Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4017/20.0T8GMR.G1
Relator: JOSÉ CARLOS DUARTE
Descritores: ATROPELAMENTO
DANOS
INDEMNIZAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CULPA DO LESADO
CONCURSO DO RISCO COM A CULPA
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTES
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade do Relator - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I - Desde que tenham consistência interna e externa, as declarações de parte podem determinar, por si sós, a convicção do julgador, sem necessidade de corroboração por outros meios de prova.
II - Estando em causa a suspeita da prática de um crime de furto, em flagrante delito, a lei autoriza a detenção por qualquer pessoa, se não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil uma autoridade judiciária ou entidade policial (cfr. art.º 255º do CPP).
III - Os meios empregues na execução dessa detenção não podem ser excessivos ou desproporcionados relativamente aos interesses em presença, ou seja, tem de haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse que se possa sacrificar com a execução da detenção.
IV - Os interesses a salvaguardar, no caso, seriam a detenção do suspeito e a sua entrega às autoridades competentes para fins de procedimento criminal e a recuperação dos bens eventualmente furtados, o que se traduz, respectivamente, no interesse público na perseguição e prevenção do crime e no interesse particular, traduzido no direito de propriedade; o interesse a sacrificar (como foi) é o da integridade física, que constitui um bem jurídico pessoal.
V - O facto de o interveniente acessório ter utilizado a viatura para perseguir o A., devido ao facto de o ter surpreendido na sua (do interveniente) habitação e ter fugido, havendo a suspeita que teria consigo bens furtados, constitui a causa remota do acto de condução, mas não constitui a causa adequada do embate do veículo no A. já que tal embate não é uma consequência normal, típica daqueles factos, sendo certo que quem tinha e sempre teve, de forma exclusiva, o domínio da viatura foi o interveniente acessório.
VI - Ao utilizar a viatura, na sequência dos factos referidos em V, com a intenção de mais facilmente alcançar e eventualmente deter o A. e, assim, lograr a sua identificação e recuperar eventuais objetos de que se tivesse apropriado e ao aproximar a viatura do mesmo, que corria desenfreadamente pela esquerda, o interveniente acessório representou como possível que podia embater o A. e, dessa forma, molestar o corpo e a saúde do mesmo, mas conformou-se com isso, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
VII - Em função do referido: a) o embate não se ficou a dever a culpa do A., mas a culpa exclusiva do interveniente acessório, o que exclui qualquer possibilidade de concurso entre risco e culpa do A.; b) não há concorrência de culpas na ocorrência do evento dos autos entre o A. e interveniente acessório já que a causa adequada do embate foi, única e exclusivamente, a conduta do interveniente acessório.
VIII - Quando a equidade seja chamada a fixar montantes indemnizatórios, tal operação não fica ao livre-arbítrio do juiz, antes deve orientar-se por critérios verificáveis e controláveis emergentes do caso concreto.
IX - Um evento estradal, como seja o embate de um veículo num peão, é susceptível de causar dano (entendido como dano real, primário, in natura) na integridade físico e/ou psíquica de uma pessoa.
X - Esse dano (dano real, primário, in natura) na integridade físico e/ou psíquica de uma pessoa pode gerar consequências de diversa natureza, o que dependerá sempre da situação concreta em apreciação.
XI - Em abstracto esses danos poderão ser:
a) danos patrimoniais presentes / lucros cessantes: as eventuais perdas salariais decorrentes do que no Relatório do INMLCF aparece referido como Repercussão Temporária na Atividade Profissional e que cessa com a consolidação das sequelas;
b) danos patrimoniais presentes / emergentes: despesas com medicamentos, tratamentos, consultas, meios complementares de diagnóstico, internamento hospitalar, transportes, ajuda de terceira pessoa;
c) danos patrimoniais futuros (lucros cessantes) decorrentes do que no Relatório do INMLCF aparece referido como Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, quando se verifique:
- quer a impossibilidade do lesado prosseguir a actividade profissional habitual e bem assim qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional;
- quer quando “apenas” acarrete esforços suplementares para desenvolver a actividade profissional habitual, sem perda ou diminuição de rendimentos.
d) danos patrimoniais futuros (emergentes): as despesas que a vitima vai ter de realizar em medicamentos, operações, ajudas técnicas, ajuda de terceira pessoa
e) danos morais:
i) refere-se á repercussão da afetação definitiva da integridade física elou psíquica da pessoa nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, sendo independente das atividades profissionais;
ii) o quantum doloris;
iii) o dano estético;
iv) a Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer;
v) a Repercussão Permanente na Atividade Sexual
vi) os danos morais subjectivos.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

P. P. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Seguradoras ..., SA., agora denominada X Seguros SA, pedindo a condenação da mesma no pagamento da quantia de € 51.782,85, relegando para posterior liquidação a indemnização que resultar da IPP que lhe venha a ser fixada, tudo acrescido dos juros legais a contar da citação.

Alegou para tanto e em síntese que B. F., acusando o A. de se ter introduzido em sua casa, o perseguiu com a viatura que identifica, segura na Ré e, na data, hora e local que também identifica, o referido B. F. ao avistar o A., desviou a trajectória da viatura que conduzia, invadindo totalmente a faixa de rodagem contrária, indo embater com a frente esquerda do veículo no corpo do A., que ficou caído na valeta, com os membros inferiores fracturados e ferimentos e hematomas na cabeça.
Alegou também que sofreu as lesões que identifica, foi transportado para o Hospital ..., onde foi sujeito a intervenção cirúrgica, tendo tido alta alguns dias depois.
Mais alegou que sofreu danos não patrimoniais, que descreve, durante o período que aguardou a chegada da ambulância, o referido B. F. puxou-lhe as pernas e pontapeou-o, teve dores.
Alegou ainda que teve danos patrimoniais, referindo em concreto que tinha celebrado um contrato de trabalho a termo que não foi renovado em virtude do acidente, pelo que reclama a quantia que indica a título de perdas salariais, as roupas e calçado que trazia consigo ficaram rasgadas e inutilizadas, teve despesas em transportes, no aluguer de cama articulada e em medicamentos.
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A Ré, citada, contestou por excepção, invocando a incompetência em razão da matéria dos tribunais cíveis e, por impugnação, dizendo, em síntese, que o condutor do OI recebeu um telefonema da esposa, informando-o que se encontrava alguém desconhecido na sua habitação, onde se terá deslocado, tendo encontrado um desconhecido, que se veio a revelar ser o A., que fugiu, o condutor do OI terá pegado na viatura de forma a alcançar o Autor, este ao sentir a aproximação do OI, tentou evadir-se, tendo, para esse efeito, atravessado a rua na qual circulava, da esquerda para a direita, tendo ocorrido o embate, devido a este comportamento súbito e repentino, o condutor do OI não conseguiu evitar o embate entre o veículo e o Autor.
Mais refere que é necessário distinguir os danos que resultaram do embate e os danos que resultaram das agressões físicas ao A. por parte do condutor do OI.
Refere ainda que caso se prove o atropelamento doloso do A. por parte do condutor do OI, não está obrigada a indemnizar eventos nos quais a utilização de um veículo é manifestamente instrumental à actuação do agente, sendo aquele o único responsável.
Impugna os factos relativos aos danos, invoca que a peticionada indemnização por danos morais é excessiva, a cessação do contrato de trabalho ficou a dever-se a outras razões que não o evento dos autos.
Finalmente requereu a intervenção acessória provocada do condutor do OI.
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O A. foi convidado a responder às excepções alegadas na contestação:
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Foi deferida a intervenção acessória provocada.
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O A. pronunciou-se e disse ainda que o facto de o atropelamento ter sido intencional não retira responsabilidade à Ré.
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Veio o interveniente acessório (e não interveniente principal como é referido nos autos, por várias vezes e em locais diversos) B. F. contestar dizendo, em síntese, que o embate ocorrido entre o A. e o veículo por si conduzido enquadra-se na noção de acidente de viação, o evento dá-se após uma mudança repentina do sentido de circulação do A., que ia a correr do lado esquerdo e, repentinamente, virou para o lado direito, tentando evadir-se para um monte que se encontrava do lado contrário àquele em que circulava, acabando por embater na viatura conduzida pelo interveniente, não pegou na viatura para atropelar o A. e causar-lhe dano, mas com a intenção de recuperar os objectos que lhe tinham sido furtados, foi atrás do A. de carro, porque estava a recuperar de uma cirurgia e com mobilidade limitada, não podendo correr.
Impugna os factos relativos aos danos.
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Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria, julgou verificados os demais pressupostos processuais, consignou o objecto do litigio – “ Trata-se de uma acção de efectivação de responsabilidade extra-contratual decorrente de um evento estradal, na sequência do qual subsistiram danos patrimoniais e não patrimoniais para o autor, que o mesmo pretende ver reparados “ – e os temas da prova – “ A existência e a dinâmica do evento estradal; - Lesões físicas sofridas pelo autor imediatamente após o embate; - Danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor como consequência directa e necessária do evento estradal em causa nos autos; - Da situação profissional do autor: emprego e respectivos vencimentos “.
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A Ré requereu a realização de audiência prévia, a qual teve lugar.
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Junto aos autos o Relatório do IML, o A. requereu a ampliação do pedido, pedindo se acrescente ao pedido já formulado a quantia de € 28.448,00 a título de perdas futuras.
Alegou para tanto que o relatório pericial fixou ao A. um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%, o que gera uma perda de rendimentos que terão de ser indemnizados, tendo em consideração o salário base que auferia, a idade do A. à data do acidente e a esperança média de vida para os homens.
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O interveniente acessório impugnou a deduzida ampliação.
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A Ré apresentou reclamação ao Relatório pericial e impugnou a ampliação do pedido.
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Foi admitida a ampliação do pedido e deferida a prestação de esclarecimentos pelo Sr. Perito.
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O Sr. Perito prestou esclarecimentos
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Realizou-se o julgamento, tendo vindo a ser proferida sentença que decidiu:

Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência:
a) Condeno a Ré, “Seguradoras ..., S.A.”, a pagar ao Autor, P. P., a quantia de 352, 85 Euros, a título de danos patrimoniais e a quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde a data da presente sentença e vincendos até integral pagamento, sobre o capital de € 30.352,00, à taxa legal de 4%.
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Custas na proporção do decaimento – Cfr., art.º 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
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Inconformado veio o A. interpor recurso, pedindo a revogação da sentença, de modo a que seja atendida a indemnização peticionada de 80.230,85€UR, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O Recorrente por causa direta e necessária do atropelamento de que foi vítima, ficou impossibilitado de trabalhar, sendo certo que à data do evento (22-3-2019), estava vinculado por contrato de trabalho, cujo termo estava previsto para 31-3-2019.
2. Por força da incapacidade física absoluta em o prestar, a Entidade Empregadora, não renovou esse contrato, impossibilitando o Recorrente de receber a respetiva remuneração mensal, então fixada em 635,00€, nem recebeu qualquer subsídio estatal.
3. Sofreu, pois, um prejuízo a título de danos patrimoniais de 11.700,00€UR (9 meses/2019 * 635,00€ + 9 meses/2020 * 665,00€), que o tribunal a quo não considerou.
4. Relativamente aos os danos não patrimoniais ou futuros, tendo em conta que o Recorrente tinha 19 anos de idade, era saudável, com fraturas dos membros inferiores e intervenção cirúrgica, da culpa grave do condutor atropelante, de todos os padecimentos sofridos e sequelas que determinaram um deficit funcional permanente na integridade físico psíquica de 5% e, um défice funcional temporário total fixável num período de 124 dias, o período de défice funcional temporário parcial fixável num período de 126 dias, o período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável num período de 250 dias, um quantum doloris de 5 pontos, um dano estético de 3 pontos, afigura-se ajustada a indemnização reclamada de 68.448,00€.
5. Quando se trate de responsabilidade pelo risco, a constituição em mora da Recorrida ocorre desde a data da sua citação e por isso deveria a Ré ser condenada no pagamento dos juros legais desde a data da citação da Recorrida e não desde a data da prolação da sentença.
6. Foram violados os artigos 483º (ex-vi artigo 499º), 503º, 562º, 566 e 805º do código civil.
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Contra-alegou o interveniente acessório B. F., pugnando pela improcedência do recurso, tendo terminado com as seguintes conclusões:

1. Sem prejuízo da apelação principal, segundo a qual o ora Interveniente recorreu da sentença proferida nos presentes autos, donde se espera que venha a resultar a alteração da matéria de facto dada como provada, e por via disso, seja a Ré Seguradoras ..., S.A. absolvida do pedido contra si formulado, com a as necessárias e devidas consequências legais para o Interveniente, os danos não patrimoniais acham-se fixados na Primeira Instância por defeito, mas antes por excesso.
2. Quanto aos DANOS PATRIMONIAIS, entendeu, e bem, o Tribunal a quo ao considerar: “Quanto ao dano de perdas salariais, analisando os recibos de vencimento juntos pelo autor a fls. 14 e 15, constata-se que, o autor no escasso período de três meses em que trabalhou teve várias faltas injustificadas (em janeiro faltou 8 horas, em fevereiro faltou 16 horas e em março faltou 36 horas), sendo legítimo presumir que a preterição do dever de assiduidade tenha pesado de forma decisiva na decisão da entidade patronal de não renovar o contrato de trabalho, razão pela qual não teve assento na factualidade provada que, em consequência do sinistro, o autor deixou de auferir rendimentos desde abril de 2019 a setembro de 2020” (negrito e sublinhado nosso).
3. Porquanto, ao contrário do alegado pelo Autor/recorrente, segundo o artigo 351.º, n.º 2, al. g), do Código do Trabalho constituem justa causa de despedimento quer as faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, quer as faltas não justificados cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.
4. A ser assim, cai por terra o alegado pelo Autor/Recorrente, de que, “No entanto, as 60 horas faltosas, correspondem a sete dias e meio interpolados, e mesmo que injustificadas nem sequer constituem motivo de justa causa de despedimento (artigo 351.º n.º 2 al. g) do Código do Trabalho)”, porquanto, independentemente do número de faltas injustificadas, estas se determinarem diretamente prejuízo ou riscos graves para a empresa, constituem justa causa de despedimento.
5. Aplicando ao caso sub judice, verificamos que o Autor/Recorrente em fevereiro tem 16h de faltas injustificadas, ou seja dois dias completos de trabalho, e em março o correspondente a 36h de faltas justificadas, isto é, 4 dias e meio de trabalho, o que, só por si, já determinariam que a empresa teve prejuízo com o Autor/Recorrente, pelo que, e caso assim o entendesse, poderia ter procedido ao despedimento do Autor/Recorrente com justa causa.
6. Só não o fez, porque, convenhamos, para tal era necessário dar início a um procedimento disciplinar, e a entidade empregadora, porque tinha celebrado com o Autor/Recorrente um contrato de trabalho a termo certo, poderia opor-se à renovação do contrato de trabalho, sendo por via disso um mecanismo mais célere e menos burocrático de fazer cessar o referido contrato de trabalho.
7. A mais disto, analisada toda a prova produzida nestes autos, verificamos que prova inexiste de que o contrato de trabalho celebrado com o Autor/Recorrente estava sujeito a renovação, na medida em que o Autor/Recorrente em momento algum juntou o aludido contrato aos autos, e isto quando, tal como a lei o prescreve, a celebração do mesmo estava sujeita a redação a escrito – cfr. artigo 141.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
8. Estabelece o artigo 149.º, n.º 1, do Código do Trabalho que “As partes podem acordar que o contrato de trabalho a termo certo não fica sujeito a renovação”, para além de que, ainda que sujeito a renovação, “A renovação do contrato está sujeita à verificação da sua admissibilidade, nos termos previstos para a sua celebração (…)”.
9. Ou seja, alega o Autor/Recorrente que o contrato de trabalho celebrado não se renovou por causa do acidente de que foi vítima, quando, e em boa verdade, nem sequer sabemos se o mesmo estava sujeito a renovação, porquanto nenhuma prova foi feita neste sentido, para além dos factos dados como provados, segundo os quais decorre, apenas e tão só, que o Autor/Recorrente celebrou contrato por 3 meses, cujo termo ocorreria em 31.03.2019 e que a sua ex-entidade patronal não efetuou a renovação do contrato, mas nem se sabe em que termos.
10. Se tal não bastasse, determina o artigo 344.º do Código do Trabalho que “O contrato de trabalho a termo certo caduca no final do prazo estipulado, ou da sua renovação, desde que o empregador ou o trabalhador comunique à outra parte a vontade de o fazer cessar, por escrito, respetivamente, 15 ou oito dias antes de o prazo expirar” (negrito e sublinhado nossos).
11. Significa isto que, e admitindo-se que estamos perante um contrato de trabalho a termo certo sujeito a renovação, para que a comunicação ao Autor/Recorrente fosse válida, perante a lei, seria necessário que a entidade empregadora comunicasse ao trabalhador a vontade de se opor à renovação do contrato de trabalho com 15 dias de antecedência, motivo pelo qual, também por aqui, inexiste qualquer fundamento legal para o alegado pelo Autor/Recorrente, porquanto, e na senda daquilo que expusemos, a oposição à renovação do contrato de trabalho sempre teria sido comunicada ao Autor/Recorrente no máximo até ao dia 15 de março de 2019, ou seja, em data anterior ao acidente, que ocorreu apenas no dia 22.03.2019.
12. Ao que acresce, sempre se refira, que também quanto a este facto nenhuma prova foi feita, pois, e conforme já referimos, a oposição à renovação tem que ser feita por escrito, cabendo, por via disso, ao Autor/Recorrente juntar aos presentes autos tal comunicação, o que, conforme facilmente se pode verificar, e por motivos que são alheios ao Interveniente, não aconteceu. O Autor/Recorrente na petição inicial apresentada, e porque se tratam de factos que são facilmente comprovados por documento, podia e devia ter junto aos autos, quer o alegado contrato de trabalho celebrado, quer a alegada comunicação de não renovação do contrato de trabalho, não tendo, contudo, junto qualquer documento.
13. A isto acresce que, o Autor/Recorrente confessou que a não renovação do seu contrato de trabalho se deu devido às várias faltas injustificadas ao médico que o examinou no âmbito de exame médico legal, Dr. L. C., efetuado no IML CF de … a 9 de outubro de 2019. – cfr. Documento junto aos autos com a p.i.
14. E quanto ao alegado pelo Autor/Recorrente de que “(…) tendo o recorrente ficado privado de continuar a trabalhar, por facto que lhe é alheio, já que de acordo com a perícia médico legal, o acidente que sofreu teve uma repercussão temporária na atividade profissional total fixável em período de 250 dias, a que se seguiu depois a pandemia, com os entraves de conhecimento geral, ao nível do emprego (…)”.
15. Sempre se contra alega que a pandemia em nada se relaciona com o acidente de que o Autor foi vítima, e ainda que, se viesse a entender que o Autor/Recorrente era titular de tal indemnização, sempre teríamos que considerar o valor devido por 250 dias – que foi o período sobre o qual o acidente teve repercussão na sua atividade profissional - e não de abril de 2019 a setembro de 2020, como reclama o Autor/Recorrente.
16. Assim, e porque nenhum reparo merece a sentença recorrida, quanto ao quantum indemnizatório por danos patrimoniais, deve este douto Tribunal manter a decisão do Tribunal a quo, considerando, a final, que nenhum valor é devido ao Autor/Recorrente a este título.
17. Já no que diz respeito aos danos não patrimoniais, entende o Autor/Recorrente que “(…) o valor correto para indemnizar os danos não patrimoniais e patrimoniais do Recorrente com 19 anos de idade, tendo em conta todas as circunstâncias do acidente, da culpa grave do condutor atropelante, do internamento hospitalar com intervenções cirúrgicas, de todos os sofrimentos e sequelas que determinaram um deficit funcional permanente na integridade físico psíquica de 5%, um quantum doloris de 5 pontos, um dano estético de 3 pontos e o período de défice funcional temporário, emergido de um juízo de equidade, com ponderação de soluções dadas a casos semelhante pela jurisprudência, é o de 68.448,00€”.
18. Peticionou o Autor/Recorrente o valor de €40.000,00 “a título de danos não patrimoniais sofridos em virtude do acidente, e que se encontram dados como provados nos itens 4.13, 4.14, 4.19 a 4.29, 4.31 e 4.32”.
19. Admitindo-se que tais danos se encontram devidamente provados nos autos, o que apenas se equaciona para o presente, temos o seguinte. Tratando-se de danos de natureza não patrimonial, não cabe fixar um quantitativo indemnizatório que reconstitua integralmente a situação que haveria caso não tivesse ocorrido o acidente, por tal não ser possível. – cfr. Artigos 496.º n.º 3 e 494.º ambos do CC.
20. Ora, em face disto, e na senda do defendido pelo Interveniente no seu Recurso, de que nenhuma culpa lhe pode ser assacada, porquanto foi o Autor/Recorrente que se colocou, de forma imprevisível, à frente do veículo que estava a ser conduzido pelo Interveniente, quando tentava escapar-se do furto que tinha acabado de cometer, e, por via disso, é o Autor/Recorrente o único responsável pelo atropelamento, motivo pelo qual, nenhuma indemnização lhe é devida.
21. Caso assim não se venha a entender, o que não se concede, e apenas por excessiva cautela de patrocínio se equaciona, sempre se diga que o Tribunal a quo, antes de tomar a decisão do valor a arbitrar ao Autor/Recorrente a título de danos não patrimoniais, fez uma resenha à jurisprudência produzida pelos nossos tribunais superiores nos últimos cinco anos, tendo por referência o montante peticionado pelo Autor/Recorrente.
22. Acabando por decidir o Tribunal a quo que “Olhando, agora, para o caso dos autos, importa reconhecer que os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor se situam num patamar de gravidade superior ao que foi considerado nos arestos acima citados, tendo em consideração a atribuição de um défice permanente da integridade psico-física de 5 pontos, o período de incapacidade temporária parcial – 126 dias –, e as dores sofridas – fixáveis no grau 5 numa escala de gravidade crescente de sete pontos, um dano estético de 3 pontos numa escala de 7 pontos; considerando ainda que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade à data do evento e com a atual, mas implicam esforços suplementares. Assim, não se pondo em causa que os danos que o Autor sofreu tenham suficiente gravidade para merecer a tutela do Direito, afigura-se equitativo, para a sua compensação, o montante global, incluindo o dano resultante do deficit funcional permanente de €30.000,00” (sublinhado nosso).
23. Ora, se peca o Tribunal a quo na fixação da indemnização ao Autor/Recorrente, é, decididamente por excesso, tal como o Interveniente motiva o seu Recurso. Até porque, e não se concordando com a afirmação da sentença recorrida de que “importa reconhecer que os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor se situam num patamar de gravidade superior ao que foi considerado nos arestos acima citados”, dos vários Acórdãos identificados pelo Tribunal a quo verificamos que a factualidade descritas nestes Acórdãos situa-se num patamar de gravidade superior aos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/Recorrente.
24. A título de exemplo, refira-se o caso do Ac. da Relação do Porto, de 15.11.2018, proc. 7147/17.2T8VNG, no qual indiscutivelmente se analisa uma situação mais grave do que a do Autor/Recorrente (porquanto este nunca perdeu a consciência, esteve internado do dia 22.03.2019 ao dia 29.03.2019, ou seja, apenas 8 dias – sendo que tal estadia se prolongou porque o Autor/Recorrente depois de informado pela equipa médica que não podia beber quaisquer líquidos o quê que ele fez, bebeu água – e, em 3 meses, teve uma recuperação praticamente absoluta, não tendo ficado com qualquer restrição ao nível da mobilidade), e em que o Tribunal fixou o valor de €7.500,00, a título de danos não patrimoniais.
25. Também a factualidade do Acórdão da Relação de Lisboa, de 22.01.2019, proc. n.º 212/15.2T8SRQ.L1-7, tem contornos mais graves do que a do aqui Autor/Recorrente, e aquele Tribunal fixou uma indemnização a título de danos não patrimoniais de €3.000,00.
26. Assim como no Ac. da Relação de Lisboa, de 22.03.2018, proc. n.º 10667/12.1TCLRS.L1-8, este sim numa situação que podemos dizer em muito semelhante à do Autor/Recorrente, ao nível dos danos não patrimoniais, foi arbitrada uma indemnização de €4.000,00.
27. Ou seja, o Tribunal a quo sufragando a sua decisão na recolha de jurisprudência que fez, pecou por excesso na atribuição da indemnização ao Autor/Recorrente, até porque, e não se pode perder de vista, que a indemnização tem por finalidade ressarcir o lesado dos prejuízos que, na realidade, sofreu, não podendo conduzir a um gritante desequilíbrio da prestação relativamente ao dano, designadamente não podendo servir para um enriquecimento injusto do lesado à custa do lesante, com a indemnização a funcionar como um mero “taxímetro”.
28. Face ao exposto, atendendo a que a decisão da 1.ª Instância colide com os critérios jurisprudenciais que vêm sendo adotados, por ter fixado um montante manifestamente excessivo e desproporcional aos danos sofridos, este douto Tribunal deverá alterar o quantum indemnizatório para um valor consideravelmente inferior (no pressuposto, que não se concede, de o recurso interposto pelo Interveniente não ser procedente) ao que foi arbitrado, de modo a assegurar o principio da igualdade. Visto que, o Tribunal a quo se situou para além da margem de discricionariedade que lhe é consentida.
29. Para além disso, reclama o Autor/Recorrente o valor de €28.448,00 “a título de dano futuros ou biológicos, tendo em conta remuneração mensal de 635,00€, a idade do A. à data do acidente (19 anos), a esperança média de vida que para os homens que está fixada nos 83 anos, o défice funcional 5%, (635,00€ * 14 = 8.890,00 x 5% = 444,50€ * 64 anos (83.19))”.
30. A fixação de uma compensação assume, necessariamente, alguma dificuldade e subjetividade, sendo por isso importante o recurso a um elemento mais objetivo.
31. Assim sendo, e para tal, podemos e devemos partir da Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo DL 352/2007, de 23 de outubro, sem prejuízo de se levarem igualmente em conta outras circunstâncias que se apuram relativas ao caso concreto e que permitem estabelecer o valor indemnizatório mais de acordo com a equidade – ver, neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 24.10.2019, relator: Inês Moura, proferido no âmbito do processo n.º 3570/17.0T8LSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
32. Aplicando a Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, na sua versão atualizada, ao caso em apreço, temos que pelo dano biológico o Autor/Recorrente poderia vir a ser indemnizado em valores entre €4.923,30 e €5.191,45.
33. Contudo, e porque tais valores são encontrados com referência à remuneração mínima mensal garantida em 2007 que, na altura, era de €403,00 (nota 1 ao anexo IV), temos de atualizar tal valor para a remuneração mínima mensal garantida à data do acidente, €665,00.
34. Assim, e fazendo funcionar a tabela em questão, e observando uma regra matemática de três simples, chegamos a um valor compensatório entre €8.124,05 a €8.566,53, sendo certo que, no presente caso, o valor compensatório deveria situar-se mais próximo do valor mais baixo, uma vez que o défice funcional do Autor/Recorrente não interfere na sua vida laboral, social e familiar.
35. Sem prescindir, e caso assim não se entenda, o que não se concebe e apenas por mero dever de patrocínio se equaciona, o Autor/Recorrente, para fundamentar a sua pretensão, cita dois Acórdãos deste douto Tribunal da Relação de Guimarães, como se as situações ali analisadas fossem semelhantes à dos presentes autos, o que não sucede. - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 15.10.2020, relator: Afonso Cabral de Andrade, proferido no âmbito do processo n.º 5908/18.4T8BRG.G1, e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 04.03.2021, relator: Alexandra Lopes, proferido no âmbito do processo n.º 1490/17.8T8BRG.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
36. Porquanto, verificamos que o factualismo dado como assente naqueles Acórdãos, e nos termos do qual foi tomada a decisão pelo Tribunal, é também indiscutivelmente mais grave do que os danos sofridos pelo Autor/Recorrente nos presentes autos.
37. Por outro lado, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 15.10.2020, relator: Afonso Cabral de Andrade, proferido no âmbito do processo n.º 5908/18.4T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt, refere que no âmbito do cálculo dos danos patrimoniais futuros a jurisprudência tem detetado duas situações-tipo diversas: a) aquelas em que é possível determinar um valor correspondente à perda de ganho decorrente das lesões causadas pelo acidente, nas quais temos a tarefa aparentemente facilitada; b) e aquelas, como o caso presente, em que tal não é possível determinar o valor correspondente à perda de ganho. Sendo que aquele Acórdão determina que “para os casos que caiam na primeira situação, devemos seguir a orientação explicada pelo Acórdão do STJ de 28 de Março de 2019 (Relator: Conselheiro Tomé Gomes). (…) Para as situações como a presente, em que não é possível determinar o valor correspondente à perda de ganho, não vemos outra solução que não seja o recurso à equidade”.
38. Em face disto, e aplicando ao caso em apreço, porque nos encontramos na primeira situação-tipo, temos, então, segundo o Acórdão citado pelo Autor/Recorrente, que seguir a orientação explicada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28.03.2019, relator: Tomé Gomes, proferido no âmbito do processo n.º 1120/12.4TBPTL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
39. Assim sendo, resulta deste Acórdão do STJ que “Para a determinação da quantia indemnizatória dos danos patrimoniais futuros teremos de lançar mão dos artigos 562, 564 nº2 e 566 do Código Civil. A jurisprudência do S.T.J., que vem sendo aceite e aplicada nas instâncias, assenta em três pontos: 1 – Determinação dum capital produtor dum rendimento que se venha a extinguir no final do período provável de vida ativa do lesado, suscetível de lhe garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. 2 – Utilização de fórmulas abstratas ou critérios, como elemento auxiliar, com o objetivo de tornar o mais possível justas, atuais e minimamente discrepantes, as indemnizações. 3 – Uso de juízos de equidade como complemento para ajustar o montante encontrado à solução do caso concreto, uma vez que não é possível determinar um valor exato dos danos sofridos pelo lesado. Estes três pontos são indissociáveis, necessários para se encontrar, em cada caso, o montante indemnizatório mais adequado. (…) O outro critério traduz-se na determinação do montante que o património do lesado deixou de auferir durante 14 meses, num ano, multiplicando-o pelo período de tempo provável de vida ativa, reduzindo o montante encontrado de acordo com regras de equidade já apontadas, e finalmente, ajustando o respetivo valor ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade, de acordo com a progressão na carreira, ganhos de produtividade e outros elementos influentes existentes em cada caso. Julgamos que estes critérios, e, em especial, o último, são mais fáceis de utilizar, mantendo critérios mínimos de segurança, e com a vantagem do julgador expressar o seu cunho pessoal ao caso concreto, recorrendo a juízos de equidade que a lei impõe, e que são a expressão jurisdicional mais rica e criativa”.
40. Ou seja, aplicando ao caso aqui em apreço a orientação perfilhada por este Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, temos que determinar o montante que o Autor/Recorrente deixou de auferir durante 14 meses (€635,00 x 14 = € €8.890,00), multiplicá-lo pela percentagem de défice funcional (€8.990,00 x 0,05% = €444,50), e multiplicar o resultado pelo período de tempo provável de vida ativa do Autor/Recorrente, que é de 78 anos e não de 83 anos como refere, pois estamos perante um homem (€444,50 x 59 (78 - 19) = €26.225,50), valor ao qual temos que deduzir ¼ (€26.225,50/4 = €6.556,38), por receber antecipadamente, teria o Autor/Recorrente direito a uma indemnização no valor de, no máximo, €19.669,12.
41. Em súmula, cita o Autor/Recorrente o sumário deste douto Tribunal, proferido no âmbito do processo n.º 5908/18.4T8BRG.G1, como se de uma situação semelhante à dele se tratasse, quando, e em bom rigor, o critério adotado para a fixação da indemnização no caso daqueles autos nem sequer é o critério que, segundo a jurisprudência, deve ser adotado no caso dos presentes autos, desde logo porque estamos perante situações tipo distintas, o que significa, por isso, que este Acórdão nem sequer é aplicável aos presentes autos.
42. Também na situação analisada no douto Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 04.03.2021, relator: Alexandra Lopes, proferido no âmbito do processo n.º 1490/17.8TBRG.G1, e citado pelo Autor/Recorrente, o Tribunal, na fixação do valor da indemnização do dano biológico com repercussão patrimonial futura, recorre à orientação perfilhada pelo já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28.03.2019, pelo que, atento o raciocínio já feito acima, chegaríamos à mesma conclusão de que o valor peticionado pelo Autor/Recorrente, a título de danos futuros ou biológicos, é excessivo.
43. Todavia, sob este conspecto, sempre se alega que perfilhamos o entendimento da douta jurisprudência que entende que para efeitos do presente cálculo supramencionado deverá ter-se em conta o tempo provável de vida ativa do sinistrado que corresponde à idade em que o mesmo pode obter a reforma por velhice, a qual, à presente data, se situa nos 66 anos e 7 meses. Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09.04.2022, relator: Faria Antunes, proferido no âmbito do processo 02A519, disponível em www.dsgi.pt, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.3.99, CJSTJ 1999, I, 167.
44. Porquanto, sufragamos a tese de que o montante a atribuir a este título deva ser calculado tendo em vista alcançar-se tendencialmente um capital gerador de um rendimento que possa cobrir a diferença entre a situação anterior e a atual, tendo em atenção o tempo provável de vida ativa do lesado e que aquele valor se deve ir esgotando até ao final da referida vida ativa.
45. Não obstante isto, poderíamos admitir o outro critério definido pela jurisprudência, segundo o qual “O julgamento de equidade deve ponderar a expetativa de vida ativa do lesado, devendo atender-se como normal os 70 anos”. Ora, aplicando este critério ao caso dos presentes autos, o Autor/Recorrente teria direito a receber uma indemnização de, no máximo, €17.002,13 (€635,00 x 14 = € €8.890,00 x o,05% = €444,50 x 51 (70 – 19) = €22.669,50/4 = 5.667,38 - €22.669,50 = €17.002,13). – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14.04.2015, relator: Garcia Calejo, proferido no âmbito do processo n.º º 1690/10.1TBFLG. S1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 25.06.2013, relator: Antero Veiga, proferido no âmbito do processo n.º 6779/04.3TBBRG.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
46. Por fim, decidiu o Tribunal a quo condenar a Ré/Recorrida “no pagamento da indemnização, acrescida de juros vencidos desde a data da sentença”. Entende, contudo, o Autor/Recorrente, e nos termos do artigo 805.º, n.º 3, do CC, que “Tendo a citação da Recorrida Seguradora ocorrida em 8-9-2020, deverá ser a partir desta data que são devidos os juros legais”.
47. Acontece que, está o Autor/Recorrente a confundir juros moratórios com juros indemnizatórios, qualificando, erradamente, a obrigação de indemnização como uma obrigação pecuniária. Porquanto, enquanto que as obrigações pecuniárias por terem por objeto uma prestação em dinheiro, visam proporcionar ao credor o valor que as respectivas espécies possuam como tais, as obrigações indemnizatórias têm por objeto mediato o dano, o qual, apesar de ser suscetível de avaliação pecuniária, não consubstancia uma prestação em dinheiro.
48. Assim, a obrigação de indemnização apenas se transforma em obrigação pecuniária quando for liquidada em sentença, ou, por outras palavras, o crédito resultante da obrigação de indemnização só será líquido aquando da prolação da sentença que o liquide – ver, neste sentido, Acórdão de Uniformização da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14.05.2015, relator: Pinto de Almeida, proferido no âmbito do processo n.º 1520/04.3TBPBl.c1.S1-a, disponível em www.dgsi.pt.
49. Neste pressuposto, podemos afirmar também que é normal existir uma desconexão temporal entre a constituição da obrigação de indemnização e o momento em que esta obrigação se converte em obrigação pecuniária, através da sua liquidação em sentença, pelo que, e neste intervalo, o devedor da obrigação de indemnização não se encontra em mora na medida em que a obrigação de indemnização ainda não foi liquidada.
50. Em suma, segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Jurisprudência n.º 4/02, “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”.
51. Em face do exposto, decidiu bem o Tribunal a quo quando condenou a RE/Recorrido no pagamento de juros vencidos desde a data da prolação da sentença e não desde a data da citação.
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O interveniente acessório B. F. também interpôs recurso pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que absolva a Ré Seguradora dos pedidos e, para o caso de se entender, que o atropelamento em causa resultou de um concurso de culpa do lesado/Autor com o risco, ou mesmo, de um concurso de culpa entre Autor/Recorrido e Interveniente/Recorrente, deverá a sentença ser revogada, condenando-se a Ré Seguradora na proporção que o tribunal entender como justa e equitativa, atendendo à prova produzida, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões (prolixas em virtude, além do mais, de não se ter em consideração o que deve constar da motivação e o que deve constar das conclusões - sobre esta questão vd. o Ac. do STJ de 19.02.2015, proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, onde se refere que o recorrente deve indicar, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, na motivação, deve identificar os meios de prova que, na sua perspetiva, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, bem como as passagens da gravação relevantes e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas e Abrantes Geraldes, in Recursos em processo Civil, 6ª edição, pág. 196-197. No entanto não se dá cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 639º do fim de não dilatar mais a resolução do processo):
1. B. F., Interveniente Principal, não se conformando com a douta sentença proferida nos autos, que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré, “Seguradoras ..., S.A.”, a pagar ao Autor, P. P., a quantia de 352,85 Euros, a titulo de danos patrimoniais e a quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde a data da presente sentença, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento, sobre o capital de € 30.352,85, à taxa legal de 4%, e, consequentemente, nas custas na proporção do decaimento, dela vem interpor recurso, RECURSO DE APELAÇÃO, recorrendo de facto e de direito, para o TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, que o faz nos termos do gizado nos artigos 631.º n.º 2, 637.º, 638.º n.ºs 1 e 7, 640º, todos do C.P. Civil. Consequentemente e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 644.º n.º 1 a), 645.º e 647.º, também do citado Código, requer que o mesmo seja recebido para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo
2. Ora, apesar de o Interveniente/Recorrente ser parte acessória nos autos, e portanto, não ser diretamente condenado no pedido, como a presente decisão produz efeitos relativamente ao direito de regresso que a Ré Seguradora possa exercer sobre si, o Interveniente/Recorrente pode recorrer da presente decisão, na medida em que é direta e efetivamente prejudicado pela mesma, tudo nos termos do artigo 631.º n.º 2 do CPC.
3. E não se conforma o Interveniente/Recorrente com a decisão proferida, por entender que o Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação da prova e interpretação da lei e, consequentemente, uma indevida aplicação dela aos factos provados e não provados, sendo imperativo a absolvição da Ré Seguradora do pedido contra ela formulado.
4. De toda a prova produzida, seja a documental carreada para os autos, seja a produzida em sede de audiência de julgamento, concretamente da prova testemunhal, do depoimento de parte/declarações de parte do Autor/Recorrido e do depoimento de parte do Interveniente/Recorrente e, até, da ausência de prova, nunca poderia ter resultado como provada a matéria constante dos números 4.12., 4.13., 4.22., 4.23., 4.24., 4.25., 4.26., 4.27., 4.28., 4.29., 4.30., 4.31., 4.32., 4.34., 4.42., 4.43., 4.46., 4.47., dos “FACTOS PROVADOS”.
5. De igual modo, da prova produzida, e com relevo para a boa decisão da causa, impunha-se dar como provada a matéria constante do número 4.52. dos “FACTOS NÃO PROVADOS”.
6. De forma sucinta, concluiu o tribunal a quo que o Interveniente “atuou com intenção concretizada de perseguir aquele intruso em fuga ( pois que, ao que parece, a sua residência já tinha sido assaltada mais do que uma vez), para o que utilizou a sua viatura, atentas as suas dificuldades de locomoção, para mais facilmente o alcançar e imobilizar, para assim lograr a sua identificação e recuperar eventuais objetos e que se tivesse apropriado, como veio a suceder, para o que sabia ser necessário embater com o seu veículo no corpo do Autor, sabendo que desse modo necessariamente molestaria o corpo e a saúde deste, resultado que aceitou como consequência necessária da sua conduta”.
7. Impõe-se, in casu, a alteração da referida da matéria de facto por estarmos perante uma flagrante contradição entre a prova produzida e a matéria de facto assente.
8. Assim, quanto aos números 4.12, 4.13, 4.46 e 4.47 dos “FACTOS PROVADOS” deveriam os mesmos terem sido dado como FACTOS NÃO PROVADOS e o número 4.52. dos “FACTOS NÃO PROVADOS” deveria ter sido dado como FACTO PROVADO. Porquanto, da prova produzida, resultou provado que o acidente de viação ocorrido no dia 22.03.2019, por volta das 12h, sucedeu por culpa exclusiva do Autor/Recorrido e não como considerou o tribunal a quo, por culpa intencional (dolo necessário) do Interveniente/Recorrente.
9. O Interveniente/Recorrente foi atrás do Autor/Recorrido na sua viatura com o único propósito de recuperar os objetos que lhe tinham sido furtados e conhecer a identidade do autor do crime e não com a intenção de atropelá-lo e causar-lhe qualquer dano. – Atente-se o Depoimento de Parte de B. F., Nome do ficheiro áudio: 20211028111342_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:00:31 a 00:05:29, Ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021 e o Depoimento de M. C., Nome do ficheiro áudio: 20211028163610_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:03:46 a 00:05:59, data da audiência de discussão e julgamento: 28.10.2021.
10. Ao invés do que a decisão recorrida considerou, da prova produzida resultou que na Rua ..., o Autor/Recorrido que ia a correr do lado esquerdo da estrada, no sentido descendente, de forma súbita e inopinada, sem que nada o fizesse prever, alterou a sua direção para o lado direito, tendo assim, sido o Autor/Recorrido a provocar o embate com o veículo, pois este sabia que se tivesse continuado a sua fuga pela estrada onde corria, logo após a curva onde a estrada afunila, o Interveniente/Recorrente ter-lhe-ia intercetado, pois não tinha por onde fugir. Assim, o Autor/Recorrido vendo-se encurralado, terá pensado em fugir para uma propriedade privada que contém um monte descampado, onde, portanto, a viatura não poderia circular. Sendo que, naturalmente, como o carro circula mais rápido que uma pessoa a correr, o Interveniente/Recorrente não necessitava de atropelar o Autor/Recorrido para o poder intercetar na sua fuga – Atente-se o Depoimento de Parte de B. F., Nome do ficheiro áudio: 20211028111342_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:05:29 a 00:09:00, 00:10:11 a 00:16:06, 00:35:27 a 00:36:30, 00:43:46 a 00:45:39, Data da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
11. Pelo que, andou mal o tribunal a quo ao considerar: “Tudo indica que o condutor do veículo perseguidor, consciente de que o autor se preparava para entrar na zona da estrada que afunila e à qual teria um acesso limitado (pois que nela não podem transitar simultaneamente dois veículos que transitem em sentidos opostos), tenha decidido precisamente nesse local, fazer parar o perseguido, para o que se tornou necessário provocar o embate no corpo do autor, por forma a lograr a sua imobilização forçada”.
12. Ora, esta conclusão ou suposição do tribunal a quo não tem qualquer sustentação na prova testemunhal, muito menos na prova documental. Isto porque, o mais consentâneo com as regras da experiência seria precisamente o contrário. Pois como como a estrada iria afunilar de tal maneira que caberiam à justa um carro e um individuo a pé simultaneamente, é lógico que o Autor/Recorrido em fuga tenha optado por mudar de direção de modo a evitar ser intercetado nessa estrada estreita.
13. Por outro lado, a conclusão do tribunal a quo “não é plausível que o autor tivesse abdicado dessa excelente oportunidade, optando por precisamente no momento em que essa oportunidade surge, por guinar para a direita, com o fito de entrar num espaço completamente vedado, igual a muitos outros que se situavam do lado que transitava…” não se coaduna com as regras da experiência e com o comportamento que um homem médio (em fuga) colocado na exata situação do Autor/Recorrido faria.
14. Porquanto, ainda que o tribunal a quo tenha considerado que o referido espaço vedado era igual a tantos outros, pela prova documental junta aos autos constatamos que tal não é verdade – cfr. com fotografias juntas aos autos pelo requerimento do Interveniente de Requerimento junção das 24.11.2021, ref.ª 40570679º, foto n.º 1 - o citado espaço consiste numa propriedade privada, é certo, mas composta por um terreno baldio. Enquanto que os restantes espaços são casas habitacionais. Sem prescindir, ainda que assim fosse, nada impedia uma pessoa em fuga de fugir para dentro de uma habitação particular. Note-se que o Autor/Recorrido vinha de furtar uma habitação particular, tendo aliás, ficado provado no FACTO PROVADO N.º 4.6. que, quando fugiu da casa do Interveniente, teve que saltar o muro dessa casa, sendo que tem no seu registo criminal uns quantos crimes de furto a propriedades privadas.
15. A mais disto, a versão do Interveniente/Recorrente resultou de forma evidente do teor dos depoimentos das únicas testemunhas presenciais do acidente – J. D. e N. S.. Todavia, surpreendentemente, não foram tidas em conta pelo tribunal a quo para a determinação das circunstâncias como ocorreram o acidente. Mas, já para outros efeitos, o Tribunal a quo considerou as testemunhas credíveis, veja-se o que giza a sentença: “louvou-se ainda o tribunal no teor do depoimento da testemunha J. D., irmão do Interveniente, que perseguia o autor a pé…Ateve-se ainda o Tribunal ao teor do depoimento da testemunha N. S., sobrinho do Interveniente, que também perseguiu o autor, a pé…” – cfr. Depoimento da testemunha J. D., nome do ficheiro áudio: 20211028150806_5831435_2870527, tempo áudio: 00:05:25 a 00:13:05, Ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021 e Depoimento de N. S., nome do ficheiro áudio: 20211028160321_5831435_2870527, tempo áudio: 00:01:14 a 00:09:27, 00:11:31 a 00:13:28, 00:13:55 a 00:15:45, Ata da audiência de discussão e julgamento: 28.10.2021.
16. Pois, ao contrário do que a sentença recorrida quer fazer parecer, todas as outras testemunhas que o Tribunal a quo usou para firmar a sua convicção, chegaram ao local depois do acidente ter ocorrido.
17. A testemunha C. F. declarou que quando viu o local do acidente pela sua varanda já o acidente tinha ocorrido e já se encontravam no local outros vizinhos e que junto do Autor/Recorrido encontravam-se “três senhores”. Logo, não é testemunha presencial do acidente, não sabe determinar como o mesmo ocorreu, muito menos, o local do embate e onde ficaram quer a viatura, quer o corpo do Autor, imediatamente a seguir ao acidente. – cfr. Depoimento da testemunha C. F., Nome do ficheiro áudio: 20211028141507_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:00:27 a 00:02:02, 00:05:50 a 00:06:10, Ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
18. Por sua vez, a testemunha E. A., também vizinha do Autor/Recorrido declarou expressamente que não assistiu ao acidente, e que quando viu o Autor/Recorrido no chão não sabe se ele estava lá há 5 minutos ou 5 segundos, tendo acrescentado que quando chegou ao local já se encontravam lá outras pessoas. Logo, não presenciou o acidente, não viu onde foi o local do embate, nem onde ficou a viatura e o corpo do Autor logo após o embate. – cfr. Depoimento da testemunha E. A., Nome do ficheiro áudio: 20211028144243_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:00:56 a 00:02:10, Ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
19. Na mesma senda, a testemunha M. L. prima da mãe do Autor/Recorrido declarou ao tribunal a quo que quando chegou ao local do acidente o mesmo já tinha acontecido e já se encontrava no local muita gente. Logo, mais uma vez, o depoimento desta testemunha não poderia servir de fundamento da decisão de facto recorrida, uma vez que não tem razão de ciência. – cfr. Depoimento da testemunha M. L., Nome do ficheiro áudio: 20211028145640_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:00:32 a 00:01:56, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
20. Também os agentes da GNR – as testemunhas P. J. e L. A. - que se deslocaram ao local do acidente em virtude de terem sido chamados pelo Interveniente/Recorrente, referiram que quando lá chegaram já o acidente tinha ocorrido e que não conseguiram apurar as circunstâncias em que ocorreu o acidente. – cfr. Depoimento da testemunha P. J., Nome do ficheiro áudio: 20211028145640_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:01:24 a 00:02:10, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021 e Depoimento da testemunha L. A., Nome do ficheiro áudio: 20211028162128_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:00:54 a 00:01:36, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
21. Para comprovar o que aqui se alega, o próprio Autor/Recorrido referiu que o carro lhe embateu na parte direita do corpo, nos membros inferiores. Ora se o Autor/Recorrido se tivesse mantido na sua rota à esquerda, e se fosse intenção do Interveniente/Recorrente atropelá-lo, o carro ter-lhe-ia embatido em cheio na parte posterior do seu corpo, e não apenas o lado direito. Na verdade, como diz o Autor/Recorrido, o carro atingiu-lhe na perna direita, porque precisamente este alterou a sua trajetória, virando-se para o lado direito, provocando assim o embate. – cfr. Depoimento de parte de P. P., nome do ficheiro áudio: 20211028100959_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:13:22 a 00:35:00, ata da audiência e discussão de julgamento 28.10.2021.
22. Quanto ao local provável do embate, da prova produzida, resultou por provado que a viatura ficou imobilizada imediatamente a seguir ao embate. Sucede que, como a estrada logo a seguir ao local do embate, no sentido descendente, só permite a circulação de uma viatura de cada vez, o Interveniente/Recorrente instintivamente decidiu retirar a viatura do local para que o trânsito pudesse circular. – cfr. Depoimento de Parte de B. F., Nome do ficheiro áudio: 20211028111342_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:14:55 a 00:16:00, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
23. Aliás, tal facto foi corroborado pelo próprio Autor/Recorrido que em sede de depoimento de parte declarou que o Interveniente/Recorrente retirou a viatura do local porque havia uma carrinha que queria passar. – cfr. Depoimento de parte de P. P., nome do ficheiro áudio: 20211028100959_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:35:42 a 00:37:45, ata da audiência e discussão de julgamento 28.10.2021.
24. Na mesma senda, a testemunha arrolada pelo Autor C. F. referiu que se recorda de ver uma viatura branca no meio da estrada e de os carros não poderem circular em virtude disso. Aliás, referiu mesmo que se o Interveniente/Recorrente não tivesse retirado o carro no meio da estrada a ambulância que veio para socorrer o Autor/Recorrido não tinha conseguido chegar ao local do acidente. – cfr. Depoimento de C. F., Nome do ficheiro áudio: 20211028141507_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:03:36 a 00:04:24, 00:08:24 a 00:08:59 e 00:22:28 a 00:24:04, ata da Audiência de Discussão e Julgamento 28.10.2021.
25. Sucede que mais uma vez o tribunal a quo não procedeu a uma devida e correta apreciação da prova e inexplicavelmente desconsiderou os aludidos depoimentos e firmou a convicção de que o Interveniente/Recorrente quis mudar a viatura de sítio de forma premeditada. Pelo que, não se concorda com o gizado na douta sentença: “Do mesmo modo, a atuação posterior do Interveniente consubstanciada na mudança do posicionamento da sua viatura, não tendo sido ditada, como o próprio reconhece, por exigências estritas de tráfego (porque o transito circulava), só pode ter tido em vista iludir as autoridades quanto aos contornos da responsabilidade por este acidente”.
26. Apesar de o tribunal a quo ter dado como provado o facto número 4.7. dos FACTOS PROVADOS, ou seja, “Ato contínuo, o B. F., porque estava a recuperar de uma cirurgia e tinha a locomoção limitada, entrou na sua viatura de marca Renault, de modo a encetar uma perseguição ao Intruso, que dele fugia a correr pela indicada Rua ..., no sentido descendente, em direção à Rua ..., seguindo o condutor, pela hemi faixa direita atento o seu sentido de marcha”, paradoxalmente, na fundamentação da decisão de facto firmou a sua convicção, note-se, sem sustentação em qualquer prova testemunhal ou documental, que o Interveniente/Recorrente afinal vinha a circular com a viatura na faixa de rodagem esquerda, e portanto, na faixa contrária ao seu sentido da marcha.
27. Sendo que, o tribunal a quo, considerou tal indício, unicamente sustentado no depoimento de parte/declarações de parte do Autor/Recorrido, como suficiente e bastante para determinar e provar a intenção do Interveniente/Recorrente de atropelar o Autor/Recorrido. Sendo esta presunção a base de toda a sentença.
28. A verdade é que o Interveniente/Recorrente vinha a circular com a sua viatura mais ou menos no meio da estrada, pois como pretendia alcançar o Autor/Recorrido, que ia correr na faixa esquerda da estrada, circulava no meio da estrada para conseguir falar com ele, exigindo que este parasse e bem assim, desvendar a sua identidade. Tendo, aliás, o Interveniente/Recorrente aberto o vidro da janela do carro e falado com o Autor/Recorrido para que este não fugisse mais. Atente-se o depoimento de parte do Interveniente/Recorrente, nome do ficheiro áudio: 20211028111342_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:05:47, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021. Que foi totalmente corroborado pela testemunha J. D., no seu depoimento, nome do ficheiro áudio: 20211028150806_5831435_2870527, tempo áudio: 00:07:17 a 00:07:32, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
29. Um homem médio nas mesmas circunstâncias teria feito exatamente o mesmo. Naquele momento de perseguição, a pessoa que persegue e que acabou de ver invadida e furtada a sua casa, não está preocupada em cumprir escrupulosamente com as regras estradais e circular de forma eximia na sua faixa de rodagem. No entanto, daí não se poderia concluir que o Interveniente/Recorrente queria intencionalmente atropelar o Autor/Recorrido. Até porque quando um fugitivo está em fuga os seus comportamentos podem ser erráticos e podem mudar repentinamente, como sucedeu. Sendo que a pessoa que persegue quer manter-se o mais próxima possível do fugitivo.
30. A acrescer a tudo o que foi dito, as próprias circunstâncias da estrada ou rua em questão (larga até determinado ponto e com um afunilamento à esquerda de tal forma acentuado que apenas um carro circula de cada vez) levam a que os automobilistas, principalmente, aqueles que conhecem bem o local, como é o caso do Interveniente/Recorrente, circulem com frequência no meio da estrada, pois como a partir de determinado momento vão ter que virar de forma abrupta à esquerda, em vez de circularem de forma exemplar na faixa de rodagem direita, têm a tendência para circular mais no meio da estrada, sem fazer a perpendicular como mandam as regras estradais. Neste sentido, vide fotografias tiradas aquando a inspeção ao local, juntas com o requerimento do Interveniente/Recorrente de 24.11.2021, com a ref.ª 40570679., bem como, o teor do depoimento de parte do Interveniente/Recorrente. – cfr. Depoimento de Parte, Nome do ficheiro áudio: 20211028111342_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:28:08 a 00:30:15, 00:39:26 a 00:41:05, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021;
31. Este facto foi sindicado pelo agente da GNR P. J., chamado ao local após o acidente, que referiu de forma clara que apesar de as regras estradais mandarem fazer a perpendicular para virar à esquerda a seguir ao local do acidente, o normal é o cidadão comum não a fazer e ir encostado à esquerda, precisamente onde ocorreu o embate. – cfr. Depoimento de P. J., nome do ficheiro áudio: 20211028154831_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:07:11 a 00:11:25 e 00:11:36 a 00:11:50, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021. Tendo igualmente sido corroborado pela testemunha C. F., moradora daquela rua onde ocorreu o acidente, bem como, pela testemunha J. D.. – cfr. Depoimento de C. F., Nome do ficheiro áudio: 20211028141507_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:17:46 a 00:21:09, ata da Audiência de Discussão e Julgamento 28.10.2021. Depoimento da testemunha J. D., nome do ficheiro áudio: 20211028150806_5831435_2870527, tempo áudio: 00:10:47 a 00:11:10, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
32. Todavia, este facto foi totalmente desconsiderado pelo tribunal a quo, tendo mesmo considerado irrelevante. No entanto, para a determinação da (in)existência da intenção de atropelamento pelo Interveniente/Recorrente, impunha-se que o tribunal a quo tivesse dado relevância a esse facto.
33. Além disso, face ao exposto, não foi cumprido o ónus da prova relativamente à intenção dolosa (ainda de dolo necessário) de atropelamento pelo Interveniente/Recorrente. Sendo que, o Direito não se basta com presunções, com meros “indícios” e probabilidades. A decisão recorrida está repleta de verbos conjugados no condicional e de meras suposições: “onde terá ocorrido o embate”, “tudo indica”, “terá sido colhido a cerca de 1 metro do muro”, entre outras expressões.
34. Mais, o tribunal a quo considerou que no momento imediatamente antes do embate o Interveniente/Recorrente acelerou a marcha. Sucede que, em momento algum foi dito isso por qualquer testemunha ou mesmo pelo Autor/Recorrido. Não foram ouvidas quaisquer testemunhas ou junta qualquer prova documental que sindicassem este facto. Assim sendo, o tribunal a quo não se baseou em nenhuma prova para declarar como provado esse facto.
35. O local do embate ocorreu no meio da faixa de rodagem, a sensivelmente, 4 metros da berma esquerda e não na faixa de rodagem esquerda como considerou o tribunal a quo. Sendo que logo a seguir ao embate o Interveniente/Recorrente saiu da sua viatura e como o Autor estava prostrado no chão da estrada, encostou-o ao muro da estrada pelos braços. – cfr. Depoimento de Parte de B. F., Nome do ficheiro áudio: 20211028111342_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:11:43 a 00:15:00 e 00:16:06 a 00:18:20, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
36. Este facto foi totalmente corroborado pela testemunha presencial do acidente J. D.. – cfr. Depoimento da testemunha J. D., nome do ficheiro áudio: 20211028150806_5831435_2870527, tempo áudio: 00:09:08 a 00:13:52, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
37. Como supra se referiu, todas as testemunhas que chegaram ao local posteriormente ao acidente, ou que viram as pessoas no local pela varanda, como é o caso da testemunha C. F., não têm razão de ciência nesta matéria, pois como não presenciaram o acidente não viram onde ocorreu o embate, muito menos onde o Autor/Recorrido terá caído no chão após o acidente. O que presenciaram foram os momentos posteriores a esse, em que o Autor/Recorrido já se encontrava na berma com as testemunhas J. D. e N. S.. Logo, a fundamentação da sentença recorrida nesta matéria fáctica cai por terra, pois baseia a sua decisão nas declarações de C. F. e E. A. que não estavam no local no momento do acidente, e portanto, não podem garantir de forma credível onde terá o Autor/Recorrido caído após o embate.
38. Por outro lado, não se entende em que medida o tribunal a quo pode entender que o facto de o Interveniente/Recorrente encostar o Autor/Recorrido ao muro da berma poderia incriminá-lo, e portanto, tal facto não aconteceu. Porquanto, não se vê em que medida é que tal comportamento em si possa constituir ilícito penal e ou civil. Não é de todo desrazoável, sendo até um comportamento normal que, numa situação daquelas um homem médio colocado nas mesmas circunstâncias q e o Interveniente/Recorrente (não sabendo que o Autor/Recorrido tinha as pernas partidas, porque não havia ainda vestígios disso, mas vendo-o debilitado) tenha pegado no Autor/recorrido pelos braços e encostado ao muro da berma, de modo a que pudesse estar mais confortável e pudesse falar melhor com ele e ver se o Autor/Recorrido tinha furtado bens da sua casa, como sucedeu no presente caso.
39. Note-se, que o facto de o Interveniente/Recorrente ter referido que a viatura ficou a “2 metros e qualquer coisa” e a testemunha J. D. ter referido que a viatura ficou a “4, 5 da berma”, tal não significa que ambos os depoimentos deveriam ser desconsiderados, como erroneamente entendeu o tribunal a quo, pois pese embora a diferença entre os metros, não significa que sejam contraditórios entre si: dois metros e qualquer coisa podem ser similares ao que a outra pessoa considera como sendo 4 metros. Mas o contrário já não acontece, dois metros e qualquer coisa ou 4 metros não podem ser comparados a 1 metro de distância do muro, como foi dito pelo Autor/Recorrido.
40. Esta diferença de medidas entre o Interveniente/Recorrente e a testemunha J. D. justifica-se desde logo pelas diferentes perceções de distâncias que cada um tem. O Interveniente referiu no seu depoimento supra que a estrada tinha sensivelmente 7 metros e a testemunha J. D. referiu que essa mesma estrada tinha aproximadamente 10 metros. Pois, como é sabido, podem existir diferentes perceções quanto às medições entre objetos/coisas, sendo que não é uma ciência exata o método “olhômetro”, mas a perceção de 1 metro é diferente de 2 metros e qualquer coisa ou 4 metros. Estão mais consentâneas ente si as perceções de 2 metros e qualquer coisa e 4 metros do que 1 metro!
41. Logo, não podia o tribunal a quo considerar como certa e real a versão do Autor, interessado na causa, sem se apoiar em mais prova, descurando por completo a prova testemunhal de uma testemunha presencial do acidente, que estava consentânea com o alegado pelo Interveniente/Recorrente no seu depoimento de parte.
42. Face ao exposto, não se concorda com a decisão recorrida ao referir que o Autor/Recorrido: “Terá sido colhido a cerca de 1 metro do muro da casa do Sr. P. que confina com o posto de transformação, local onde foi visto por várias testemunhas a gemer com dores e a ser interpelado, insultado e agredido pelo(s) perseguidores(es). Não sendo crível que, acaso tivesse sido colhido pelo Interveniente num local bem mais afastado da berma esquerda, tivesse sido depois trazido para junto da berma pelos perseguidores, a pretexto de que intentavam questioná-lo sobre os bens furtados. Tal atuação, além de que contraria as mais elementares regras de atuação com sinistrados, teria efeito incriminador para os perseguidores, pelo que o Tribunal se convenceu que o autor foi colhido onde refere o autor e onde este foi visto com os perseguidores pelas testemunhas C. F. e E. A.”.
43. Para além de tudo o que foi dito, alega-se ainda, que o local do embate nem sequer ficou determinado na participação elaborada pelos Agentes da GNR que foram chamados ao local, sendo que no âmbito dos seus depoimentos referiram expressamente que não conseguiram determinar o local do embate. – cfr. Depoimento de P. J., nome do ficheiro áudio: 20211028154831_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:01:24 a 00:02:09, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021. Depoimento da testemunha de L. A., nome do ficheiro áudio: 20211028162128_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:01:17 a 00:02:43, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
44. A convicção do tribunal a quo de que o Interveniente/Recorrente quis atropelar o Autor/Recorrido porque era a única forma daquele o conseguir intercetar não faz qualquer sentido. O Autor/Recorrido ia a correr a pé e o Interveniente/Recorrente ia atrás de carro, era apenas uma questão de tempo para que o conseguir alcançar.
45. Se assim fosse, o Interveniente/Recorrente teria impresso velocidade na viatura e o embate teria ocorrido muito antes. Note-se que desde a casa do Interveniente/Recorrente até ao local do acidente, o Autor/Recorrido correu ainda umas centenas de metros. Logo, se a intenção fosse atropelar aquele, o Interveniente/Recorrente teria certamente embatido no corpo do Autor/Recorrido, sendo que o acidente poderia ter sido com maior gravidade do que aconteceu. Não se olvide que a viatura do Interveniente/Recorrente teve danos diminutos, apenas danificou o vidro da frente da viatura e um farol da frente do lado esquerdo. – cfr. Depoimento dos agentes da GNR que elaboraram o auto de participação do acidente. Depoimento da testemunha P. J., Nome do ficheiro áudio: 20211028145640_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:05:05 a 00:05:20, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021. Depoimento da testemunha de L. A., nome do ficheiro áudio: 20211028162128_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:02:52 a 00:03:30, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021. Este facto foi igualmente sindicado pela testemunha M. L.. Atente-se o seu depoimento, nome do ficheiro áudio: 20211028145640_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:03:05 a 00:03:20, data da audiência de discussão em julgamento: 28.10.2021.
46. Para além disso, podemos apontar ainda outros factos que demonstram a inexistência de intenção de atropelamento por parte do Interveniente/Recorrente: foi o Interveniente/Recorrente que chamou o INEM ao local para socorrer o Autor/Recorrido; O Interveniente/Recorrente em momento algum abandonou o local e recusou auxílio ao Autor/Recorrido. - Cfr. Depoimento de Parte de B. F., Nome do ficheiro áudio: 20211028111342_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:14:48 a 00:15:35, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021 e Depoimento da testemunha J. D., nome do ficheiro áudio: 20211028150806_5831435_2870527, tempo áudio: 00:32:38 a 00:33:00, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021.
47. O próprio Autor no seu depoimento apenas referiu que vinha a correr e quando deu por isso foi atropelado. Mas o Autor não sabia, nem tinha como saber se foi intencional. Até porque como referiu no seu depoimento só se apercebeu da viatura no momento do embate, tendo mesmo alegado que não sabe em que faixa o Interveniente/Recorrente circulava. – cfr. Depoimento de parte de P. P., nome do ficheiro áudio: 20211028100959_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:06:03 a 00:10:24, ata da audiência e discussão de julgamento 28.10.2021.
48. EM SUMA, o que resulta da prova produzida, quer a testemunhal que supra se transcreveu, quer documental, a que oportunamente se fez referência, é que o tribunal a quo devia ter dado como provado o número 4.52. dos FACTOS NÃO PROVADOS: “Que, momentos antes do embate, e a dada altura, de forma subida e inopinada, o autor tenha alterado a sua direção para o lado direito, tendo provocado o embate com o veículo no qual seguia o chamado, com o intuito de prosseguir sua fuga para um monte que ficava do seu lado direito, pois bem sabia que, acaso continuasse na vi publica, o autor a pé e o Interveniente de carro, mais tarde ou mais cedo, o Interveniente iria conseguir alcança-lo”.
49. Os números 4.22., 4.23., 4.24.,4.28., 4.29., 4.30., 4.31. DOS FACTOS PROVADOS respeitantes aos danos alegadamente sofridos pelo Autor/Recorrido deveriam ter sido dados por FACTOS NÃO PROVADOS pelo tribunal a quo. Em sede de audiência de discussão e julgamento não foi produzida qualquer prova testemunhal ou documental que comprovassem a veracidade dos factos supra.
50. Em face disto, o tribunal a quo baseou-se unicamente nas declarações do Autor/Recorrido, ou seja, a pessoa mais interessada no ganho da causa. Pois, apesar de a decisão recorrida referir que para determinação dos danos “louvou-se o tribunal no teor do relatório pericial de fls. 126 a 129, bem como registos clínicos do autor”, de tais documentos não resulta expressamente que o Autor/Recorrido teve que ficar imobilizado na sua cama durante 90 dias, que após esse período, só conseguia locomover-se com recurso a apoios, durante 30 dias, período a partir do qual, passou muito lentamente a locomover-se pelo seu próprio pé, mas claudicando durante algum tempo.
51. As únicas testemunhas que relataram que viram o Autor/Recorrido após o acidente, sem precisar contudo, a data concreta, foram as testemunhas C. F. e M. L. e apenas disseram que fizeram uma visita de cortesia ao Autor/Recorrido após o acidente, e que o viram deitado na cama com a perna engessada. – cfr. Depoimento da testemunha C. F., Nome do ficheiro áudio: 20211028141507_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:11:38 a 00:11:45, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021. Depoimento da testemunha M. L., Nome do ficheiro áudio: 20211028145640_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:06:07 a 00:06:15, ata da audiência de discussão em julgamento: 28.10.2021.
52. Todavia, daqui não se pode declarar como provado que o Autor/Recorrido esteve imobilizado na cama do seu quarto de dormir, com a parte anterior do seu corpo virada para o teto, aí tomando as refeições, medicamentos, fazendo as suas necessidades fisiológicas, sempre com a ajuda da sua Mãe.
53. Da prova documental junta aos autos, nomeadamente dos registos clínicos do Autor/Recorrido apenas se pôde apurar o seguinte: -
Nota de alta do Hospital … de 29.03.2019 junto aos autos com a petição inicial a fls… (não se refere o nr.º do documento porque o Autor não os numerou): “Sem queixas relevantes. Tem alta para o domicílio com indicação para não fazer carga sobre os membros inferiores”. Logo, a indicação médica não era repouso absoluto, mas tão só não fazer carga sobre os membros inferiores.
- registo da consulta externa de ortopedia no dia 7.05.2019 com o Dr. A. M. junto aos autos com a petição inicial a fls…: “Cirurgia ocorreu sem intercorrências. Atualmente com 7 semanas pós evento. Feridas bem. Rx perna dta bem. Sem queixas relevantes. (negrito nosso). Volta em 1 mês para rx do femur esq. e perna dta”. Isto significa que o Autor/Recorrido quando foi à consulta de ortopedia passados dois meses desde o acidente não se queixava de dores e o processo de recuperação estava a decorrer dentro da normalidade.
54. No que concerne ao Facto Provado número 4.31 para além do que ficou exposto acrescentese ainda que o Autor/Recorrido no seu depoimento de parte nunca referiu que tinha pavores a carros e que somente conseguia tranquilizar-se com recurso a ansiolíticos. É certo que referiu que após o acidente chegou a tomar comprimidos para a ansiedade, mas pelo teor das suas declarações não se pode interpretar que era algo que lhe criava inúmeras crises de ansiedade, insónias e tremores.
55. Para além disso, não se olvide, que à data o Autor/Recorrido consumia estupefacientes, tendo sido aliás o fundamento que apresentou para ter realizado o referido furto, sendo que a ser verdade seria bastante provável que a inibição do consumo provocada pelo tempo em que o mesmo esteve em recuperação tivesse sido a causa de tais insónias ou tremores, apesar de, reitere-se não terem sido apresentadas essas queixas pelo próprio Autor/Recorrido. – cfr. Depoimento de parte de P. P., nome do ficheiro áudio: 20211028100959_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:02:54 a 00:03:48, 00:29:39 a 00:30:15, ata da audiência e discussão de julgamento 28.10.2021.
56. O número 4.25. dos FACTOS PROVADOS deveria ter sido como FACTO NÃO PROVADO, como aliás, sucedeu com o FACTO NÃO PROVADO número 4.49., pois apesar de estarem divididos em factos diferentes respeitam precisamente à mesma matéria de facto, sendo que a decisão recorrida, ininteligivelmente, considerou um facto como não provado e outro como provado, pelo menos no que diz respeito ao facto de o Autor ainda hoje claudicar e isso o deixar ansioso. Para além disso, o 4.25 dos FACTOS PROVADOS que ora se impugna não resultou da prova produzida, quer testemunhal, quer documental. Não foi ouvida qualquer testemunha sobre este facto, não foi junto qualquer documento que comprove a necessidade de tratamentos para a dor, bem como, não foi junto qualquer documento que comprove a existência de observações clínicas atuais ou idas ao hospital. A douta sentença declara-o como provado sem sequer proceder à sua fundamentação.
57. Ainda no que diz respeito ao FACTO PROVADO 4.25, em sede de depoimento de parte, o Autor/Recorrido referiu expressamente ao Tribunal a quo que atualmente sente-se bem e que não claudica. Sendo que em momento algum referiu que continua com dores, que necessita de tratamentos e observação clínica, não referiu que não está ainda curado, e muito menos, que tem de se deslocar amiúde ao hospital, com todos os constrangimentos que isso importa por força da pandemia. O que o Autor/Recorrido referiu é que os pais e os amigos julgam que o Autor/Recorrido não caminha normalmente, mas ao contrário deles, o Autor/Recorrido pensa que sim. Logo, a opinião de terceiras pessoas a cerca da forma de caminhar do Autor/Recorrido nunca poderia ser considerado um dano valorizável para efeitos de indemnização, nos termos da Lei. – cfr. Depoimento de parte de P. P., nome do ficheiro áudio: 20211028100959_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:26:48 a 00:28:40, ata da audiência e discussão de julgamento 28.10.2021.
58. O tribunal a quo deveria ter dado como NÃO PROVADO o número 4.26. dos FACTOS PROVADOS. Não foi produzida qualquer prova testemunhal ou documental que atestem a veracidade deste facto. Sendo que o depoimento de parte do Autor/Recorrido quanto a este ponto (e a muitos outros) está repleto de contradições, tendo aliás apresentado duas versões diferentes, pois, ora disse que o Interveniente/Recorrente quando o vinha a perseguir de carro gritava que o ia matar, ora disse que só se apercebeu que o Interveniente/Recorrente vinha atrás de si no momento do embate. Pelo que não podia o Tribunal a quo louvar-se exclusivamente no depoimento de parte contraditório do Autor/Recorrido. Depoimento de parte de P. P., nome do ficheiro áudio: 20211028100959_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:04:54 a 00:07:15, 00:19:09 a 00:20:23, 00:53:45 a 00:54:00, ata da audiência e discussão de julgamento 28.10.2021.
59. Além do mais, sempre poderia considerar-se como razoável, atendendo às circunstâncias concretas da situação, que no momento em que o Autor/Recorrido estava em fuga e a ser perseguido pelo dono da casa furtada pudesse sentir medo ou terror pelo simples facto de poder ser apanhado e com todas as consequências daí advenientes e não propriamente com medo que atentassem contra a sua integridade física ou mesmo a sua vida. Que, ainda assim, note-se, não resultou por provada.
60. Andou mal o tribunal a quo ao dar como provado o número 4.27. dos FACTOS PROVADOS, pelo que deveria o mesmo ter sido dado como FACTO NÃO PROVADO, na medida em que não foram ouvidas quaisquer testemunhas que sindicassem o facto de a seguir ao acidente o Interveniente/Recorrente tenha pontapeado o Autor/Recorrido, causando-lhe ainda mais dor. Pelo que, não se vislumbra qual foi a motivação do tribunal a quo para qualificar tal facto como PROVADO.
61. Sobre o número 4.27 dos FACTOS PROVADOS, veja-se, em síntese, a prova produzida: a testemunha E. A. questionada sobre se assistiu a alguma agressão, a sua primeira resposta foi “Não”, mas depois disso, “espere aí”, e disse que viu alguém a dar dois pontapés ao Autor/Recorrido mas que não sabe identificar quem foi a pessoa que os deu. Ora, tal depoimento, não merece credibilidade na medida em que não é plausível que uma pessoa enquanto testemunha questionada sobre se presenciou algum crime, nomeadamente, agressões físicas, diga em primeiro lugar que não e depois mude o seu discurso para afinal viu “dois pontapés”. Todavia, ainda assim, esta testemunha acabou por não referenciar o Interveniente/Recorrido como o autor desses pontapés. -cfr. Depoimento da testemunha E. A., nome do ficheiro áudio: 20211028144243_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:06:28 a 00:10:00, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.21.
62. Por sua vez, a testemunha C. F., também moradora da rua onde ocorreu o acidente e que chegou depois do mesmo ter acontecido, mas que foi uma das primeiras pessoas a chegar ao local na medida em que quando chegou ainda o carro do Interveniente/Recorrente não tinha sido mudado de local, referiu que não assistiu a qualquer agressão ao Autor/Recorrido. Na mesma senda, a testemunha M. L., prima da mãe do Autor/Recorrido que ia a passar na rua após acidente ter ocorrido, questionada sobre se assistiu a alguma agressão ao Autor/Recorrido, disse que não. – cfr. Depoimento da testemunha C. F., Nome do ficheiro áudio: 20211028141507_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:07:29 a 00:08:35, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021. Depoimento da testemunha M. L., Nome do ficheiro áudio: 20211028145640_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:04:23 a 00:05:15, ata da audiência de discussão em julgamento: 28.10.2021.
63. O número 4.32. dos FACTOS PROVADOS deveria ter sido dado como FACTO NÃO PROVADO pelo tribunal a quo. Mais uma vez, a decisão recorrida não fundamentou esta sua decisão. Não foram ouvidas quaisquer testemunhas sobre esta matéria, muito menos foi junto qualquer documento que sindiquem tal facto. Sendo que para além de ser verídico que o Autor/Recorrido tinha á data do acidente 19 anos, não resultou por provado que este era um jovem saudável, sem qualquer patologia, alegre e com energia própria da sua idade. Ao invés, o que o Autor/Recorrido referiu sob este conspecto foi que antes do acidente consumia estupefacientes de forma regular, andava com uns problemas, frustrado e que tinha acabado com a sua mulher. – cfr. Depoimento de parte de P. P., nome do ficheiro áudio: 20211028100959_5831435_2870527, Tempo áudio: 00:01:41 a 00:03:35, 00:48:50 a 00:50:04, ata da audiência e discussão de julgamento 28.10.2021.
64. De forma contraproducente o tribunal a quo declarou como provados os números 4.34. e 4.42 como sendo FACTOS PROVADOS, tendo igualmente, considerado como FACTO NÃO PROVADO o número 4.50. “Que o contrato de trabalho do autor não tenha sido renovado por causa do acidente”. Pelo que só por lapso é que se compreende esta “distração” do tribunal a quo ao declarar como provado matéria que considerou por não provada e que aliás decidiu em conformidade com essa matéria não provada. Da prova produzida, conforme resulta dos FACTOS PROVADOS, mormente, número 4.35. o Autor/Recorrido faltou injustificadamente reiteradas vezes: em janeiro de 2019, faltou 8 horas, e fevereiro, faltou 16 horas e em março faltou 36 horas. Logo, é bom de ver, que o motivo que esteve na base da não renovação do contrato de trabalho do Autor/Recorrido foi a sua falta de assiduidade e não a consequente baixa médica em virtude do acidente de viação que padeceu.
65. O tribunal a quo deveria ter dado como FACTO NÃO PROVADO o número 4.43. dos FACTOS PROVADOS. Acontece que, e não obstante os documentos juntos pelo Autor/Recorrido, que servem de base à prova de tais despesas, terem sido expressamente impugnados pelo Interveniente/Recorrente em sede de contestação, refira-se ainda que da junção destes documentos (5, 6 e 7) não resulta prova plena de que tais deslocações para o Hospital foram feitas como consequência direta e necessária do acidente ocorrido. Já no que se refere às despesas relacionadas com o “aluguer de cama articulada, colchão, grades”, sempre se diga que para além dos documentos juntos pelo Autor/Recorrido (8 e 9), também expressamente impugnados pelo Interveniente/Recorrente, nenhuma prova foi feita da necessidade técnica da utilização desta cama articulada. Por último, no que se refere às despesas tidas com “medicamentos”, no valor de €45,68, nomeadamente lovenox, ferrum fol hausmann, dafalgan, naproxeno generis, omeprazol, não logrou o Autor/Recorrido em fazer prova de que a medicação comprada estivesse diretamente relacionada com o acidente ocorrido.
66. Feita a impugnação de toda a matéria de facto, incumbe, ainda realizar uma APRECIAÇÃO CRÍTICA DA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO RECORRIDA, nomeadamente, no que diz respeito à excessiva valoração do depoimento de parte/declarações de parte do Autor/Recorrido em detrimento do depoimento de parte do Interveniente, bem como, à desconsideração das únicas testemunhas presenciais do acidente – J. D. e N. S.. Porquanto, o tribunal a quo incorreu num erro de apreciação da prova na medida em que fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto praticamente de forma exclusiva no depoimento de parte do Autor/Recorrido.
67. Ora, sendo o Autor/Recorrido parte na causa, não podia o tribunal a quo basear a sua decisão unicamente nas declarações do Autor/Recorrido, sem que essas declarações fossem conjugadas e sustentadas em outra prova testemunhal ou documental. A mais disto, da prova produzida, resultou demonstrado que o depoimento de parte do Autor/Recorrido não devia ter merecido a credibilidade que o tribunal a quo lhe atribuiu, na medida em que o mesmo se encontra ferido de manifestas contradições e falsidades, que indubitavelmente, põem em causa esse meio de prova.
68. Para além da impugnada versão do Autor/Recorrido sobre as circunstâncias como ocorreu o acidente, detetaram-se várias contradições no seu depoimento. Consoante as perguntas que lhe eram feitas, o Autor/Recorrido mudava a sua versão dos factos. Sendo que apontamos pelo menos sete contradições nas suas declarações, conforme se encontram devidamente elencadas e evidenciadas nas Alegações do presente recurso.
69. Por outro lado, não se compreendem e aceitam as razões pelas quais o tribunal a quo entendeu proceder à desacreditação das referidas testemunhas – J. D. e N. S.. A decisão recorrida invocou a existência de contradições entre os depoimentos do Interveniente/Recorrente e aquelas testemunhas, apontando para tanto, duas contradições. Uma, diz respeito à diferente quantificação dos metros em que a viatura do Interveniente/Recorrente ficou distanciada da berma, cujo argumento oportunamente já tivemos o ensejo de desmontar e deitar por terra, mormente, pontos 39. a 42. das presentes Conclusões, para os quais se remete.
70. A outra contradição apontada pela decisão recorrida para desconsiderar as testemunhas J. D. e N. S. diz respeito ao facto de o Interveniente/Recorrente ter referido no seu depoimento de parte que o Autor/Recorrido corria pela faixa esquerda da estrada e aquelas testemunhas terem referido que o Autor/Recorrido ia a correr no meio da estrada.
71. Ora, sob este enfoque, alega-se que não existe qualquer contradição meritória de valoração pelo tribunal a quo, visto que as testemunhas apesar de terem referido que viram o Autor/Recorrido a correr no meio da estrada, também referiram que a determinado momento aquele encostou-se mais para a esquerda da faixa de rodagem. A mais disto, relembre-se que aquelas testemunhas foram as primeiras a ir ao encalce do Autor/Recorrido. O Interveniente/Recorrente quando pegou na viatura para ir atrás do Autor/Recorrido já aquelas testemunhas iam a correr atrás dele. – cfr. Depoimento da testemunha J. D., nome do ficheiro áudio: 20211028150806_5831435_2870527, tempo áudio: 00:05:38 a 00:07:12, ata da Audiência de Discussão e Julgamento: 28.10.2021. Depoimento de N. S., nome do ficheiro áudio: 20211028160321_5831435_2870527, tempo áudio: 00:01:43 a 00:02:40, ata da audiência de discussão e julgamento: 28.10.2021.
72. A decisão recorrida entendeu também descredibilizar as testemunhas J. D. e N. S., pelo facto de o primeiro ter sido constituído arguido, conjuntamente com o Interveniente/Recorrente, no âmbito do Inquérito Criminal n.º 977/19.2T8GMR da 1.ª Secção do
DIAP de Guimarães, “encontrando-se indiciados pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, razão pela qual, a credibilidade dos seus depoimentos nestes autos, bem como da própria testemunha acima identificada, sobrinho de ambos os aí arguidos, sempre revestiria um valor probatório menos qualificado, pois que, a versão que viessem a assumir nestes autos, sempre teria reflexos incriminatórios nos autos em que são visados”.
73. Sob este enfoque, refira-se que a testemunha N. S. não está indiciada de qualquer crime, muito menos foi constituída arguida no âmbito do processo supra mencionado. Quanto à testemunha J. D., apesar de ter sido apresentada queixa-crime contra si pelo Autor/Recorrido no âmbito do aludido inquérito criminal, ainda não existe qualquer despacho de acusação pelo Ministério Público, e portanto, é falso que esteja indiciado juntamente com o Interveniente/Recorrente pela prática de um crime de homicídio na forma tentada. E, ainda que assim fosse, os factos relativos ao acidente de atropelamento do Autor/Recorrido nada têm a ver com os factos alegados pelo Autor/Recorrido na sua queixa-crime contra a testemunha J. D., conquanto que, os factos pelos quais foi apresentada queixa-crime contra a testemunha J. D. dizem respeito a alegadas agressões físicas ao Autor/Recorrido após a ocorrência do acidente de viação.
74. Em face de todo o exposto, dúvidas inexistem que o acidente de viação ocorreu na sequência de uma situação de flagrante delito, atenta a noção dada pelo n.º 1 do artigo 256.º do CPP e o disposto no n.º 1 al. b) do artigo 255.º do CPP. A situação em apreço, e o tipo de crime acabado de cometer pelo Autor/Recorrido – furto qualificado na forma tentada - admitia a sua detenção por qualquer pessoa, até porque, sempre se refira, no caso dos presentes autos não era previsível que qualquer entidade policial chegasse ao local em tempo útil e procedesse à sua detenção. Tanto não chegaria, que quando a Polícia chegou ao local, já o INEM tinha prestado assistência ao Autor/Recorrido – tudo como consta do auto de participação do acidente junta com a petição inicial.
75. O princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil é um princípio constitucional e legalmente vinculado, não tendo, por via disso, um caráter arbitrário, nem se circunscrevendo a meras impressões criadas no espírito do julgador.
76. “A verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico”. - Cfr. Acórdão do STJ de 11.12.2003, processo n.º 03B3893, disponível em www.dgsi.pt. Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – cfr. Acórdão do STJ de 20.09.2004, disponível em www.dgsi.pt.
77. Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro, como ocorreu no caso dos presentes autos com a sentença recorrida.
78. Significa isto, que essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, devendo obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, não podendo confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.
79. As declarações de parte, bem como o depoimento de parte, são um meio de prova livre, a analisar criticamente no âmbito de cada processo, contudo, serão SEMPRE insuficientes para estabelecer a prova de um facto, favorável à parte, quando se revelam frágeis e desacompanhadas de outro meio de prova ao seu alcance e que as sustente, o que significa, no fundo, que devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado.
80. E isto porque, refira-se, não se pode olvidar que, como meio probatório, são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação, como é o caso do Autor/Recorrido nos presentes autos. Efetivamente, seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam estes documentais ou testemunhais, o tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos, não apresentando, por isso, a suficiência bastante à demonstração positiva do facto pretendido provar.
81. Tal entendimento encontra-se, aliás, mais do que firmado pelos nossos tribunais superiores, dos quais, e a título de exemplo, se indicam as decisões proferidas nos seguintes Acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 20.02.2020, relator: Joaquim Correia Gomes, proferido no âmbito do processo n.º 19548/18.4T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt;; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 03.10.2008, relator: Simões Raposo, proferido no âmbito do processo n.º 3/07.4GAVGS.C2, disponível em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21.01.2021, relator: António Barroca Penha, proferido no âmbito do processo n.º 2480/17.6T8BRG.G1, disponível em www.dgsi.pt, entre outros.
82. Face ao exposto, o tribunal ao quo em clara violação do princípio da livre apreciação da prova, e de todos os condicionalismos que lhe são intrínsecos, converteu de forma automática as declarações de parte/depoimento de parte do Autor/Recorrido numa demonstração imediata e suficiente dos factos a provar, e isto quando, atente-se, o depoimento de parte do Autor/Recorrido para além de ser interessado, parcial e não isento, demonstrou não merecer a credibilidade objetiva do tribunal a quo, visto que em momento algum o seu depoimento foi confrontado com qualquer outro meio legal de prova, bem como, foram encontradas e apontadas várias contraditoriedade no seu depoimento.
83. Por outro lado, ao contrário do referido pelo tribunal a quo, não se concluí estarem preenchidos os cinco grandes pressupostos para o funcionamento da responsabilidade civil extracontratual - facto humano e voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano - e para a consequente constituição do vínculo nos termos do qual o lesante se constitui na obrigação de indemnizar o lesado, ou seja, de, através de reconstituição natural ou por semelhante, colocar o lesado na situação em que estaria, caso o dano não tivesse ocorrido.
84. No que diz respeito à verificação do pressuposto “ilicitude”, o tribunal a quo considerou que o veículo automóvel foi propositadamente utilizado como instrumento de agressão. Ora, e mais uma vez, andou mal o tribunal a quo ao fazer tal afirmação, na medida em que nenhuma prova foi produzida neste sentido. Aliás, aquele mesmo tribunal considerou (bem) como facto não provado
4.53: “Que o condutor do “OI” tenha utilizado o veículo com o objetivo direto de atentar contra a vida ou contra a integridade física do autor”. Portanto, mais uma vez, a sentença recorrida mostrasse contraditória e ininteligível, pois de um lado dá como provado e de outro como não provado, precisamente os mesmos factos.
85. No caso sub judice, nenhuma prova foi produzida que indicie que o atropelamento de que o Autor/Recorrido foi vítima, foi intencional. Em boa verdade, a única pessoa que podemos dizer que afirma tal facto – sem que o faça de forma expressa, sempre se refira - é o próprio Autor/Recorrido, sendo certo, que tal alegação não é suportada por nenhum outro meio de prova. Concluindo-se, desta forma, que nenhuma culpa pode ser assacada ao Interveniente/Recorrente, não se mostrando, consequentemente, também verificado o pressuposto da “culpa” da responsabilidade civil por factos ilícitos.
86. Caso assim não se entenda, o que apenas de admite por excessiva cautela de patrocínio, isto é, caso se considere que o Interveniente/Recorrente incorreu em juízo de censura, pois não orientou a sua vontade em sentido conforme ao Direito, sempre terá que se considerar que a “culpa” reveste a modalidade de negligência – e não de dolo - porquanto, e ainda de que o Interveniente/Recorrente tenha deixado de cumprir os deveres de cuidado que pessoalmente o obrigavam, não existiu a consciência e vontade de realizar a conduta lesiva.
87. Tendo em conta todo o supra exposto, dúvidas inexistem que o acidente de viação se deveu por CULPA EXCLUSIVA DO AUTOR/RECORRIDO, e portanto, estamos perante uma situação de exclusão da responsabilidade do Interveniente/Recorrente, enquanto pessoa que tinha a direção efetiva do veículo (Artigos 505.º e 570.º do CC).
88. E é assim porque, no presente caso, o acidente deveu-se a facto culposo do Autor/Recorrido, a uma conduta censurável deste (mudança de direção repentina), sendo que os danos verificados no acidente devem ser juridicamente considerados, não como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como uma consequência do facto praticado pelo Autor/Recorrido – ver, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 17.10.2019, relator: Oliveira Abreu, proferido no âmbito do processo n.º 15385/15.6T8LRS.L1.S1, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.01.2021, relator: Acácio das Neves, proferido no âmbito do processo n.º 15138/16.4T8PRT.P1.S1. ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
89. SEM PRESCINDIR, caso assim não se entenda, o que não se concebe e apenas por mero dever de patrocínio se concede, sempre se refira o seguinte: no caso em apreço, apesar do Interveniente/Recorrente considerar que foi o Autor/Recorrido que se colocou, de forma imprevisível, à frente do veículo que estava a ser conduzido pelo Interveniente/Recorrente, quando tentava escapar-se do furto que tinha acabado de cometer, e, por via disso, e na senda do que anteriormente se referiu, é o Autor/Recorrido o único responsável pelo atropelamento, concedese, sem prescindir, que caso assim não se entenda, poderá este douto Tribunal entender que, quanto muito, a essa CULPA DO AUTOR/RECORRIDO CONCORRE A RESPONSABILIDADE PELO RISCO DO INTERVENIENTE/RECORRENTE, INERENTE À CONDUÇÃO DE VEÍCULOS, tudo de acordo com o gizado nos artigos 503.º e 505.º, ambos do CC. – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 01.06.2017, relator: Lopes do Rego, proferido no âmbito do processo nº 1112/15.1T8VCT-G1.S1, disponível em www.dgsi.pt;
90. AINDA SEM PRESCINDIR, o que mais uma vez, não se concede e apenas se equaciona por excessiva cautela de patrocínio, no caso dos autos sempre este douto Tribunal poderá decidir que se trata de uma situação típica de CONCORRÊNCIA DE CULPAS ENTRE O AUTOR/RECORRIDO E O INTERVENIENTE/RECORRENTE, na medida em que poder-se-ia considerar que o acidente resultou em virtude do Autor/Recorrido ter mudado repentinamente de direção para a direita, colocando-se assim no meio da faixa de rodagem e em frente ao carro do Interveniente/Recorrente e, procedendo à violação dos artigos 99.º e 101.º do Código da Estrada, conquanto que, circulava num local que não lhe era destinado, em vez de circular no passeio da estrada que existia na berma do lado direito da faixa de rodagem, e especialmente, por ter atravessado a faixa de rodagem sem previamente se certificar de que, tendo em conta a distância que o separava do veículo que nela transitava (o do Interveniente/Recorrente) e a respetiva velocidade, o podia fazer sem perigo de acidente, e bem assim, que o acidente resultou, concorrentemente, do incumprimento das regras estradais pelo Interveniente/Recorrente, nomeadamente, o artigo 13.º do Código da Estrada, por se encontrar de forma negligente (nunca dolosa) a circular com a sua viatura no meio da faixa de rodagem.
91. A factualidade provada poderá, assim, evidenciar uma concorrência de culpa (qualificada como negligente de ambas as partes) que terá de ser distribuída de harmonia com o artigo 570.º do Código Civil. Tudo visto e ponderado conclui-se ser justo e equitativo, ou, ao menos, ainda ínsito em margem de álea/erro admissível, fixar a responsabilidade do condutor do veículo, o Interveniente/Recorrente em 30% e a do peão, o Autor/Recorrido, em 70%. – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.09.2014, processo n.º 121/10.1TBPTL.G1.S1, relator: Gabriel Catarino, disponível em www.dgsi.pt.
92. No que concerne à indemnização fixada pelo tribunal a quo ao Autor/Recorrido, o tribunal a quo considerou por provadas, e portanto, concluiu na obrigação de indemnizar o Autor/Recorrido as quantias que este alegou ter despendido em transportes pela Y da residência do autor para o Hospital ..., bem como, as quantias respeitantes ao aluguer de cama articulada, colchão, grades e medicamentos. Todavia, como oportunamente já tivemos o ensejo de impugnar o facto provado número 4.43, consequentemente, deverá este douto Tribunal revogar a sentença recorrida quanto a esta obrigação de indemnização dos aludidos danos patrimoniais.
93. A mais disto, consta da sentença proferida pelo tribunal a quo que “Pretende ainda o autor ser ressarcido da quantia de 160,00 euros, correspondente ao custo das roupas e caçado que ficaram inutilizadas em consequência do acidente. Embora não se tenha provado o custo dessas peças, tendo-se provado que as roupas e calçado que o autor usava ficaram inutilizadas em consequência do acidente, considera-se equitativo fixar a esse título uma indemnização de 160,00 euros, nos exatos termos peticionados (art. 566º/3 do C.C.)”.
94. Acontece que, no caso em apreço, a solução adotada pelo Tribunal a quo, desprovida de qualquer ponderação/fundamentação, veja-se que o tribunal a quo nem sequer enuncia qual o critério utilizado para a toma tal decisão, ultrapassa a fronteira da equidade, pela ausência de fundamentação plausível e adequada ao caso concreto. Aquilo que se esperava do tribunal a quo, a partir do momento em que tem que se socorrer da equidade para a determinação de uma quantia a arbitrar, atenta a falta de produção de prova quanto ao valor da roupa e calçado que ficaram inutilizados, era a adoção de um critério e a determinação de um valor que se harmonizasse com os padrões que, numa jurisprudência atualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis.
95. Por fim, no que respeita à indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais no valor de 30.000,00 euros, o tribunal a quo, antes de tomar essa decisão fez uma resenha à jurisprudência produzida pelos nossos tribunais superiores nos últimos cinco anos, tendo por referência o montante peticionado pelo Autor/Recorrido. E acabando por concluir que os danos sofridos pelo Autor se situam num patamar de gravidade superior ao que foi considerado nos arestos que citou, sendo que para esse efeito, teve em consideração a atribuição de um défice permanente da integridade psicofísica de 5 pontos, o período de incapacidade temporária parcial – 126 dias –, e as dores sofridas – fixáveis no grau 5 numa escala de gravidade crescente de sete pontos, um dano estético de 3 pontos numa escala de 7 pontos; considerando ainda que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade à data do evento e com a atual, mas implicam esforços suplementares.
96. Contudo, não podemos concordar com tal afirmação, pois, logo no primeiro acórdão que é indicado pelo tribunal a quo - Ac. da Relação do Porto, de 15.11.2018, proc. 7147/17.2T8VNG-, verificamos que a factualidade aí analisada se situa, essa sim, num patamar de gravidade superior aos danos não patrimoniais pelo Autor/Recorrido, sendo que nesse caso foi atribuída uma indemnização de danos não patrimoniais no montante de 7.500,00 euros.
97. Ora, perante a factualidade descrita naquele Acórdão que o tribunal a quo se baseou para demonstrar a justeza da sua decisão, facilmente se percebe que os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/Recorrido não apresentam uma maior gravidade, até porque, primeiro, o Autor/Recorrido nunca perdeu a consciência, segundo, o Autor/Recorrido esteve internado do dia 22.03.2019 ao dia 29.03.2019, ou seja, apenas 8 dias – sendo que tal estadia se prolongou porque o Autor/Recorrido depois de informado pela equipa médica que não podia beber quaisquer líquidos decidiu beber água - e terceiro, em 3 meses teve uma recuperação praticamente absoluta, não tendo ficado com qualquer restrição ao nível da mobilidade.
98. Neste circunstancialismo, não se percebe como é que o tribunal a quo atribuiu ao Autor/Recorrido uma indemnização a título de danos não patrimoniais três vezes superior à atribuída naquele caso do Acórdão supra referido, quando, como é bom de ver, naquele o sinistrado apresentava uma situação muito mais grave.
99. Como se ainda não bastasse, também a factualidade do Acórdão da Relação de Lisboa, de 22.01.2019, proc. n.º 212/15.2T8SRQ.L1-7, que o tribunal a quo se socorreu para fundamentar a indemnização atribuída ao Autor/Recorrido tem contornos mais graves do que a dos presentes autos e fixou uma indemnização a título de danos não patrimoniais de 3000,00 euros. Pois, nesta situação o período de incapacidade temporária geral parcial foi fixado em 660 dias; o período de incapacidade temporária profissional parcial foi fixado em 645 dias; o quantum doloris foi fixado no grau 4/7; a incapacidade permanente geral foi fixada em 45%; ao nível profissional, a incapacidade permanente geral (…) foi fixada no grau 6, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, por se valorizarem os seguintes aspetos: dificuldade em executar tarefas que impliquem a subida de escadotes, dificuldades em pegar em pesos, dificuldade em conduzir viaturas automóveis, executar trabalhos que impliquem a permanência em pé por longos períodos, praticava ginástica, o que lhe era útil e já não o consegue fazer, tem dificuldades em conciliar o sono quer pelo aumento da ansiedade geral quer pelas cervicalgias e frequentes cefaleias; o dano futuro, sendo de valorizar o agravamento, mais rápido do que o expectável, das perturbações do equilíbrio e das queixas álgicas com o aumento da idade; tendo em conta os condicionalismos da vítima na execução do seu serviço foi fixada uma taxa de IPP de 45%; o prejuízo de afirmação pessoal, fixável no grau 2, numa escala de cinco graus de gravidade crescente, tendo em conta a diminuição da autoestima e humor depressivo e choro fácil.
100. Ora, fazendo uma comparação com a factualidade dos presentes autos - tendo atribuição de um défice permanente da integridade psicofísica de 5 pontos, o período de incapacidade temporária parcial – 126 dias –, e as dores sofridas – fixáveis no grau 5 numa escala de gravidade crescente de sete pontos, um dano estético de 3 pontos numa escala de 7 pontos -, verificamos que, mais uma vez, o tribunal a quo atribuiu indemnização em valor muito superior ao fixado naquele acórdão.
101. Também no Ac. da Relação de Lisboa, de 22.03.2018, proc. n.º 10667/12.1TCLRS.L1-8, verificamos que numa situação em muito semelhante à do Autor/Recorrido, ao nível dos danos não patrimoniais, foi arbitrada uma indemnização de €4.000,00.
102. Tudo isto para dizer que não se pode perder de vista que a indemnização tem por finalidade ressarcir o lesado dos prejuízos que, na realidade, sofreu, não podendo conduzir a um gritante desequilíbrio da prestação relativamente ao dano, designadamente não podendo servir para um enriquecimento injusto do lesado à custa do lesante, com a indemnização a funcionar como um mero “taxímetro”.
103. Assim, e em face de todo o supra exposto, deve a decisão que arbitrou o pagamento da quantia de €30.000,00 ao Autor/Recorrido, a título de danos não patrimoniais, ser revogada, por excessiva, conduzindo, inevitavelmente a um enriquecimento injusto do Autor/Recorrido. cinco cêntimos).
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Não consta dos autos tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso do A. foi admitido no modo de subida e com o efeito adequado.
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O tribunal recorrido não admitiu o recurso interposto pelo interveniente acessório.
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Deduzida reclamação veio esta Relação a admitir o recurso por decisão de 10/05/2022.
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Por decisão do Exm.º Senhor Presidente desta Relação, de 01/06/2022, foi determinada a apensação do recurso interposto pelo interveniente acessório ao recurso interposto pelo A.
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Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a apreciar

