Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6461/13.0TBBRG-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO
DESPESAS EXTRAJUDICIAIS
REGIME EXTRAORDINÁRIO DE PROTECÇÃO DE DEVEDORES DE CRÉDITO À HABITAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I – Deduzidos embargos de executado, as despesas extrajudiciais exigíveis em execução, por força de título executivo relativo a contrato de mútuo com hipoteca e fiança, carecem de alegação e prova do seu montante concreto pelo mutuante.

II – Não constitui alegação e prova bastante a mera indicação do valor atribuído a esse título – de despesas extrajudiciais – para efeitos de registo predial da hipoteca, aquando da constituição do mútuo.

III - Não configura abuso de direito a conduta omissiva do mutuante bancário, por não aplicação do regime extraordinário de protecção dos devedores de crédito à habitação que se encontrem em situação económica muito difícil, consagrado na Lei nº 58/2012, de 09.11, uma vez que o pedido de acesso a tal regime de protecção foi requerido pelos mutuários fora do período de vigência da referida Lei, cujo regime vigorava até 31.12.2015 – artº 38º, nº 1.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Apelantes: Luís, Maria António e Conceição (embargantes);
Apelado: Banco A, S.A.,(exequente);

*****
Nos presentes autos de embargos de executado foram estes julgados totalmente improcedentes.

Inconformados, os embargantes interpuseram recurso de apelação, em cujas alegações apresentaram as seguintes conclusões:

1.Não foi dado como provado o valor referente a cada uma das 360 prestações constantes do contrato;
2.E, nos termos desse contrato, foi conferido aos recorrentes/mutuários o direito a fixar o valor de cada uma das prestações;
3.Não existindo elementos nos autos que nos permitam quantificar o valor de cada uma das prestações;
4.Daí que não se possa concluir terem os recorridos deixado de pagar o valor das prestações;
5.E, não se encontrando demonstrado o incumprimento das prestações, ter-se- á forçosamente de concluir pela inexistência de causa de pedir, de fundamento para a resolução contratual;
6.Daí que o título dado à execução não sustente o capital, juros de mora e despesas judiciais e extrajudiciais, nele constante;
7.Daí que o FP 5) deva ser considerado como não escrito;
8.Por outro lado, consta da alínea b) da cláusula E.2 do contrato denominado de “Título de Mútuo com Fiança e Hipoteca” que as hipotecas são para garantia “das despesas extrajudiciais emergentes deste contrato fixadas, para efeito de registo, em quatro mil e oitocentos euros…”;
9.Ou seja, os recorrentes não se confessaram devedores daquele valor, uma vez que aquela cláusula refere somente que, desde que demonstradas as despesas, o imóvel dado de hipoteca responde até ao montante máximo de €4.800,00;
10.Acontece que o recorrido não alegou nem provou despesas que importem naquele valor, daí que o valor constante do título dado à execução não seja devido;
11.Daí que o título executivo não sustente o valor dele constante e referente a capital, juros de mora, despesas judiciais e extrajudiciais;
12.Sem prescindir nem conceder e para a mera hipótese de assim se não entender.
13.A falta de pagamento de uma ou mais prestações faz incorrer o infractor em mora de pagamento;
14.A transformação da mora em incumprimento definitivo importa a notificação pelo recorrido aos recorrentes da intenção resolutiva;
15.Na verdade, o artº 781 do Código Civil (CC) confere ao credor o direito de exigir do devedor, na falta de pagamento de uma prestação, a satisfação integral das prestações restantes vincendas;
16.Contudo, para exercer essa faculdade/direito, impõe-se que o recorrido/credor interpele os devedores/recorrentes dessa vontade;
17.A omissão dessa interpelação resolutiva mantém o contrato válido e eficaz;
18.Ora, dos presentes resulta que tal interpelação não foi levada a efeito pelo recorrida;
19.Na verdade, não se encontra alegado e provado que os recorrentes recepcionaram as missivas de fls 42, 44, 46 e 48;
20.A falta desta alegação e prova tem, por efeito, a inexistência da resolução contratual;
21.Daí que, também por esta razão, pela falta de resolução do contrato, o título executivo não sustente o valor de capital, juros de mora, despesas judiciais e extrajudiciais nele incorporado;
22.A fiança prestada pelos recorrentes fiadores é nula e de nenhum efeito;
23.Nulidade que, apesar de conhecimento oficioso, desde já se invoca;
24.Na verdade, da cláusula F do contrato consta que os recorrentes/fiadores se obrigam por todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo ora titulado, dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a recorrida e os recorrentes/mutuários;
25.Os recorrentes/fiadores ficam, face àquela cláusula, sem qualquer controlo sobre as modificações da taxa de juro assim como da alteração do prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a mutuante e mutuários;
26.Os recorrentes/fiadores obrigam-se ilimitadamente com aquelas obrigações, ficando inteiramente à mercê da exequente;
27.Para que a fiança fosse válida, seria necessário que fosse fixado um limite temporal de validade da mesma no futuro, o que não aconteceu face àquela cláusula;
28.Daí que, por indeterminabilidade do seu objecto, é nula a fiança prestada pelos recorrentes;
29.Nulidade que resulta do disposto no artº 280-1 do Cód. Civil, que desde já se invoca para todos os efeitos legais;
30.Nulidade que é de conhecimento oficioso;
31.A recorrida poderia e deveria mandar inspeccionar, bem como avaliar, o imóvel hipotecado, de forma a exigir dos recorrentes mutuários, na eventualidade de diminuição do valor do garante, reforço da garantia prestada;
32.Não procedendo desta forma, a recorrida agravou o valor da dívida, logo do património dos recorrentes;
33.E, não notificando os recorrentes/fiadores do incumprimento contratual dos recorrentes/mutuários, não lhes concedeu a possibilidade de, em tempo e a custos menores, solver o valor das prestações vencidas e vincendas;
34.A recorrida actuou com manifesta má fé ao não proceder àquela avaliação do garante assim como ao não proceder à referida notificação dos recorrentes/fiadores;
35.Esta conduta da recorrida provocou na esfera patrimonial dos recorrentes sérios prejuízos materiais, nesta data ainda não quantificados mas quantificáveis;
35.Prejuízos de que pretendem ser pela recorrida ressarcidos;
37.Daí que o Tribunal “a quo” tenha feito uma errada análise da prova e uma errada interpretação dos artigos 227 e 334 do Cód. Civil;
38.O valor mutuado destinou-se ao pagamento do preço referente à compra de habitação própria dos recorrentes/mutuários;
39.Daí que a recorrida tivesse a obrigação de actuar em conformidade com o disposto na Lei nº 58/2012, de 9 de Novembro;
40.Face àquela lei de protecção de devedores em situação económica muito difícil, deveria a recorrida ter procurado saber junto dos mutuários, se o pretenso incumprimento contratual se deveu a alguma alteração das circunstâncias existentes à data da celebração do contrato de mútuo;
41.Se tal alteração se deveu a factos anormais, não previsíveis;
42.Se o cumprimento pelos mutuários da pretensa prestação os colocaria numa situação de ruina económica;
43.Se a manutenção do contrato afectava o princípio da boa fé negocial;
44.Daí que este comportamento omissivo da recorrida, ilegal e perpetrado de má fé, tenha prejudicado os legítimos direitos dos recorrentes;
45.Tendo sido, por isso, a pretensa resolução do contrato de mútuo levada a efeito em manifesto abuso de direito;
46.A recorrida, com tais condutas, violou, entre outros, o disposto nos artigos 227, 236, 238, 280, 334, 342, 393 e 781 do Cód. Civil.
47.O Tribunal “a quo” fez uma errada análise e interpretação dos factos e do documento dado à execução (contrato mútuo e outras cláusulas), violando o disposto nos artº 607 nº 3), 4) e 5), artº 608 nº 2), artº 662 nº1 e nº 2) al. c) CPC.

Pede que revogue a sentença recorrida.

Houve contra-alegações, pugnando-se pela confirmação do julgado.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pelos recorrentes podem sintetizar-se nos seguintes itens:

a) Erro na apreciação da prova;
b) Erro de direito:

1.Da inexistência de título executivo;
2.Da inexigibilidade da obrigação de pagamento do capital mutuado;
3.Da existência de factos não imputáveis aos embargantes que determinaram o incumprimento do contrato de mútuo.
4.Da nulidade da prestação da fiança;
5. Abuso de direito;

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade assente na sentença recorrida é a seguinte:

1. Por contrato denominado por “Título de mútuo com hipoteca e fiança” outorgado em 22 de Dezembro de 2009 na Conservatória do Registo Predial, junto aos autos principais a fls 5 e ss. cujo teor se dá por integralmente reproduzido, os executados Luís e Maria confessaram-se solidariamente devedores ao banco exequente da quantia de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), que receberam.
2. Os executados obrigaram-se a reembolsar o Banco mutuante do capital e respectivos juros remuneratórios, através de 360 prestações mensais e sucessivas, de juros e capital, com vencimento, a primeira delas, em 25 de Dezembro de 2009 e as demais em igual dia dos meses subsequentes.
3. Para garantia do pagamento ou restituição de tal quantia mutuada e seus juros, remuneratórios e moratórios, os mutuários, acima referidos, declararam então e nesse acto notarial que constituiam hipoteca, até montante máximo de capital e acessórios de € 156.840,00 (cento e cinquenta e seis mil oitocentos e quarenta euros), a favor do Banco aqui exequente e sobre o imóvel nesse contrato identificado em primeiro lugar e aqui indicado à penhora (ou seja, o imóvel composto pela fracção autónoma designada pela letra B e inserida no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial (1ª) sob o nº (...)), hipoteca essa que, de resto, se encontra já definitivamente registada na Conservatória do Registo Predial deste Concelho.
4. Os executados, ANTÓNIO e CONCEIÇÃO, para garantia do pontual cumprimento das obrigações emergentes para os ditos mutuários com o contrato celebrado também declararam em tal acto contratual que constituiam a favor do Banco aqui exequente hipoteca sobre o imóvel indicado no referido contrato em segundo lugar (ou seja, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial (1ª) sob o nº (...)), hipoteca que igualmente garante o dito montante máximo de capital e acessórios e que igualmente se acha definitivamente registada na Conservatória do registo predial.
5. Os mutuários, acima referidos e aqui executados, cessaram definitivamente o pagamento das prestações de reembolso do empréstimo contraído, o que veio a ocorrer a partir de 25 de Setembro de 2012, não tendo mais retomado esse pagamento
6. Para além da constituição da hipoteca acima referida, os executados ANTÓNIO e CONCEIÇÃO, acrescidamente declararam no referido acto contratual
7. e acordo escrito que se constituiam fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes do correspondente contrato de mútuo para os respectivos mutuários, para o que, igualmente a esse título se confessaram solidariamente responsáveis, renunciando ao benefício da excussão prévia e ao benefício do prazo estabelecido no artigo 782º do Código Civil.
8. A exequente remeteu aos executados as missivas constantes a fls. 42, 44, 46 e 48, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde é mencionado o não pagamento.

Factos não provados:

i) A quantia em dívida, à data da entrada em juízo do requerimento executivo, era inferior a 116.078,26€, fruto dos depósitos efectuados pelos executados.
ii) Os executados fiadores não se aperceberam do efeito jurídico que resultara da fiança prestada.
*****
2. De direito;

a) Erro na apreciação da prova;

Os recorrentes começam por impugnar a matéria de facto, contrapondo que o ponto de facto provado nº 5 deve ser considerado não escrito.

E com o fundamento de que se provou que o recorrido enviou aos recorrentes as missivas constantes de fls. 42, 44, 46 e 48, mas que se desconhece se essas cartas foram ou não devidamente recepcionadas, pelo que o recorrido não demonstrou que interpelou os recorrentes.

O aludido facto provado nº 5 tem o seguinte teor:

«5. Os mutuários, acima referidos e aqui executados, cessaram definitivamente o pagamento das prestações de reembolso do empréstimo contraído, o que veio a ocorrer a partir de 25 de Setembro de 2012, não tendo mais retomado esse pagamento».

Não se descortina como o alegado desconhecimento sobre se as cartas foram ou não recepcionadas (como fundamento de pretensa falta de interpelação) colide com a prova do dito ponto de facto nº5.

Tanto mais que os impugnantes não põem em causa o facto provado nº 8, no qual se apurou que “A exequente remeteu aos executados as missivas constantes a fls. 42, 44, 46 e 48, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde é mencionado o não pagamento” e não demonstraram qualquer facto impeditivo da sua recepção, sendo esta de presumir, portanto, face às regras de experiência comum e normalidade do comércio jurídico.

Mais acresce que era sobre os apelantes que impendia o ónus de pagamento das prestações reclamadas pelo mutuante.

Além disso, tem-se entendido considerar como não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito e as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou estejam planamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.

Ora, a matéria vertida no redito ponto nº 5 não é matéria de direito, mas sim matéria de facto – factualismo este relativo ao incumprimento da obrigação exequenda que suporta o titulo executivo.

Por último, sempre se dirá que uma desejada resposta negativa a tal ponto de facto nº 5 por banda dos apelantes sempre pressuporia o cumprimento do ónus de impugnar a que alude o artº 640º, do CPC, o que os recorrentes de todo não cumpriram.

Mantém-se, pois, inalterada a matéria de facto nos termos decididos pela 1ª instância – artº 663º, nº 6, do CPC.

b)) Erro de direito;

1.Da inexistência de título executivo;
2.Da inexigibilidade da obrigação de pagamento do capital mutuado;
3.Da existência de factos não imputáveis aos embargantes que determinaram o incumprimento do contrato de mútuo.
4.Da nulidade da prestação da fiança;
5.Abuso de direito;

O erro em matéria de direito que os recorrentes suscitam não é mais do que a repristinação dos fundamentos jurídicos abordados em sede de sentença.

Invocam, desde logo, a inexistência/inexigibilidade do título executivo, com o fundamento de que o mesmo não contém o valor exequendo referente a capital, juros de mora, despesas judiciais e extrajudiciais.

Carece de razão.

Da análise do contrato de mútuo junto aos autos principais resulta que os executados Luís e Maria confessaram-se solidariamente devedores à exequente da quantia de €120.000,00 (cento e vinte mil euros) tendo sido contratualizado a reembolsar do respectivo capital e juros mediante 360 prestações mensais e sucessivas, estando estipulado a data de vencimento, a primeira delas, em 25 de Dezembro de 2009 e as demais em igual dia dos meses subsequentes.

Foi estipulada a respectiva taxa de juro, pelo que considerando a prova da data da cessação do pagamento das prestações acordadas, os juros de mora são devidos, existindo, atento o contrato outorgado, título executivo que serve de suporte à obrigação exequenda e, em suma, aos factos que alicerçam a pretensão do exequente.

Existe, portanto, causa de pedir na intentada execução.

Ademais, atento o clausulado na cláusula E.2, alínea b) do contrato de mútuo, ficou estipulado que ambas as hipotecas são para garantia:

- do capital mutuado no valor de cento e vinte mil euros;
- dos juros à taxa anual efectiva de quatro vírgula nove por cento, acrescida de uma sobretaxa de quatro por cento ao ano, em caso de mora e a título de cláusula penal;
- das despesas extrajudiciais emergentes do contrato fixadas, para efeitos de registo, em quatro mil e oitocentos euros, perfazendo o montante máximo de capital e acessórios de cento e cinquenta e seis mil oitocentos e quarenta euros.
Pelo que existe título executivo hipotecário bastante.
Ou seja, o título dado à execução incorpora grosso modo a garantia advinda de tais hipotecas.
Coisa distinta é a de o título executivo abranger as despesas extrajudiciais reclamadas e que se estabeleceram em € 4.800,00, com o fundamento de que foi este o valor fixado pelas partes , constando as mesmas do registo predial.

Discorda-se de tal.

Esse valor acordado no contrato de mútuo com hipoteca e fiança - o de 4.800,00€ - foi-o apenas para efeitos de registo predial da garantia hipotecária.
Cabia ao exequente demonstrar – enquanto facto constitutivo do seu direito de crédito (capital e acessórios)(artº 342º, nº1, do CPC) - o concreto montante despendido a esse título, já que o seu valor não está determinado nem é determinável em função do título executivo por simples cálculo aritmético.
O que dele emerge é apenas que as hipotecas são, além do mais, para garantia das despesas extrajudiciais que, exclusivamente para efeitos de registo dessa garantia, se fixam em € 4.800,00.

Em suma, daqui não decorre que, em caso de incumprimento contratual, de qualquer forma está acordado e o mutuante pode reclamar em execução tal montante, por este ter sido estabelecido unicamente para efeitos registrais dessa garantia hipotecária.
Além de que sempre importaria definir, concretizar de que despesas extrajudiciais se trata.
Ora, da factualidade provada – e é esta a relevante in casu - não é possível extrair qualquer quantitativo suportado pelo exequente e tão pouco o reclamado valor de € 4.800,00.

Nesta parte, assiste razão aos embargantes, não comportando a obrigação exequenda que subjaz ao título dado à execução a exigência dessa quantia de € 4.800,00, reduzindo-se nestes termos o pedido exequendo e os juros moratórios peticionados e conexos com tal montante de € 4.800,00.

Já não se perfilha o entendimento dos apelantes quanto à alegada falta de fundamentos para a resolução do crédito principal – mútuo bancário e respectivos juros de mora – por falta de pagamento das prestações vencidas e vincendas – uma vez que nesse âmbito o título existe, é exigível e exequível.

Conforme convencionado, o valor de cada uma das 360 prestações mensais desse crédito para habitação, referente a capital, juros remuneratórios e juros moratórios, prazo de pagamento, mostrava-se determinado ou determinável.

Nesta perspectiva, porque elucidativo, enfatiza-se o decidido no douto Acórdão do STJ de 30.11.2010, proc. 1254/07.7TBGDM-A. P1.S1, onde se sumariou que «VIII. No registo constando, como é obrigatório, uma taxa de juros, e ainda cláusula penal moratória que consiste no agravamento de juros, tendo as partes acertado, ainda, que os juros seriam indexados à taxa Euribor, logo variáveis – cfr. “Documento Complementar Elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado” – que faz parte integrante das escrituras, não seria de exigir que, de cada vez que aumentassem os juros por variação do indexante, o credor tivesse que alterar o registo da hipoteca para que a garantia abrangesse os juros que poderiam flutuar para mais ou para menos.

IX. Se o registo visa proteger terceiros credores do devedor, não menos certo é que visa também proteger o devedor, mas no caso em apreço, o certo é que o devedor não é surpreendido pela variação da taxa de juros que difere da vigente ao tempo do contrato, por a ter aceite e negociado e constar de documentos que fazem parte integrante das escrituras dos contratos de mútuo com hipoteca.».

De igual modo, por força das cláusulas estipuladas e anexas a tal contrato [cláusula nona alínea a)], o crédito hipotecário podia ser executado se não fossem pagas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento imediato de todas – o que ocorreu após 25.09.2012, não mais sendo retomado o seu pagamento – ponto de facto provado nº 5. – artºs 781º, 801º, 805º, nº2, al. a) e 808º, todos do Código Civil (CC).

Contrariamente ao expendido, mostra-se assim demonstrada e justificada a exigibilidade e exequibilidade do título executivo nesta parte – capital e juros.

Entende-se igualmente que inexiste a apontada nulidade da fiança, como garante desse mútuo bancário, por falta de avaliação do imóvel no período de duração do contrato e eventual reforço da garantia prestada, o que agravou o património dos fiadores.

Como salienta o recorrido, o objecto ou conteúdo da fiança estava determinado no momento da sua constituição.

Não estamos perante uma fiança “abstracta” ou que garanta obrigações futuras, pese embora a fiança poder garantir obrigações futuras, desde que determináveis (artºs. 654º e 280º, do CC).
A fiança reporta-se a um concreto contrato mútuo bancário para habitação, sujeito a obrigações imediatas, à data da sua celebração, ainda que a dívida fosse liquidável em prestações.

Os fiadores responsabilizaram-se solidariamente perante o recorrido por todas as obrigações decorrentes do empréstimo contratualizado, não podendo aferir-se da materialidade fáctica provada que existiu a invocada culpa na formação desse contratos de mútuo com hipoteca e fiança ou abuso de direito por parte do mutuante.

Não padece, portanto, a fiança de nulidade.

Já no que concerne à alegada não actuação do recorrido, instituição bancária, em conformidade com as disposições da Lei nº 58/2012, de 09.11, que criou um regime extraordinário de protecção dos devedores de crédito à habitação que se encontrem em situação económica muito difícil, os autos não permitem sequer avaliar se os mutuários cumpriam os requisitos da sua aplicabilidade exigidos pelo seu artº 4º - cfr. artºs 2º, nº 1 e 5º

Certo é que, o acesso a esse regime de protecção, por força do artº 8, desse diploma, dependia da iniciativa dos mutuários, estatuindo o seu nº1 que “O acesso ao regime estabelecido na presente lei faz-se por requerimento apresentado pelo mutuário à instituição de crédito com quem tenha celebrado o contrato de mútuo no âmbito do sistema do crédito à habitação”.

E, pese embora tal manifestação de vontade por parte dos mutuários, dos elementos coligidos nos autos - Apenso A - resulta, por um lado, que tal pedido foi indeferido pela instituição bancária (cfr. fls. 118 dos autos), em virtude de o respectivo requerimento ter sido apresentado fora do período de vigência da referida Lei, cujo regime vigorava até 31.12.2015 (artº 38º, nº 1), e, por outro, que o tribunal recorrido já se havia pronunciado sobre tal questão, desatendendo a pretensão dos embargantes.

Neste contexto, não é, assim, imputável ao recorrido qualquer conduta ilegítima e abusiva, mesmo que por omissão, susceptível de violação dos ditames de boa-fé negocial conexa com o predito contrato de mútuo com hipoteca e fiança – artº 334º, do CC.

Procede, deste modo, parcialmente a apelação nos termos acima aduzidos.

IV – Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juizes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

a) Revoga-se a sentença em parte, reduzindo-se a quantia exequenda do valor peticionado de € 4.800,00 (quatro mil e oitocentos euros), a título de despesas extrajudiciais, e respectivos juros de mora.
b) Mantém-se no mais o decidido.

Custas pelos apelantes e apelado na proporção do respectivo decaimento.
Guimarães, 18-10-2018

ANTÓNIO SOBRINHO
JORGE TEIXEIRA
JOSÉ AMARAL