Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6496/16.1T8GMR-A.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO
RESOLUÇÃO
INTERPELAÇÃO
DIREITO DE EXIGIR A TOTALIDADE DA DÍVIDA
INSUFICIÊNCIA DO TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (elaborado pela relatora):

I - A suficiência do título traduz a exigência de que a obrigação exequenda dele conste, sem necessidade de indagação, sendo a sua existência por ele presumida. O título executivo há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda.

II - Num contrato de mútuo bancário, em que foi acordado o pagamento dos juros e a restituição do capital de forma fracionada, quando se vem exigir a totalidade do capital em dívida e dos juros vencidos e não apenas prestações em dívida (estas sim diretamente resultantes das obrigações assumidas no contrato), o título, ou causa de pedir da ação executiva, compreende não só o contrato, onde porventura se clausulou a possibilidade do mutuante exigir a totalidade do capital mutuado, como os documentos comprovativos da verificação do evento de funcionamento dessa cláusula, ou da perda do benefício do prazo, ou de se ter operado a resolução do contrato.

III - Fundando-se a exigibilidade do total da dívida no disposto em cláusula do contrato, o funcionamento da referida cláusula exige prévia comunicação dessa intenção aos mutuários, com a indicação da totalidade da dívida que assim se considera vencida.

IV - O mesmo sucede com o regime previsto no art.º 781º do CC, que, no caso de pagamento fracionado em prestações compostas de capital e juros, permite ao credor, no caso de falta de uma delas, considerar vencidas todas as demais, sem prejuízo da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 7/2009, publicado no DR 86 SÉRIE I de 05-05-2009. A interpelação é neste caso constitutiva do direito da exequente exigir a totalidade da dívida e não apenas as prestações em falta.

V – No caso em apreço, nem o contrato foi resolvido, por inexistir a correspondente declaração de vontade da mutuante, aqui apelada, nem a totalidade da dívida se pode considerar exigível, por inexistir interpelação nesse sentido. Sem tal interpelação o título executivo é insuficiente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que lhes move a Caixa ..., S.A., vieram os executados C. S. e marido, P. F., deduzir oposição à execução mediante embargos, em que suscitam a intervenção principal provocada de X – Companhia de Seguros, S.A. e requerem a suspensão da execução.

Alegaram, para tanto e em síntese:

– A escritura de mútuo dada à execução só poderia tornar-se exequível após a emissão pelo exequente da correspondente declaração resolutória, consequentemente a mesma não é título executivo para a obrigação de restituição subsequente à resolução do contrato (artigos 814.º, n.º 1, al. a) e 816.º, ambos do CPC.
– Em cumprimento da cláusula 4ª do referido contrato de Mútuo os mutuários aqui executados, celebraram com a Seguradora X – Companhia de Seguros, S.A. um contrato de seguro do Ramo: Vida Grupo com o n.º de Apólice …, Tendo como Tomador do referido Seguro a Caixa ..., S.A., aqui exequente, figurando como pessoa segura principal o executado e como pessoa segura relacionada a executada e cobrindo, entre outras, a eventualidade a “invalidez definitiva para a profissão ou actividade compatível p/ doença ou acidente, de grau igual ou superior a 66,6% durante o prazo do empréstimo, no máximo até ao fim do ano civil em que a pessoa segura complete 67 anos de idade”.
– A Seguradora obrigou-se perante os executados a pagar ao Banco, aqui Exequente, o capital em dívida, na eventualidade de verificação da condição ou situação referida no artigo anterior.
– No início do ano de 2013, o executado começou a sentir-se doente e no início de Abril de 2013, foi internado no Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE H. Guimarães.
– E foi nessa conjuntura de impossibilidade do executado marido trabalhar e auferir rendimentos que os executados, a partir de Julho de 2013, deixaram de conseguir pagar, de todo, a prestação ao Banco Exequente.
– Apesar de terem diligenciado, logo no ano de 2013, no sentido de reunir todos os documentos necessários – inúmeros exames e atestados – apenas em 7 de Junho de 2016, foi atribuída ao executado, através de junta médica, uma incapacidade permanente global DEFINITIVA de 69,03 % (sessenta e nove por cento), de acordo com a TNI – Anexo I, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
– Incapacidade que os executados comunicaram formalmente à ré Seguradora, adoptando as diligências necessárias à instrução do procedimento de liquidação do capital seguro. Ainda no passado mês de Março o executado se sujeitou a outra Junta Médica para efeitos de atribuição de reforma por invalidez, encontrando-se, até à data de apresentação deste articulado, a aguardar a sua atribuição. É à entidade seguradora que cabe garantir a obrigação do mutuário, no caso de ocorrência do sinistro invalidez.
*
A exequente contestou, impugnando parte da factualidade alegada e rebatendo os argumentos dos executados, concluindo que deve ser indeferido, porque inadmissível e desprovido de fundamento, o pedido de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros X, S.A. e devem julgar-se totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado,
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Foi convocada a audiência prévia, com o objecto definido no despacho de 6.12.2017, na qual a instância foi suspensa a requerimento das partes com vista à celebração de acordo.