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
No caso dos autos foram interpostos dois recursos independentes: um pelo A. e outro pelo interveniente acessório.

No que ao recurso do A. diz respeito, são três as questões que cumpre apreciar:
- o A. tem direito a ser indemnizado no valor de € 11.700,00 a título de perdas salariais;
- os danos morais devem ser fixados em € 68.448,00;
- o A. tem direito a juros desde a citação da Ré X.

No que ao recurso do interveniente acessório diz respeito, são sete as questões que cumpre apreciar:
- deve ser considerada não provada a matéria constante dos pontos 4.12., 4.13., 4.22., 4.23., 4.24., 4.25., 4.26., 4.27., 4.28., 4.29., 4.30., 4.31., 4.32., 4.34., 4.42., 4.43., 4.46., 4.47., dos “Factos provados” e provada a matéria constante do ponto 4.52. dos “Factos não provados”;
- em função da concreta decisão quanto à impugnação da matéria de facto, não estão verificados os pressupostos da responsabilidade por facto ilícito;
- o evento dos autos ocorreu por culpa exclusiva do A.;
- ocorre concurso do risco com a culpa do A.;
- ocorre concorrência de culpas entre o A. e o recorrente / interveniente acessório;
- não se deve manter a indemnização por danos patrimoniais;
- a indemnização por danos não patrimoniais deve ser reduzida.
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3. Fundamentação de facto

A sentença recorrida considerou (mantêm-se a numeração de origem):
- Factos provados -
4.1. No dia - de Março de 2019, pelas 12.00H, na Rua ..., ..., do Concelho de Guimarães, ocorreu um atropelamento, e do qual resultaram ferimentos no corpo do Autor.
4.2. Em que foi interveniente, o veículo da marca Renault com a matrícula OI, pertença de S. P. Lda., e conduzido na altura do acidente pelo seu sócio e gerente B. F., que embateu no Autor, atropelando-o.
4.3. A proprietária do veículo, transferiu a responsabilidade civil decorrente de acidente de viação para a companhia de Seguros Seguradoras ..., ora Ré, mediante apólice Nº .......86.
4.4. No dia 22/03/2019, a esposa do aqui Interveniente, apercebendo-se da presença de estranhos no interior da sua habitação, contatou o chamado que se encontrava nas instalações da empresa S. P., Lda, sita na rua ..., em ..., de que é sócio gerente, o qual se deslocou, de imediato, a sua casa.
4.5. Chegado à sua habitação, o Interveniente entrou pela porta da cozinha e confirmou a presença de um homem encapuçado, no interior da sala.
4.6. O dito intruso ao ser surpreendido pelo autor, deslocou-se na sala de um lado para o outro, sem saber o que fazer até que conseguiu fugir pela porta das traseiras da sala, tendo de seguida saltado o muro e fugido a pé, a correr, na direção à Rua ....
4.7. Ato continuo, o B. F., porque estava a recuperar de uma cirurgia e tinha a locomoção limitada, entrou na sua viatura da marca Renault, de modo a encetar uma perseguição ao Intruso, que dele fugia a correr pela indica Rua ..., no sentido descendente, em direção à Rua ..., seguindo o condutor, pela hemi faixa direita atento o seu sentido de marcha.
4.8. O referido condutor seguia a velocidade não concretamente apurada.
4.9. O que fez com o intuito de imobilizar aquele intruso, por forma a conseguir identificar o autor do furto e eventualmente recuperar objetos de que porventura este se tivesse apropriado.
4.10. O irmão e sobrinho do Interveniente, J. D. e N. S., respetivamente, também perseguiram o intruso, mas apeados.
4.11. O intruso ia a correr pelo lado esquerdo da estrada, no sentido descendente.
4.12. Quando o Intruso se encontrava em frente à porta nº … da Rua ..., próximo da berma do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do veículo do B. F., este acelera a marcha, desvia a sua trajetória, invadindo totalmente a faixa de rodagem esquerda e, nesse local, embate com a frente esquerda do veículo no corpo do cidadão perseguido.
4.13. O primeiro impacto do veículo no corpo daquele cidadão ocorreu nos membros inferiores e de imediato, projetado pelo capot e vidro do lado do condutor, tendo acabado por cair no pavimento na zona da valeta, onde ficou imobilizado sem se conseguir mexer, já que tinha os membros inferiores fraturados e também ferimentos e hematomas na cabeça por força do embate no vidro da viatura.
4.14. Em consequência, aquele intruso que se veio a constatar ser o Autor, foi transportado de ambulância à urgência do hospital …, em Guimarães, onde ficou internado até ao dia 29-3-2019.
4.15. A via por onde seguia o veículo, segurado da Ré, é uma rua com dois sentidos de trânsito e o pavimento é em paralelepípedo, sendo que a largura da rua, no local do embate, é de cerca de largura considerável (cerca de 7 metros, descontada a largura da baia de estacionamento existente do lado direito).
4.16. Após o local do acidente, mais concretamente depois da cabine ali existente, a estrada afunilha significativamente, permitindo assim a circulação de um veículo de cada vez, em cada um dos sentidos.
4.17. No local do embate e em quase toda a extensão do arruamento, a via é ladeada por casas de habitação.
4.18. Era de dia e estava sol e com boa visibilidade, e o pavimento em paralelepípedo encontrava-se seco e em normal estado de conservação.
4.19. Em consequência direta e necessária do referido embate, o Autor sofreu várias lesões, em especial fratura da diáfise do fémur esquerdo, fratura da tíbia direita e fratura do maléolo externo direito e hematomas na região frontal.
4.20. Que determinaram tivesse sido transportado de ambulância para os serviços de urgência do Hospital da …, em Guimarães, onde permaneceu internado até 29-3-2019.
4.21. Período durante o qual sofreu intervenção cirúrgica ao fémur com fixação interna com cavilha e colocação de tala cruropodalica à direita.
4.22. Foi-lhe dada alta médica em 29-3-2019, data a partir da qual teve de ficar imobilizado na sua cama durante 90 dias.
4.23. Após esse período, só conseguia locomover-se com recurso a apoios, vulgo muletas ou canadianas, durante 30 dias.
4.24. Período a partir do qual, passou muito lentamente a locomover-se pelo seu próprio pé, mas claudicando durante algum tempo.
4.25. Atualmente o Autor ainda tem algumas dores e continua em tratamentos e observação clínica, não estando ainda curado, tendo de deslocar-se amiúde ao hospital, com todos os constrangimentos que isso importa por força da pandemia.
4.26. Quando o A. se apercebeu de que o Renault estava a persegui-lo e que ao avistá-lo dirigiu a viatura na sua direção, ficou aterrorizado.
4.27. Logo a seguir ao atropelamento e depois de cair ao solo, logo percebeu o A., que tinha os membros inferiores fraturados, situação que lhe provocou inenarráveis dores e grande sofrimento, tendo assim permanecido cerca de 30 minutos, tempo que demorou a chegada da ambulância, período durante o qual o condutor ainda lhe puxou as pernas e pontapeou-o, causando-lhe ainda mais dores.
4.28. Dores e sofrimento que continuaram no hospital, antes e depois da intervenção cirúrgica e que a medicação apenas atenuava.
4.29. Dores e sofrimento que se mantiveram quando regressou a sua casa após alta, tendo-lhe sido prescritos vários medicamentos. 4.30. Para além disso, o Autor permaneceu durante 90 dias, completamente imobilizado na cama do seu quarto de dormir, com a parte anterior do seu corpo virada para o teto, aí tomando as refeições, medicamentos, fazendo as suas necessidades fisiológicas, sempre com a ajuda da sua Mãe.
4.31. Fruto daquela imobilização, o Autor sofreu inúmeras crises de ansiedade, insónias, tremores e um pavor de carros, somente se tranquilizando com recurso a ansiolíticos.
4.32. O Autor, à data do acidente tinha apenas 19 anos, era um jovem saudável, sem qualquer patologia, alegre e com energia própria da sua idade.
4.33. E tinha no inicio desse ano de 2019, iniciado um contrato de trabalho subordinado, ao serviço da empresa W, Lda, com sede em ..., Guimarães, auferindo a RMMG de 635,00€ ( docs. 2, 3 4 ).
4.34. Como o contrato era por 3 meses, fruto do acidente de viação ocorrido, a empresa já não o renovou.
4.35. No decurso da vigência do contrato, o autor teve as seguintes faltas injustificadas:
- Em janeiro, faltou 8 horas;
- Em Fevereiro, faltou 16 horas;
- Em Março, faltou 36 horas;
4.36. Em consequência do acidente descrito, o autor sofreu as seguintes sequelas:
- Membro inferior direito – queixas de dor à palpação no terço inferior da perna e do dorso do pé. Cicatriz localizada no terço superior da face anterior da perna, com 3 cm de comprimento, relativamente à qual o examinado não sabe especificar se terá ou não resultado do evento. Sem limitação da mobilidade do tornozelo. Sem aparentes desvios do eixo longo da perna, á observação. Sem assimetrias do comprimento real e aparente dos membros e perímetros da coxa e perna, quando comparado com o membro contralateral;
- Membro inferior esquerdo – duas cicatrizes cirúrgicas localizadas na face lateral da anca, com 4 cm e 3 cm de comprimento; duas cicatrizes cirúrgicas localizadas no terço inferior da face lateral da coxa, com 1 cm e 1 cm de comprimento. Queixas de dor à mobilização da anca, sem limitação funcional, mais acentuadas nos movimentos de abdução e rotação externa. Sem assimetrias de comprimento real e aparente dos membros e perímetros da coxa e perna.
4.37. As lesões a nível dos membros inferiores, tendo em conta a sua localização e conjugando com a dinâmica relatada do evento, terão resultado primariamente do embate do automóvel contra as pernas do examinado.
4.38. Consta do relatório pericial que “não é provável que a agressão descrita (pontapés e puxões pelas pernas) tenham causado as lesões descritas, nem haverá força suficiente associada (considerando a força habitual de braços e pernas de uma pessoa) para que agravassem as já existentes provocadas pelo embate”.
4.39. Do relatório pericial ficaram ainda a constar as seguintes conclusões:
- a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26/11/2019;
- Período de Défice Funcional Temporáreo Total fixável num período de 124 dias;
- Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 126 dias;
- Período de Repercussão Temporárea na Atividade Profissional Total fixável num período de 250 dias;
- Quantum Doloris fixável num grau 5 de 7;
- Défice Funcional Permanente de Integridade Fisico-Psiquica fixável em 5 pontos;
- As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade à data do evento e com a atual, mas implicam esforços suplementares;
- Dano estético Permanente fixável no grau 3/7.
- Não há repercussão Permanente nas atividades desportivas e de lazer.
- Não há repercussão permanente na atividade sexual;
- Tratamentos médicos futuros: necessidade futura de extração de material de osteossíntese do fémur esquerdo.
4.40. À data do acidente, o Autor tinha 19 anos de idade, já não frequentava qualquer estabelecimento de ensino e encontrava-se a trabalhar na empresa W, Lda, com sede em ..., Guimarães, auferindo o salário mínimo de 635,00€
4.41. Era o primeiro emprego do A. e a sua entidade patronal celebrou contrato por 3 meses, cujo termo ocorreria em 31-3-2019.
4.42. Tendo o acidente ocorrido em 22-3-2019, a sua ex-entidade patronal não efetuou a renovação do contrato.
4.43. Ainda como causa direta e necessária do acidente, despendeu o A. as seguintes quantias:
i) Em transportes efetuadas pela Y da residência do A., para o Hospital ... e o retorno, nos dias 29/3/2019 e 7/5/2019, a quantia de 52,00€ ( docs. 5, 6 e 7 ).
ii) No aluguer da cama articulada, colchão e grades, despendeu 94,99 ( docs 8 e 9 ).
iii) Em medicamentos 45,86€ ( docs. 10, 11 e 12 ).
4.44. Aquando do acidente, o autor trajava roupas e calçado que ficaram rasgadas e inutilizadas;
4.44. Por entender que os factos supra descritos contém factos suscetíveis de constituir crime, o A. participou destes ao DIAP de Guimarães, cujo processo 977/19.2T8GMR da 1ª Secção, está em fase de inquérito, encontrando-se o Interveniente e outros indiciados pela prática de um crime de homicídio na forma tentada.
4.45. Correu termos pelo tribunal da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Guimarães – J4, um processo crime contra o autor, ao qual foi atribuído o nº 208/19.5GBGMR, no âmbito do qual foi proferida decisão que condenou o aqui autor pela prática em 22/03/2019, por volta das 12 horas, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelo art. 203º, 204º/2 e) do C.P., ocorrido na residência do aqui Interveniente, sita na Rua ..., Lote …, ..., numa pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa na sua execução, por igual período, decisão já transitada em julgado.
4.46. O condutor do “OI” agiu de modo livre, voluntário e consciente, com intenção concretizada de perseguir aquele intruso em fuga, para o que utilizou a sua viatura, para mais facilmente o alcançar e imobilizar, para assim lograr a sua identificação e recuperar eventuais objetos e que se tivesse apropriado, para o que sabia ser necessário embater com o seu veículo no corpo do Autor, sabendo que desse modo necessariamente molestaria o corpo e a saúde deste, resultado que aceitou como consequência necessária da sua conduta.
4.47. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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Factos não provados

