regras de comportamento sexual, familiar e deontológico, acolhidas pelo Direito, em cada momento histórico, que, não estando codificadas, provocam consenso em concreto, pelo menos nos casos limite, encontrando-se na sua concretização um grupo que se prende com princípios cogentes da ordem jurídica e outro que se liga à moral social (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, pág. 193. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 10.12.1991, BMJ, n.º 412, pág. 460, onde se lê que os bons costumes são «um conjunto de regras de convivência que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente, contrários a laivos ou conotações, imoralidade ou indecoro social»). Logo, para se determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 299). . o fim/função social ou económico do direito - tem a ver com a sua configuração real, a apurar através da interpretação; se um direito é atribuído com certo perfil, já não haverá direito quando o titular desrespeite tal norma constitutiva (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, pág. 283).
11. De forma diversa dispôs a mesma lei para o contrato-promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, que só vale «se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral» (art. 418.º, n.º 2 do CC); ou para o contrato de trabalho a termo certo, que, para além de estar «sujeito a forma escrita», deve conter a «identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes» (art. 141.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro).
12. Neste sentido, Pedro Paes de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Almedina, 1995, onde a págs. 164-165 se lê que a «qualificação de um contrato é um juízo predicativo. O contrato é qualificado através do reconhecimento nele de uma qualidade que é a qualidade de corresponder a este ou àquele tipo, a este ou àquele modelo típico. A qualificação legal traz consigo, assim, sempre um processo de relacionação entre a regulação contratual subjectiva estipulada e o ordenamento legal objectivo, onde o catálogo dos tipos contratuais legais se contém». Esta «não adequação da designação adoptada pelas partes à real natureza do contrato pode resultar de circunstâncias várias, ou de equívoco ou ignorância ou do objecto de defraudar a lei, procurando enquadrar o negócio num modelo que não é o seu, para, através do uso da denominação específica de outro e a confusão assim estabelecida, tentar extrair daí consequências jurídicas favoráveis às partes ou a uma delas» (Prof. Galvão Telles, «Parecer», CJ, ano XVII, Tomo 2, pág. 27). Para além destas (e doutras) concretas motivações, o que verdadeiramente relevará é que a actividade do julgador, na qualificação dos factos trazidos a juízo, não fique limitada ao nome/qualificação atribuído aos pelas partes. 13. É o que sucede, em geral, na prova por documentos autênticos (art. 371.º, n.º 1 do CC), autenticados (art. 377.º do CC) e particulares (art. 376.º, n.º 1 do CC), por confissão (art. 358.º do CC), ou por acordo das partes (art. 574.º, n.º 2 do CPC).
14. É o que sucede na prova pericial (art. 389.º do CC e art. 489.º do CPC), na prova por inspecção judicial (art. 391.º do CC), na prova por verificação não judicial qualificada (art. 494.º, n.º 3 do CPC), na prova testemunhal (art. 396.º do CC), e na prova por depoimento/declarações de parte (arts. 463.º a 466.º, n.º 3 do CPC).
15. Defendendo este poder oficioso do Tribunal de Recurso, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, págs. 225 e 226.
16. Neste sentido, Ac. da RC, de 23.06.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 1534/09.7TBFIG.C1.
17. Recorda-se, porém, que o juízo do Tribunal a quo que agora se sufragou foi apenas a título subsidiário, isto é, prevenido a hipótese de eventual incorrecção do anterior juízo deste Tribunal ad quem, quando considerou provado o contrato de arrendamento invocado mediante a junção aos autos do respectivo texto escrito, não assinado ou não validamente assinado, por as respectivas partes terem reconhecido como suas as declarações de vontade que nele lhes são imputadas; ou por não poder a 2.ª Ré beneficiar da invocação daquela nulidade, por manifesto abuso de direito seu nessa invocação.
18. A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art. 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
19. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1, onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação».
20. Neste sentido, mais exigente, Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 58, José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 278, Paulo Pimenta, Processo Declarativo, Almedina, Julho de 2014, pág. 357, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pág. 383-384, ou Remédio Marques, «A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou à parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos», Julgar, 2012, págs. 137-172. Na jurisprudência, Ac. da RP, de 15.09.2014, António José Ramos, Processo n.º 216/11.4TUBRG.P1, Ac. da RP, de 20.11.2014, Pedro Martins, Processo n.º 1878/11, Ac. da RP, de 17.12.2014, Pedro Martins, Processo n.º 2952/12, Ac. da RP, de 17.12.2014, Pinto dos Santos, Processo n.º 8181/11, Ac. da RP, de 23.03.2015, Eusébio Almeida, Processo n.º 1002/10.4TVPRT.PI, Ac. da RL, de 07.06.2016, Pedro Brighton, Processo n.º 427/13.8TVLSB.L1-1, Ac. da RP, de 20.06.2016, Manuel Fernandes, Processo n.º 2050/14, Ac. da RE, de 06.10.2016, Tomé Ramião, Processo n.º 1457/15, ou Ac. da RL, de 13.10.2016, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 640/13.8TCLRS.L1.-2
21. Neste outro sentido, menos exigente, Elizabeth Fernandez, «Nemo Debet Esse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)Coerência do Sistema Processual a Este Propósito», Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, pág. 23, Catarina Gomes Pedra, A Prova por Declarações das Partes no Novo Código de Processo Civil. Em Busca da Verdade Material no Processo, Escola de Direito, Universidade do Minho, 2014, pág. 145, Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, pág. 80, ou Luís Filipe Pires de Sousa, «As malquistas declarações de parte», in http://www.stj.pt/ficheiros/coloquios/coloquios_STJ/CPC2015/painel_1_articulados_audiencia_LuisSousa.pdf, consultado em Junho de 2018. Na jurisprudência, Ac. da RE, de 12.03.2015, Mata Ribeiro, Processo n.º 1/12.6TBPTM.E1, Ac. do STJ, de 05.05.2015, Gabriel Catarino, Processo n.º 607/06.2TBPMS.C1.S1, Ac. da RG, de 17.09.2015, António Figueiredo de Almeida, Processo n.º 912/14.4TBVCT-A.G1, Ac. da RG, de 02.05.2016, António Figueiredo Almeida, Processo n.º 2745/15.1T8VNF-A.G1, Ac. da RE, de 12.01.2017, Paulo Amaral, Processo n.º 812/13.5TBVNO.E1, Ac. da RL, de 26.04.2017, Luís Filipe Pires de Sousa, Processo n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7, ou Ac. do TCAS, de 19.10.2017, Sofia David, Processo n.º 985/16.5BEALM.
22. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 29.04.2010, Hélder Roque, Processo n.º 81/05.0TBMTS.P1.S1, onde se lê que «o preferente não representa, verdadeiramente, o adquirente, que, retroactivamente, desaparece do contrato como se nele nunca tivesse figurado, de acordo com o princípio “resoluto iure dantis resolvitur jus accipientis”, tudo se passando, juridicamente, como se, por erro de escrita, o nome do adquirente tivesse sido rectificado, judicialmente».
23. Neste sentido, Pinto Loureiro, Manual dos Direitos de Preferência, Volume II, Coimbra Editora, 1944, pág. 140, Ac. do STJ, de 20.06.1969, anotado por Adriano Vaz Serra e por Antunes Varela, RLJ, Ano 103.º, pág. 470 e seguintes. Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 29.04.2010, Hélder Roque, Processo n.º 81/05.0TBMTS.P1.S1, e Ac. do STJ, de 23.11.2010, Azevedo Ramos, Processo n.º 2822/03.1TBGDM.P1.S1.
24. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 29.04.2004, Salvador da Costa, Processo n.º 04B1462, onde se lê que o «prazo de caducidade do direito de preferência a só corre desde o momento em que ao preferente foi comunicado o exacto projecto de compra e venda negociado com o candidato a comprador, sobretudo o seu objecto mediato e o respectivo preço». Discordando, porém, que a pessoa concreta do futuro adquirente senhorio seja «elemento essencial do negócio», J. Oliveira Ascensão, «Direito de Preferência do Arrendatário», Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume III, Almedina, pág. 259, onde se lê que, lido «de modo racional, e não partindo já do preconceito de uma protecção exaustiva do arrendatário, o que o preceito dispõe é apenas que devem ser dadas a conhecer ao preferente as cláusulas necessárias à formação da intenção de preferir. O que é necessário, mede-se atendendo ao aspecto objectivo da protecção do arrendamento, e mão ao aspecto subjectivo das preferências pessoais futuras».
25. No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 372.
26. Enfatiza-se que o dito arrendamento rural permanecia em vigor, por não ter entretanto cessado pelas legais formas, e ainda que se mostrasse esgotado o prazo máximo da sua primeira vigência. Com efeito, o «prazo máximo por que o arrendamento pode ser celebrado é coisa diferente do prazo de duração do contrato». Logo, se «o arrendamento não for denunciado (nem cessar por outra qualquer razão, como o acordo das partes, a resolução ou a caducidade), renova-se sucessiva e automaticamente no termo do prazo contratado ou legalmente estabelecido, ainda que se ultrapasse o prazo máximo por que pode ser celebrado» (Ac. da RC, de 17.11.2009, Gonçalves Ferreira, Processo n.º 27/07.1TBOFR.C1).
27. Na doutrina, com utilidade: Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, I, Almedina, 1984, pág. 382; Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, Almedina, 1987, em especial, págs. 178-182, 269-286; Cunha de Sá, Abuso do Direito, reimpressão da edição de 1973, Almedina, 1997, págs. 268 a 274
28. Compreende-se, assim, que se tenha decidido: há má fé «quando facto negado pela parte é verdadeiro e pessoal» (Ac. da RC, de 29.07.1958, Jurisprudência das Relações, 1958, 1029); «má fé é incompatível com ignorância ou imperfeito conhecimento da verdade» (Ac. da RL, de 09.01.1959, Jurisp. Rels., 1959, 9); «para haver má fé exige-se o conhecimento e não só a mera presunção do conhecimento de que a pretensão ou a oposição deduzida são infundadas» (Ac. da RP, de 18.11.1966, Jurisp. Rels., 1966, 909); «é requisito da má fé o dolo» (Ac. do STJ, de 28.10.1975, BMJ, n.º 250, pág. 156); «má fé tem como pressuposto o dolo, que é a consciência de se não ter razão» (Ac. da RC, de 14.01.1983, CJ, Tomo 1, pág. 28).
29. Esta intenção foi claramente assumida e explicitada no Relatório do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), onde se lê que se consagrou «expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos».