Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5912/11.3TBBRG-C.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CAUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Sendo a caução oferecida depois de decretada a providência cautelar, a natureza do direito acautelado pela providência terá de ser aferida pelos elementos fácticos e jurídicos que fundamentaram a decisão, pelo que a consideração de factos supervenientes só se justificaria se eles conduzissem à alteração da natureza do direito.

II – A providência cautelar só poderá ser substituída por caução quando esta se mostrar adequada a prevenir, evitar e reparar o dano. Se o dano for de natureza patrimonial é inequívoco que a providência pode ser substituída por caução.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
A) RELATÓRIO

I. - António A., residente em Braga, veio requerer a substituição das providências cautelares que foram decretadas nos Apensos B e D, requeridas pelo “Clube Automóvel X”, com sede em Braga, por caução idónea no valor de € 80.872,52, que se propõe prestar por meio de garantia bancária.
Notificado, o “Clube Automóvel X” veio deduzir oposição, impugnando a adequação, idoneidade e o valor da caução. Para tanto, invocou:
a) A existência de caso julgado, atenta a decisão já proferida num dos apensos que havia decidido que a prestação de caução não seria adequada nem suficiente;
b) Para o caso de se entender que na prestação de caução, à semelhança do que se vem entendendo para as providências cautelares, não ocorre o caso julgado, invoca a inadequação e a falta de idoneidade para salvaguarda das providências que foram decretadas;
c) A ser deferida a caução entende que o valor a caucionar deve ser fixado em € 2.448.861,60.
O Requerente respondeu à matéria da excepção.
Produzidas as provas requeridas foi proferida douta sentença que decidiu:
a) Julgar verificada a excepção do caso julgado quanto ao pedido aqui deduzido relativamente à substituição da providência decretada no apenso B por caução e, consequentemente, nesta parte, absolver o requerido da instância;
b) Julgar inadequada a substituição da providência cautelar decretada no apenso D por caução e, consequentemente, julgar legalmente inadmissível o pedido deduzido contra o requerido.
O Requerente, inconformado com a decisão no segmento transcrito sob a alínea b), traz o presente recurso, pretendendo que, reapreciada a matéria de facto, ela seja revogada e substituída por outra que defira o pedido de substituição da providência cautelar decretada no Apenso D, por caução que pretende prestar por meio de garantia bancária no valor de € 66.440,00.
Contra-alegou o Requerido propugnando pela negação de provimento ao recurso. E para a hipótese de se entender julga-lo procedente quanto à matéria de facto, pretende que seja igualmente admitida a ampliação quanto a tal matéria, considerando-se provados os factos que enuncia, deles se devendo extrair a improcedência da pretensão do Requerente.
O recurso foi admitido como de apelação com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- O Requerente/Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões:
I – Atenta a certidão constante dos autos relativa à sentença transitada em julgado no âmbito do processo nº 1277/11.1TTBRG, que correu termos pela 1ª Secção do Trabalho, J2, da Instância Central de Braga, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que:
“1 - No âmbito do processo nº 1277/11.1TTBRG, que correu termos pela 1ª Secção do Trabalho, J2, da Instância Central de Braga, nenhum facto foi apurado que fundamentasse o despedimento do António A., pelo que o seu despedimento foi julgado ilícito, tendo a KYY – Karting Investimentos, SA sido condenada no pagamento ao António A. da quantia arbitrada naqueles autos.”
II – Atento o depoimento do legal representante da requerida, António F., cfr. assentada constante da acta de 13/09/2016 e depoimento de António F., acta de 13/09/2016, de 00:39m a 01:26, 02:14 a 02:50 e 09:50 a 11:00, e da testemunha João C., cfr. depoimento de João C., acta de 13/09/2016, de 00:52m a 01:35 e 03:27m a 03:36, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que:
2 - O Clube Automóvel X procedeu à venda da totalidade das acções que possuía na KYY – Karting Investimentos, SA.;
3 - Nos últimos 5 anos, o Clube Automóvel X garantiu a manutenção nos cargos de administração da sociedade;
4 - São corretas às condições pelas quais o Clube Automóvel X vendeu as acções que detém na KYY – Karting Investimentos, SA, conforme consta na ata, junto ao apenso D, de 29-07-2015; e
5 - O Clube Automóvel X prometeu já vender à sociedade GJ, SA, caso a acção principal tenha provimento, as mesmas 12.488 acções pelo preço de 66.440,00€.”