4.48. Que o condutor do “OI” imprimisse a veículo que conduzia velocidade superior a 70 km/h;
4.49. Que ainda hoje o autor claudique, embora menos acentuadamente, situação que o deixa ansioso.
4.50. Que o contrato de trabalho do autor não tenha sido renovado por causa do acidente;
4.51. Que, por causa do acidente, o autor se tenha visto privado de receber mensalmente a quantia de 635,00 euros, desde abril de 2019 até à presente data;
4.52. Que, momentos antes do embate, e a dada altura, de forma subida e inopinada, o autor tenha alterado a sua direção para o lado direito, tendo provocado o embate com o veículo no qual seguia o chamado, provavelmente com o intuito de prosseguir sua fuga para um monte que ficava do seu lado direito, pois bem sabia que, acaso continuasse na vi publica, o autor a pé e o Interveniente de carro, mais tarde ou mais cedo, o Interveniente iria conseguir alcança-lo.
4.53. Que o condutor do “OI” tenha utilizado o veículo com o objetivo direto de atentar contra a vida ou contra a integridade física do autor.
4.54. Que as roupas e o calçado que o A. trazia vestidas no dia do atropelamento, tivessem o valor de 160,00€.
4.55. Que, no início do ano de 2020, quando o A. já se encontrava em melhor estado físico, começou a procurar emprego, todavia e por força da situação da pandemia, assim declarada pela OMS em 11-3-2020, tornou-se praticamente impossível ao A. conseguir emprego.
4.56. Que o autor não beneficiou de nenhum subsídio estatal, em particular do ISS.”
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4. Impugnação da decisão quanto á matéria de facto
4.1. Da verificação dos requisitos do art.º 640º do CPC

Dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epigrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
(…)”

Não releva dar aqui conta do percurso legislativo percorrido até se chegar à norma em referência – para tal cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 194-195.
Apenas importa considerar que em tal percurso “…foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” – aut. e ob. cit. pág. 194
O mesmo autor, in ob. cit. pág. 196-197, procede a uma síntese da jurisprudência quanto ás exigências legais quando o recurso de apelação envolva a impugnação da matéria de facto, nomeadamente quanto ao “lugar” (alegações ou conclusões) em que as mesmas devem ser observadas e que são:

a) o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões, dizendo em nota (307) que são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, conforme dispõe o art.º 635º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões;
b) deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo (documentos ou confissões reduzidas a escrito) ou de registo (depoimentos que não foi possível gravar, mas que foram reduzidos a escrito, como sucede com cartas rogatórias) ou gravação nele realizada (depoimentos orais prestados em audiência que ficaram gravados em áudio ou vídeo), que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos objecto de impugnação;
c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação tenha por base, no todo ou em parte, a prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere pertinentes;
d) o recorrente deixará, expresso, na motivação, a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidas.
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O recurso do interveniente acessório cumpre os referidos requisitos, pelo que se impõe apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto.
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4.2. Da modificabilidade da decisão de facto
O art.º 662º do CPC, com a epigrafe “Modificabilidade da decisão de facto” dispõe:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
(…)”
Está em causa saber como deve a Relação mover-se no domínio da modificabilidade da decisão de facto.
A apreciação, pela Relação, da decisão de facto impugnada, não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj)

O sentido deste normativo é o de impor à Relação o dever de modificar a decisão de facto, sempre que:
- havendo impugnação da matéria de facto e no respeito do principio do dispositivo quanto ao objecto do recurso, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, entendendo-se que:
i) incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do citado art.º 662º], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC (cfr. o Ac. do STJ de 01/07/2021, processo 4899/16.0T8PRT.P1.S1 e em sentido semelhante os Ac.s do STJ de 14/09/2021, proc. 60/19.0T8ETZ.E1.S1, de 13/04/2021, proc. 2395/11.1TBFAF.G2.S1 todos consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) assumindo-se o mesmo como tribunal de instância (Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil, 6ª edição, pág. 331 e 332);
ii) no processo de formação de uma convicção autónoma, a Relação não está adstrita “aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido (o Ac. do STJ, de 20.12.2017, proc. 3018/14.2TBVFX.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj), tendo plena aplicação o disposto no art.º 413º do CPC;
- oficiosamente, quando:
i) repute a decisão da matéria de facto sobre pontos determinados da matéria de facto deficiente, obscura ou contraditória e constem do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida (cfr. art.º 662º n.º 2 alínea c);
ii) o tribunal recorrido tenha considerado não provado um facto apesar de estar junto ao processo meio de prova com força plena (documento – art.ºs 371º n.º1 e 376º n.º 1 do CC) ou tenha desatendido uma declaração confessória (art.ºs 358º do CC e art.sº 484º n.º 1 e 4463º do CPC) ou tenha desconsiderado algum acordo das partes quanto a determinado facto ( art.º 574, n.º 2 do CPC) ou tenha considerado provado um facto que só podia ser provado por documento ou confissão, na medida em que nestas situações a Relação se limita a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material (cfr. art.º 607º n.º , aplicável ex vi art.º 663º n.º 2) (cfr. Abranges Geraldes, ob. cit. pág. 333-334);
iii) na sequência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apresentada pela recorrente a Relação proceda à alteração da mesma, se verifique ser necessário, em função da reapreciação conjunta e global dos factos, alterar algum facto não impugnado, a bem da coerência daquela decisão (cfr. Ac. do STJ de 29/04/2021, proc. 684/17.0T8ABT.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).
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4.3. Da livre apreciação da prova e motivação da decisão de facto
O art.º 607º n.º 5 do CPC, dispõe que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Esta previsão tem em vista a prova por declarações de parte, salvo na parte em que constituam confissão, a prova documental escrita a que falte algum dos requisitos exigidos na lei, a prova pericial, a prova por inspecção e a prova testemunhal, provas relativamente às quais a lei dispõe, expressamente (cfr. artºs 466º n.º 3 do CPC e art.ºs. 366º, 389º, 391º e 396º do CC, respectivamente), que estão sujeitos à livre apreciação do tribunal.

A livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes - cfr. 2ª parte do nº 5 do referido art.º 607º.

Análise critica das provas significa, em primeiro, uma análise conjugada de toda a prova produzida e em segundo uma análise segundo os critérios de valoração racional e lógica do julgador e da experiência.

A prova judicial não tem de criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca dos factos a provar; a prova judicial nunca é a realidade naturalística das coisas; o que a prova judicial deve determinar é um grau de probabilidade (do facto) tão elevado que baste para as necessidades da vida.

Como refere Manuel Tomé Soares Gomes, Da Sentença Cível, CEJ, 2014, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 25 (sublinhados nossos):
“… a valoração da prova, por parte do tribunal, consubstancia[-se] na formação de juízos de razoabilidade sobre os factos controvertidos relevantes para a resolução do litígio, em função do material probatório obtido através da atividade instrutória, à luz das regras da experiência e da coerência lógica dum raciocínio pragmático sobre as ocorrências da vida. “
E mais adiante, pág. 26: “prova judicial tem como objetivo lograr uma compreensão suficientemente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso.“

Por sua vez o n.º 4 do art.º 607º do CPC dispõe que “ Na fundamentação da sentença, o juiz declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

Este normativo impõe que o juiz explique como se convenceu com as provas que se produziram, que motive a decisão de facto. A motivação consiste em exarar o raciocínio do tribunal para uma dada decisão de facto e deve conter, para além da indicação dos concretos elementos probatórios que lograram aceitação por parte do tribunal, as razões ou motivos dessa aceitação.

A este propósito refere Manuel Tomé Soares Gomes, in ob. cit., pág. 29: “A motivação do julgamento de facto tem como matriz um discurso argumentativo problemático, parcelado na órbita de cada juízo probatório, sem prejuízo da sua compatibilização no universo da trama factual, e rege-se por razões práticas firmadas na análise dos resultados probatórios, à luz das regras da experiência comum ou qualificada e dos padrões de valoração (prova bastante e prova de verosimilhança) estabelecidos na lei.”

O disposto no art.º 607º também é aplicável á Relação nos termos do disposto no art.º 663º n.º 2 do CPC, mas com as devidas adaptações, porquanto, muito embora na eventual reapreciação da decisão da matéria de facto caiba à Relação formar a sua própria convicção quanto á prova produzida, tal reapreciação não visa um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão.

Assim refere-se no Ac. desta RG de 04/04/2019, processo 1012/15.5T8VRL-AV.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg (sublinhado nosso), “ a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.“

Por outro lado, uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, o juiz da 1ª instância encontra-se numa posição privilegiada para proceder à sua valoração, já que, através da imediação, tem acesso ao comportamento das partes e das testemunhas, o que lhe permite aferir, de forma cabal, da respectiva espontaneidade e credibilidade.
Tal não sucede com a Relação, que apenas dispõe do registo do som e não também de imagem.
Mas essa é uma consequência das opções assumidas pelo legislador, ou seja, a Relação reaprecia a decisão da matéria de facto com base nos elementos que lhe estão acessíveis.
Não tendo a Relação aquele elemento – imediação – e não havendo elementos probatórios que lhe permitam formar um juízo seguro de que existe erro de valoração da prova, deverá ser dada prevalência à decisão da 1ª Instância.

Assim refere Ana Luísa Geraldes, in «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609:.

«Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»
*
4.4. Da valoração da prova por declarações de parte

Invoca o Recorrente B. F. a impossibilidade de o tribunal atribuir valor probatório autónomo e suficiente ás declarações de parte.

A valoração das declarações de parte tem suscitado essencialmente três posições (cfr. Luís Sousa in As Declarações de parte. Uma síntese, 2017, pág. 27, consultável in http://www.trl.mj.pt/PDF/As%20declaracoes%20de%20parte.%20Uma%20sintese.%202017.pdf e Abrantes Geraldes, P. P. Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, I, 2ª edição, pág. 552, encontrando-se numa e em outra das obras elementos doutrinários e jurisprudenciais):
i. tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos – as declarações de parte têm uma natureza essencialmente supletiva, sendo insuficientes para fundamentar, por si só, um juízo de prova, salvo nos casos em que inexista outra prova.
ii. tese do princípio de prova – as declarações de parte não são suficientes, por si só, para estabelecer qualquer juízo de aceitabilidade final, sendo apenas coadjuvantes da prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova, ou seja, terão de ser corroboradas por outros meios de prova;
iii. tese da autossuficiência/valor probatório autónomo das declarações de parte – as declarações de parte podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, assumindo um valor probatório autónomo.

Entende-se que, muito embora as declarações de parte tenham de especifico o facto de provir de uma parte do processo, as mesmas podem, por si, estribar a convicção do juiz, assumindo valor probatório suficiente e autónomo pois, como manda o n.º 3 do art.º 466º do CPC, trata-se de prova sujeita à livre apreciação do tribunal á semelhança de outras, sem que se questione que o juiz possa considerar um facto provado só com base numa dessas provas singulares, seja ela prova pericial de um único perito, seja um só depoimento testemunhal.

Neste sentido o Ac. do STJ de 07/02/2019, processo 2200/08.6TBFAF-A.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj em cujo sumário consta:
III – Sendo as declarações de parte de livre apreciação pelo tribunal, podem determinar, por si sós, a convicção do julgador, sem necessidade de corroboração por outros meios de prova.
IV – A exigência de corroboração das declarações de parte por algum outro meio de prova, tal como a prevalência tendencial de juízos de apreciação caraterizados pela imediação proporcionada pela oralidade, não é mais do que um critério de avaliação da prova que o juiz poderá seguir, mas que a lei não impõe.

E na fundamentação aduziu-se:
“A livre apreciação pelo tribunal significa, nos termos do nº 5 do art. 607º, que as provas são apreciadas segundo a prudente convicção de quem julga, princípio este que, como aí se dispõe, só não abrange “(…) os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Não se verificando, no caso, qualquer destas exceções, aquele nº 3 do art. 466º (…) não dá cobertura à mencionada exigência de corroboração por outros meios de prova.”

O facto de provirem de uma parte interessada num determinado desfecho da causa apenas constitui um parâmetro de aferição das declarações.
Desde que as declarações de parte permitam concluir, segundo critérios de valoração racional e lógica e as regras da experiência, estarem demonstrados determinados os factos controvertidos, nada obsta à sua valoração.
E tal ocorre desde que os factores intrínsecos (relativos à razão de ciência, á forma como a parte depôs, ou seja, o que disse e como disse, o seu comportamento verbal e não verbal, tendo em vista verificar se existem enviesamentos, a imparcialidade, coerência interna e espontaneidade do depoimento, em última análise a sua consistência interna) e extrínsecos (as características do evento ou a compaginação com outros meios de prova, tendo em vista verificar a verosimilhança do narrado, ou seja, a sua coerência externa) às declarações permitam formular um juízo de razoabilidade quanto à sua credibilidade, isto é, à realidade dos factos narrados.

Luís Sousa in As Declarações de parte. Uma síntese, 2017, pág. 35, refere:
“A credibilidade das declarações tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstratas pré-constituídas, sob pena de esvaziarmos a utilidade e potencialidade deste novo meio de prova e de nos atermos, novamente, a raciocínios típicos da prova legal de que foi exemplo o brocardo testis unis, testis nullus (uma só testemunha, nenhuma testemunha).”

E mais adiante, pág. 37:
Num sistema processual civil cuja bússola é a procura da verdade material dos enunciados fáticos trazidos a juízo, a aferição de uma prova sujeita a livre apreciação não pode estar condicionada a máximas abstratas pré-assumidas quanto à sua (pouca ou muita) credibilidade mesmo que se trate das declarações de parte. Se alguma pré-assunção há a fazer é a de que as declarações de parte estão, ab initio, no mesmo nível que os demais meios de prova livremente valoráveis. A aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade.
(…)
Em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.”
*
4.5. Da prova produzida
Nos autos foi produzida prova documental e pericial e, em audiência de julgamento, foram prestadas declarações de parte pelo A., foi prestado depoimento de parte pelo interveniente acessório, foram ouvidas testemunhas e realizou-se inspecção ao local.

4.5.1. A prova documental é a seguinte:
- com a petição inicial o A. juntou:
> doc. 1: três fotografias do local em que alegadamente foi embatido pelo veículo conduzido pelo interveniente acessório;
> doc.s 2, 3 e 4: recibos de salário;
> docs. 5, 6 e 7: três documentos de transporte emitidos pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de …, sendo o primeiro relativo ao transporte do A. no dia - de Março de 2019, do Hospital ... para a residência do mesmo, no valor de € 18,00, o segundo relativo ao transporte do A. no dia 07 de Maio de 2019, da sua residência para o Hospital ..., no valor de € 18,00 e o terceiro relativo ao transporte do A. no dia 07 de Maio de 2019, do Hospital ... para a sua residência, no valor de € 18,00;
> doc 8: factura simplificada passada por H. P., Unipessoal, com a data de 29/05/2019, sob a designação de “Montagem de equipamento” no valor de € 30,00;
> doc. 9: factura simplificada passada por H. P., Unipessoal, com a data de 30/03/2019, sob a designação de “Aluguer de cama articulada”, no valor de € 34,99 e “Montagem de equipamento” no valor de € 30,00;
> doc.s 10 e 11: recibos de farmácia, o primeiro com a data de 10/04/2019, em nome do A., relativo a 4 embalagens de “Lovenox”, no valor de € 20,28 e o segundo com a data de 29/03/2019, em nome do A., relativo a duas embalagens de “Lovenox”, uma embalagem de “Ferrum Fol Hausmann”, outra de “Dafalgan”, outra de “Naproxeno” e outra de “Omeprazol”; - doc. 12: Guia de tratamento da prescrição com o número nela indicado, datada de 29/03/2019, passada pelo Hospital ... – Internamento, prescrição essa dos seguintes medicamentos (pelo seu nome comercial): Lovenox, Ferrum Fol Hausmann, Dafalgan, Naproxeno e Omeprazol;
- com o requerimento de 04/09/2020 o A. juntou uma certidão extraída do Inquérito 977/19.2T9GMR, composta por:
> participação do acidente de viação;
> auto de reconstituição do atropelamento realizado pela Polícia Judiciária, o qual é acompanhado de “reportagem fotográfica” (em que não participaram nem a Ré, nem o interveniente acessório);
> episódio de urgência;
> nota de alta de 29/03/2019 onde, além do mais, consta: “Tem alta para o domicílio com indicação para não fazer carga sobre os membros inferiores”;
> relatório cirúrgico;
> diário da consulta externa da especialidade de ortopedia, onde consta, além do mais uma consulta no dia 07/05/2019 e outra consulta a 23/07/2019, constando, quanto à última: “(…) Pode caminhar com apoio de canadianas – carga parcial”;
> Relatório de perícia de avaliação de dano corporal em direito penal;
- com a sua contestação a Ré X juntou cópia da Participação de acidente de viação;
- com o requerimento de 16/11/2020 o A. juntou cópia da decisão no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória;
- a 20/01/2021 o Hospital ... enviou aos autos um conjunto de elementos clínicos relativos ao A.:
> nota de alta de 29 de Março de 2019;
> diário da consulta externa de ortopedia (incompleto, já que dele não consta a consulta no dia 07/05/2019 como se revela no diário da consulta externa que consta da certidão extraída do Inquérito 977/19.2T9GMR, junta pelo A. com o requerimento de 04/09/2020, já referida);
> diário médico do internamento no Hospital ...;
> episódio de urgência;
- a 24/11/2021 o interveniente acessório juntou fotografias tiradas aquando da inspecção ao local.

4.5.2. A prova pericial consiste no Relatório da perícia de avaliação de dano corporal em direito civil elaborado pelo INMLCF junto a 20/05/2021 completado com o esclarecimento prestado a 21/06/2021.

4.5.3. A prova produzida em audiência
Proceder-se-á a uma síntese do declarado por cada uma das pessoas, depurada das intercorrências e consequentes descontinuidades que foram sendo impostas ao longo dos diversos depoimentos, em maior ou menor grau, assim objectivada:

4.5.3.1. Declarações de parte do Autor
O julgamento iniciou-se com a tomada de declarações de parte ao A. que, em síntese declarou: - entrou na casa do Sr. F. para furtar valores, por volta das 12H00, quando entrou não estava ninguém; - à data trabalhava, tinha um salário, o contrato era de 3 meses, ia renovar para efectivo, mas tinha problemas, precisava de dinheiro, consumia estupefacientes; - quando se encontrava no interior da casa chegou alguém, não sabe quem era, ouviu gente a gritar, a dizer que o ia matar, entrou em pânico, fugiu com medo, levando consigo umas moedas e um cinto; - tentou fugir por um lado, mas apareceu um homem, que era o Sr. F. e fugiu pela porta da frente, saltou o muro, que tinha 1,5 m, foi para a estrada e fugiu pela rua abaixo; - o Sr. F. pegou no carro e foi atrás dele; - se estava dentro de casa para furtar, é natural que o Sr. F. tenha pensado que levava objectos consigo; - fugiu pela estrada situada do lado esquerdo da casa, que é a descer e começou a correr porque ouvia dizer que o iam matar; - o Sr. F. pegou no carro, veio e “atropelou-me”; - não sabe dizer se o condutor do veículo seguia pela esquerda ou pela direita, por que a rua não tem “separadores”; - apenas sabe que ele ia atrás dele; - o A. apenas queria fugir pela rua abaixo: - a Srª Juiz a quo perguntou se em algum momento saiu da faixa onde seguia e tentou ir para a faixa contrária, tendo o A. respondido: “Sim, quando me atropelou”, tendo explicado a seguir que a rua é a descer, ia no lado esquerdo da rua, a correr, a fugir, pelo “canto” da estrada, depois há uma “ligeira curva – contracurva“, estava no lado esquerdo e estava a fazer essa curva porque depois ia ter a contracurva quando foi atropelado; - que não tentou mudar de faixa, sempre permaneceu no lado esquerdo; - o embate foi no lado direito do corpo; - estava do lado esquerdo, tem a correnteza das casas, tem muros, depois tem um “poste de electricidade, 1-2 metros antes do poste foi atingido pelo carro”; - ficou no chão, não conseguia mexer as pernas, o Sr. F. saiu do carro, insultou-o e bateu-lhe, chegaram mais dois senhores que também lhe bateram, com “biqueiros” na cabeça, murros e chapadas, tiraram-lhe as calças e tentaram tirar-lhe as sapatilhas, os vizinhos disseram para o Sr. F. chamar uma ambulância e policia e ele disse que não chamava ninguém; - os bens que havia retirado da casa foram-lhe retirados pelo Sr. F.; - partiu o fémur esquerdo e a tíbia direita, bateu com a cabeça no chão.
Ao perguntas do seu Ilustre Mandatário declarou que quando foi embatido estava a 1-2 metros do muro da casa: - perguntado quando é que sentiu que o carro vinha atrás dele, declarou que “olhei para trás e ele estava em cima de mim, fui projectado para o ar e caí no chão”; - não ouviu o Sr. F. dizer nada enquanto fugia; - tem a imagem de ter batido com a as costas no vidro da frente do carro, foi projectado para “trás, caiu sobre o vidro e caiu para trás do carro”; - enquanto estava a ser agredido pediu para pararem; - foi operado ao fémur esquerdo e levou gesso na perna direita; - passado uma semana foi para casa; - a mãe alugou uma cama própria para “pessoas que tem problemas de circulação”, numa cama normal não conseguia estar por causa das dores; - esteve três meses de cama, não saía de lá nem para fazer as “necessidades”; - mesmo na cama fazia exercícios; - ficou com ferros, sente picadas; - tem dores, umas mais perturbadoras que outras; - a família e os amigos dizem que o “andar” não é o mesmo, mas pensas que está a andar ”direito”; - foi-lhe receitada medicação para as dores , mas não sabe qual; - na cama estava sempre na mesma posição – de barriga para cima; - tomou uns comprimidos para se acalmar.
Ao pedido de esclarecimentos do Ilustre mandatário da Ré X declarou que ouviu o barulho do carro, olhou e apercebeu-se que era o Sr. F.; - no momento em que foi embatido não sabe se lhe deu com o carro no pé ou na perna – foi na parte de baixo; - perguntado se sabia em que posição o carro ficou após o embate, declarou que quando foi colhido o Sr. F. estacou logo o carro do lado esquerdo, vinha uma carrinha a subir e depois mudou o carro para a faixa onde devia vir, no lado direito; - perguntado se o carro ficou paralelo á casa ou meio enviesado, declarou que ficou meio enviesado, com a frente virada para a casa; - por indicação do médico do hospital, o exercício que fazia quando estava de cama era, mantendo a perna esticada, levantá-la um bocado para cima, para não perder o músculo todo, quando estava a chegar os três meses, foi dada indicação para ir forçando um bocado a “dobra” da perna, o exercício em causa demorava 15/20 minutos: - o contrato não foi renovado, estava de cama, despediram-no, o que soube um mês depois através de carta; - consumia canabinóides de forma regular, mas quando não tinha, não consumia; - os pesadelos que teve após o acidente não tinham relação com a privação do consumo.
Finalmente ao pedido de esclarecimentos da Ilustre Mandatária do interveniente acessório declarou que passou pela sua casa, mas não foi para lá porque queria era fugir; - no lado esquerdo não tem passeio, mas o pavimento é mais baixo para a água correr, ia á beira dessa zona; - não chegou á curva-contracurva, porque foi colhido antes.

4.5.3.2. Depoimento de parte do interveniente acessório
O interveniente acessório prestou depoimento de parte (requerido pela Ré X e admitido no despacho saneador) tendo, declarado, em síntese, que: - no dia 22/03/2019 por volta do meio dia a esposa ligou-lhe, a dizer que ouviu barulho dentro de casa: - dirigiu-se a casa e pelo caminho ligou ao irmão a pedir para ir lá ter; - quando chegou a casa dirigiu-se à janela da sala, verificou que estava aberta, fechou a janela, olhou para dentro e viu um vulto, que também viu o depoente, o vulto dirigiu-se à cozinha, mas acabou por sair pela frente; - quando chegou à frente da casa já estava o carro do irmão, a mulher disse-lhe que “ele” tinha saltado o muro, fugiu, o irmão e o sobrinho tinham ido atrás dele a correr; - como tinha sido operado à perna pegou na carrinha e desceu a rua, passou pelo irmão e o sobrinho e viu a pessoa que estava na casa a correr pela rua abaixo, desenfreado; - nessa altura essa pessoa ia mais para o lado esquerdo e o depoente ia mais ou menos no meio da estrada, a qual não tem “divisórias”; - conforme se ia aproximando ia de vidros abertos a dizer para a pessoa parar, a ideia era que ele parasse para ver quem era e o que tinha furtado; - não sabia se ele tinha na sua posse objectos; - mas estava na casa e supostamente [teria objectos consigo]; - só se apercebeu que tinha efectivamente objectos consigo depois do acidente, quando ele estava sentado no chão, junto ao muro da vivenda é que lhe pediu para dizer o que tinha roubado; - ia com o vidro aberto a dizer para ele parar; - foi tudo muito rápido; - ele continuou a correr, o depoente continuou atrás dele, ele ia paralelo ao muro e de repente deu uma guinada para a direita; - não sabe qual era o objectivo; - pensa que do lado direito há um muro baixo de uma casa que ele podia saltar, como última tentativa de sair daquela situação; - logo que ele deu aquela guinada, travou mas já não foi a tempo; - não sabe a que velocidade ia; - ele chegou a cruzar-se com a entrada para um monte, situado logo a seguir à casa do depoente; - muito embora tenha ligado ao irmão, não pensou em ligar à policia; - o embate deu-se mais do lado esquerdo da via, a cerca de 2 m do muro; - a ideia do depoente era passar a pessoa, parar o carro à frente, sair do carro e esperar que viesse o irmão e o sobrinho; - não tem ideia nítida em que parte do corpo do A. embateu (porque fechou os olhos, porque ele caiu em cima do vidro do carro, tendo o depoente sido atingido por alguns vidros), mas foi na parte direita; - depois do embate a pessoa caiu para o lado esquerdo do carro; - quando embateu o carro ficou imobilizado no sitio do embate, tendo-o retirado depois de ele lhe dar as coisas; - o carro ficou na zona junto à cabine de electricidade; - era hora do almoço e começou a ficar muita confusão, tirou o carro; - foi o depoente que ligou para o 112; - não bateu no A.; - ele estava deitado no chão, estava a tentar levantar-se, encostou-o ao muro da vivenda; - foi aí que o começou a questionar, a chamar-lhe muitos nomes, perguntando-lhe o que havia furtado e ele tirou do bolso umas medalhas de prata; - o A. pediu-lhe desculpa, mas o depoente não o conheceu; - não bateu e não viu agressões.
A esclarecimentos pedidos pela sua Ilustre Mandatária declarou que a sua casa já tinha sido alvo de outros furtos, em que levaram joias e dinheiro: - não havia carros estacionados na rua que descia; - não circulava pela sua faixa de rodagem porque a pessoa ia a fugir, ia mais sobre o lado esquerdo e, para através da janela, conseguir falar com ele, “cheguei-me mais para aquele lado para ele me ouvir dizer “pára”, cheguei-me mais para o lado dele”; - foi o INEM que cortou as calças porque a perna estava a inchar, não lhe tirou as calças; - a viatura ficou no mesmo sentido [ em que seguia] virada para a rua estreita; - nunca lhe passou pela cabeça atropelar o A..
A esclarecimentos pedidos pelo Ilustre Mandatário do A. declarou que estava enervado, mas não fora de si; - no sito em que deixou o carro, quem viesse de baixo tinha de ir para o lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha; - tirou o carro porque já estava a ficar fila na rua de baixo; - mudou a viatura antes de a GNR chegar.
Finalmente a esclarecimentos pedidos pelo Ilustre Mandatário da Ré, declarou que o declive é ao fundo da rua e depois do local do embate, o declive é na curva; - o carro ficou a 2/3 metros do muro, paralelo ao mesmo; - o A. correu sempre a direito, a descer, a 2 m do muro, na faixa esquerda; - bateu no A. com o farol do lado esquerdo, mais para o interior, no inicio da matrícula; - o vidro do seu lado partiu; - o A. ficou prostrado no chão, a tentar levantar-se e foi aí que o encostou ao muro, “ajudei-o a chegar-se ao muro”.