Gorada a tentativa de acordo foi indeferida a intervenção provocada da Seguradora, bem como a suspensão da execução e proferido despacho saneador tabelar, identificando-se o objecto do litígio e elencando-se os temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal.

Proferiu-se sentença em que se decidiu:

Pelo exposto, julgo os presentes embargos de executado totalmente improcedentes e, em consequência, determina-se o prosseguimento da instância da acção executiva apensa os seus ulteriores termos.
Custas pelos executados/embargantes.
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Inconformados, os executados interpuseram o presente recurso, que instruíram com as pertinentes alegações, em que formulam as seguintes conclusões:

«A. DA FALTA DO PRESSUPOSTO DA EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO:

a) Vêm os Apelantes, por não concordarem com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, apresentar as suas alegações de recurso, advogando que, o título executivo não é nem extrinsecamente, nem intrinsecamente exequível, referindo ainda que o valor dos juros não se encontra corretamente calculados.
b) Os Apelantes referem que, a Exequente, ora Apelada, deveria ter resolvido o contrato de mútuo celebrado entre as partes, interpelando os mesmos para procederem ao pagamento das prestações não liquidadas, pelo que, não o tendo feito, a dívida não se encontra vencida, sendo, portanto, inexigível.
c) Em 30.05.2016, a Exequente, ora Apelada, interpelou os mutuários, para, no prazo de quinze dias, procederem ao pagamento das prestações em atraso ou, alternativamente, apresentar proposta de plano de pagamentos, a fim de evitar a cobrança da dívida por meio de proposição de ação executiva (vide factos 9.º e 10.º dos factos considerados provados na sentença pelo Tribunal a quo).
d) As partes acordaram, no âmbito do contrato de mútuo que, em caso de incumprimento pelos devedores de qualquer obrigação, a Caixa ..., S.A. poderia considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu pagamento, pelo que, na ausência de demonstração do sentido efectivo atribuído pelas partes àquelas cláusulas, é legítimo considerar que a mesma, corresponde ao alcance que se encontra consagrado no artigo 781.º do Código Civil.
e) A dívida considera-se automaticamente vencida com o incumprimento pelos devedores de qualquer obrigação decorrente do contrato, mormente, o pagamento do valor das prestações mensais, sendo que, os mesmos não procederam à regularização dos pagamentos em falta, quando foram interpelados, considerando-se, por isso, resolvidos os contratos de mútuo. (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 700/13.5TBBRG.G1, datado de 23.10.2014).
f) O artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil determina que, se o credor, em virtude da mora perder o interesse no cumprimento das prestações, ou se as mesmas não forem realizadas dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se, para todos os efeitos, não cumprida a obrigação.
g) Como bem decidiu o Tribunal a quo, o título executivo da presente ação executiva, é extrinsecamente exequível, visto que, dele resulta para os executados, ora Apelantes, o dever de cumprimento de obrigação exequenda.

