Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
662/13.9TBGMR-A.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
RENDAS
DESPEJO IMEDIATO
RENDAS VENCIDAS E NÃO PAGAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PROCEDENTE
Sumário: I. Nos termos dos nºs 3, 4 e 5 do art. 14° da Lei 6/2006, na redação introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais, e, não juntando o arrendatário prova aos autos, do pagamento ou depósito das rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, o senhorio pode requerer o despejo imediato
II. Não obsta à imediata procedência do incidente o facto de o arrendatário ter deduzido na acção principal de despejo pedido reconvencional de condenação do senhorio na realização de obras e invocado a legitimidade de recusa do pagamento das rendas invocando a excepção de não cumprimento, fazendo a lei prevalecer, nestas circunstâncias, e face à divergência da defesa dos interesses em confronto, a posição do senhorio (cfr. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 5/12/06, de 9/10/07, Ac. TRL de 10/12/2009, P.189/07.8TBMTJ-B.L1-7, Ac. T.R.G. de 29/11/07, P.2276/07.2, todos in www.dgsi.pt)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

A… e C…, Autoras nos autos de acção declarativa, com processo ordinário, nº 662/13.9TBGMR, da 1ª Vara de Competência Mista, do Tribunal Judicial de Guimarães, em que é Ré E…, Unipessoal, Lda., veio, por apenso, àqueles autos de deduzir incidentalmente pedido de Despejo Imediato, alegando que a Ré deixou de pagar as rendas devidas desde Novembro de 2012, não tendo igualmente pago ou feito depósito liberatório de quaisquer rendas vencidas na pendência da causa.
Notificada a Ré nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14º, nºs 3 e 4 da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, veio a mesma defender-se nos termos já expostos na contestação da acção principal, alegando que suspendeu o pagamento da renda em virtude de as Autoras terem incumprido a obrigação de assegurarem o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina e dizendo ainda que a pretensão daquelas, nos termos em que é deduzida, configura abuso de direito.
Foi proferida decisão que concluiu que o âmbito de aplicação do mecanismo hoje previsto nos nºs 3 a 5 do artigo 14º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro não deverá estender-se àqueles casos em que, como sucede no caso em apreço, está ainda em discussão a obrigatoriedade de o inquilino pagar a renda ou, ao invés, lhe assiste qualquer razão que legitime a suspensão do cumprimento dessa obrigação; decidindo-se, consequentemente, julgar improcedente a pretensão das autoras no sentido de obterem o despejo imediato.
Inconformadas vieram as Autoras recorrer, interpondo recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, as apelantes formulam as seguintes conclusões:
1ª _ A ré deixou de pagar as rendas do locado dos autos às senhorias, aqui autoras, desde Novembro de 2012, sendo que as mesmas se vencem no primeiro dia do mês a que respeitar - conforme o confessado pela ré nos seus articulados.
2ª - Quando foi proposta a acção de desejo, a ré já estava em mora no pagamento de quatro meses de renda;
3ª - A ré não pagou até hoje à senhoria, as rendas que se venceram desde Novembro de 2012, nem fez depósitos liberatórios nos prazos legalmente estabelecidos.
4ª - Não pode a Ré suspender o pagamento das rendas vencidas e a vencer, com o fundamento de que as autoras não asseguraram o gozo da coisa locada para os fíns a que a mesma se destina;
5ª - Não pode a Ré suspender o pagamento das rendas vencidas e a vencer, com o fundamento de que a pretensão das autoras em obter o despejo imediato configura abuso de direito;
6ª - Nenhum crédito existe para a ré que justifique legalmente compensar-se com as rendas que tem a obrigação de pagar às autoras;
7ª - A ré não põe em causa o montante das rendas nem a validade do contrato de arrendamento celebrado com as autoras;
8ª - ln casu, é inaplicável o instituto da exceptio non adimpleti contractus, como resulta claramente de doutrina e jurisprudência, nos termos supra alegados e perfilhado por este Venerando Tribunal;
9ª - Na acção de despejo incidental a prova do pagamento ou do depósito é a única defesa admissível, não sendo relevante qualquer justificação, nomeadamente, a compensação, pois não se coadunam com a simplicidade do incidente.
10ª - Pelo exposto, resulta assim que, ao decidir do modo como o fez, entendem as recorrentes que, salvo o devido respeito por diferente opinião, a sentença do Tribunal a quo ora em censura, não aplicou, ponderada e concretamente, os normativos consagrados nos artigos 1038 al. a) do C. Civil e artigo 14°, ns. 3,4 e 5 da Lei 6/2006 de 27/02, na redacção introduzida pela Lei n° 31/2012 de 14/08.


O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do Código de Processo Civil, atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, é a seguinte a questão a apreciar:
- reapreciação da decisão recorrida que concluiu que o âmbito de aplicação do mecanismo hoje previsto nos nºs 3 a 5 do artigo 14º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, não deverá estender-se àqueles casos em que, como sucede no caso em apreço, está ainda em discussão a obrigatoriedade de o inquilino pagar a renda ou, ao invés, lhe assiste qualquer razão que legitime a suspensão do cumprimento dessa obrigação; e decidiu, consequentemente, julgar improcedente a pretensão das autoras no sentido de obterem o despejo imediato.

FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos com interesse à decisão do recurso são os que constam do relatório supra.
2. Dispõe o nº 3 do artigo 14° da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, aplicável no caso em apreço (tendo a acção principal sido interposta em 22/Fevereiro/2013), que “Na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais”, igual disposição existindo já no RAU no artigo 58º e na redacção inicial do artigo 14° da Lei 6/2006 ;
dispondo o nº 4, do citado preceito legal, que “Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 (dez) dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos(…);
Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 7 do artigo 15º e nos artigos 15º-J, 15º-K e 15º-M a 15º-O”;
Na decisão recorrida considerou a Mª Juiz “ a quo “ : “ A questão que aqui se coloca pode resumir-se nos seguintes termos: saber se no incidente em apreço a única defesa relevante de que o inquilino pode lançar mão consiste na demonstração de ter pago ou feito depósito das rendas, encargos ou despesas, e ainda da indemnização devida, invocados pelo senhorio ou se, ao invés, podem ser deduzidos outros meios de defesa, tais como a mora do credor, a invocação de compensação ou da excepção do incumprimento do contrato por parte do senhorio.
Essa questão tem sido objecto de decisões contraditórias por parte dos nossos tribunais superiores, sendo que também na doutrina (…) “, e, conclui a Mº Juiz : “Aderimos a esta segunda corrente, entendendo também que o âmbito de aplicação do mecanismo hoje previsto nos nºs 3 a 5 do artigo 14º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro não deverá estender-se àqueles casos em que, como aqui sucede, está ainda em discussão a obrigatoriedade de o inquilino pagar a renda ou, ao invés, lhe assiste qualquer razão que legitime a suspensão do cumprimento dessa obrigação.
Decide-se, pois, julgar improcedente a pretensão das autoras no sentido de obterem o despejo imediato”.