4.5.3.3. Testemunha C. F., declarou, em síntese, que reside na Rua em que se deu o embate, no lado oposto aquele em que se deu o embate e a cerca de 50 m do mesmo, ao lado da casa do A.; - estava na traseira da casa, ouviu um alvoroço, mas não deu importância, até que ouviu alguém a gritar, veio á parte da frente da casa, viu que estava um jovem na rua, que não reconheceu, julgava que era um aluno que tivesse sido atropelado, só depois é que a D. E. A. lhe disse que era o aqui A.; - o A. estava deitado no chão, na berma, ao pé do muro do Sr. P.; - não estava nenhum carro perto do corpo; - a rua afunila por causa da cabine de electricidade; - na curva estava um carro branco; - havia carros que queriam vir para cima e não podiam; - entre o muro e a esquina da cabine é apertado; - onde estava o carro branco não passavam dois carros; - o A. estava um bocadinho antes; - na zona em que estava o A. passavam dois carros; - o A. gritava por ajuda; - quando chegou à varanda já viu vizinhos e três senhores mais perto do A.; - um dos senhores, o vizinho que mora acima da testemunha [querendo referir-se ao interveniente acessório] estava a tentar tira-lhe a roupa e tirou-lhe a “sweat”; - estavam a tentar mexer-lhe nas calças e o A. pedia para não lhe mexerem na perna; - os outros dois senhores falavam e discutiam com o A.; - ele só chorava, mas a testemunha não percebia o que o A. dizia; - as pessoas estavam exaltadas; - não viu o A. ser agredido; - o A. tinha sangue na cara, mas não sabe se foi do acidente ou de alguma agressão; não viu o atropelamento; - não viu o carro a ser mudado, porque era hora do almoço, foi à cozinha e quando voltou o carro já estava estacionado do lado oposto àquele em que estava o A.; - o carro era de cor branca e de marca Renault; - entretanto pegou no carro e foi buscar a mãe do A.; - não sabe a que tratamentos o A. foi submetido; - apenas sabe que a mãe lhe disse que o A. foi submetido a uma intervenção cirúrgica; visitou-o em casa e viu-o num cama articulada e com uma perna engessada.
Mais declarou que do local em que estava o A. até ao local em que estava a viatura seriam 3-4 m; - o carro estava com a frente virada para a frente, como se fosse a descer, estava no “bico, ali no meio”, não estava paralelo ao muro, já estava a descer um bocadinho a curva, estava no inicio da esquina da cabine.
Finalmente declarou que perto da cabine de electricidade há um declive, quando vem alguém de baixo, quem for de cima utiliza o declive para dar passagem, mas se não vier ninguém vai pelo lado esquerdo; - quando veio de ver o almoço, os carros já estavam a circular; - não viu a ambulância chegar, mas acha que veio de baixo.

4.5.3.4. A testemunha E. A. declarou que conhece o A. por ter sido seu vizinho do lado, não sabe quem é o interveniente acessório; ouviu “berrar”, veio ao portão, viu uma pessoa no chão; - o que aconteceu antes de estar no chão não sabe; - viu pessoas à volta dela, mas não sabe quem era; - viu alguém no chão, encostado ao muro da casa do Sr. P., à beira da cabine “telefónica”, ele estava antes da cabine; - o carro estava do lado oposto, não estava junto do A, nem em frente a ele; - o carro tinha vidros partidos, mas não sabe quais eram; - estavam a tirar as calças ao A., mas não sabe quem era; - o A. dizia para não lhe mexerem na perna; - o sujeito que lhe deu com o carro é que lhe estava a tentar tirar as calças; - não sabe, mas acha que o carro estava virado para cima; - perguntada se viu agressões num primeiro declarou que não e depois rectificou tendo declarado ter visto dar dois pontapés ao A.; - a viatura era branca.

4.5.3.5. Testemunha M. L. declarou que é prima da mãe do A. e que conhece o interveniente acessório de vista; - ia a descer a rua, viu um rapaz deitado no chão, encostado a um muro, estava muita gente e um carro do outro lado da estrada, não sabe se virado para cima ou para baixo; - isto era perto da cabine, antes da cabine; - o A. só gemia; - estava sem camisola; - calças não sabe, mas via-lhe as cuecas; - não viu agressões ao A.; - a mãe do A. já lá estava quando a testemunha chegou; - a estrada, a seguir à cabine, afunila; - onde foi o acidente passam dois carros; - visitou o A., que estava com uma perna ao alto numa cama própria; - sabe que o A. trabalhava, mas não sabe o que fazia nem o que aconteceu.

4.5.3.6. Testemunha J. D. irmão do interveniente acessório, declarou que: - estava a trabalhar, recebeu uma chamada do irmão por volta do 12:00, que estava a caminho de casa porque a mulher lhe tinha ligado a dizer que achava que havia alguém estranho em casa; - pegou no carro e dirigiu-se á casa do irmão; - quando chegou viu um individuo com um capuz na cabeça a saltar o muro do jardim, parou o carro, saiu mais o sobrinho e a cunhada disse que era “ele”, querendo com isso dizer que a pessoa que estava a fugir era a pessoa que estava na casa e foram em perseguição dele, a pedir para parar; - uns segundos depois o irmão passou por eles, de carro, em direcção ao rapaz; - o rapaz ia a correr pelo meio da estrada; - mas há uma altura em que se encosta para o lado esquerdo; - o irmão chegou a 10/15 m do individuo, a gritar para ele parar; - há uma dada altura que a estrada afunila numa via só e é “nesse sitio” que o rapaz, que ia do lado esquerdo, atravessa-se em frente do carro, para passar para o lado direito; - o sitio em que se dá o acidente é no sitio em que a estrada afunila numa só e onde toda a gente passa, porque só passa um carro; - não foi junto á berma esquerda – foi sensivelmente à esquerda do sitio onde praticamente só tem uma via; - a via da direita acaba e antes de ela acabar, toda a gente segue pela esquerda; - o embate deu-se a 4/5 m da berma esquerda; - o irmão pegou no corpo do P. P. que estava a 1-2 m do muro, chegou-o ao muro e sentou-o e é nesse momento que o depoente e o sobrinho chegam junto deles; - o irmão sentou-o porque estava deitado na estrada e para ver se ele tinha alguma coisa; - o embate foi com a parte da frente da viatura, para o lado esquerdo, tendo partido a óptica e o pára brisas com a queda do corpo; - o depoente não ia calmo; - o irmão berrou com o P. P. a pedir para ele lhe dar o que havia roubado; - o depoente tirou-lhe o capuz; - o rapaz começou a tentar ir ao bolso do capuz; - o depoente não sabia com que pessoa estava a lidar e pôs-lhe o pé direito a bloquear o braço para não o deixar tirar nada, porque não sabia o que ia tirar; - a partir de dada altura o rapaz começou a tratar o irmão pelo nome, porque vive a 100/150 m dele; - não houve mais nenhuma interação de nenhum dos presentes; - foi o P. P. que tirou a camisola porque estava calor; - o P. P. não se queixava de nada; - só passados uns minutos, quando já estavam outras pessoas, é que se aperceberam que devia ter a perna partida porque começou a inchar; - o irmão é que o arrastou para o lado, porque o corpo ficou do lado esquerdo do carro; - o P. P. atravessou-se á frente do carro para passar a estrada para o descampado; - da maneira como o irmão ia a dizer para parar, ele deve ter ouvido e percebido que estava a ser perseguido, - o irmão mudou o carro do local em que ficou após o embate porque ficou junto ao local onde a estrada estrangula e havia carros a querer passar; - o trânsito, com dificuldade, passava; - o carro ficou 1 a 2 m á frente do local em que ocorreu o embate; - o irmão não foi a correr porque tinha partido uma perna, foi operado e estava em convalescença; - se fosse intenção do irmão atropelar o rapaz, tinha-o feito antes; - o irmão chamou nomes ao rapaz; - o depoente e o sobrinho iam a gritar para o P. P. parar e, portanto, deve ter percebido que o estavam a perseguir; - se o P. P. tivesse fugido para o descampado, não era possível apanhá-lo; - só o conseguiriam apanhar se o carro o bloqueasse antes de entrar na rua que afunila.

4.5.3.7. Testemunha P. J., militar da GNR que elaborou o Auto de participação de acidente de viação junto com o requerimento do A. de 04/09/2020, declarou: - foram chamados para um furto; chegados ao local indicado não havia ninguém; - foram até ao fim da rua; - ao chegar perto do fim da rua viram um aglomerado de pessoas e uma ambulância e foram ver o que se passava; - o condutor da viatura foi ter com os militares e disse que um individuo que tinha assaltado a casa se meteu à frente do carro e o atropelou; - foram ao hospital falar com o atropelado, que disse que tinha sido apanhado dentro de casa pelo proprietário e condutor da viatura, que foi atrás dele e que o atropelou; - quando chegaram ao local o veículo interveniente no embate já estava parado do lado direito; - o atropelado estava dentro da ambulância e as roupas dele estavam na valeta, do lado esquerdo; - no local em que se dá o embate passam dois carros; - o condutor do veículo indicou-lhe o local do embate; - os danos no veículo eram o vidro do pára-brisas partido e o farol do lado esquerdo; - a roupa estava cortada; - no local em que a rua afunila, só dá para passar um carro; - só afunila uns 10/15 m após o local onde estavam as roupas; - o declive fica do lado direito e aí tem uma entrada para o terreno; - a medição que consta do Auto abrange a berma do lado direito; - a roupa estava um pouco antes da cabine.
4.5.3.8. Testemunha N. S., sobrinho do interveniente acessório e da testemunha J. D. declarou: - estava a trabalhar, o tio D. recebeu uma chamada do tio F. e pediu-lhe para ir com ele porque se estava a passar alguma coisa na casa do último; - pegou no carro e foram a casa do tio F.; - segundo o que lhe disse o tio D., estava gente dentro de casa do tio F.; - quando chegaram ao local viram um individuo a fugir da casa do tio F., saltando o muro e sempre a correr pelo meio da estrada, e foram atrás dele; - o individuo foi sempre pelo meio da estrada, até que há um ponto em que está um bocadinho à esquerda; - o tio F. passou por eles de carro a dizer para o individuo parar; - eles também iam a gritar para ele parar; - passados uns segundos ou um minuto dá-se o acidente; - perguntado “ que tipo de acidente” declarou que “ o individuo estava a tomar uma direcção e virou numa direcção oposta á que estava a correr, para o lado direito”; - quando virou não estava no meio da estrada, mas estava quase no meio da estrada; - no sitio em que ele virou [á direita] passa um carro; o embate foi um bocadinho antes da cabine; - nesse local só passa um carro por outro rés-vés; - não sabe precisar qual a distância entre o local do embate distância e a cabine - não foi a 1 m, nem a 10 m; - o acidente foi do lado esquerdo; - o carro ia sensivelmente ao meio da estrada; - não ia atrás do P. P., mas ao lado dele; - o corpo ficou ao lado do carro, não ficou na berma; - depois o tio F. é que o ajudou a encostar ao muro; - o P. P. no chão ainda queria fugir; - e mesmo encostado queria fugir; - o P. P. não estava a gritar, só pedia desculpa, nunca gritou com dores; - não viu agressões, nem que o tio lhe tivesse posto o pé em cima; - o P. P. começou a queixar-se 5 minutos antes de chegar a ambulância; - o tio [F.] retirou o carro porque não passavam carros de baixo para cima ou passavam com dificuldade; - à direita da rua que desce tem um portão que dá acesso a um descampado; - o tio travou porque viu as luzes de travão a acender; - na rua a seguir conseguiam alcança-lo de carro; - nessa rua não cruzam dois carros.

4.5.3.9. Testemunha L. A., militar da GNR que tomou conta da ocorrência, declarou: - foram chamados para um furto, quando chegaram ao local não viram pessoas; - decidiram ir mais à frente um bocadinho e depois da curva viram uma ambulância; - não sabem como ocorreu o embate; - a pessoa ferida já estava dentro da ambulância; - não havia vestígios; - só as calças cortadas pelos bombeiros, onde foi buscar bens que haviam sido furtados; - o veículo tinha danos no pára brisas do lado do condutor; - o condutor do veículo estava stressado, mas não sabe porquê; - foi inquirido quanto á configuração do local e ao modo de circular no mesmo; - quando chegaram ao local, o carro já havia sido mudado de posição; - a ambulância estava virada para o cima; - entre o local em que estavam as roupas e o local em que a rua curva à esquerda, mediava, talvez, 5, 6, 7 metros.

4.5.3.10. Testemunha M. C., esposa do interveniente acessório, declarou: foi a casa, o que não era habitual; - quando chegou ouviu barulho no andar superior, viu a janela da sala aberta, saiu de casa e telefonou ao marido, que chegou entretanto; - a pessoa que estava dentro de casa saiu pela frente, saltou o muro e fugiu; - o cunhado e o sobrinho foram atrás dele; - disse ao marido para pegar na carrinha e ele arrancou; - ela continuou a andar e chegou ao ponto em que viu o carro parado e uma pessoa encostada ao muro; - quando chegou ao pé dele perguntou-lhe porque tinha feito aquilo e ele só pedia desculpa; - entretanto chegou a policia e ambulância; - o rapaz estava sentado encostado ao muro, do lado esquerdo; - a viatura estava “ali”; - o marido tirou o carro porque havia outro que queria passar; - a rua em que ocorreu o embate é em paralelo, com piso irregular e vai dar a uma rua “estreitinha”, em que só passa um carro; - o carro do marido estava antes da cabine, no meio da estrada; - a rua, do lado direito, tem acesso ás garagens das casas; - o marido pegou no carro com a intenção de ver quem era e o entregar à policia; - já tinha sido assaltada uma vez, em que lhe levaram as joias todas, apresentou queixa, mas o processo foi arquivado; - houve outras tentativas; - o marido não foi no carro com a intenção de atropelar o rapaz, ia tentar interceptá-lo onde a estrada estreita, porque na rua estreita uma pessoa não passa se vier um carro de frente; - o marido não estava alterado, mas nervoso, não tendo ido atrás do rapaz para o “caçar”; - não lhe passou pela cabeça chamar a autoridade, porque demoraria a vir de Guimarães a Pevidém.

4.5.3.11. Inspecção ao local – ficou consignado na Acta de 22/01/2021 o seguinte:
“O tribunal fez o percurso desde a casa do Interveniente principal, virando à esquerda, tomando o sentido que o Autor terá percorrido a pé, até ao local do embate. Constata-se que a estrada, nesse segmento, tem dois sentidos e, apresenta sentido descendente e que, no lado esquerdo tem berma. Alguns metros percorridos, a estrada apresenta uma curva acentuada à direita, sendo que a partir da casa do Interveniente Principal, não existe visibilidade após o traçado da dita curva.
Após a descrição da curva, do lado esquerdo da faixa de rodagem, constata-se que deixa de existir berma, passando a existir uma espécie de valeta para escoamento das águas pluviais. Percorridos mais alguns metros, constata-se que a estrada apresenta uma nova curva à esquerda, sendo que, durante esse trajeto até essa curva, ainda não é visível o presumível local do embate. Logo após esta segunda curva, do lado direito da estrada, atento o referido sentido, está posicionada a casa do Autor.
Mais se consigna, que do lado direito da faixa de rodagem, embora não exista uma berma, existe uma espécie de baía de estacionamento, sem diferença de cota, mas que é delimitada da estrada, por uma diferente forma de colocação dos paralelos que constituem o piso.
O tribunal constatou ainda, no local, que a casa do Sr. P., a que se referiram algumas das testemunhas, se mostra posicionada do lado esquerdo da via, atento o sentido tomado pelo tribunal, junto ao posto de transformação de eletricidade, com ele confinando.
Mais constatou o tribunal que, no local exato onde se encontrava esse poste de transformação a estrada afunila, estreitando significativamente.
Foi ainda exibido ao tribunal o portão que dá acesso ao logradouro/monte, que na tese do interveniente principal provavelmente seria o local para onde o Autor queria seguir, no momento em que guinou para a direita e foi colhido.
O tribunal constatou ainda que, no imediatamente antes do segmento em que a estrada afunila, um bocadinho antes do poste de transformação, na parte direita da via existe uma rampa.
O tribunal teve ainda o ensejo de constatar a forma como circulavam os veículos, que seguiam no sentido que o tribunal tomou, tendo constatado que, para estes entrarem na estrada, que afunila, a tendência é encostarem ligeiramente à direita, mas sem haver necessidade de subir a rampa.
Constatou ainda o tribunal que, já depois do poste de transformação, a estrada afunila significativamente não permitindo o cruzamento de dois veículos, que transitem em sentidos opostos.
Consigna que esse estreitamento da via ocorre alguns metros após o poste de transformação, atento o sentido tomado pelo tribunal.”

Consigna-se que a funcionalidade do Google Maps “Street View” está activa para a Rua ..., ..., Guimarães, permitindo assim visualizar o caminho percorrido pelo tribunal a quo e descrito no Auto de inspecção ao local.
Para auxiliar na localização da casa do interveniente acessório e ponto de partida do percurso do tribunal, releva a foto n.º 1 da reportagem fotográfica efectuada pela Polícia Judiciária que integra a certidão extraída do Inquérito 977/19.2T9GMR, junta pelo A. com o requerimento de 04/09/2020.
*
4.6. Da concreta situação dos autos
O interveniente acessório coloca em crise a decisão quanto a um conjunto diversificado de factos.

No entanto os mesmos podem ser agregados em quatro grupos de factos relativos:
- à dinâmica do evento dos autos: pontos 4.12., 4.13., 4.46. e 4.47. dos factos provados e ponto 4.52. dos factos não provados;
- aos danos morais: pontos 4.22., 4.23., 4.24., 4.25., 4.26., 4.27., 4.28., 4.29., 4.30., 4.31., 4.32. dos factos provados;
- à cessação do contrato de trabalho: 4.34., 4.42.;
- a outros danos patrimoniais: 4.43. dos factos provados
*
4.6.1. Factos relativos á dinâmica do acidente
4.6.1.1. Da motivação da sentença quanto à dinâmica do evento dos autos.
A sentença recorrida motivou a decisão quanto aos factos relativos à dinâmica do evento dos autos nos seguintes termos:
“Quanto à dinâmica do embate, o tribunal louvou-se na análise crítica e conjugada dos seguintes elementos probatórios: “

De seguida sintetizou as declarações de parte do A., o depoimento de parte do interveniente acessório e o depoimento das testemunhas C. F., E. A., M. L., J. D. e N. S., que analisou da seguinte forma:
“ Diga-se que o Interveniente e a testemunha J. D., foram já constituídos arguidos no âmbito do Inquérito Criminal nº 977/19.2T8GMR da 1ª Secção do DIAP de Guimarães, encontrando-se indiciados pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, razão pela qual, a credibilidade dos seus depoimentos nestes autos, bem como da própria testemunha acima identificada, sobrinho de ambos os aí arguidos, sempre revestiria um valor probatório menos qualificado, pois que, a versão que viessem a assumir nestes autos, sempre teria reflexos incriminatórios nos autos em que são visados. “

De acordo com a informação do Ministério de 05/11/2021 no Inquérito Criminal nº 977/19.2T8GMR da 1ª Secção do DIAP de Guimarães, “investiga[-se] factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de homicídio na forma tentada, e (…) os visados [B. F. e J. D.] já foram constituídos arguidos no passado dia 09/12/2019.”

Continua depois a sentença:
“Seja como for, registam-se várias contradições relevantes entre as próprias versões dos três familiares envolvidos na perseguição o autor:
- o Interveniente B. F. F. admite que o Intruso corria pela estrada abaixo, colado ao lado esquerdo da berma e que ele próprio é que iria mais a meio da faixa, admitindo que se chegou mais para o lado esquerdo, mais próximo dele para ele o ouvir, pois que lhe ia dando indicções para parar; Refere ainda que o embate teria ocorrido no lado esquerdo da via, a cerca de 2 metros da berma;
- Já as testemunhas N. S. e J. D. sustentam que o autor corria no meio da estrada e que a dado momento guinou para a direita e acabou por ser colhido, segundo a testemunha J. D. a 4/5 metros da faixa esquerda;
Ora, apesar destas incoerências, os três familiares envolvidos na perseguição ao autor, assentam os seus depoimentos num denominador comum: todos referem que, ao chegar ao poste de transformação o autor, de forma súbita e inopinada guina à direita, altura em que foi colhido pelo Interveniente, explicando que o mesmo certamente pretendia evadir-se para um monte que se encontrava precisamente do lado contrário ao que o autor circulava.
Ora, o Tribunal esteve no local, teve o ensejo de ver a que monte o Interveniente e as testemunhas se referem, tendo constatado que o aludido “monte” é um espaço totalmente vedado e, no momento da inspeção ao local, o acesso ao seu interior mostrava-se completamente inacessível, com um portão fechado de altura nada inferior aos muros que o autor tinha do seu lado esquerdo.
No decurso da perseguição, o autor passou pela sua casa, que se situa do lado direito da via – pelo que, acaso tivesse querido mudar de direção para a direita, não haveria por certo lugar mais seguro -, embora se admita que não tivesse querido fugir para o interior da sua habitação, pois que, um dos objetivos da fuga era precisamente o de evitar ser identificado, pois que tinha acabado de participar num furto, na residência do perseguidor.
Seja como for, o autor tinha acabado de percorrer uma extensão de estrada larga, onde era fácil a circulação de veículos, vindo sendo perseguido por um condutor e dois indivíduos apeados, e, preparava-se para entrar na tal zona onde a estrada afunila de forma significativa, não consentindo o cruzamento de dois veículos, que seria uma excelente oportunidade para o autor se evadir, pois que bastaria circular um veículo em sentido ascendente (contrário àquele que seguia), para que o veículo do Interveniente se visse forçado a estancar a fuga.
Não é plausível que o autor tivesse abdicado dessa excelente oportunidade, optando precisamente no momento em que essa oportunidade surge, por guinar para a direita, com o fito de entrar num espaço completamente vedado, igual a muitos outros que se situavam do lado em que transitava, ainda para mais, se atentarmos na tese do Interveniente e das testemunhas, segundo as quais ele teria perfeita consciência que estava a ser perseguido e sabia que, ao cortar a linha de transito do veículo que o perseguia, iria ser colhido.
Tudo indica que o condutor do veículo perseguidor, consciente de que o autor se preparava para entrar na zona da estrada que afunila e à qual teria um acesso limitado (pois que nela não podem transitar simultaneamente dois veículos que transitem em sentidos opostos), tenha decidido precisamente nesse local, fazer parar o perseguido, para o que se tornou necessário provocar o embate no corpo do autor, por forma a lograr a sua imobilização forçada.
Não é por acaso que o embate ocorreu precisamente junto ao posto de transformação que é o marco a partir do qual a estrada estreita de forma significativa.
Sendo evidente que o autor foi colhido no lado esquerdo da faixa de rodagem, como o próprio Interveniente admite, sem que aquele tivesse mudado a sua rota, tendo sido o Interveniente quem invadiu a faixa de rodagem em que seguia o autor, precisamente para alcançar aquele desiderato.
Terá sido colhido a cerca de 1 metro do muro da casa do Sr. P. que confina com o posto de transformação, local onde foi visto por várias testemunhas a gemer com dores e a ser interpelado, insultado e agredido pelo(s) perseguidor (es).
Não sendo crível que, acaso tivesse sido colhido pelo Interveniente num local bem mais afastado da berma esquerda, tivesse sido depois trazido para junto da berma pelos perseguidores, a pretexto de que intentavam questioná-lo sobre os bens furtados. Tal atuação, além de que contraria as mais elementares regras de atuação com sinistrados, teria um efeito incriminador para os perseguidores, pelo que o Tribunal se convenceu que o autor foi colhido precisamente onde refere o autor e onde este foi visto com os perseguidores, pelas testemunhas C. F. e E. A..
Do mesmo modo, a atuação posterior do Interveniente consubstanciada na mudança do posicionamento da sua viatura, não tendo sido ditada, como o próprio reconhece, por exigências estritas de tráfego (porque o transito circulava), só pode ter tido em vista iludir as autoridades quanto aos contornos da responsabilidade por este acidente.
Quanto à motivação com que atuou o Interveniente, o tribunal convenceu-se que o mesmo atuou com intenção concretizada de perseguir aquele intruso em fuga ( pois que, ao que parece, a sua residência já tinha sido assaltada mais do que uma vez), para o que utilizou a sua viatura, atentas as suas dificuldades de locomoção, para mais facilmente o alcançar e imobilizar, para assim lograr a sua identificação e recuperar eventuais objetos e que se tivesse apropriado, como veio a suceder, para o que sabia ser necessário embater com o seu veículo no corpo do Autor, sabendo que desse modo necessariamente molestaria o corpo e a saúde deste, resultado que aceitou como consequência necessária da sua conduta. “
*
4.6.1.2. Em concreto
Resulta dos pontos 4.4. a 4.6. dos factos provados que no dia 22 de Março de 2019 o A. P. P. foi surpreendido na casa do interveniente acessório B. F., tendo fugido em direção à Rua ....

Depois ficou provado que:
- 4.7. - o interveniente acessório, porque estava a recuperar de uma cirurgia e tinha a locomoção limitada, entrou na sua viatura da marca Renault, de modo a encetar uma perseguição ao Intruso, que dele fugia a correr pela Rua ..., no sentido descendente, em direção à Rua ..., seguindo o condutor, pela hemi faixa direita atento o seu sentido de marcha.
- 4.8. - o referido condutor seguia a velocidade não concretamente apurada;
- 4.9. – o interveniente acessório agiu da forma descrita em 4.7. com o intuito de imobilizar aquele intruso, identificá-lo e recuperar objetos de que se tivesse, porventura apropriado;
- 4.10. O irmão e sobrinho do Interveniente, J. D. e N. S., respetivamente, também perseguiram o intruso, mas apeados;
- 4.11. O intruso ia a correr pelo lado esquerdo da estrada, no sentido descendente.

Ficou provado e o interveniente acessório pretende se considere não provado, o seguinte:
4.12. Quando o Intruso se encontrava em frente à porta nº … da Rua ..., próximo da berma do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do veículo do B. F., este acelera a marcha, desvia a sua trajetória, invadindo totalmente a faixa de rodagem esquerda e, nesse local, embate com a frente esquerda do veículo no corpo do cidadão perseguido.
4.13. O primeiro impacto do veículo no corpo daquele cidadão ocorreu nos membros inferiores e de imediato, projetado pelo capot e vidro do lado do condutor, tendo acabado por cair no pavimento, na zona da valeta, do lado esquerdo onde ficou imobilizado sem se conseguir mexer, já que tinha os membros inferiores fraturados e também ferimentos e hematomas na cabeça por força do embate no vidro da viatura.
(…)
4.46. O condutor do “OI” agiu de modo livre, voluntário e consciente, com intenção concretizada de perseguir aquele intruso em fuga, para o que utilizou a sua viatura, para mais facilmente o alcançar e imobilizar, para assim lograr a sua identificação e recuperar eventuais objetos e que se tivesse apropriado, para o que sabia ser necessário embater com o seu veículo no corpo do Autor, sabendo que desse modo necessariamente molestaria o corpo e a saúde deste, resultado que aceitou como consequência necessária da sua conduta.
4.47. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Não ficou provado e o interveniente acessório pretende se considere provada a seguinte factualidade:
4.52. Que, momentos antes do embate, e a dada altura, de forma subida e inopinada, o autor tenha alterado a sua direção para o lado direito, tendo provocado o embate com o veículo no qual seguia o chamado, provavelmente com o intuito de prosseguir sua fuga para um monte que ficava do seu lado direito, pois bem sabia que, acaso continuasse na vi publica, o autor a pé e o Interveniente de carro, mais tarde ou mais cedo, o Interveniente iria conseguir alcança-lo.

De notar que não ficou provado:
4.53. Que o condutor do “OI” tenha utilizado o veículo com o objetivo direto de atentar contra a vida ou contra a integridade física do autor.

O acontecer dum facto é ontologicamente incontornável. O facto, quando ocorre, esgota-se em si mesmo, é sempre impossível a sua reconstituição natural.
Por isso, o que se intenta fazer numa audiência de julgamento é procurar reconstituir “o que se passou”, com base no que ficou documentado, no que ficou retido em quem a ele assistiu ou dele teve conhecimento, ou mesmo no que técnicos especializados expressarem sobre como teria ocorrido.

