Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1341/18.6T8GMR.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
FALTA DE ALGUM DOS ACORDOS PREVISTOS NO Nº 1 DO ARTIGO 1775º
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Quando os cônjuges não apresentem com o requerimento inicial do DMC algum dos acordos previstos no nº 1 do artigo 1775º do Código Civil, o requerimento de divórcio é apresentado no Tribunal, como expressamente dispõe o artº 1778º-A, do Código Civil, a este cabendo a competência material para a respectiva acção e já não á conservatória do registo civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

D. Alves, requerente nos autos de Divórcio por Mútuo Consentimento em curso, que intentou conjuntamente com sua mulher, T. Gonçalves, veio interpor recurso de apelação da final decisão proferida nos autos, que indeferiu liminarmente a petição inicial, declarando o Tribunal “ a quo “ incompetente e atribuindo a competência para a causa á Conservatória do Registo Civil.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes Conclusões:

1.ª Foi proferida sentença nos presentes autos do seguinte teor:

“O pedido formulado nestes autos é de divórcio por mútuo consentimento.
O divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por mútuo consentimento corre os seus trâmites legais na Conservatória do Registo Civil, a quem foi atribuída competência exclusiva para o efeito, de acordo com o regime instituído pelo Dec. Lei n.° 272/2001, de 13-10, com as rectif. do D.R. n.° 278, de 30-11-2001 e as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n.° 324/2007, de 28-09 e a Lei 61/2008, de 31- 10, cfr. de Tomé Ramião "O Divórcio e Questões Conexas" Regime Actual, 3.a ed. Pág. 31. Assim e atento o supra exposto declaro este Tribunal incompetente, uma vez que legalmente a competência é da Conservatória do Registo Civil.”
2.ª No modesto entender do recorrente esta douta sentença contraria o disposto na lei e a orientação da doutrina.
3.ª Viola, além disso, preceitos constitucionais que estabelecem que o Estado português é um Estado de Direito Democrático e que compete aos Tribunais e só a estes a Administração da Justiça com a inerente resolução de conflitos.
4.ª Contraria frontalmente o teor e a letra e a intenção do disposto no art.º 1778.º-A do CC que diz:

“1- O requerimento de divórcio é apresentado no tribunal, se os cônjuges não o acompanharem de algum dos acordos previstos no nº 1 do artigo 1775º.
2- Recebido o requerimento, o juiz aprecia os acordos que os cônjuges tiverem apresentado, convidando-os a alterá-los se esses acordos não acautelarem os interesses de algum deles ou dos filhos.
3- O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no nº 1 do artigo 1775º sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.
4- Tanto para a apreciação referida no nº 2 como para fixar as consequências do divórcio, o juiz pode determinar a prática de actos e a produção da prova eventualmente necessária.
5- O divórcio é decretado em seguida, procedendo-se ao correspondente registo.
6- Na determinação das consequências do divórcio, o juiz deve sempre não só promover mas também tomar em conta o acordo dos cônjuges.”
5.ª Bem como, o disposto no art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 272/2011, de 13 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 324/2007, de 28 de Setembro e a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que por sua vez diz:

“1- São da exclusiva competência da conservatória do registo civil:

a) A reconciliação dos cônjuges separados;
b) A separação e divórcio por mútuo consentimento, excepto nos casos em que os cônjuges não apresentam algum dos acordos a que se refere o n.º 1 do artigo 1775.º do Código Civil, em que algum dos acordos apresentados não é homologado ou nos casos resultantes de acordo obtido no âmbito de processo de separação ou divórcio sem consentimento do outro cônjuge;
c) A declaração de dispensa de prazo internupcial.
2- Os processos previstos nas alíneas a) e b) do número anterior podem ser instaurados em qualquer conservatória do registo civil.
3- A declaração de dispensa de prazo internupcial é efectuada pela conservatória de registo civil competente para a organização do processo preliminar de publicações para o casamento da requerente.
4- No âmbito das competências previstas no n.º 1 do presente artigo, os interessados apresentam o pedido mediante a entrega de requerimento na conservatória, fundamentando de facto e de direito, indicando as provas e juntando a prova documental.;
5- O conservador verifica o preenchimento dos pressupostos legais, podendo determinar para esse efeito a prática de actos e a produção da prova eventualmente necessária, e declara, em seguida, a procedência do pedido.”.
6.ª O entendimento plasmado na Douta Sentença recorrida impede inda que quem se queira divorciar sem que esteja de acordo na elaboração dos acordos instrumentais do divórcio por mútuo consentimento o possa fazer se não tiver fundamento em factos que violem os deveres conjugais e sejam fundamento para divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
7.ª O que no fundo equivale a dizer que o divórcio não pode ser decretado nessas situações.
8.ª O entendimento plasmado na douta sentença é manifestamente inconstitucional porque atribui às conservatórias competência em matéria de conflitos relegando a função exclusiva dos Tribunais nessa matéria.
9.ª A douta decisão proferida violou por erro de interpretação e aplicação vários preceitos legais e designadamente os do art.º 1778.º-A, 1773.º, 1775.º, estes do código civil, o art.º 12.º do Decreto-lei n.º272/2001, de 13 de Outubro com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 324/2007, de 28 de Setembro e a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro e bem assim, o disposto no art.º 202.º da CRP.