Salienta-se que a divergência doutrinária e jurisprudencial citadas nos autos, quer pelas partes, nos seus requerimentos e alegações de recurso, quer na decisão recorrida, são reportadas a anterior legislação à decorrente da redacção que veio a ser dada à Lei nº 6/2006, de 27/02, pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, afigurando-se-nos, porém, que se mantêm inalterados os fundamentos de divergência, atenta a manutenção da redacção dos nº 3 e 4 do artº 14º, do citado diploma legal, e a redacção dada ao nº 5, do mesmo artigo, - o qual estabelecia, no caso de não pagamento das rendas, encargos ou despesas, um procedimento simplificado destinado à obtenção de título executivo, para efeitos de despejo do local arrendado, na forma de processo executivo comum para entrega de coisa certa; (- processo este que admitiria as possibilidades de defesa susceptíveis de utilização na oposição à execução que viesse a ser intentada com base no indicado título executivo ), mostrando-se actualmente alterados os nº 5 do citado artº 14º e 15º, do diploma legal em análise, estabelecendo e regulamentando ora a lei, nos termos do artigo 15º, na redacção introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, um novo meio processual que visa, igualmente, efectivar a cessação do arrendamento, e que denomina “ Procedimento especial de despejo “, dispondo o nº 7 do artigo 15º que em caso de deferimento do requerimento, que “… o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas …”, reportando-se já ao âmbito do indicado incidente “Procedimento especial de despejo “, e por razões a este respeitantes, e, em caso de deferimento do pedido de despejo imediato, e, consequentemente, posteriormente a este;
não prevendo já a lei igual possibilidade respeitante ao incidente de “Despejo imediato”, tendo-se, ainda, por via da alteração legislativa operada do nº5 do artº 14º e artº 15º, eliminado as eventuais possibilidades de defesa admitidas em sede de acção de Oposição à execução formada nos termos dos indicados artigos.
E, assim, sendo nós sensíveis aos fundamentos expostos, nomeadamente, (entre muitos outros) nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5/12/06, de 9/10/07, Ac. TRL de 10/12/2009, P. 189/07.8TBMTJ-B.L1-7, Ac. T.R.G. de 29/11/07, P.2276/07.2,
(em sentido contrário, sendo igualmente diversa a jurisprudência, salienta-se Ac. T.R.G. de 4/2/04, P.2387/03.1, e, de 12/1/2010, P.617.9TCGMR.G1), todos in .www.dgsi.pt.pt,
no sentido, no essencial, de que o incidente de Despejo Imediato assume, por lei, uma natureza “expedita e sumária” que apenas admite a oposição baseada na alegação e prova do pagamento ou do depósito das rendas em causa, com referência ao preâmbulo do Dec.Lei nº 321-B/90, cujos fundamentos se mantêm actuais, o qual se refere ao indicado incidente como a "única forma de evitar que alguém possa, gratuitamente, desfrutar de imóveis, durante o longo período que pode levar à conclusão de um despejo e numa situação que já não seria reparada por nenhuma condenação em indemnização ou em rendas vencidas, sempre que o despejado não tivesse bens bastantes", mais se considerando que “tal instituto visa compelir o arrendatário a pagar as rendas que se vão vencendo no decurso da acção e proteger o senhorio da ocupação do locado sem a remuneração correspondente durante o lapso de tempo da pendência da acção, obstando a que o arrendatário se aproveite do tempo de pendência para usufruir o locado sem pagar as rendas que se vão vencendo”, e, que, como se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 5/12/06,, supra citado “alargar o leque de questões que o inquilino poderia alegar para obstar ao despejo imediato equivaleria a inviabilizar os fins preventivos e coactivos do instituto, passando o incidente a poder ter, eventualmente, uma demora equivalente à da acção, e, desta forma, deduzido o referido pedido incidental, a única defesa possível para o arrendatário obstar ao despejo, seria apenas a prova do pagamento ou do depósito das rendas vencidas na pendência da acção”, no mesmo sentido se referindo no Ac. TRL de 10/12/2009 : “ Sendo discutível a amplitude dos meios de defesa do arrendatário que, em tais circunstâncias, pode usar para se defender na acção de resolução do contrato se funde na falta de pagamento de rendas, pode asseverar-se a limitação dos meios de defesa, pois, de outro modo, confundir-se-ia o objecto da acção principal com o objecto do incidente que se pretende de resolução rápida e eficaz.