A dificuldade é que, desde logo, as partes apresentam ao tribunal versões da realidade divergentes e os meios trazidos a tribunal para tentar reconstituir “o que se passou”, como se passou, acompanham essa divergência.

Por outro lado, muitas vezes tais meios nunca revelam “o que se passou” de forma inteira, mas de forma fragmentada, como mil pedaços de uma fotografia que foi rasgada.

Além disso, está em causa um evento estradal, por natureza muito dinâmico e complexo, já que é o resultado da conjugação, por vezes muito rápida – fracções de segundo - de um conjunto de dinâmicas – de veículos e/ou de peões -, cuja reconstrução, á posteriori, em sede de julgamento, pode apresentar manifestas dificuldades.

É um domínio em que as regras da física e da lógica desempenham um papel crucial.

Está em causa nos autos o embate de um veículo num peão, pelo que releva conhecer a conformação da via em que ocorreu o embate, no que releva o Auto de inspecção ao local, o qual, nesta Relação, foi complementado com a consulta do Google Maps através da ferramenta “Street View”, sendo patentes cinco realidades:

i) a seguir á casa do interveniente acessório, a estrada tem uma curva acentuada à direita e a seguir desenvolve-se em sucessivas curvas ligeiras á esquerda;
ii) a mesma não tem qualquer demarcação no pavimento;
iii) no final a mesma existe, do lado esquerdo, um posto de transformação de electricidade, apelidado, ao longo do julgamento, de “cabine” ou “poste de transformação”, cuja parte frontal já se situa na zona em que a rua “afunila” para o lado esquerdo, como que deixando de ter lado direito, passando, a partir daí, a ser uma rua estreita;
iv) a casa antes desse posto transformação tem o n.º …;
v) em frente ao posto de transformação, ou seja, do lado direito da estrada, existe um declive e um terreno vedado com rede e um portão.

De referir que a prova documental em nada nos elucida quanto á dinâmica do embate em causa nos autos, sendo certo que a reconstituição efectuada pela Polícia Judiciária, junta aos autos pelo A., não pode ser utilizada como prova, pois não foi produzida num processo com audiência contraditória das aqui contrapartes (art.º 421º do CPC).

Por outro lado mostra-se essencial tentar reconstituir a dinâmica dos dois intervenientes no embate: o interveniente acessório e o A..
O A., em declarações de parte, declarou que, na rua que desce, seguia pelo lado esquerdo da via, aí se tendo mantido, não sabendo se o interveniente acessório ia pela esquerda ou pela direita.
O interveniente acessório, em depoimento de parte, declarou que o A. corria pela rua abaixo, de forma desenfreada, pelo lado esquerdo e o depoente ia mais ou menos pelo meio da estrada, tendo mais adiante declarado, a esclarecimentos da sua Ilustre Mandatária, que não circulava pela sua “faixa de rodagem”, ia mais sobre o lado esquerdo para tentar falar com ele: “cheguei-me mais para aquele lado para ele me ouvir dizer “pára”, cheguei-me mais para o lado dele”.
A testemunha J. D. declarou que o A. ia a correr pelo meio da estrada, mas há uma altura em que se encosta para o lado esquerdo.
A testemunha N. S. declarou que o aqui A. foi sempre pelo meio da estrada, até que há um ponto em que está um bocadinho à esquerda e que o interveniente acessório conduzia o OI sensivelmente pelo meio da estrada, ao lado do A.

Não foi produzida qualquer outra prova quanto á posição relativa dos intervenientes.

Tendo em consideração a prova produzida, podemos concluir que:
- o A. seguia pela esquerda da via (como aliás ficou provado no ponto 4.11. e não foi impugnado);
- o interveniente acessório ia pelo meio da estrada e há um momento em que passa a circular pelo lado esquerdo em que seguia o A.: “cheguei-me mais para aquele lado para ele me ouvir dizer “pára”, cheguei-me mais para o lado dele”.

No ponto 4.7. dos factos provados afirma-se que o interveniente acessório circulava pela hemi faixa direita atento o seu sentido de marcha.
Este ponto da matéria de facto não foi impugnado.
Porém, como já ficou referido (ponto 4.2. deste Acórdão), isso não impede que, na sequência da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apresentada pelo recorrente, esta Relação, em função da reapreciação conjunta e global dos factos, proceda à alteração de algum facto não impugnado a fim de conferir coerência aquela decisão.
É o que sucede in casu.

Assim o ponto 4.7. passa a ter a seguinte redacção:
4.7. Ato continuo, o B. F., porque estava a recuperar de uma cirurgia e tinha a locomoção limitada, entrou na sua viatura da marca Renault, de modo a encetar uma perseguição ao Intruso, que dele fugia a correr pela indica Rua ..., no sentido descendente, em direção à Rua ....

Conhecida a posição relativa dos dois intervenientes importa enfrentar o cerne da questão - como ocorreu o embate – tendo presente que:
- o A. alega que o interveniente acessório ao avistá-lo, desvia a sua trajectória, invadindo totalmente a faixa de rodagem contrária e embate com a frente esquerda do veículo no corpo do A., versão que foi acolhida na sentença;
- a Ré alega que o A. ao sentir a aproximação do OI, tentou-se evadir tendo para esse efeito, de forma súbita e repentina, atravessado a rua na qual circulava, da esquerda para a direita;
- e o interveniente acessório alega que o A. ia a correr do lado esquerdo da estrada e de forma súbita e inopinada, alterou a sua direcção para o lado direito, versão que foi afastada pela sentença recorrida, dada a sua inclusão nos factos não provados.

O A., nas suas declarações de parte, declarou, num primeiro momento e laconicamente que o Sr. F. veio e atropelou-me.
E perguntado se em algum momento saiu da faixa onde seguia e tentou ir para a faixa contrária, o A. respondeu: “Sim, quando me atropelou”.
Mas depois explicou que a rua é a descer, ia no lado esquerdo da rua, a correr, a fugir, pelo “canto” da estrada, depois há uma “ligeira curva – contracurva“, estava no lado esquerdo e estava a fazer essa curva porque depois ia ter a contracurva quando foi atropelado; - que não tentou mudar de faixa, sempre permaneceu no lado esquerdo; - o embate foi no lado direito do corpo; - estava do lado esquerdo, tem a correnteza das casas, tem muros, depois tem um “poste de electricidade, 1/2 metros antes do poste foi atingido pelo carro”; - quando foi embatido estava a 1/2 metros do muro da casa; - tem a imagem de ter batido com a as costas no vidro da frente do carro, foi projectado para “trás, caiu sobre o vidro e caiu para trás do carro”; - foi embatido na parte inferior do corpo.

O interveniente acessório declarou que o A. ia a correr pelo lado esquerdo, paralelo ao muro e de repente deu uma guinada para a direita; - não sabe qual era o objectivo; - pensa que do lado direito há um muro baixo de uma casa que ele podia saltar, como última tentativa de sair daquela situação; - logo que ele deu aquela guinada, travou mas já não foi a tempo; - o embate deu-se mais do lado esquerdo da via, a cerca de 2 m do muro; - a ideia do depoente era passar a pessoa, parar o carro à frente, sair do carro e esperar que viesse o irmão e o sobrinho; - não tem ideia nítida em que parte do corpo da pessoa que ia a fugir embateu, porque fechou os olhos em virtude de ela ter caído em cima do vidro do carro, tendo sido atingido por alguns vidros, mas foi na parte direita; - depois do embate a pessoa caiu para o lado esquerdo do carro; - quando embateu o carro o carro ficou imobilizado no sitio do embate; - o carro ficou na zona junto à “cabine” de electricidade.
Mais declarou a sua casa já tinha sido alvo de outros furtos, em que levaram joias e dinheiro: - não circulava pela sua faixa de rodagem porque a pessoa ia a fugir, ia mais sobre o lado esquerdo, para, através da janela, conseguir falar com ele, “cheguei-me mais para aquele lado para ele me ouvir dizer “pára”, cheguei-me mais para o lado dele”; - estava enervado, mas não fora de si; - o carro ficou a 2/3 metros do muro, paralelo ao mesmo; - o A. correu sempre a direito, a descer, a 2 m do muro, na faixa esquerda; - bateu no A. com o farol do lado esquerdo, mais para o interior, no inicio da matrícula; - o vidro do seu lado partiu.

A testemunha C. F. declarou que o A. estava deitado no chão, na berma, ao pé do muro do Sr. P.; - na curva estava um carro branco; - havia carros que queriam vir para cima e não podiam; do local em que estava o A. até ao local em que estava a viatura seriam 3-4 m; - o carro estava com a frente virada para a frente, comos e fosse a descer, estava no “bico, ali no meio”, não estava paralelo ao muro, já estava a descer um bocadinho a curva, estava no inicio da esquina da cabine.

A testemunha E. A. declarou que viu alguém no chão, encostada ao muro da casa do Sr. P., à beira da cabine “telefónica”, ele estava antes da cabine; - o carro tinha vidros partidos, mas não sabe quais eram.

A testemunha M. L., declarou que viu o A. rapaz encostado a um muro, antes da cabine.

A testemunha J. D. declarou que há uma dada altura que a estrada afunila numa via só e é “nesse sitio” que o rapaz, que ia do lado esquerdo, atravessa-se em frente do carro, para passar para o lado direito; - o sitio em que se dá o acidente é no sitio em que a estrada afunila numa só e onde toda a gente passa, porque só passa um carro; - não foi junto á berma esquerda – foi sensivelmente à esquerda do sitio onde praticamente só tem uma via; - o embate deu-se a 4/5 m da berma esquerda; - o embate foi com a parte da frente da viatura, para o lado esquerdo, tendo partido a óptica e o pára brisas com a queda do corpo; - - o irmão berrou com o P. P.; - o P. P. atravessou-se á frente do carro para passar a estrada para o descampado; - o carro ficou 1 a 2 m á frente do local em que ocorreu o embate; - o irmão chamou nomes ao rapaz; - se o P. P. tivesse fugido para o descampado, não era possível apanhá-lo; - só o conseguiriam apanhar se o carro o bloqueasse antes de entrar na rua que afunila.

A testemunha N. S. declarou que “ o individuo estava a tomar uma direcção e virou numa direcção oposta á que estava a correr, para o lado direito”; - quando virou não estava no meio da estrada, mas estava quase no meio da estrada; o embate foi um bocadinho antes da cabine; - o acidente foi do lado esquerdo; - o carro ia sensivelmente ao meio da estrada; - não ia atrás do P. P., mas ao lado dele; - o corpo ficou ao lado do carro, não ficou na berma; - depois o tio F. é que o ajudou a encostar ao muro.

Em primeiro lugar impõe-se referir que, percorrida a Rua em referência, através da funcionalidade “Streetview” temos alguma dificuldade em visualizar uma curva seguida de uma contracurva, como declarou o A., porquanto o sentido comum desta expressão é haver uma curva, seja para a esquerda ou para a direita e imediatamente a seguir outra curva, mas no sentido contrário ao da primeira.
No caso concreto, a partir da curva à direita imediatamente a seguir à casa do interveniente acessório, a rua desenvolve-se em curvas sucessivas à esquerda, incluindo junto ao posto de transformação de electricidade, em que a curva para a rua estreita é acentuada.

Em segundo lugar e tendo em consideração o auto de inspecção ao local, a consulta do Google Maps - em que é visível que antes do posto de transformação a habitação ali existente tem o n.º 218 - e o extractado dos diversos depoimentos, sobretudo do depoimento do interveniente acessório, que afirmou que o A. ia no lado esquerdo, ele ia no meio da estrada, mas depois “cheguei-me mais para aquele lado para ele me ouvir dizer “pára”, cheguei-me mais para o lado dele”, que o A. declarou que foi embatido a 1/2 metros do muro da casa e o próprio interveniente declarou que o embate deu-se mais do lado esquerdo da via, a cerca de 2 m do muro (o que retira credibilidade ao depoimento da testemunha J. D. que afirmou que o embate se deu a 4/5 m da berma, ou seja, nem é sequer do muro…), há que concluir que quando o A. se encontrava em frente ao nº … da Rua ..., próximo da berma do lado esquerdo, o OI aproximou-se de tal forma do mesmo e embateu-o, na parte inferior do corpo, com a parte do veículo em que se situa a óptica esquerda, tendo o A., de seguida, caído sobre o capot e pára brisas do lado do condutor, que partiu, vindo a cair no pavimento, na zona da valeta, do lado esquerdo onde ficou imobilizado sem se conseguir mexer, já que tinha os membros inferiores fraturados e hematoma na cabeça por força do embate no vidro da viatura.

Em terceiro lugar, já ficou referido supra, nada permite afirmar (ponto 4.7.) que o interveniente acessório seguia pelo lado direito da via.
E no seguimento disto e tendo em consideração a prova produzida, sobretudo o depoimento daquele - “cheguei-me mais para aquele lado para ele me ouvir dizer “pára”, cheguei-me mais para o lado dele” – ao contrário do que é afirmado na sentença recorrida, não é possível afirmar que o mesmo acelerou a marcha, desviou a sua trajetória, invadindo totalmente a faixa de rodagem esquerda….
É um facto que o condutor do OI se chegou à esquerda.
Mas a prova produzida não permite afirmar que circulava na direita, acelerou a marcha e entrou na esquerda.
O que a prova permite afirmar é que o A. circulava pela esquerda, o interveniente acessório pelo meio da estrada; em determinada altura o interveniente acessório chegou-se à esquerda de uma forma que ficou muito próximo daquele e o embateu.
Neste sentido militam alguns elementos.
Por um lado o A. declarou que foi embatido a 1/2 metros do muro da casa e o próprio interveniente declarou que o embate deu-se mais do lado esquerdo da via, a cerca de 2 m do muro, o que, tendo ainda em consideração o que ficou provado no ponto 4.15. - A via por onde seguia o veículo, segurado da Ré, é uma rua com dois sentidos de trânsito e o pavimento é em paralelepípedo, sendo que a largura da rua, no local do embate, é de cerca de largura considerável (cerca de 7 metros, descontada a largura da baia de estacionamento existente do lado direito). – e que não foi impugnado, permite afirmar que o embate deu-se no lado esquerdo da faixa de rodagem.

Por outro lado, o interveniente acessório estava a perseguir o A. porque o tinha detectado dentro de sua casa e fugiu, tornando natural a suspeita de que se havia introduzido ali para furtar. E por ser assim, como o mesmo afirmou, queria que ele parasse, queria identificá-lo e recuperar os objectos eventualmente furtados.
Nestas circunstâncias, nessa perseguição, ditam as regras da experiência e normalidade e resultou da prova produzida, o interveniente acessório ia naturalmente tenso, ou, como o mesmo afirmou, “enervado”.
Aliás, se dúvidas houvesse quanto a essa tensão, ela reflectiu-se na sua conduta para com o A. após o embate, quer encostando-o ao muro, sem o mínimo cuidado e preocupação com os eventuais danos corporais que o embate não podia deixar de ter causado, quer gritando com o mesmo, fosse para lhe chamar nomes, fosse para lhe dar o que havia furtado.
Nas referidas circunstâncias o interveniente acessório aproximou o veículo do A. Autor que ia a correr desenfreadamente.

Aproximar um veículo em circulação de um peão quando: i) o condutor o faz numa situação de tensão, situação em que o domínio do veículo pode ser afectado; ii) e quando o peão corre desenfreadamente, é incrementar o perigo, é criar as condições para tornar possível um embate.
E foi o que sucedeu in casu: o embate ocorreu porque o interveniente acessório se aproximou de tal forma do A. que o embateu ou, dito de outra forma, o embate ocorreu em consequência do facto de o interveniente acessório ter aproximado o OI do A., que corria desenfreadamente.

E os danos no veículo provocados pelo embate corroboram logicamente o referido: óptica esquerda partida – o que revela que o embate se dá com a parte mais à esquerda da viatura e, portanto, a que está mais próxima da vitima - e pára brisas do lado do condutor/esquerdo partido – o que decorre do facto de o A., embatido, ter caído sobre o pára brisas, tendo sofrido um hematoma frontal.

Apenas uma observação: muito se falou ao longo do julgamento quanto á forma como se circula normalmente na rua em referência.
Porém e para o caso em apreço, que nada tem de normal, tal realidade é absolutamente irrelevante. Apenas releva a singularidade do caso concreto.

Em face de tudo o exposto:
- o ponto 4.12. deve passar a ter a seguinte redacção:
4.12. Quando o A. se encontrava sensivelmente em frente ao nº … da Rua ..., próximo da berma do lado esquerdo, a correr desenfreadamente, o interveniente acessório, sob tensão, aproximou o OI daquele, em consequência do que o embateu, com a parte do veículo em que se situa a óptica esquerda, na parte inferior do corpo.
- não existem razões para considerar não provada a factualidade constante do ponto 4.13. dos factos provados, que se deve manter.

Prosseguindo, agora quanto ao ponto 4.52. dos factos não provados.
Por todas as razões já expostas e que fundamentam a alteração do ponto 4.12. dos factos provados e nomeadamente por aquilo que declarou o interveniente acessório - “cheguei-me mais para aquele lado para ele me ouvir dizer “pára”, cheguei-me mais para o lado dele” – a restante versão dos acontecimentos por si apresentada e secundada pelas testemunhas J. D. e N. S. e que está plasmada no ponto 4.52. dos factos não provados - momentos antes do embate, e a dada altura, de forma subida e inopinada, o autor tenha alterado a sua direção para o lado direito, tendo provocado o embate com o veículo no qual seguia o chamado, provavelmente com o intuito de prosseguir sua fuga para um monte que ficava do seu lado direito, pois bem sabia que, acaso continuasse na vi publica, o autor a pé e o Interveniente de carro, mais tarde ou mais cedo, o Interveniente iria conseguir alcançá-lo - não pode ser acolhida, não havendo, assim, razões para alterar a decisão de facto nesta parte.

Resultando da prova produzida que o interveniente acessório, no estado de tensão em que estava, aproxima o OI do A., que corria desenfreadamente e o embate com a zona do veículo em que se situa a óptica esquerda, ou seja, a parte do veículo mais á esquerda e, portanto, mais próxima do A., a versão apresentada deixa de ser razoável.

Além disso, não se compreende, à luz das regras da lógica, porque razão iria o A. guinar á direita e, assim, colocar-se mesmo á frente do veículo, sujeitando-se a ser embatido e, assim, a ser imobilizado e detido, quando o que mesmo queria era fugir e não ser apanhado.

Por outro lado, o local para onde alegadamente o mesmo pretendia fugir, situado no final da rua e com um declive, não era um “monte” nem um “baldio”, mas um terreno com casas, vedado com rede e com um portão. Podia acontecer ficar confinado dentro desse espaço, contrariando a sua pretensão de fuga. Era muito mais fácil para o A. continuar pela rua abaixo e entrar na rua estreita, que era de dois sentidos, mas onde não cruzavam dois veículos, podendo acontecer vir um veículo no sentido contrário e o interveniente ver-se obrigado a parar a perseguição.

No entanto o interveniente acessório defende no recurso que o A. foi atingido na perna direita, o que é demonstrativo de que o mesmo alterou a sua trajectória, virando-se para o lado direito.

Vejamos
O A. declarou que o embate foi no lado direito do corpo.

Mas ficou provado:
4.19. Em consequência direta e necessária do referido embate, o Autor sofreu várias lesões, em especial fratura da diáfise do fémur esquerdo, fratura da tíbia direita e fratura do maléolo externo direito e hematomas na região frontal.
A diáfase do fémur esquerdo situa-se na parte superior da perna esquerda.
A tíbia direita situa-se na parte inferior da perna direita.
O maléolo externo direito é a parte externa (direita) do tornozelo direito, ou seja, o pé rodou para dentro, para esquerda.
Daqui se extraiem duas observações: a primeira é que os danos são na parte inferior do corpo, o que é compatível com a altura da parte do veículo que embate; a segunda é que os danos são nas duas pernas, sendo certo que relativamente á perna esquerda o A. foi submetido a intervenção cirúrgica e relativamente à perna direita aparelho gessado, como resulta da nota de alta.
Se é certo que as lesões têm maior incidência (quanto á sua gravidade não somos peritos) na perna direita, face aos elementos clínicos e ao contrário do que afirma o interveniente acessório no seu recurso, as lesões não são (apenas) do lado direito da parte inferior do corpo, mas em ambos os lados.
O facto de haver lesões em ambos os lados da parte inferior do corpo, não permite afirmar, com segurança, que o embate do veículo se deu na perna direita ou no lado direito.
E se é certo que na tese da Ré e do interveniente acessório, de que o A. se atravessou á frente do veículo, da esquerda para a direita, ficando perpendicular ao mesmo, é a perna direita a parte do corpo do A. que fica exposta à frente do veículo, não é menos certo que indo o A. a correr pelo lado esquerdo e aproximando-se o OI desse lado, também é a perna direita do A. que fica mais exposta ao veículo.
Além disso, o embate deu-se com a óptica esquerda, a parte que fica mais próxima do A..
Em função de todos estes elementos não é possível extrair a conclusão de que o A. se atravessou à frente do veículo.

Em face de tudo o exposto não existem razões para considerar provada a factualidade constante do ponto 4.52. dos factos não provados, que assim se deve manter.

Quanto ao ponto 4.46. vejamos
No ponto 4.9., que não foi impugnado, consta que o interveniente acessório conduziu a sua viatura nas circunstâncias referidas em 4.7. (já alterado) “com o intuito de (…) imobilizar” o aqui A..
Poder-se-ia eventualmente pensar que o interveniente acessório conduziu o veículo com a intenção de embater o A. e, assim, o imobilizar.
Mas não é assim.

O ponto 4.9. tem de ser lido em conjunto com o que consta:
i) do ponto 4.46. dos factos provados onde consta que o interveniente acessório “utilizou a sua viatura para mais facilmente (…) alcançar e imobilizar “ o A., ponto este que muito embora impugnado, na parte transcrita deve, como veremos, manter-se;
ii) e do ponto 4.53 dos factos não provados, onde consta: “4.53. Que o condutor do “OI” tenha utilizado o veículo com o objetivo direto de atentar contra a vida ou contra a integridade física do autor.”

Ou seja: pode afirmar-se que o interveniente acessório utilizou o OI com a intenção de mais facilmente alcançar e eventualmente deter o A. e assim lograr a sua identificação e recuperar eventuais objetos de que se tivesse apropriado.
Mas não se pode afirmar que o interveniente acessório conduziu o veículo com a intenção de embater o A. e, assim, o imobilizar.

Mais: não pode haver dúvidas de que o interveniente acessório quis aproximar o OI do A.

Portanto, no que diz respeito ao acto de condução, o interveniente acessório agiu de modo livre, voluntário e consciente.

Mas daqui, e nomeadamente do facto de o interveniente acessório ter utilizado a viatura para mais facilmente alcançar e eventualmente deter o A., não é possível concluir, de forma peremptória, que o interveniente acessório sabia que para isso era “necessário embater com o seu veículo no corpo do Autor, sabendo que desse modo necessariamente molestaria o corpo e a saúde deste, resultado que aceitou como consequência necessária da sua conduta.

O embate do veículo no A., provocando a sua queda, era, certamente, uma forma, a “mais eficaz”, de obstar a que o mesmo prosseguisse a fuga.
Mas também era a que poderia causar danos manifestamente desproporcionais relativamente ao que estava em causa – como os factos revelam

É certo que, como se afirma na sentença, “o autor se preparava para entrar na zona da estrada que afunila” em que “não podem transitar simultaneamente dois veículos que transitem em sentidos opostos”.
Mas isso não significa que o interveniente acessório tivesse “um acesso limitado” a essa via, pois, como resulta do julgamento, essa via é utilizada de forma regular.
Significa apenas que caso surgisse um veículo a circular no sentido ascendente – o que não era certo -, o interveniente acessório ver-se-ia obrigado a parar.
Mas, por isso, também não era certo, ao contrário do que alega o interveniente acessório no recurso, de que mesmo que o A. entrasse na rua estreita o interceptaria.
Como era incerto o que podia suceder se o A. entrasse na rua estreita e face à prova produzida, não temos como certo e seguro que, como se afirma na sentença recorrida, o interveniente acessório, “tenha decidido precisamente nesse local, fazer parar o perseguido, para o que se tornou necessário provocar o embate no corpo do autor, por forma a lograr a sua imobilização forçada.”

Tendo em consideração a prova produzida e concretamente que:
i) o interveniente acessório utilizou o OI com a intenção de mais facilmente alcançar e eventualmente deter o A. e, assim, lograr a sua identificação e recuperar objetos de que eventualmente se tivesse apropriado;
ii) o A. corria desenfreadamente pela esquerda;
iii) o interveniente acessório seguia pelo meio da estrada, mas em determinada altura aproximou o OI da esquerda;
iv) o interveniente acessório conduzia sob tensão;
v) aproximar um veículo em circulação, estando o condutor em tensão, de um peão que corre desenfreadamente, é incrementar o perigo, é criar as condições para tornar muito possível um embate do veículo no peão;
vi) o embate ocorreu em consequência do facto de o interveniente acessório ter aproximado o OI do A;
vii) o embate deu-se na parte inferior do corpo;
viii) após o embate o interveniente acessório revelou uma total despreocupação para com os eventuais danos corporais que o embate pudesse ter causado ao A. -,
o que podemos ter como seguro é que o interveniente acessório, a actuar da forma descrita, representou que podia embater o A. e molestar-lhe o corpo e a saúde, mas conformou-se com isso.

Destarte impõe-se alterar a redacção do ponto 4.46. que passa a ser:
Ao utilizar o OI com a intenção de mais facilmente alcançar e eventualmente deter o A. e, assim, lograr a sua identificação e recuperar eventuais objetos de que se tivesse apropriado e ao aproximar, sob tensão, o OI do A., que corria desenfreadamente pela esquerda, o interveniente acessório representou como possível que podia embater o A. e, dessa forma, molestar o corpo e a saúde do mesmo, mas conformou-se com isso.

Quanto ao ponto 4.47. o interveniente não podia deixar de saber que ao agir da forma descrita em 4.46., representando como possível que podia embater o A. e, assim molestar-lhe o corpo e a saúde do mesmo, mas conformando-se com isso, a sua conduta era proibida e punida por lei.
Por isso, não existem razões para o considerar não provado.

4.6.2. Factos relativos aos danos morais
Nos pontos 4.22. e 4.30. ficou provado:
Foi-lhe dada alta médica em 29-3-2019, data a partir da qual teve de ficar imobilizado na sua cama durante 90 dias.
(…)
Para além disso, o Autor permaneceu durante 90 dias, completamente imobilizado na cama do seu quarto de dormir, com a parte anterior do seu corpo virada para o teto, aí tomando as refeições, medicamentos, fazendo as suas necessidades fisiológicas, sempre com a ajuda da sua Mãe.

Que foi dada alta médica do Hospital ... a 29/03/2019 resulta da “Nota de Alta” junta pelo A. com o requerimento de 04/09/2020.

O A. declarou que esteve três meses de cama, não saía de lá nem para fazer as “necessidades” e estava de barriga para cima.
Não se colocam questões quanto á consistência interna do declarado.
Quanto á consistência externa, consta da Nota de Alta a indicação de não realizar carga em ambos os membros inferiores, o que significava que o A. não se podia mobilizar pelo seu pé.
Estando em causa ambos os membros inferiores, esta indicação significa, na prática, uma total imobilização ou, se se quiser, repouso absoluto na cama.
Por outro, a 07/05/2019 o A. tem uma consulta do Hospital ... é transportado de casa para o Hospital e vice-versa de ambulância
Finalmente verifica-se que o INMLCF, no Relatório pericial junto aos autos a 20/05/2021 considerou, no âmbito dos danos temporários, um “Défice Funcional Temporário Total (correspondendo com os períodos de internamento e/ou repouso absoluto) que se terá situado entre 22/03/2019 e 23/07/2019, sendo assim fixável num período de 124 dias”, matéria que foi considerada no ponto 4.39 e que não é objecto de impugnação.
Destarte a verosimilhança do declarado está corroborado por outros meios de prova.

Em face do exposto, não existem razões para alterar esta matéria.

Nos pontos 4.23. e 4.24. ficou provado:
Após esse período, só conseguia locomover-se com recurso a apoios, vulgo muletas ou canadianas, durante 30 dias.
Período a partir do qual, passou muito lentamente a locomover-se pelo seu próprio pé, mas claudicando durante algum tempo.