Consequentemente, deve, na procedência das alegações deste recurso revogar-se a douta decisão proferida, com os fundamentos acima motivados e com o que doutamente vier a ser suprido, por forma a que dando-se sequência ao pedido formulado na acção se ordene a substituição da sentença por outra que mande ser convocada a conferência a que se refere o art.º 995.º do CC.

Foram proferidas contra – alegações pelo Digno Magistrado do MP concluindo : “…na procedência das alegações deste recurso revogar-se a douta decisão proferida, com os fundamentos acima motivados e com o que doutamente vier a ser suprido, por forma a que dando-se sequência ao pedido formulado na acção se ordene a substituição da sentença por outra que mande ser convocada a conferência a que se refere o art.º 995.º do CC.”

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir:
Das conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, é a seguinte a questão objecto de recurso :

- reapreciação da decisão recorrida

FUNDAMENTAÇÃO ( de facto e de direito ).

I.
1. D. Alves, requerente nos autos de Divórcio por Mútuo Consentimento em curso, que intentou conjuntamente com sua mulher, T. Gonçalves, veio interpor recurso de apelação da final decisão proferida nos autos que indeferiu liminarmente a petição inicial, declarando o Tribunal “ a quo “ incompetente e atribuindo a competência para a causa á Conservatória do Registo Civil.
2. É o seguinte o despacho recorrido:
“O pedido formulado nestes autos é de divórcio por mútuo consentimento.
O divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por mútuo consentimento corre os seus trâmites legais na Conservatória do Registo Civil, a quem foi atribuída competência exclusiva para o efeito, de acordo com o regime instituído pelo Dec. Lei n.º 272/2001, de 13- 10, com as rectif. do D.R. n.º 278, de 30-11-2001 e as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n.º 324/2007, de 28-09 e a Lei 61/2008, de 31-10, cfr. de Tomé Ramião “O Divórcio e Questões Conexas” Regime Actual , 3.ª ed. Pág. 31.

Assim e atento o supra exposto declaro este Tribunal incompetente, uma vez que legalmente a competência é da Conservatória do Registo Civil.
Custas do incidente pelos requerentes, em partes iguais. Valor: 30 000,01€.”
3. Na acção de Divórcio por Mútuo Consentimento em curso, os requerentes não juntaram todos os acordos a que se refere o artº 1775º do Código Civil, designadamente quanto á Regulação das Responsabilidades Parentais de filha menor e não juntaram a Relação dos bens comuns do casal.

II. Alega o apelante que a decisão proferida violou por erro de interpretação e aplicação vários preceitos legais e designadamente os do art.º 1778.º-A, 1773.º, 1775.º, estes do Código Civil, o art.º 12.º do Decreto-lei n.º272/2001, de 13 de Outubro com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 324/2007, de 28 de Setembro e a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro e bem assim, o disposto no art.º 202.º da CRP, devendo ser revogada.

Com efeito, e como expressamente decorre do disposto no art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 324/2007, de 28 de Setembro e a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro :“1- São da exclusiva competência da conservatória do registo civil: - b) A separação e divórcio por mútuo consentimento, excepto nos casos em que os cônjuges não apresentam algum dos acordos a que se refere o n.º 1 do artigo 1775.º do Código Civil (…)”, no mesmo sentido dispondo o artº 1775º-nº1 do Código Civil que “ O divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a todo o tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, acompanhado pelos documentos que se indicam em als.

Já relativamente á situação, como nos autos em apreço se verifica, em que os cônjuges não apresentem com o requerimento inicial do DMC algum dos acordos previstos no nº 1 do artigo 1775º o requerimento de divórcio é apresentado no tribunal, como expressamente dispõe o artº 1778º-A, do Código Civil: “1- O requerimento de divórcio é apresentado no tribunal, se os cônjuges não o acompanharem de algum dos acordos previstos no nº 1 do artigo 1775º; 3- O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no nº 1 do artigo 1775º sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”, nesta situação sendo a competência para a acção de DMC legalmente conferida aos Tribunais de Família prosseguindo a acção os legais trâmites dos artº 994º e 995º e sgs. do Código de Processo Civil.
Conclui-se, nos termos expostos, pela total procedência do recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida.

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, prosseguindo a acção os legais trâmites do artº 995º e sgs. do Código de Processo Civil.
Sem custas
Guimarães, 4 de Outubro de 2018


Maria Luísa Ramos
António Júlio da Costa Sobrinho
Jorge Teixeira