III – A possibilidade de ser admitida a caução pressupõe que a mesma é “adequada quando, em si mesma, se mostrar, em juízo de prognose, meio idóneo e eficaz em ordem a evitar a lesão grave e dificilmente reparável do requerente da providência. A caução é meio desadequado se, com a sua admissão, se faz frustrar o objectivo que ditou a providência, propiciando que o requerido reincida na sua conduta só porque está coberto pela caução e, até, que aproveite o tempo que a causa levará até ser decidida para agravar a lesão.”
IV - A avaliação da adequação da caução terá de ser feita pelo Tribunal a quo atendendo às circunstâncias do momento no qual é feita a avaliação dessa adequação.
V - Quando o Tribunal da Relação proferiu o Acórdão constante do Apenso D o Clube Automóvel X era acionista da KYY – Karting Investimentos, S. A., qualidade que hoje não possui.
VI – Esta perda da qualidade de acionista, que constitui facto superveniente, não pode deixar de ser atendido pelo Tribunal a quo na apreciação do pedido de caução.
VII – Da mesma forma que não poderia o Tribunal a quo não valorar a sentença proferida no âmbito do processo nº 1277/11.1TTBRG, que correu termos pela 1ª Secção do Trabalho, J2, da Instância Central de Braga, já transitada em julgado e também ela superveniente à prolação do aludido acórdão, e cuja pendencia constituiu argumento apresentado no aludido acórdão como fundamento da existência de interesses extra-societários por parte do agora recorrente.
VIII – Na medida em que o Clube Automóvel X já prometeu vender as acções cuja titularidade é objecto de apreciação na acção principal, é objectivo que o eventual direito que venha a ser reconhecido ao Clube Automóvel X se encontra limitado a uma mera questão patrimonial.
IX – Na verdade, se o Clube Automóvel X vencer a acção principal, o que apenas por mera questão académica se aceita, vai, acto seguinte, vender as acções objecto daquela mesma acção pelo preço de 66.440,00€.
X – Nessa medida, dúvidas não deverão existir que o valor a atribuir à caução terá de ser este mesmo valor que o próprio Clube atribuiu às acções para efeito da sua venda.
XI – Atendendo à matéria de facto dada como provada e aos factos supervenientes não atendidos pelo Tribunal a quo mas que seguramente serão atendidos pelo Tribunal da Relação na apreciação do presente recurso, a caução mostra-se meio adequado e suficiente para garantir a salvaguarda dos alegados interesses do Clube Automóvel X.
XII - A sentença proferida, violou o disposto no artigo 368º, nº 3, do Código do Processo Civil, ao ter concluído pela improcedência do pedido de caução apresentado pelo recorrente.
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III.- O Requerido/Apelado formula as seguintes conclusões:
1.º Os factos que o recorrente pretende que sejam considerados como provados são absolutamente irrelevantes para aquilatar da adequação e idoneidade da caução que propõe prestar para substituir a providência decretada no apenso D.
2.º Com os factos que pretende que sejam considerados como provados, o recorrente visa o reexame dos fundamentos que levaram ao decretamento das providências em consequência de factos que terão ocorrido depois das respetivas decisões. Assim, para o recorrente, a caução passou a ser adequada porque já não existe risco de ocorrência de lesão e não porque constitui um meio idóneo de salvaguarda desse risco.
3.º No presente incidente temos de partir dos factos provados na decisão que decretou a providência e verificar se, face a esses factos, a caução é adequada a prevenir ou a reparar a lesão que se quis acautelar – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 31.01.2008, Proc. n.º 9970/2007-8, in www.dgsi.pt.
4.º Não se pode afirmar que o CAA, com a venda das ações que detinha no KYY, deixou de ser acionista desta sociedade porque na ação principal está em causa, precisamente, a propriedade de 12.488 ações do KYY que o recorrido reclama. Sem essas ações, o recorrente não tem a maioria do capital social e, em consequência, não poderá alcançar os seus intentos, isto é, destituir a actual administração do KYY e afastar o recorrido «da vida e da actividade económica» daquela sociedade – cfr. factos provados n.ºs 1, 132.º e 138.º da sentença proferida no apenso D.
