Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3534/12.0TBGMR.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO
INICIO DA CESSÃO
ENTREGAS A CONSIDERAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

1. Proferido despacho inicial de admissão liminar do pedido de exoneração e independentemente de o encerramento do processo de insolvência ocorrer posteriormente, quaisquer entregas de rendimento, nomeadamente de natureza salarial, por parte do devedor insolvente, deverão ser consideradas no âmbito da cedência ao fiduciário.

2. Como tal, essas entregas efectuadas a partir dessa data serão destinadas a título de cessão ao fiduciário para efeitos de contagem do período (de cinco anos) de cessão com vista à apreciação do despacho final de exoneração do passivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrentes: (…) (insolvente);
Recorridos: (…) SA e Outros (credores);
*****
(…) , devedora/insolvente, veio requerer que se considere o início da contagem do prazo de exoneração o momento em que a insolvente iniciou as entregas de valores à fiduciária, ou seja, em Agosto de 2013.

Notificados, fiduciário e credores, nada disseram.
O despacho inicial de exoneração do passivo restante foi proferido em 13.04.2013.

Das informações prestadas aos autos, nomeadamente pela Sra. Fiduciária, resulta que, após o despacho de admissão inicial de exoneração do passivo restante e desde Agosto de 2013, a insolvente tem entregado àquela os valores relativos a rendimento disponível.

Nos autos foi preferido despacho de encerramento em 04.03.2018.
A Insolvente/Recorrente (por requerimento de 25.10.2018) veio requerer que o tribunal recorrido para “declarar que o período de cessão se considere iniciado no momento em que a insolvente iniciou as entregas de valores à fiduciária (ou seja, em agosto de 2013).”

Tal pretensão foi-lhe indeferida por despacho proferido em 11.12.2018, nos seguintes termos:

“Indefere-se o requerido, por falta de fundamento legal: o art. 239.º/2 CIRE é muito claro ao prescrever que o período de cessão se inicia com o despacho de encerramento do processo (e até porque a actual al. e) do art. 230.º/1 CIRE era inexistente à data em que foi proferido o despacho de encerramento). As entregas realizadas em momento anterior a tal despacho jamais poderiam ser objecto de restituição, pois que a sua apreensão resulta do disposto no art. 36.º/1/al. g) e 149.º/1, ambos do CIRE.”

Inconformada com tal decisão, dela interpôs a requerente o presente recurso de apelação, em cuja alegação formula, em suma, as seguintes conclusões:

A. Sendo certo que, a alínea e) do n.º 1, do artigo 230.º do CIRE, foi introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril e que já se encontrava em vigor à data em que o processo de insolvência foi intentado, pelo que se não era inexistente à data em que a petição inicial de insolvência deu entrada, muito menos era inexistente à data em que foi proferido o despacho de encerramento que ocorreu apenas em 05.03.2015 (ou seja, 2 anos após ter sido proferido despacho de exoneração do passivo restante – e durante esses dois anos a insolvente cedeu à massa insolvente o rendimento disponível estipulado, cujos valores transferiu para a conta bancária da massa insolvente).
B. Assim, a questão da contagem do período de cessão foi “resolvida” na recente alteração legal determinando que a mesma se inicie aquando da prolação do despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante (art. 230.º/1/e) e 233.º/7 CIRE).
C.E a Lei 79/2017 (com a introdução do n.º 7 no artigo 233.º) veio clarificar ainda mais a questão, resolvendo-a definitivamente.
D.E conjugando todos os interesses em “jogo” e “harmonizando” o “conjunto normativo” deve estabelecer-se que o período de cessão é desde o encerramento, mas esse encerramento pode ser aquando do despacho inicial do incidente de exoneração, apenas para efeitos do início da contagem (art. 233.º/7 CIRE).
E.E prendendo-se a situação com a lei antiga, o despacho inicial do incidente de exoneração não tomou “partido” sobre qual a interpretação que defendia. Na verdade, sempre poderia ter encerrado nos termos do art. 230.º/1/e CIRE ou ter firmado entendimento que este se iniciaria após findar a liquidação (mais precisamente com o rateio).
F.Se assim fosse a insolvente tinha perfeita noção de quando se iniciava o período de cessão.
G.No caso concreto, na prática existiu um encerramento para efeito de início da cessão, foi nomeada Fiduciária, esta foi recebendo mensalmente os rendimentos cedidos (desde agosto de 2013), a insolvente foi cedendo ao longo de cinco anos e cumpriu as suas obrigações.
H.Perante este cenário, é violador do princípio da confiança inerente a um Estado de Direito Democrático negar um direito que se foi consolidando. É um verdadeiro venire contra factum proprium por parte de um Tribunal ao indeferir (como indeferiu) o requerido pela insolvente em 25.10.2018 (ou seja, ao indeferir que para o inicio da cessão de rendimentos se considerasse o mês de agosto de 2013), pois é da mais elementar justiça o requerido pela insolvente.
I.O Tribunal a quo violou, assim, o artigo 239.º, n.º 2, 230.º, n.º 1, al. e), 36.º, n.º 1, al. g),149.º, n.º 1, 233.º, n.º 7, todos do CIRE, o que expressamente se invoca.

Pede que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho proferido e, em consequência, deverá ser determinado que o período de cessão de rendimento se iniciou em Agosto de 2013 (data em que iniciou a cessão de rendimentos para a conta bancária da massa insolvente).

Não houve contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

A questão suscitada pela recorrente pode sintetizar-se da seguinte forma:

a) Concedido o benefício de exoneração do passivo restante, o início do período de cessão do rendimento disponível da devedora conta-se a partir da data da entrega de valores a esse título à fiduciária, ou seja Agosto de 2013?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na decisão recorrida é a que consta do Relatório supra e ainda o seguinte:

I- Relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante, foi proferida decisão, datada de 13.04.2013 e transitada em julgado, cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:

«Do exposto resulta que inexistem motivos para indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado.

No que se refere ao rendimento disponível, considerando que a insolvente tem um rendimento mensal de aproximadamente €780, residindo em casa arrendada com o marido e um filho menor e pagando mensalmente €300 a título de renda, sendo que o filho padecerá de asma e rinite alérgica (mas sem que a insolvente tenha sequer indiciariamente demonstrado que mensalmente despende €60 para tratamento das patologias da criança – e sendo que a asma não obriga necessariamente à toma diária de medicação) considero que o rendimento disponível deverá fixar-se em todo o montante que exceda os €500.

Consequentemente, declaro que a exoneração requerida será concedida desde que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período da cessão), o rendimento disponível que a insolvente venha a auferir se considere cedido ao fiduciário abaixo indicado, com exclusão do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor, que se fixa no salário mínimo nacional.

Durante o período de cessão fica a devedora obrigada a:

− Não ocultar ou dissimilar quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
− Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
− Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos que exceda os €500, incluindo-se no rendimento disponível todo e qualquer subsídio de férias e de natal;
− Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
− Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.
Para fiduciário nomeio a Exma. Sra. AI, M. P..
Notifique.
Cumpra o disposto no art. 247.º e oportunamente cumpra o disposto no art. 38.º/2 CIRE, ex vi art. 240.º/2 CIRE».

II – Em 04.03.2015 foi proferido despacho, transitado em julgado, a determinar o encerramento do processo, nos termos do artº 230º, nº 1, al. a), do CIRE.
*****

2. De direito;

a) O início do período de cessão do rendimento disponível da devedora, concedido o benefício de exoneração do passivo restante, conta-se a partir da data da entrega efectiva desses valores à Srª fiduciária, ou seja, Agosto de 2013?

Dispõe o artigo 239º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) nº 1, sob a epígrafe Cessão do rendimento disponível, no seu nº1 que “Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido o despacho inicial, na assembleia de apreciação do relatório, ou nos 10 dias subsequentes a esta ou ao decurso dos prazos previstos no n.º 4 do artigo 236.º”.

E o seu nº 2 que “O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal (…)”.

O nº 3 deste normativo estipula que “ Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:

a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão; (sublinhado nosso)
d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;
e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores”.

Cingindo-nos a uma interpretação meramente literal do citado nº2, do artº 239º, do CIRE, o início do período da cessão do rendimento disponível será o do encerramento do processo de insolvência.
Mas, face ao circunstancialismo do caso concreto, contrapõe a recorrente que, após o despacho inicial de exoneração do passivo restante, proferido em 13.04.2013, passou a entregar – desde Agosto de 2013 – os valores em dinheiro, a título de rendimento disponível, à Srª fiduciária (o que esta confirmou), sendo que o processo de insolvência só encerrou e, 04.03.2015.
Pretende, assim, a apelante, que o começo do período de cessão de rendimento disponível ocorra in casu após o momento de concessão da exoneração do passivo restante e, mais concretamente, logo que passou a ceder na realidade o seu rendimento disponível à fiduciária, isto é, Agosto de 2013.
Argumenta a apelante que foi a partir desta data – Agosto de 2013 – que se iniciou o período de cessão, uma vez que desde tal data se iniciou materialmente a cedência do rendimento disponível fixado, assim cumprindo as suas obrigações inerentes ao benefício concedido.

Assiste-lhe razão.

No despacho inicial que lhe concedeu a exoneração do passivo restante, datado de 13.04.2013, determinou-se que a devedora fica obrigada a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos que exceda os €500 (depois fixados em € 668,17 por acórdão de 11.07.2013 do TRG, transitado), incluindo-se no rendimento disponível todo e qualquer subsídio de férias e de natal.

E certo é que, após Agosto de 2013, a devedora passou a entregar à Srª fiduciária o rendimento disponível, mormente de natureza salarial, sendo que entre 13.04.2013 (data da exoneração do passivo restante) e 04.03.2015 (data do encerramento do processo) não foi ordenada a apreensão de bens à devedora, nomeadamente a título de rendimentos auferidos, v.g. de natureza salarial.

Por seu turno, na assembleia de credores realizada em 06.12.2012, apenas foi decidido colocar à ordem destes autos os valores provenientes da penhora sobre o vencimento da executada e aqui insolvente.

Ou seja, após Agosto de 2013, como determinado no despacho de exoneração, a devedora passou a ceder o seu rendimento disponível, não podendo confundir-se com uma apreensão desse bem para a massa insolvente e até ao encerramento do processo de insolvência,

Daí que sufrague o entendimento plasmado no recente Acórdão deste TRG de 06.06.2019, Proc. n.º 1809/14.3TBBRG-F.G1, não publicado, de que “tendo em conta que no seguimento do despacho liminar de admissão de exoneração do passivo, e independentemente de não ter sido proferido despacho de encerramento, procedeu-se no âmbito dessa exoneração ao desconto do rendimento disponível superior a € 750,00 mensais (conforme despacho), desde Novembro de 2014, não podemos deixar de considerar para efeitos de contagem do período de cinco anos de cessão, os referidos descontos, assim como a data de Novembro de 2014”.

Posição idêntica foi adoptada no Acórdão do TRE, de 28-09-2017, 1564/11.9TBSSB-I.E1, in dgsi.pt, no qual se sumariou que “Não se tendo efectivado a apreensão de rendimentos na pendência do processo de insolvência, o cumprimento pontual e escrupuloso por parte do devedor insolvente da obrigação a que alude o art.º 239.º, n.º 4, al. c), do CIRE após a prolação do despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante, recebidas que sejam as quantias entregues, implica que se considere desde então em curso o período de cessão, ainda que não tenha sido declarado o encerramento do processo, conforme determina o art. 230.º, n.º 1, al. e), do CIRE.”

Aliás, como decorre do despacho de 19.05.2014, “ nos presentes autos não foram efectuadas quaisquer diligências de liquidação da massa insolvente, uma vez que apenas foram apreendidas quantias que se encontravam já penhoradas à ordem de dois processos executivos”.

Tão pouco foi ordenada a suspensão de tais entregas em dinheiro já levadas a cabo pela devedora, após Agosto de 2013, no pressuposto de que o início da cessão se verificava então após a data de encerramento do processo – 04.03.2015.

No mesmo sentido do agora exposto - o de que o início do período de cessão ocorre com o entrega efectiva de rendimentos ao fiduciário, independentemente da data do encerramento do processo de insolvência - veja-se o Acórdão do STJ de 16.10.2018, proc.1948/11.2YXLSB.L1.S1, in dgsi.pt, aí se sintetizando que:

“I - O instituto de exoneração do passivo restante mostra-se pensado e concebido pelos parâmetros da satisfação dos créditos sobre a insolvência que não foram integralmente pagos nos cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência (cfr. artigo 235.º, do CIRE); nesse sentido, a lei contempla como marco inicial do prazo de cessão o despacho de encerramento do processo.
II – O n.º 2 do artigo 239.º do CIRE, não consigna um prazo inderrogável de início da contagem do período de cessão, já que a sua interpretação impõe a contextualização por referência ao artigo 230.º, n.º1, alínea e), do mesmo código. Nesse sentido, o período de cinco anos de cessão subsequentes ao encerramento do processo de insolvência apenas se reporta às situações em que o encerramento seja declarado no despacho inicial do incidente.
III – Trata-se de uma interpretação restritiva do preceito que melhor concilia as situações de morosidade na tramitação do processo que não foram previstas pelo legislador, porquanto visou imprimir ao processo de insolvência um cunho de celeridade e eficácia expressas, desde logo, na natureza urgente que lhe atribuiu (artigo 9.º, n.º 1, do CIRE).
IV – A apreensão de parte do rendimento de trabalho do insolvente ao abrigo do artigo 149.º, do CIRE, não pode ser dissociada da cessão do rendimento disponível a que se reporta o artigo 239.º, do CIRE, sempre que seja proferido despacho de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
V - Com a admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante verifica-se uma efectiva incompatibilidade entre as duas situações pois, ao invés do que acontece na apreensão, a figura da exoneração do passivo restante pressupõe o consentimento e iniciativa do devedor na afectação do seu rendimento disponível. Consequentemente, após a admissão liminar do pedido de exoneração, todas as entregas de parte do salário do insolvente apenas poderão ser entendidas no âmbito da cedência ao fiduciário.
VI – Proferido despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante em 23-02-2012, independentemente do encerramento do processo de insolvência ter sido decretado em Junho de 2016, todas as entregas de salário feitas a partir daí terão de ser imputadas a título de cessão a fiduciário para efeitos de contagem do período (de cinco anos) de cessão para prolação do despacho final de exoneração do passivo restante”.

Como se salienta neste aresto, “a contextualização do n.º2 do artigo 239.º do CIRE, terá de ser feita por referência ao artigo 230.º, n.º1, alínea e), do mesmo código, ou seja, os cinco anos de cessão subsequentes ao encerramento do processo de insolvência apenas nas situações em que o encerramento seja declarado no despacho inicial do incidente.

Note-se que esta interpretação restritiva é, a nosso ver, a que melhor se concilia com as situações de morosidade na tramitação do processo que não foram previstas pelo legislador porquanto visou imprimir ao processo de insolvência um cunho de celeridade e eficácia expressas desde logo na natureza urgente que lhe atribuiu (artigo 9.º, n.º 1, do CIRE)”.

E no mesmo Acórdão se refere de forma clarividente que “(…)após a admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante verifica-se uma efectiva incompatibilidade entre as duas situações porquanto, ao invés do que acontece na apreensão, a figura da exoneração do passivo restante pressupõe o consentimento e iniciativa do devedor na afectação do seu rendimento disponível.
Por conseguinte, após a admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, todas as entregas de parte do salário do insolvente só poderão ser entendidas no âmbito da cedência ao fiduciário”.

Volvendo ao caso recursivo, o despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante foi proferido em 13.04.2013, independentemente da data de proferimento do despacho de encerramento do processo de insolvência, o qual ocorreu em 04.03.2015.

Logo, há que imputar todas as entregas de rendimento disponível, designadamente de cariz salarial, efectuadas a partir de Agosto de 2013, a título de cessão à Srª fiduciário, para efeitos de contagem do período (de cinco anos) de cessão na apreciação e prolação do despacho final de exoneração do passivo restante da devedora recorrente.

Sumariando:

1. Proferido despacho inicial de admissão liminar do pedido de exoneração e independentemente de o encerramento do processo de insolvência ocorrer posteriormente, quaisquer entregas de rendimento, nomeadamente de natureza salarial, por parte do devedor insolvente, deverão ser consideradas no âmbito da cedência ao fiduciário.
2. Como tal, essas entregas efectuadas a partir dessa data serão destinadas a título de cessão ao fiduciário para efeitos de contagem do período (de cinco anos) de cessão com vista à apreciação do despacho final de exoneração do passivo.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que o período de cinco anos de cessão do rendimento disponível à Srª Fiduciária se iniciou em Agosto de 2013, devendo ser consideradas, a título de cessão, todas as quantias entregues a partir dessa data, de modo a que o Tribunal de 1ª Instância possa apreciar e conhecer dos pressupostos da exoneração do passivo restante.

Sem custas.
Guimarães, 19.06.2019

António Sobrinho
Ramos Lopes
José Amaral