B. DA FALTA DE ACCIONAMENTO DO CONTRATO DE SEGURO:

h) Os Apelantes defendem que, a Exequente nunca tentou obter o pagamento da dívida vincenda junto da seguradora X- Companhia de Seguros, S.A., com a qual foi celebrado um contrato de seguro que garante o cumprimento da obrigação de restituição da quantia mutuada, em caso de ocorrência de sinistro com o mutuário P. F., o que, no entender dos mesmos, se verificou.
i) Será sempre necessário que o segurado demonstre que o sinistro ocorrido desvincula o mesmo do cumprimento da obrigação de restituição do capital mutuado, em virtude de se terem verificado as condições convencionadas no respetivo contrato de seguro, e, por isso, tal responsabilidade se ter transferido para a empresa seguradora.
j) Assim sendo, embora, o Tribunal a quo tenha considerado como provado que, em 07.06.2016, foi atribuída uma incapacidade permanente global de 69% (vide facto 11.º dos factos considerados provados), o segurado não logrou provar, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, mesmo após a solicitação da seguradora, que a incapacidade que lhe tinha sido diagnosticada preenche os requisitos contratuais que permitam que a responsabilidade pelo pagamento da quantia mutuada passaria a ser exigível à X- Companhia de Seguros, S.A..
k) No contrato de seguro celebrado com P. F., a Seguradora garante a liquidação do capital em dívida, no correspondente contrato de crédito à habitação, se em caso de doença ou acidente o associado vier a falecer ou ficar com um grau de invalidez permanente superior a 66%, pelo que, cabia aos Apelantes demonstrar não só a ocorrência do sinistro, como também que, não entrava para o cálculo da incapacidade permanente global de 69% que foi atribuída ao Executado, quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes.
l) Os Apelantes não diligenciaram pela apresentação de tal prova, pelo que, não se verifica a possibilidade de os mesmo, se virem arrogar da possibilidade de acionamento do contrato de seguro, junto da Seguradora X-Companhia de Seguros, S.A., por não ter sido cumprido o ónus da prova legalmente consagrado no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil.
m) Ademais, a Credora tem plena legitimidade para exigir o cumprimento do pagamento das prestações mensais acordadas no Contrato de Mútuo, junto dos mutuários, porquanto a celebração do contrato de mútuo visa a adstrição de património diverso do do mutuário, à satisfação das obrigações contraídas por este e não a substituição do património do segurador ao património dos mutuários.

C. DO VALOR EM DÍVIDA:

n) Os Apelantes vêm ainda advogar que os juros peticionados pela Apelada não se afiguram corretamente calculados, porquanto a mesma peticiona juros desde 01.05.2013, quando os mesmos deveriam ser contabilizados a partir de Maio de 2016 a Novembro de 2016.
o) A Exequente, ora Apelada, encontra-se a cobrar juros moratórios, nos termos da taxa de juro contratualmente acordada, desde o momento da constituição em mora, que se reporta à data do incumprimento contratual, ou seja, Maio de 2013 (vide factos 8.º e 13.º dos factos considerados provados na sentença), conforme disposto no artigo 805.º, n.º 2, al. a) do Código Civil.
p) Pelo exposto, se conclui que:
- O título executivo no qual se funda a presente execução é extrinsecamente exequível, sendo a obrigação exequenda exigível, em virtude do contrato de mútuo se encontrar resolvido e a dívida vencida;
- O título executivo é intrinsecamente exequível, porquanto não se verificam os pressupostos que possibilitariam o acionamento do contrato de seguro, visto que, o segurado não cumpriu com o ónus da prova que se encontra legalmente previsto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil;
- Os juros devidos contam-se desde o momento da constituição em mora, concretamente desde 01.05.2013, data do início do incumprimento do pagamento das prestações mensais, nos termos e para os devidos efeitos legais do artigo 805.º, n.º 2, al. a) do Código Civil. Termos em que, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douto Decisão recorrida nos seus exatos termos, com o que farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!»
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A apelada contra-alegou.
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos apelantes, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).