Assim, não é o facto de a executada ter deduzido na acção de despejo o pedido reconvencional de condenação do senhorio na realização de obras que obsta à exercitação imediata do incidente referido”, mais se referindo no citado Acórdão, em argumentação que, em nosso entender, afasta, ainda, a defesa de invocação da inconstitucionalidade da interpretação da norma, no sentido preconizado : “Sem embargo da plena discussão desse e de outros aspectos na acção principal, a argumentação apresentada na decisão recorrida não encontra na lei fundamento suficiente, sendo manifestamente inadequada a invocação da figura genérica do conflito de direitos prevista no art. 335º do CC, tanto mais que a própria lei que regula o incidente determina a prevalência da posição do senhorio.
Além disso, ao invés do que se refere na sentença, não é seguro que o senhorio possa vir a obter a contrapartida que lhe é devida pelo uso do imóvel na pendência da acção, sendo claro, isso sim, que a fruição do mesmo naturalmente não será passível de restituição se acaso a acção for julgada procedente”,
concluímos que, no caso sub judice, e nos termos das disposições aplicáveis decorrentes da nova redacção dos preceitos legais em referência decorrente da Lei n° 31/2012, de 14/08, tendo as Autoras, na pendência da acção principal de despejo, por apenso, àqueles autos vindo deduzir incidentalmente pedido de Despejo Imediato, alegando que a Ré deixou de pagar as rendas devidas desde Novembro de 2012, não tendo igualmente pago ou feito depósito liberatório de quaisquer rendas vencidas na pendência da causa, e, notificada a Ré, não tendo esta feito prova do pagamento ou de depósito liberatório das rendas vencidas na pendência da acção de despejo, por período igual ou superior a dois meses, tendo-se já vencido, à data de dedução do incidente, as rendas de Março e Abril de 2013, deverá ser deferido o pedido de despejo imediato formulado nos autos de incidente pelas senhorias.
Conclui-se, nos termos expostos, pela procedência dos fundamentos do recurso de apelação, devendo ordenando-se o despejo imediato do locado, por não ter a Ré/apelada, arrendatária do imóvel, feito a prova do pagamento ou do depósito das rendas vencidas na pendência da acção, respeitantes a período igual ou superior a dois meses, tendo-se já vencido, à data de dedução do incidente, as rendas de Março e Abril de 2013, decorrendo dos nº 3, 4 e 5 do artigo 14° da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção introduzida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais, e, não juntando o arrendatário prova aos autos, do pagamento ou depósito das rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, o senhorio pode requerer o despejo imediato, não obstando à imediata procedência do incidente o facto de o arrendatário ter deduzido na acção principal de despejo pedido reconvencional de condenação do senhorio na realização de obras e invocado a legitimidade de recusa do pagamento das rendas invocando a excepção de não cumprimento, fazendo a lei prevalecer, nestas circunstâncias, e face à divergência da defesa dos interesses em confronto, a posição do senhorio, nos termos acima assinalados, mais se salientando que consideramos que a defesa de posição contrária poderia levar a injusto e desproporcional agravamento da posição do senhorio e eventual perda definitiva do direito ao recebimento do valor das rendas que a final lhe viesse a ser judicialmente reconhecido, em caso de procedência da acção principal, sendo esta precisamente a finalidade que o incidente em causa visa prevenir e acautelar (v. na doutrina Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, 1ª edição, Agosto de 2013, pg. 1120/1121, e citando Pais de Sousa, Apontamentos, pg.174.- “com o mecanismo do despejo antecipado “pretende-se obviar a que um arrendatário menos sério pudesse aproveitar-se da demora da lide para não pagar as rendas, mas sem deixar de se aproveitar do prédio”), não se traduzindo a dedução do incidente de despejo imediato, por parte do senhorio, nomeadamente, na concreta situação dos autos, em abuso de direito como invoca a Ré na oposição oferecida.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar procedente o recurso de apelação, ordenando-se o despejo imediato do locado, revogando-se a decisão recorrida.
Custas pela Ré/apelada, em 1ª e 2ª instâncias.
Guimarães, 20 de março de 2014
Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho