Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1913/13.5TBFLG.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
COMPETÊNCIA
BANCO NACIONAL DE ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Os tribunais judiciais mantêm competência para conhecer e julgar as causas relativas a despejo, por via de resolução do contrato de arrendamento verbal, com fundamento no não pagamento de rendas.
II - O procedimento especial de despejo, que é da competência do Banco Nacional de Arrendamento, pressupõe, além do mais, nos casos idênticos de resolução, que o contrato tenha sido reduzido a escrito.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


I – Relatório;

Apelantes: J… e mulher E… (autores);
Apelado: Centro… (réu);

*****
Os AA. J… e mulher E… instauraram a presente acção de despejo contra o R. Centro…, pedindo a resolução do contrato de arrendamento e entrega do locado, que identificam, com o fundamento no não pagamento de rendas.
Foi então proferido despacho judicial, no qual se julgou oficiosamente procedente a excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria, desse Tribunal para conhecer dos termos do processo, por ser competente o Banco Nacional de Arrendamento, onde deve ser proposto o respectivo procedimento especial de despejo, nos termos previstos na Portaria nº 9/2013, de 10/01.

Inconformados com esta decisão, os autores interpuseram o presente recurso de apelação, de cujas alegações se podem extrair as seguintes conclusões:
1.ª – A Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, introduziu no NRAU o procedimento especial de despejo, que corre os seus trâmites no Balcão Nacional do Arrendamento (BNA);
2.ª – Contudo, são específicas e estão legalmente previstas as situações concretas que podem permitir o recurso ao procedimento especial de despejo;
3.ª – Assim, se estiver em causa a resolução do contrato pelo senhorio com fundamento na falta de pagamento de rendas, serve de base ao procedimento o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário prevista no n.º 2 do art. 1084º do CC – art. 15.º, n.º 2, al. e) do NRAU;
4.ª – A não apresentação de algum desses documentos tem como consequência a recusa do requerimento do procedimento especial de despejo a apresentar no BNA – art. 15.º-C, n.º 1, al. b) do NRAU;
5.ª – Conforme alegado no art. 4º da p. i., o contrato de arrendamento sub judice não foi reduzido a escrito, pois foi celebrado apenas oralmente;
6.ª – Estão, assim, os ora A.A. impedidos de recorrer ao procedimento especial de despejo e ao BNA;
7.ª – Daí não restar aos A.A., no caso sub judice, outro meio para a resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento de rendas e subsequente despejo senão a via judicial por meio da acção de despejo sediada no art. 14º do NRAU;
8.ª – A não ser assim, carecendo os ora A.A., como senhorios, de um meio de tutela, não o teriam;
9.ª – Pelo que os arts. 20.º n.º 1 da CRP e 3.º n.º 2 impõem uma leitura restritiva do âmbito literal do art. 14º n.º 1 do NRAU;
10.ª – E assim sendo, não se verifica no presente caso a excepção de incompetência material do Tribunal Judicial de Felgueiras;
11.ª – A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 14º, n.º 1, 15º, n.º 2, al. e) e 15º-A, n.º 1, todos do NRAU, art. 96º, al. a) do CPC e art. 20º n.º 1 da CRP.
Pede a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue competente o tribunal recorrido.

Não houve contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artigo 639º do Código de Processo Civil (doravante CPC).

A única questão a apreciar é esta:
Se a competência para conhecer e decidir o presente processo relativo a acção de despejo cabe ao Banco Nacional de Arrendamento.

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

III – Fundamentos;

Quanto à factualidade em causa e que releva em sede do presente recurso, remetemos para o que é descrito no Relatório I) supra.
A competência do tribunal deve ser apreciada em face dos termos em que a acção é proposta, ou seja, atendendo ao pedido formulado e à respectiva causa de pedir.
No caso, os apelantes peticionam a resolução do contrato de arrendamento celebrado verbalmente entre si e o demandado, bem como a entrega do respectivo locado, com fundamento no não pagamento de rendas.
A Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, introduziu no Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pelo Dec.Lei nº 6/2006, de 27.02, o procedimento especial de despejo, que corre os seus trâmites no Balcão Nacional do Arrendamento (BNA) – artºs 5º a 8º do Dec.Lei nº 1/2013, de 07.01 e Portaria nº 9/2013, de 10.01;
Estando em causa a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio com fundamento na falta de pagamento de rendas, como no caso em apreço, nesse procedimento deve o respectivo requerimento de despejo ser acompanhado do contrato de arrendamento, bem como do comprovativo da comunicação ao arrendatário prevista no n.º 2 do art. 1084º do CC – art. 15.º, n.º 2, al. e) do NRAU;
A não apresentação de algum desses documentos implica a recusa do requerimento do procedimento especial de despejo a apresentar no BNA – art. 15.º-C, n.º 1, al. b) do NRAU.
Ou seja, como assinala Fernando Gravato Morais, in Arrendamento para Habitação, Regime Transitório, pág. 42, “Na larga maioria das situações, assume lugar de destaque o contrato (escrito) de arrendamento – conquanto o legislador não tenha usado invariavelmente a mesma expressão – já que sem ele não se mostra possível a constituição do respectivo título executivo (cfr. artº 15º, nº 1, als. a), b), c), d) e e) e nº 2, do NRAU)”.
Ora, no caso em análise, os autores alegam expressamente no artº 4º da petição inicial que o contrato de arrendamento em causa foi celebrado oralmente pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos.
Assim, encontram-se necessariamente impossibilitados de apresentar um contrato escrito e, consequentemente, de recorrer à via do procedimento especial de despejo, a ser tramitado nos serviços do Banco Nacional de Arrendamento.
Resta-lhes, pois, o outro meio processual para a resolução desse contrato de arrendamento verbal, com base na falta de pagamento de rendas e subsequente despejo, que é o da via judicial, por meio da acção de despejo prevista no artº 14º do NRAU.
De outro modo, os recorrentes ver-se-iam cerceados da garantia de acesso ao direito e aos tribunais e de uma tutela jurisdicional efectiva, cujo exercício está consagrado jurisdicionalmente – artº 20º, nºs 1 e 5 da CRP, assim como a lei processual civil o prevê – artº 2º, nºs 1 e 2, do CPC.
Resulta do exposto que não ocorre a invocada excepção de incompetência material do Tribunal Judicial de Felgueiras, sendo este o competente para conhecer e julgar a presente causa – artºs 64º e 96º, al. a) “a contrario”, do CPC e ainda artºs 23º, 26º e 73º, da LOTJ vigente.

Procede, pois, a apelação.

Sintetizando:
1. Os tribunais judiciais mantêm competência para conhecer e julgar as causas relativas a despejo, por via de resolução do contrato de arrendamento verbal, com fundamento no não pagamento de rendas.
2. O procedimento especial de despejo, que é da competência do Banco Nacional de Arrendamento, pressupõe, além do mais, nos casos idênticos de resolução, que o contrato tenha sido reduzido a escrito.


Procede, pois, a apelação.


IV – Decisão;


Em face do exposto, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida nos termos sobreditos, atribuindo-se ao Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras competência para a tramitação dos presentes autos de acção de despejo.

Sem custas.


Guimarães, 19 de junho de 2014
António Sobrinho
Isabel Rocha
Moisés Silva