As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Factualidade assente:

- A exequente, Caixa ..., SA., intentou a execução com o nº 6496/16.1T8GMR, a que o presente está apenso, contra os executados P. F. e C. S., para cobrança da quantia de € 113.319,77, acrescida de juros vencidos após a propositura da execução, até efectivo e integral pagamento.
- A exequente deu à execução a cópia certificada de fls. 5 e seguintes dos autos principais, respeitante ao contrato compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado no dia 01.07.2010, na Conservatória do Registo Predial de …, onde figuram, como parte credora, a Caixa ..., SA., e, como parte compradora e mutuária, os aqui executados, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Consta do documento mencionado em 2º, Anexo I, que a quantia foi entregue, nessa data, à parte devedora através de crédito lançado na conta de depósitos à ordem em nome dos executados, destinando-se o empréstimo à aquisição do imóvel hipotecado para habitação própria permanente da parte devedora.
- Consta do documento mencionado em 2) que os embargantes/executados declararam que se confessam e constituem devedores à embargada/exequente da importância de € 110.000,00 (cento e dez mil euros), que esta lhes emprestou e que se obrigam a restituir no prazo de vinte e cinco anos, a contar da celebração do contrato, o qual será amortizado em prestações mensais, de capital e juros, vencendo-se a primeira no correspondente dia do mês seguinte ao da data da celebração do contrato e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, com juro e demais condições aí expressamente previstas.
- Consta, também, do documento referido em 2. que “A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente, incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contraentes de qualquer obrigação decorrente deste contrato.
- Em 01.07.2010, os executados subscreveram junto da X – Companhia de Seguros, SA., o documento denominado “Seguro de Vida Grupo” para garantia do valor mutuado através do contrato aludido em 2, e com a cobertura de invalidez e morte, conforme documentos juntos a fls. 92 a 94 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
- Consta das comunicações junta a fls. 95/96 dos presentes autos, enviada pela X – Companhia de Seguros, SA., ao executado que a modalidade Adesão Vida Grupo garante à Caixa ... a liquidação do capital em dívida no correspondente contrato de crédito à habitação se, em caso de doença ou acidente, o associado vier a falecer ou ficar com um grau de invalidez permanente superior a 66%, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
- Os executados deixaram de pagar pontualmente as prestações acordadas no contrato aludido em 2), em Maio de 2013.
- Em 30.05.2016, a Caixa ... remeteu para os embargantes as cartas cuja cópia consta de fls. 40v e 41, na qual informa que o montante em atraso se cifra em € 20.839,57, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10º - Mais consta da comunicação aludida em 9) que a Caixa ... concedia aos executados o prazo de 15 dias, a contar da data da mesma, para a regularização contratual ou, em alternativa, a apresentação formal de proposta concreta de plano de pagamentos, sob pena de proceder a execução judicial.
11º - Em 07.06.2016, foi atribuída ao executado uma incapacidade permanente global de 69%, conforme documento junto a fls. 25, cujo teor se dá como integralmente reproduzido.
12º - Em 09.12.2016, a X – Companhia de Seguros, SA., remeteu ao executado a comunicação junta a fls. 28v, na qual solicita que seja apresentado um relatório que especificasse as datas de diagnóstico das patologias de que era portador à data da invalidez, documento com a data definitiva da passagem à reforma; cópia da documentação clínica entregue em junta médica para atribuição do grau de incapacidade em 07.06.2016, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13º - Na quantia exequenda estão incluídos juros, no período de 01.05.2013 a 04.11.2016, no valor de € 10.098,68.
14º - Consta ainda do contrato identificado em 2) “Fica convencionado que o extracto da conta do empréstimo e os documentos em débito emitidos pela Caixa e por ela relacionados com este empréstimo serão havidos, para todos os efeitos legais (…), como documentos suficientes para a prova e determinação dos montantes em dívida (…)”.
15º - A execução apensa deu entrada em Juízo em 09.11.2016, conforme certificação digital constante de fls. 27v da execução apensa..

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

DA FALTA DO PRESSUPOSTO DA EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO:

Segundo os apelantes a exequente, ora apelada, “deveria ter resolvido o contrato de mútuo celebrado entre as partes, interpelando os mesmos para procederem ao pagamento das prestações não liquidadas, pelo que, não o tendo feito, a dívida não se encontra vencida, sendo, portanto, inexigível”.