5.º A projetada venda dessas 12.488 ações, em caso de procedência da ação principal, é irrelevante porque foi contratualmente assegurada, com o promitente comprador, a manutenção da «relação umbilical» entre o KYY e o CAA.
6.º O Tribunal ao decretar as providências nos apensos B e D teve um único e comum objetivo que foi até estar definitivamente resolvida a questão da propriedade das 12.488 ações, evitar que o recorrente pudesse gerir os destinos do KYY e, com isso, que afastasse o recorrido da vida e da atividade económica do KYY. Isto porque o Tribunal reconheceu que tal afastamento teria «efeitos devastadores e que fariam, com certeza, perigar a própria existência do Clube Requerente».
7.º Nos presentes autos não temos que discutir se os fundamentos que levaram ao decretamento da providência se mantém mas, apenas e só, se a prestação de uma caução é meio adequado e idóneo para garantir esses «efeitos devastadores».
8.º Ora, a prestação de uma caução em substituição da providência decretada no apenso D não é meio adequado, idóneo e eficaz para evitar o afastamento do CAA da «vida e da actividade económica» do KYY.
9.º Aliás, se a prestação de caução não é o meio adequado a substituir a providência decretada no apenso B – facto com o qual o recorrente se conforma -, também não o poderá ser para a providência decretada no apenso D uma vez que, como vimos, ambas tiveram a mesma finalidade.
SEM PRESCINDIR, QUANTO AO VALOR DA CAUÇÃO
10.º Na decisão que decretou a providência no apenso “D” foi considerado como provado que «entre a primeira requerida e o Clube requerente (que pelo menos até 29 de Março de 2011 era seu accionista maioritário) estabeleceram-se diversas sinergias, consubstanciadas em investimento superior a 2.800.000,00€ que o Clube requerente aportou à 1.ª requerida, mormente em equipamento e obras»
11.º Assim, sem prescindir, na hipótese que se admite por cautela de patrocínio, de se entender que a prestação de caução é adequada, o valor da caução não poderá ser inferior a EUR 2.800.000,00, valor que o próprio Tribunal considerou como provado que quantifica os interesses económicos do recorrido no KYY.

DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO:
12.º Na hipótese de procedência do recurso sobre a matéria de facto apresentada pelo recorrente, também devem ser considerados como provados os factos que demonstram que, apesar da venda das ações, o CAA e o KYY mantêm a «relação umbilical» já que o primeiro não se afastou da vida e da actividade económica do segundo.
13.º Assim, na hipótese de ser julgado procedente o recurso apresentado pelo recorrente no que respeita à matéria de facto, deverão ser considerados como provados os seguintes factos:
A) Quando da venda das ações, a requerida teve o cuidado de acautelar o pagamento do respetivo preço e um conjunto de interesses materiais e imateriais que terão de ser respeitados pelo novo accionista do KYY – cfr. acta de fls. 1997 a 2000, do apenso “D” - (art.º 84.º da oposição);
B) A venda das ações foi positiva para o CAA porque permitiu a realização de capital, mantendo a «ligação umbilical» e também foi benéfica para o KYY já que lhe garante exposição, clientela, visibilidade e know how ao nível da organização e exploração do mercado e fenómeno do desporto motorizado - (art.º 89.º da oposição);
C) Decorridos 10 (dez) meses da celebração de tal negócio, a «ligação umbilical» não apenas se mantém como até vem sendo reforçada - (art.º 90.º da oposição).
14.º Estes factos devem ser considerados como provados desde logo tendo em conta o depoimento de parte do legal representante do recorrido – António F. -, com o depoimento prestado em 13.09.2016, das 10:29:13 às 10:51:48, pois se é verdade que reconheceu a venda das ações, não é menos verdade que explicou que essa venda foi condicionada ao cumprimento das condições que salvaguardam os interesses do CAA no KYY. É o que resulta, em especial, das passagens gravadas aos 03:06 e 18:12.
15.º Na verdade, se com base numa declaração confessória o recorrente pretende ver provados os factos que indica, também devem ser considerados provados os aqui mencionados, nos termos do disposto no artigo 360.º, do Código Civil, porque acompanharam aquelas declarações (confessórias) e porque tendem a infirmar a eficácia daqueles ou a modificar ou extinguir os seus efeitos.
16.º Também a testemunha José C., administrador da nova acionista do KYY, confirma que com a aquisição das ações obrigou-se ao cumprimento de condições que protegem a posição do CAA e que a «relação umbilical» entre o KYY e o CAA se mantém – cfr. depoimento prestado em 13.09.2016, das 11:29:18 às 11:41:52, em especial as passagens gravadas aos 01:40; 03:41, 04:32 e 5:25.
17.º Estes factos são também confirmados pelos depoimentos das testemunhas P. Ferreira – cfr. depoimento prestado em 13.09.2016, das 11:42:28 às 12:03:10, em especial as passagens gravadas aos 9:13 - e J. C. R. - cfr. depoimento prestado em 13.09.2016, das 12:03:48 às 12:20:13, em especial as passagens gravadas aos 00:41 e 7:00.
18.º Devem, ainda, ser considerados como provados os seguintes factos:
D) Continuando o presidente da Direção do CAA a ser o presidente do Conselho de Administração da KYY (art.º 91.º da oposição);
E) Continuando ambas as instituições a utilizar meios e instalações comuns - (art.º 92.º da oposição);
F) As respetivas contabilidades continuam a ser realizadas pela Sr.ª D. R. Maria e os serviços administrativos pela Sr.ª D. E. Rodrigues, ambas funcionárias do CAA - (art.º 93.º da oposição);
G) Também as provas de velocidade que o CAA aporta à KYY contam com funcionários de ambas as entidades, como é o caso do Sr. P. Ferreira, funcionário da KYY - (art.º 94.º da oposição);
19.º Estes factos resultam provados dos depoimentos das testemunhas:
- P. Ferreira, com depoimento prestado em 13.09.2016, das 11:42:28 às 12:03:10, em especial as passagens gravadas aos 7:20; 7:56 e 9:49;
- J. C. R., com depoimento prestado em 13.09.2016, das 12:03:48 às 12:20:13, em especial as passagens gravadas aos 1:55 e 2:40;
- R. Maria, com depoimento prestado em 20.09.2016, das 09:47:41 às 10:10:09, em especial as passagens gravadas aos 00:57, 10:38, 12:25 e 14:00.
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IV.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Como se extrai das conclusões acima transcritas, são as seguintes as questões suscitadas pelo Apelante:
- admissibilidade da alteração da matéria de facto quanto a factos supervenientes à decisão que decretou a providência.
- verificação dos pressupostos de substituição da providência cautelar decretada pela caução oferecida.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
V.- O Tribunal a quo considerou assentes os seguintes factos e incidências processuais:
a) O Clube Automóvel X intentou em 11/07/2011 providência cautelar contra a sociedade KYY – Karting Investimentos, SA, Filipe M., A. Miranda e o aqui requerente, providência cautelar que constitui o apenso B dos presentes autos, na qual pediu:
a. i) a suspensão da realização da assembleia geral da primeira requerida designada para o dia 27 de julho de 2011, pelo menos no segmento correspondente ao ponto numero três “sobre a destituição com justa causa dos membros que integram o Conselho de Administração da Sociedade, deliberando-se de seguida o que se tiver por conveniente quanto à composição deste órgão”; caso assim não se entenda
b. ii) o 4.º requerido não poderá, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção principal, exercer os direitos correspondentes aos 1248 votos inerentes às 12488 acções representativas do capital social da 1.ª requerida e cuja posse os 2.º e 3.º requeridos lhe transferiram” – resposta dada ao artigo 5.º do requerimento inicial;
b) Em 22/07/2011, sem audiência dos requeridos, foi proferida decisão a julgar procedente a aludida providência cautelar, “suspendendo-se a realização da assembleia geral da primeira requerida designada para o dia 27 de julho de 2011, no segmento correspondente ao ponto n.º 3 “deliberar sobre a destituição com justa causa dos membros que integram o Conselho de Administração da Sociedade, deliberando-se de seguida o que se tiver por conveniente quanto à composição daquele órgão” – resposta dada ao artigo 6.º do requerimento inicial;
c) Citado do referido procedimento cautelar e da decisão nele proferida, sem a sua audição prévia, o requerente deduziu incidente de prestação de caução, incidente que constitui o apenso A dos presentes autos, no qual pediu a substituição e levantamento da referida providência cautelar, incidente que foi indeferido por sentença de 20/09/2011, que julgou “inadmissível o pedido de substituição da providência por caução” – resposta dada ao artigo 7.º do requerimento inicial;
d) Simultaneamente, o requerente deduziu oposição à providência cautelar decretada, oposição que foi julgada improcedente por sentença proferida em 04/11/2011 e que manteve a providência decretada, tendo o recurso dela interposto sido julgado improcedente, em 29/3/2012, pelo Tribunal da Relação de Guimarães – resposta dada aos artigos 8.º e 9.º do requerimento inicial;
e) Posteriormente, em 02/07/2012, o Clube Automóvel X intentou nova providência cautelar, agora contra a sociedade KYY – Karting Investimentos, SA, o aqui requerente e J. Rodrigues, providência cautelar que constitui o apenso D dos presentes autos, na qual pediu que fosse decretada a “suspensão dos direitos de voto inerentes às acções da primeira requerida com os números 106 a 116, 476 a 495, 516 a 560, 1101 a 1120, 3601 a 3900, 4001 a 4400, 30001 a 30500, 48001 a 51000, 52001 a 55000, 95001 a 96000 (da primeira serie de títulos emitidos) e com os números 2 a 13, 41 a 80, 151 a 250, 901 a 1900, 2501 a 3000, 4501 a 5000, 45001 a 47000 (da segunda série de títulos emitidos), independentemente de quem demonstre ser seu possuidor” – resposta dada ao artigo 10.º do requerimento inicial;
f) Em 11/07/2012, sem audiência dos requeridos, foi proferida decisão a julgar procedente a aludida providência cautelar – resposta dada ao artigo 11.º do requerimento inicial;
g) Citados do referido procedimento cautelar e da decisão nele proferida, sem a sua audição prévia, o requerente e J. Rodrigues deduziram oposição, que, por sentença de 28/01/2013, foi julgada parcialmente procedente: “Pelo exposto, o tribunal julga parcialmente procedente a presente oposição e, em consequência, reduzindo-se a providência decretada, decreta-se a suspensão dos direitos de votos inerentes às acções da primeira requerida com os números 106 a 116, 476 a 495, 516 a 560, 1.101 a 1.120, 3.601 a 3.900, 4.001 a 4.400, 30.001 a 30.500, 48.001 a 51.000, 52.001 a 55.000, 95.001 a 96.000 (da primeira série de títulos emitidos) e com os números 2 a 13, 41 a 80, 151 a 250, 901 a 1.900, 2.501 a 3.000, 4.501 a 5.000, 45.001 a 47.000 (da segunda série de títulos emitidos), independente de quem demonstre ser seu possuidor, mas apenas no que concerne à tomada de deliberações com vista à destituição da administração do KYY, e até que seja decidida a acção principal.” – resposta dada ao artigo 12.º do requerimento inicial;
h) Inconformados com esta decisão, quer o Clube Automóvel X, quer o aqui requerente e J. Rodrigues, dela deduziram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães que, em 25/06/2013, proferiu acórdão a alterar parcialmente a decisão recorrida: decidindo “reduzir a providência decretada, decretando-se a suspensão dos direitos de votos inerentes às acções da primeira requerida com os números 106 a 116, 476 a 495, 516 a 560, 1.101 a 1.120, 3.601 a 3.900, 4.001 a 4.400, 30.001 a 30.500, 48.001 a 51.000, 52.001 a 55.000, 95.001 a 96.000 (da primeira série de títulos emitidos) e com os números 2 a 13, 41 a 80, 151 a 250, 901 a 1.900, 2.501 a 3.000, 4.501 a 5.000, 45.001 a 47.000 (da segunda série de títulos emitidos), independente de quem demonstre ser seu possuidor, mas apenas no que concerne à tomada de deliberações com vista à destituição da administração do KYY, e à eleição do seu conselho de administração, até que seja decidida definitivamente a acção principal.” – resposta dada ao artigo 13.º do requerimento inicial;
i) Entretanto, no dia 11/09/2011, o Clube Automóvel X intentou os autos principais contra a sociedade KYY – Karting Investimentos, SA, Filipe M., A. Miranda e o aqui requerente, tendo mais tarde requerido, e sido admitida, a intervenção principal provocada da herança aberta por óbito de A. Miranda e ainda de J. Rodrigues, onde pediu que fosse “declarado que o Autor é legítimo proprietário das 12 488 acções que compõem o capital social da 1.ª Ré, condenando-se os réus a reconhecerem o respectivo direito de propriedade e bem assim o 4.º réu à entrega imediata dos referidos títulos ao Autor conquanto:
a. seria nula, à luz do artigo 956.º do Código Civil, a doação dessas acções realizada a favor dos 2.º e 3.º Réus pelo seu falecido pai, Sr. A. Miranda e, consequentemente, seria inválida a transmissão das acções que o 2.º e 3.º Réu posteriormente haviam efectuado para o 4.º Réu;
b. subsidiariamente, seria nula a venda das 12.488 acções aos 2.º e 3.º Réus perpetrada na sequência da deliberação de 19 de Setembro de 2007, por se tratar de um negócio simulado e, consequentemente, seria inválida a transmissão das acções que o 2.º e 3.º Réus haviam efectuado para o 4.º Réu;
c. subsidiariamente, seriam nulos, anuláveis ou ineficazes todos os actos translativos de posse ou propriedade referentes às 12.488 acções que tivessem sido perpetrados na sequência da deliberação de 19 de Setembro de 2007;
d. requerendo que fosse decretado a título definitivo a suspensão (anulação) do Ponto 3 da ordem de trabalhos da assembleia geral de 27/7/2011 que contenderia com a destituição dos membros do Conselho de Administração e ulterior deliberação sobre a composição desse órgão – resposta dada aos artigos 14.º e 15.º do requerimento inicial;
j) Após citação, os réus e intervenientes apresentaram as suas contestações, tendo a final, no passado dia 05/05/2016, sido proferida sentença em 1ª Instância que julgou a referida acção improcedente e que decidiu: a) julgar improcedente a excepção da caducidade invocada pela Herança de A. Miranda; e b) julgar improcedente a presente acção e, consequentemente, absolver todos os Réus de todos os pedidos deduzidos pelo Autor Clube Automóvel X” – resposta dada ao artigo 16.º do requerimento inicial;
k) No passado dia 19/01/2016, o aqui requerente apresentou requerimento no apenso D aos presentes autos no qual pediu fosse declarada a caducidade da providência cautelar ali declarada, o que foi indeferido por decisão de 14/03/2016 – resposta dada ao artigo 17.º e 18.º do requerimento inicial;
l) Por não concordar com esta decisão de indeferimento, o requerente dela apresentou recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, recurso esse que ainda se encontra pendente a aguardar decisão – resposta dada ao artigo 18.º e 19.º do requerimento inicial.
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Por virtude do exercício das funções adquiriu-se conhecimento que:
m) Por acórdão deste Tribunal da Relação, proferido no Apenso D, o qual já transitado em julgado, foi confirmada a decisão do Tribunal da 1.ª Instância que indeferiu o pedido, que o ora Apelante ali apresentou, de declaração de extinção da providência cautelar decretada.
n) Por acórdão deste Tribunal da Relação proferido no processo principal, foi confirmada a decisão do Tribunal da 1.ª Instância que julgou improcedentes todos os pedidos formulados pelo aqui Requerido (e ali Autor), o qual interpôs recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça.
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VI.- Pretende o Apelante que se adite à matéria de facto a facticidade que fez constar da conclusão I, que se reporta: à decisão proferida no processo de impugnação do (seu) despedimento, que correu termos pela jurisdição laboral, onde “nenhum facto foi apurado que fundamentasse o (seu) despedimento, que foi julgado ilícito”; que o ora Requerido, procedeu à venda de todas as acções que possuía na “KYY – Karting Investimentos”; que nos últimos 5 anos o mesmo Requerido “garantiu a manutenção dos cargos de administração da sociedade”; e que “são correctas às condições” pelas quais o Requerido “vendeu as acções que detém na KYY”; e ainda que o mesmo Requerido prometeu já vender a outrem as acções a que se refere o Apenso D, se obtiver ganho de causa.
Diverge, assim, o Apelante do Tribunal a quo que justificou a não inclusão daqueles factos escrevendo:
Os demais factos invocados pelas partes – e sobre os quais as testemunhas arroladas por ambas as partes se pronunciaram de forma prolongada - mostram-se absolutamente irrelevantes para a decisão do presente incidente.”.
Os factos que o Apelante pretende sejam considerados foram, no essencial, os que invocou no Apenso D para fundamentar a caducidade da providência cautelar por se ter extinguido o direito que o Requerente pretendeu acautelar.
Ora, como decidiu esta Relação, pelo acórdão referido em m), formou-se caso julgado em torno da existência do direito “e dos demais pressupostos para a medida cautelar decretada”.
Muito embora o processo principal já tenha sido decidido em duas Instâncias, em sentido coincidente, pela improcedência de todos os pedidos que o aqui Requerido (e ali Autor) havia formulado, o certo é que o efeito prático decorrente do acórdão referido em m) foi o de manter a vigência da providência cautelar decretada.
Assiste, pois, razão ao Tribunal a quo na afirmação de que “está vinculado à decisão proferida com o alcance que lhe foi dado no apenso D” ou, dito de outro modo, o que há a considerar é a configuração do direito que ficou a constar da decisão (acórdão desta Relação) que decretou a providência, à luz da qual devem ser avaliados os pressupostos de admissibilidade, adequação e suficiência da caução.
Como refere o Ac. da Rel. de Lisboa, de 31/01/2008, “O Tribunal, quando trata de analisar a suficiência da caução enquanto meio destinado a prevenir ou a reparar integralmente a lesão, tem de partir da lesão grave tal como foi reconhecida na providência decretada, traduzindo desrespeito do caso julgado admitir-se a prestação de caução considerando, contrariamente ao decidido, que a lesão verificada é grave e dificilmente reparável na medida dos prejuízos possíveis e já não por afectar direitos de ordem pessoal, pois, assim se procedendo, restringe-se, rectius, altera-se o próprio sentido e alcance intrínsecos da decisão” (ut Proc.º 9970/2007-8, Desemb. Salazar Casanova, in www.dgsi.pt).
Com efeito, sendo a caução oferecida depois de decretada a providência, como sucede na presente situação, a natureza desse direito, que foi acautelado pela providência, terá de ser aferida pelos elementos fácticos e jurídicos que fundamentaram a decisão.
A consideração de factos supervenientes só se justificaria se eles conduzissem à alteração da natureza do direito acautelado, e os factos que o Apelante pretende ver aditados não têm essa virtualidade.
Carece, pois, de utilidade para a economia da decisão a facticidade que o Apelante pretende ver contemplada, com o que se não justifica proceder à reapreciação da decisão de facto.
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VII.- A substituição de uma providência cautelar por caução somente será admissível, como refere MARCO CARVALHO GONÇALVES, quando “permita atingir o mesmo efeito a que se destinava a providência cautelar concretamente requerida”, devendo considerar-se adequada a caução “quando respeite a finalidade prática que a providência cautelar visava alcançar e quando constitua um meio idóneo para garantir os danos passados e futuros”, e deve considerar-se suficiente quando “permita salvaguardar o receio de lesão que esteve na base da providência, bem como os eventuais danos e prejuízos que possam advir para o requerente em consequência dessa substituição”, ou seja, “quando o seu montante for proporcional ou aproximado da estimativa provável do dano” (in “Providências Cautelares”, Almedina, 2016, 2.ª ed., págs. 381-382).
O S.T.J., no Ac. de 25/05/2000, refere que “com o requisito da adequação pretende a lei que a substituição respeite a finalidade prática que a providência se destinava a alcançar” e pelo requisito da suficiência “procura a lei, primeiro que tudo e ainda, salvar de lesão o interesse acautelado pela providência e, depois, a cobertura da reparação integral dos interesses económicos do mesmo, os seus prejuízos resultantes da substituição” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano VIII, tomo II-2000, pág. 84).
Em suma, a providência cautelar só poderá ser substituída por caução quando se mostrar adequada a prevenir, evitar e reparar o dano.
Se o dano for de natureza patrimonial é inequívoco que a providência pode ser substituída por caução – cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. de 12/05/2005 (ut Proc.º 05B840, Cons.º Oliveira Barros, in www.dgsi.pt).
Como refere o Ac. da Rel. de Coimbra, de 11/01/2011, a apreciação da adequação da caução “terá que ser feita casuistiCAAente, isto é, perante as especificidades de cada caso concreto, mas de molde a que não fique desrespeitada ou desvirtuada a finalidade prática visada com a providência que foi decretada, ou seja, os objectivos com ela perseguidos” (ut Proc.º 28/10.2TBFZZ.C1, Desemb. Isaías Pádua, in www.dgsi.pt).
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VIII.- Na situação sub judicio, fundamentou o Tribunal a quo, admitindo que “as acções cujos direitos de voto se encontram suspensos no que tange à tomada de deliberações com vista à destituição da administração do KYY são bens puramente económicos ou patrimoniais e que podem ocorrer danos susceptíveis de avaliação” mas “não se vê que o pagamento do valor correspondente à aquisição das acções possa prevenir ou reparar integralmente a lesão que consiste na possibilidade do exercício dos direitos sociais de voto que o requerente pretende exercer. O exercício dos direitos sociais têm uma dimensão pessoal e também uma dimensão patrimonial que naturalmente não coincide com o valor das acções”.
Já, porém, o S.T.J., no Ac. de 12/05/2005, acima referido, numa situação em que estava em causa a privação de acções, referiu: “estando em causa participações sociais em sociedades de capitais, ou seja, em estruturas em que prevalece o interesse económico, a adequação da garantia oferecida não sofre dúvida, sendo, em relação a esse tipo ou espécie de sociedades, claramente de rejeitar a proposição de que "os direitos sociais inerentes a uma participação societária consubstanciam direitos ao desenvolvimento da personalidade. Não mais consubstanciando que a detenção de um valor patrimonial, não se vê que a titularidade de acções envolva efectivamente valores humanos atendíveis”, e prossegue, “no valor patrimonial das acções inclui-se o de todos os direitos que lhes são inerentes. É esse o caso tanto dos direitos patrimoniais, como dos direitos sociais ou administrativos, por igual reduzíveis a dinheiro. Daí que o valor do dano resultante da privação de acções seja, na realidade, correspondente ao valor das mesmas”.
Mas a situação em apreciação apresenta uma configuração diferente.
O Apelante poderá exercer todos os direitos sociais inerentes às acções.
Só não pode é usar os votos que elas lhe conferem, em deliberações que tenham em vista a destituição da administração da “KYY, S.A.”, assim como as que respeitam à eleição dos membros respectivos, proibição esta que se destina a obviar à possibilidade, que foi caracterizada de “real” de “haver prejuízo relevante para o requerente e para o seu direito sumariamente provado … se os oponentes lograrem destituir o actual conselho de administração, abrindo as portas à sua eleição como membros deste órgão, dados os poderes inerentes a estes cargos” - cfr. o Ac. desta Relação proferido no Apenso D, a fls.1877.
Alicerçou-se aquela decisão, além do mais, no perigo de o Apelante “perseguir interesses extra societários de cariz pessoal”, havendo-se ainda referido o “prejuízo para a imagem da “KYY, SA” no mercado, decorrente da “instabilidade que se gerou”.
Muito embora se possa extrair da decisão transcrita que o único fim visado com a providência seja o de evitar que o Apelante possa intervir, por si ou por outrem, no órgão executivo da “KYY, S.A.”, não o impedindo de participar nas deliberações referentes às designações para os demais órgãos sociais (cfr. alínea b) do n.º 7 do art.º 281.º do Código das Sociedades Comerciais), não se afigura que a caução, pelo valor oferecido, tenha uma eficácia protectora equivalente à providência cautelar decretada, não se revelando suficiente para obstar à execução das acções que consubstanciam a referida providência, com a produção dos resultados que se quis evitar.
Impõe-se, assim, confirmar e manter a decisão impugnada, recusando provimento ao recurso.
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C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 11/07/2017
(Fernando Fernandes Freitas)
(Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista)
(Maria de Fátima Almeida Andrade)