Do contrato de mútuo titulado por escritura pública, que serve de título à presente execução, não resulta, por si ou directamente das suas cláusulas a obrigação exequenda, isto é que os executados se obrigaram a pagar a quantia de €113.318,77 já vencida.

A suficiência do título traduz a exigência de que a obrigação exequenda dele conste, sem necessidade de indagação, sendo a sua existência por ele presumida. O título executivo há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda.

Por isso, num contrato deste tipo – mútuo bancário em que se acorda o pagamento dos juros e a restituição do capital de forma fraccionada, em prestações mensais – quando se vem exigir a totalidade do capital em dívida e dos juros vencidos e não apenas prestações em dívida (estas sim directamente resultantes das obrigações assumidas no contrato), o título, ou causa de pedir da acção executiva, compreende não só o contrato, onde porventura se clausulou a possibilidade do mutuante exigir a totalidade do capital mutuado, como os documentos comprovativos da verificação do evento de funcionamento dessa cláusula, ou da perda do benefício do prazo, ou de se ter operado a resolução do contrato.

Com o exposto queremos significar que a questão colocada pode não respeitar apenas à exigibilidade da obrigação mas à própria suficiência do título.

No caso em apreço decorre dos factos provados (cartas juntas a fls. 40 e 41), que a exequente Caixa ..., por intermédio de quem se identificou como sua advogada, por ela incumbida “da cobrança da dívida”, designadamente através da propositura de execução judicial, convidou os ora apelantes a liquidar a referida dívida (em epígrafe vem mencionado “montante em atraso: 20.864,57 €), ”no prazo máximo de 15 dias”, ou, “em alternativa, apresentarem proposta de pagamento em prestações, que possa merecer a aprovação da Caixa ...”.

Nesta carta não se faz qualquer referência à exigência da totalidade da dívida, nem dela se retira que seja essa a intenção da Caixa ....

Não pode tal carta ser interpretada como interpelação admonitória (art.º 808º do CC) com vista à resolução do contrato (art.º801º nº2 do CC), nem tal resolução, que opera mediante declaração à outra parte (art.º 436º nº 1 do CC), foi efectivada.

É certo que não careceria da previsão do art.º 801º nº 2 do CC para resolver o contrato, pois, no caso de falta de pagamento de juros, o art.º 1150º do CC também confere ao mutuante a possibilidade de resolver o contrato, o que, nos termos dos artºs 433º, 434º e 289º do CC, lhe conferiria o direito à restituição do que prestou, ressalvadas as prestações recebidas.

Mas também esta “resolução” não opera automaticamente (ope legis), é apenas uma faculdade concedida ao mutuante, pelo que também por esta via seria indispensável uma declaração de vontade da mutuante, comunicando aos mutuários a resolução do contrato.

Ora, é inequívoco, que, na comunicação efectuada por quem se intitulou advogada da mutuante aos mutuários, incumbida de cobrar a dívida vencida no montante de €20.864,57, nada consta sobre a vontade de resolver o contrato e exigir a totalidade da dívida, que, aliás, deveria ser manifestada pela própria mutuante.

Contudo, em nosso entender, contrariamente ao sustentado pelos apelantes, não carecia a mutuante de resolver o contrato, quando do mesmo emerge o seu direito de, em determinadas circunstâncias, aí previstas, exigir a totalidade da dívida (cláusula 14ª).

Efectivamente a resolução do contrato “consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol, II, pág. 238).

Operada a resolução, o contrato deixa de existir e, por isso, não pode ser invocado o que nele foi clausulado, nem as respectivas garantias, salvo quando a resolução resulta de cláusula resolutiva expressa, fixando antecipadamente os seus efeitos, nomeadamente a indemnização.

Ora, no caso em apreço, existe uma disposição contratual (cláusula 14ª) que permite ao mutuante considerar antecipadamente vencida a totalidade da dívida em caso de incumprimento de uma das suas obrigações (facto nº 5). Não se trata contudo de uma cláusula resolutiva, entre o mais porque não é expressa nesse sentido. Mas se o fosse a solução seria a mesma.

Fundando-se a exigibilidade do total da dívida no disposto em cláusula do contrato, não teria a exequente qualquer interesse em resolver previamente o contrato, mas sim, ao abrigo dessa mesma cláusula, querendo, exigir a totalidade da dívida.

O mesmo sucede com o regime previsto no art.º 781º do CC, que, no caso de pagamento fraccionado em prestações compostas de capital e juros, permite ao credor, no caso de falta de uma delas, considerar vencidas todas as demais, sem prejuízo da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 7/2009, publicado no DR 86 SÉRIE I de 05-05-2009.

Nestes casos a exigibilidade da totalidade da dívida não decorre da destruição do contrato, mas do próprio contrato ou da lei.

Contudo, entendemos que o funcionamento da referida cláusula exige prévia comunicação dessa intenção aos mutuários, com a indicação da totalidade da dívida que assim se considera vencida.

O que não foi feito, pois da comunicação referida em 9º e 10º dos factos provados, acima reproduzida tal como consta dos documentos juntos a fls. 40 e 41, que não é do Banco mutuante mas de quem se intitula sua advogada, decorre apenas que instaurará execução para cobrança do montante em dívida (prestações vencidas) referido nessa comunicação (€20.839,57) e não da totalidade.

Do mesmo modo e agora com referência ao disposto no art.º 781º do CC, entende-se ser indispensável a “interpelação”.

Efectivamente “embora o art.º 781 do CC fale em vencimento de todas as prestações, quase toda a doutrina e jurisprudência falam antes em exigibilidade antecipada, com necessidade de interpelação para haver vencimento: assim, Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 4ª edição, 1990, Almedina, págs. 52/53; Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, 2011, nota 272, págs. 84/85; Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, 1990, págs. 318 e seguintes; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Almedina, 1991, págs. 866 a 896, que cita ainda no mesmo sentido Vasco Xavier e Pessoa Jorge; Teresa Anselmo Vaz, Alguns aspectos do contrato de compra e venda a prestações e contratos análogos, Almedina, 1995, págs. 22/23; Januário Gomes, Assunção fidejussória de dívida, sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Almedina, 2000, págs. 24, nota 71, e 948, nota 28, e em Contratos comerciais, Fev2013, Almedina, pág. 296 e nota 999; Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra editora, Maio de 2011, págs. 391/392; Isabel Menéres Campos, Contributo para o estudo da reserva de propriedade, em especial a reserva de propriedade a favor do financiador, Setembro de 2009, pág. 195, edição on-line); Jorge Morais de Carvalho, Os contratos de consumo, Reflexão sobre a autonomia privada no direito do consumo, Almedina, Junho 2012, págs. 620/621” (1).

Concluímos que, no caso em apreço, nem o contrato foi resolvido, por inexistir a correspondente declaração de vontade da mutuante, aqui apelada, nem a totalidade da dívida se pode considerar exigível, por inexistir interpelação nesse sentido.

A interpelação é neste caso constitutiva do direito da exequente exigir a totalidade da dívida e não apenas as prestações em falta.

Sem tal interpelação o título executivo é insuficiente. Neste mesmo sentido ver o acórdão desta Relação de 15-12-2016, relatado pela Desembargadora Maria Amália Santos no processo nº 2507/13.0TBGMR-B.G1, publicado em dgsi.pt.

Consequentemente os embargos deverão proceder, ficando prejudicada a apreciação das demais questões.

V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a sentença recorrida e, em sua substituição, julgam os embargos procedentes e extinguem a execução.
Custas pela apelada.
Guimarães, 14-3-2019

Eva Almeida
Maria Amália Santos
Ana Cristina Duarte

1 - Acórdãos do TRL de 26.01.2017 (processo nº 1570/13.9TBCSC-A-2); do TRP de 25.1.2010 (processo nº 5664/08.4TBVNG.P1); do TRC de 10.3.2009 (processo nº 3078/08.5 TJCBR.C1); do STJ de 17.1.2006 (processo nº 05A3869) todos publicados em dgsi.pt.