Resulta da Consulta Externa de 23/07/2019 (junta aos autos a 20/01/2021) que o A. teve indicação para caminhar com o apoio de canadianas.
E o INMLCF, no Relatório pericial junto aos autos a 20/05/2021 considerou, no âmbito dos danos temporários, um “Défice Funcional Temporário Parcial (correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses actos, ainda que com limitações), que se terá situado entre 24/07/2019 e 26/11/2019, sendo assim fixável num período de 126 dias “, matéria que foi considerada no ponto 4.39 e que não é objecto de impugnação.
Considerando que o INMLCF atribuiu “Défice Funcional Temporário Parcial” de 126 dias tem-se por verosímil a factualidade dos pontos 4.23. e 4.24.

Em face do exposto, não existem razões para alterar esta matéria.

No ponto 4.25. ficou provado:
Atualmente o Autor ainda tem algumas dores e continua em tratamentos e observação clínica, não estando ainda curado, tendo de deslocar-se amiúde ao hospital, com todos os constrangimentos que isso importa por força da pandemia.
Importa ter em consideração que esta alegação se reportava á data de interposição da acção, ou seja, a 02/09/2020.

Vejamos
Na consulta externa de 26/11/2019 consta:
“Refere ainda alguma dor anca esq. com hiperflexão, mas de resto bem.
Fratura tíbia direita sem desvio RX hoje bem já consolidado, já faz carga há cerca de 4 semanas.
Fratura maléolo externo a direita sem desvio, doente sem dor.
Remarco para Março”
Não consta nenhuma consulta em março, mas apenas a 06/08/2020 onde consta: “Doente sem queixas. // Inscrevo para EMOS”

No Relatório pericial consta, na parte relativa ao “Estado Actual – A. Queixas “ Fenómenos dolorosos: na anca e joelho esquerdos, em repouso, que aliviam com os movimentos, necessitando de medicação analgésica em SOS (Voltaren)”.
E mais adiante, na parte relativa ao “B. Exame objectivo – (…) 2. Lesões e/ou sequelas ” consta: “
(…)
- Membro inferior direito – queixas de dor à palpação no terço inferior da perna e do dorso do pé. (…)
- Membro inferior esquerdo – (…) Queixas de dor à mobilização da anca, sem limitação funcional, mais acentuadas nos movimentos de abdução e rotação externa. (…)
De referir que o INMLCF considerou e ficou provado (ponto 4.39.) que a data da consolidação médico-legal das lesões – ou seja, o momento a partir do qual não é de esperar uma evolução positiva importante das lesões em termos sequelares –era fixável a 26/11/2019.

No julgamento o A. declarou que tem dores, umas mais perturbadoras que outras.
Tendo em consideração os elementos referidos impõe-se concluir que Atualmente o Autor ainda tem algumas dores…
Mas nenhum elemento probatório permite afirmar que continua em tratamentos e observação clínica, não estando ainda curado, tendo de deslocar-se amiúde ao hospital, com todos os constrangimentos que isso importa por força da pandemia.

Em face do exposto:
- mantêm-se no ponto 4.25. que Atualmente o Autor ainda tem algumas dores…
- elimina-se a restante parte “Actualmente (…) continua em tratamentos e observação clínica, não estando ainda curado, tendo de deslocar-se amiúde ao hospital, com todos os constrangimentos que isso importa por força da pandemia.” ingressando esta matéria no ponto 4.57 dos factos não provados.

No ponto 4.26. ficou provado:
Quando o A. se apercebeu de que o Renault estava a persegui-lo e que ao avistá-lo dirigiu a viatura na sua direção, ficou aterrorizado.

Não foi produzida qualquer prova de que o A. tivesse ficado aterrorizado.
O A. não o declarou e nenhuma testemunha o referiu.
Além disso o A. declarou queria era fugir porque ia a ser perseguido porque havia sido encontrado na casa do seu perseguidor.

Em face do exposto elimina-se o ponto 4.26. dos factos provados, ingressando o mesmo no ponto 4.58 dos factos não provados.

Nos pontos 4.27., 4.28. e 4.29. ficou provado:
Logo a seguir ao atropelamento e depois de cair ao solo, logo percebeu o A., que tinha os membros inferiores fraturados, situação que lhe provocou inenarráveis dores e grande sofrimento, tendo assim permanecido cerca de 30 minutos, tempo que demorou a chegada da ambulância, período durante o qual o condutor ainda lhe puxou as pernas e pontapeou-o, causando-lhe ainda mais dores.
Dores e sofrimento que continuaram no hospital, antes e depois da intervenção cirúrgica e que a medicação apenas atenuava.
Dores e sofrimento que se mantiveram quando regressou a sua casa após alta, tendo-lhe sido prescritos vários medicamentos.

Tendo em consideração as declarações de parte do A., das testemunhas C. F., E. A. e M. L., não há dúvidas que Logo a seguir ao atropelamento e depois de cair ao solo, logo percebeu o A., que tinha os membros inferiores fraturados, situação que lhe provocou inenarráveis dores e grande sofrimento,…, pois o ouviram gritar e pedir para não lhe mexerem nas pernas.

Além disso, o Relatório do INMLCF considerou na parte Relativa á Discussão:
“ 3. (…)
Quantum doloris (corresponde á valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vitima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões): fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente…”
Ou seja, o INMLCF considerou que o A. sofreu dores entre a data do evento e 29/11/2019.

Além disso foi junta com petição inicial sob o doc. 12 Guia de tratamento da prescrição com o número nela indicado, datada de 29/02/2019, passada pelo Hospital ... – Internamento, prescrição essa onde constam “Dafalgan” e o “Naproxeno” medicamentos que são conhecidos por ser analgésicos e sob os docs. 10 e 11 recibos de farmácia em que constam esses medicamentos.
Neste conspecto, também não existem razões para colocar em crise o afirmado nos pontos 4.28 e 4.29.

Mas já não existem elementos para dizer que o A. esperou 30 minutos pela ambulância.

Quanto á parte em que se afirma que o condutor puxou as pernas e pontapeou-o, causando-lhe ainda mais dores, não foi produzida prova.
É verdade que a testemunha E. A. declarou que o interveniente acessório lhe estava a tentar as calças o que é realidade diferente de lhe puxar as pernas e também é verdade que a mesma testemunha declarou ter visto dar dois pontapés ao A., mas não declarou que foi o interveniente acessório que os deu.

Em face do exposto:
- altera-se a redacção do ponto 4.27. que passa a ser:
Logo a seguir ao atropelamento e depois de cair ao solo, logo percebeu o A., que tinha os membros inferiores fraturados, situação que lhe provocou inenarráveis dores e grande sofrimento;
- remete-se a restante parte para o ponto 4.59. dos factos não provados com a seguir redação:
4.60. O A. permaneceu na situação referida em 4.27 cerca de 30 minutos, tempo que demorou a chegada da ambulância, período durante o qual o condutor ainda lhe puxou as pernas e pontapeou-o, causando-lhe ainda mais dores.
- mantêm-se tudo o que consta dos pontos 4.28. e 4.29.

No ponto 4.31 ficou provado:
Fruto daquela imobilização, o Autor sofreu inúmeras crises de ansiedade, insónias, tremores e um pavor de carros, somente se tranquilizando com recurso a ansiolíticos.
O A. assim o declarou.
Porém, não foi produzida qualquer outra prova quanto a esta matéria, sendo certo que nos medicamentos receitados não consta qualquer ansiolítico.

Em face do exposto, impõe-se eliminar esta factualidade dos factos provados e ingressá-la no ponto 4.60. dos factos não provados.

No ponto 4.32. ficou provado:
O Autor, à data do acidente tinha apenas 19 anos, era um jovem saudável, sem qualquer patologia, alegre e com energia própria da sua idade.

Resulta do Auto de participação de acidente de viação que o A. nasceu a 28/08/1999.
Não foi feita qualquer prova directa quanto ao seu estado de saúde e quanto ao seu humor à época.
No entanto extrai-se do depoimento do interveniente acessório e das testemunhas J. D. e N. S. que o A. fugiu a correr e que os últimos só chegaram ao pé dele em consequência do embate.
Quem corre dessa forma fá-lo com a energia própria da idade.
O A. declarou que consumia estupefacientes, concretamente cannabinóides, não havendo razões para duvidar disso.
O DSM V considera os “Transtornos relacionados a substâncias” e mais concretamente os “Transtornos por uso de substâncias”, entre as quais a Cannabis (509).
Neste conspecto não se pode considerar que o A. fosse psiquicamente saudável.

Em face do exposto:
- altera-se a redacção do ponto 4.32. que passa a ser:
4.32. O A. nasceu a -/08/1999 e tinha a energia própria da sua idade.
- relega-se a restante parte para o ponto 4.61. dos factos não provados, com a seguinte redacção:
4.61. O Autor, à data do acidente era um jovem saudável, sem qualquer patologia, alegre.

4.6.3. Factos relativos à cessação do contrato de trabalho:
Nos pontos 4.40 e 4.41. dos factos provados consta:
4.40. À data do acidente, o Autor tinha 19 anos de idade, já não frequentava qualquer estabelecimento de ensino e encontrava-se a trabalhar na empresa W, Lda, com sede em ..., Guimarães, auferindo o salário mínimo de 635,00€
4.41. Era o primeiro emprego do A. e a sua entidade patronal celebrou contrato por 3 meses, cujo termo ocorreria em 31-3-2019.

Nos pontos 4.34 e 4.42, objecto de impugnação, ficou provado:
4.34. Como o contrato era por 3 meses, fruto do acidente de viação ocorrido, a empresa já não o renovou.
4.42. Tendo o acidente ocorrido em 22-3-2019, a sua ex-entidade patronal não efetuou a renovação do contrato.

Importa aqui ter em consideração que no ponto 4.50 foi considerado não provado:
Que o contrato de trabalho do autor não tenha sido renovado por causa do acidente.

É patente a contradição entre o que consta, por um lado, dos pontos 4.34. e 4.42. dos factos provados e o que consta do ponto 4.50 dos factos não provados: dos dois primeiros resulta provado que a entidade patronal não renovou o contrato de trabalho do A. por causa do evento dos autos; do ponto 4.50 resulta não provado que a entidade patronal não renovou o contrato de trabalho do A. por causa do evento dos autos.

Impõe-se dizer o seguinte:
i) não foi produzida qualquer prova minimamente consistente quanto à renovação ou não renovação do contrato de trabalho, sendo contraditórias as declarações de parte do A. que a instâncias do Ilustre mandatário da Ré declarou que o contrato não foi renovado, estava de cama, despediram-no, o que soube um mês depois através de carta;
ii) mesmo admitindo que o contrato não foi renovado, não foi produzida qualquer prova minimamente consistente quanto ás razões para tal.

Neste conspecto, impõe-se eliminar os pontos 4.34. e 4.42 dos factos provados, levando-os aos factos não provados sob os pontos 4.62. e 4.63.

4.6.4. Factos relativos a outros danos patrimoniais.
Está em causa o ponto 4.43. dos factos provados que tem o seguinte teor:
Ainda como causa direta e necessária do acidente, despendeu o A. as seguintes quantias:
i) Em transportes efetuadas pela Y da residência do A., para o Hospital ... e o retorno, nos dias 29/3/2019 e 7/5/2019, a quantia de 52,00€ (docs. 5, 6 e 7).
ii) No aluguer da cama articulada, colchão e grades, despendeu 94,99 (docs 8 e 9).
iii) Em medicamentos 45,86€ (docs. 10, 11 e 12).

Relativamente ao referido em i) o A. juntou aos autos sob docs. 5, 6 e 7, três documentos de transporte emitidos pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de … – Y - , sendo:
- o primeiro relativo ao transporte do A. no dia - de Março de 2019, do Hospital ... para a residência do mesmo, no valor de € 18,00, data em que o A. teve alta do Hospital, como resulta da Nota de Alta junta com o requerimento de 04/09/2020 e do ponto 4.22. dos factos provados, o que leva a considerar que aquele transporte teve lugar no dia da alta e deveu-se à condição física do A. na sequência do embate e da intervenção cirúrgica;
- o segundo relativo ao transporte do A. no dia 07 de Maio de 2019, da sua residência para o Hospital ..., no valor de € 18,00 e o terceiro relativo ao transporte do A. no dia 07 de Maio de 2019, do Hospital ... para a sua residência, no valor de € 18,00, data em que, como resulta do diário da consulta externa da especialidade de ortopedia, junta com o requerimento de 04/09/2020, o A. teve uma consulta no Hospital, o que leva a considerar que aquele transporte teve em vista a referida consulta e deveu-se à condição física do A..

Relativamente ao referido em ii) foi junto com a PI um doc. 9 que constitui uma factura simplificada passada por H. P., Unipessoal, com a data de 30/03/2019, sob a designação de “Aluguer de cama articulada”, no valor de € 34,99 e “Montagem de equipamento” no valor de € 30,00.
De referir que o A. declarou que a mãe alugou uma cama para pessoas que têm problemas de circulação, o que é compatível com o facto de o A. ter sido submetido a intervenção cirúrgica no âmbito da especialidade de ortopedia e o processo curativo exigir imobilização, o que pode gerar doença tromboembólica venosa, para cuja profilaxia está indicado o Lovenox, como veremos adiante).
Além disso a testemunha C. F. visitou o A. em casa e verificou que o mesmo estava numa cama articulada.
Ainda quanto ao ponto ii) foi junto com a PI um doc 8 que constitui uma factura simplificada passada por H. P., Unipessoal, com a data de 29/05/2019, sob a designação de “Montagem de equipamento” no valor de € 30,00.
Tratando-se da mesma empresa que procedeu à montagem da cama articulada, pese embora se refira “Montagem” o que estará em causa, passados que eram dois meses, era a desmontagem da cama.

Finalmente e quanto ao referido no ponto iii) foi junto com a petição inicial um doc. 12 que constitui uma Guia de tratamento da prescrição com o número nela indicado, datada de 29/03/2019, passada pelo Hospital ... – Internamento, prescrição essa dos seguintes medicamentos (pelo seu nome comercial): Lovenox, Ferrum Fol Hausmann, Dafalgan, Naproxeno e Omeprazol.
E também com a PI foram juntos os doc.s 10 e 11 que constituem recibos de farmácia, o primeiro com a data de 10/04/2019, em nome do A., relativo a 4 embalagens de “Lovenox”, no valor de € 20,28 (Lovenox é um medicamento para profilaxia da doença tromboembólica venosa em doentes cirúrgicos de risco moderado e elevado, em particular aqueles submetidos a cirurgia ortopédica, como foi o caso do A.) e o segundo com a data de 29/03/2019, em nome do A., relativo a duas embalagens de “Lovenox”, uma embalagem de “Ferrum Fol Hausmann”, outra de “Dafalgan”, outra de “Naproxeno” e outra de “Omeprazol”.

Neste conspecto, nenhuma razão existe para colocar em crise esta factualidade.

4.7. Fundamentação de facto após apreciação da impugnação
- Factos provados -
4.1. No dia - de Março de 2019, pelas 12.00H, na Rua ..., ..., do Concelho de Guimarães, ocorreu um atropelamento, e do qual resultaram ferimentos no corpo do Autor.
4.2. Em que foi interveniente, o veículo da marca Renault com a matrícula OI, pertença de S. P. Lda., e conduzido na altura do acidente pelo seu sócio e gerente B. F., que embateu no Autor, atropelando-o.
4.3. A proprietária do veículo, transferiu a responsabilidade civil decorrente de acidente de viação para a companhia de Seguros Seguradoras ..., ora Ré, mediante apólice Nº .......86.
4.4. No dia 22/03/2019, a esposa do aqui Interveniente, apercebendo-se da presença de estranhos no interior da sua habitação, contatou o chamado que se encontrava nas instalações da empresa S. P., Lda, sita na rua ..., em ..., de que é sócio gerente, o qual se deslocou, de imediato, a sua casa.
4.5. Chegado à sua habitação, o Interveniente entrou pela porta da cozinha e confirmou a presença de um homem encapuçado, no interior da sala.
4.6. O dito intruso ao ser surpreendido pelo autor, deslocou-se na sala de um lado para o outro, sem saber o que fazer até que conseguiu fugir pela porta das traseiras da sala, tendo de seguida saltado o muro e fugido a pé, a correr, na direção à Rua ....
4.7. Ato continuo, o B. F., porque estava a recuperar de uma cirurgia e tinha a locomoção limitada, entrou na viatura da marca Renault, de modo a encetar uma perseguição ao Intruso, que dele fugia a correr pela Rua ..., no sentido descendente, em direção à Rua ....
4.8. O referido condutor seguia a velocidade não concretamente apurada.
4.9. O que fez com o intuito de imobilizar aquele intruso, por forma a conseguir identificar o autor do furto e eventualmente recuperar objetos de que porventura este se tivesse apropriado.
4.10. O irmão e sobrinho do Interveniente, J. D. e N. S., respetivamente, também perseguiram o intruso, mas apeados.
4.11. O intruso ia a correr pelo lado esquerdo da estrada, no sentido descendente.
4.12. Quando o A. se encontrava sensivelmente em frente ao nº … da Rua ..., próximo da berma do lado esquerdo, a correr desenfreadamente, o interveniente acessório, sob tensão, aproximou o OI daquele, em consequência do que o embateu, com a parte do veículo em que se situa a óptica esquerda, na parte inferior do corpo.
4.13. O primeiro impacto do veículo no corpo daquele cidadão ocorreu nos membros inferiores e de imediato, projetado pelo capot e vidro do lado do condutor, tendo acabado por cair no pavimento na zona da valeta, onde ficou imobilizado sem se conseguir mexer, já que tinha os membros inferiores fraturados e também ferimentos e hematomas na cabeça por força do embate no vidro da viatura.
4.14. Em consequência, aquele intruso que se veio a constatar ser o Autor, foi transportado de ambulância à urgência do hospital …, em Guimarães, onde ficou internado até ao dia 29-3-2019.
4.15. A via por onde seguia o veículo, segurado da Ré, é uma rua com dois sentidos de trânsito e o pavimento é em paralelepípedo, sendo que a largura da rua, no local do embate, é de cerca de largura considerável (cerca de 7 metros, descontada a largura da baia de estacionamento existente do lado direito).
4.16. Após o local do acidente, mais concretamente depois da cabine ali existente, a estrada afunilha significativamente, permitindo assim a circulação de um veículo de cada vez, em cada um dos sentidos.
4.17. No local do embate e em quase toda a extensão do arruamento, a via é ladeada por casas de habitação.
4.18. Era de dia e estava sol e com boa visibilidade, e o pavimento em paralelepípedo encontrava-se seco e em normal estado de conservação.
4.19. Em consequência direta e necessária do referido embate, o Autor sofreu várias lesões, em especial fratura da diáfise do fémur esquerdo, fratura da tíbia direita e fratura do maléolo externo direito e hematomas na região frontal.
4.20. Que determinaram tivesse sido transportado de ambulância para os serviços de urgência do Hospital da ..., em Guimarães, onde permaneceu internado até 29-3-2019.
4.21. Período durante o qual sofreu intervenção cirúrgica ao fémur com fixação interna com cavilha e colocação de tala cruropodalica à direita.
4.22. Foi-lhe dada alta médica em 29-3-2019, data a partir da qual teve de ficar imobilizado na sua cama durante 90 dias.
4.23. Após esse período, só conseguia locomover-se com recurso a apoios, vulgo muletas ou canadianas, durante 30 dias.
4.24. Período a partir do qual, passou muito lentamente a locomover-se pelo seu próprio pé, mas claudicando durante algum tempo.
4.25. Atualmente o Autor ainda tem algumas dores.
4.26. (Eliminado)
4.27. Logo a seguir ao atropelamento e depois de cair ao solo, logo percebeu o A., que tinha os membros inferiores fraturados, situação que lhe provocou inenarráveis dores e grande sofrimento.
4.28. Dores e sofrimento que continuaram no hospital, antes e depois da intervenção cirúrgica e que a medicação apenas atenuava.
4.29. Dores e sofrimento que se mantiveram quando regressou a sua casa após alta, tendo-lhe sido prescritos vários medicamentos. 4.30. Para além disso, o Autor permaneceu durante 90 dias, completamente imobilizado na cama do seu quarto de dormir, com a parte anterior do seu corpo virada para o teto, aí tomando as refeições, medicamentos, fazendo as suas necessidades fisiológicas, sempre com a ajuda da sua Mãe.
4.31. (Eliminado)
4.32. O A. nasceu a -/08/1999 e tinha a energia própria da sua idade.
4.33. E tinha no início desse ano de 2019, iniciado um contrato de trabalho subordinado, ao serviço da empresa W, Lda, com sede em ..., Guimarães, auferindo a RMMG de 635,00€ (docs. 2, 3 e 4).
4.34. (Eliminado)
4.35. No decurso da vigência do contrato, o autor teve as seguintes faltas injustificadas:
- Em janeiro, faltou 8 horas;
- Em Fevereiro, faltou 16 horas;
- Em Março, faltou 36 horas;
4.36. Em consequência do acidente descrito, o autor sofreu as seguintes sequelas:
- Membro inferior direito – queixas de dor à palpação no terço inferior da perna e do dorso do pé. Cicatriz localizada no terço superior da face anterior da perna, com 3 cm de comprimento, relativamente à qual o examinado não sabe especificar se terá ou não resultado do evento. Sem limitação da mobilidade do tornozelo. Sem aparentes desvios do eixo longo da perna, á observação. Sem assimetrias do comprimento real e aparente dos membros e perímetros da coxa e perna, quando comparado com o membro contralateral;
- Membro inferior esquerdo – duas cicatrizes cirúrgicas localizadas na face lateral da anca, com 4 cm e 3 cm de comprimento; duas cicatrizes cirúrgicas localizadas no terço inferior da face lateral da coxa, com 1 cm e 1 cm de comprimento. Queixas de dor à mobilização da anca, sem limitação funcional, mais acentuadas nos movimentos de abdução e rotação externa. Sem assimetrias de comprimento real e aparente dos membros e perímetros da coxa e perna.
4.37. As lesões a nível dos membros inferiores, tendo em conta a sua localização e conjugando com a dinâmica relatada do evento, terão resultado primariamente do embate do automóvel contra as pernas do examinado.
4.38. Consta do relatório pericial que “não é provável que a agressão descrita (pontapés e puxões pelas pernas) tenham causado as lesões descritas, nem haverá força suficiente associada (considerando a força habitual de braços e pernas de uma pessoa) para que agravassem as já existentes provocadas pelo embate”.
4.39. Do relatório pericial ficaram ainda a constar as seguintes conclusões:
- a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26/11/2019;
- Período de Défice Funcional Temporáreo Total fixável num período de 124 dias;
- Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 126 dias;
- Período de Repercussão Temporárea na Atividade Profissional Total fixável num período de 250 dias;
- Quantum Doloris fixável num grau 5 de 7;
- Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-psíquica fixável em 5 pontos;
- As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade à data do evento e com a atual, mas implicam esforços suplementares;
- Dano estético Permanente fixável no grau 3/7.
- Não há repercussão Permanente nas atividades desportivas e de lazer.
- Não há repercussão permanente na atividade sexual;
- Tratamentos médicos futuros: necessidade futura de extração de material de osteossíntese do fémur esquerdo.
4.40. À data do acidente, o Autor tinha 19 anos de idade, já não frequentava qualquer estabelecimento de ensino e encontrava-se a trabalhar na empresa W, Lda, com sede em ..., Guimarães, auferindo o salário mínimo de 635,00€
4.41. Era o primeiro emprego do A. e a sua entidade patronal celebrou contrato por 3 meses, cujo termo ocorreria em 31-3-2019.
4.42. (Eliminado)
4.43. Ainda como causa direta e necessária do acidente, despendeu o A. as seguintes quantias:
i) Em transportes efetuadas pela Y da residência do A., para o Hospital ... e o retorno, nos dias 29/3/2019 e 7/5/2019, a quantia de 52,00€ (docs. 5, 6 e 7).
ii) No aluguer da cama articulada, colchão e grades, despendeu 94,99 ( docs 8 e 9 ).
iii) Em medicamentos 45,86€ (docs. 10, 11 e 12).
4.44. Aquando do acidente, o autor trajava roupas e calçado que ficaram rasgadas e inutilizadas;
4.44. Por entender que os factos supra descritos contém factos suscetíveis de constituir crime, o A. participou destes ao DIAP de Guimarães, cujo processo 977/19.2T8GMR da 1ª Secção, está em fase de inquérito, encontrando-se o Interveniente e outros indiciados pela prática de um crime de homicídio na forma tentada.
4.45. Correu termos pelo tribunal da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Guimarães – J4, um processo crime contra o autor, ao qual foi atribuído o nº 208/19.5GBGMR, no âmbito do qual foi proferida decisão que condenou o aqui autor pela prática em 22/03/2019, por volta das 12 horas, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelo art. 203º, 204º/2 e) do C.P., ocorrido na residência do aqui Interveniente, sita na Rua ..., Lote .., ..., numa pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa na sua execução, por igual período, decisão já transitada em julgado.
4.46. Ao utilizar o OI com a intenção de mais facilmente alcançar e eventualmente deter o A. e, assim, lograr a sua identificação e recuperar eventuais objetos de que se tivesse apropriado e ao aproximar, sob tensão, o OI do A., que corria desenfreadamente pela esquerda, o interveniente acessório representou como possível que podia embater o A. e, dessa forma, molestar o corpo e a saúde do mesmo, mas conformou-se com isso.
4.47. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
*
Factos não provados
4.48. Que o condutor do “OI” imprimisse a veículo que conduzia velocidade superior a 70 km/h;
4.49. Que ainda hoje o autor claudique, embora menos acentuadamente, situação que o deixa ansioso.
4.50. Que o contrato de trabalho do autor não tenha sido renovado por causa do acidente;
4.51. Que, por causa do acidente, o autor se tenha visto privado de receber mensalmente a quantia de 635,00 euros, desde abril de 2019 até à presente data;
4.52. Que, momentos antes do embate, e a dada altura, de forma subida e inopinada, o autor tenha alterado a sua direção para o lado direito, tendo provocado o embate com o veículo no qual seguia o chamado, provavelmente com o intuito de prosseguir sua fuga para um monte que ficava do seu lado direito, pois bem sabia que, acaso continuasse na vi publica, o autor a pé e o Interveniente de carro, mais tarde ou mais cedo, o Interveniente iria conseguir alcança-lo.
4.53. Que o condutor do “OI” tenha utilizado o veículo com o objetivo direto de atentar contra a vida ou contra a integridade física do autor.
4.54. Que as roupas e o calçado que o A. trazia vestidas no dia do atropelamento, tivessem o valor de 160,00€.
4.55. Que, no início do ano de 2020, quando o A. já se encontrava em melhor estado físico, começou a procurar emprego, todavia e por força da situação da pandemia, assim declarada pela OMS em 11-3-2020, tornou-se praticamente impossível ao A. conseguir emprego.
4.56. Que o autor não beneficiou de nenhum subsídio estatal, em particular do ISS.
4.57. Actualmente o A. e continua em tratamentos e observação clínica, não estando ainda curado, tendo de deslocar-se amiúde ao hospital, com todos os constrangimentos que isso importa por força da pandemia.
4.58. Quando o A. se apercebeu de que o Renault estava a persegui-lo e que ao avistá-lo dirigiu a viatura na sua direção, ficou aterrorizado.
4.59. O A. permaneceu na situação referida em 4.27 cerca de 30 minutos, tempo que demorou a chegada da ambulância, período durante o qual o condutor ainda lhe puxou as pernas e pontapeou-o, causando-lhe ainda mais dores.
4.60. Fruto daquela imobilização, o Autor sofreu inúmeras crises de ansiedade, insónias, tremores e um pavor de carros, somente se tranquilizando com recurso a ansiolíticos.
4.61. O Autor, à data do acidente era um jovem saudável, sem qualquer patologia, alegre.
4.62. Como o contrato era por 3 meses, fruto do acidente de viação ocorrido, a empresa já não o renovou.
4.63. Tendo o acidente ocorrido em 22-3-2019, a sua ex-entidade patronal não efetuou a renovação do contrato.
*
5. Direito

Impõe-se ordenar logicamente as diversas questões que do ponto de vista do julgamento de Direito são colocadas nos dois recursos.


Assim em primeiro lugar devem ser apreciadas as questões relativas aos pressupostos da responsabilidade por facto ilícito, em que se integram as questões suscitadas pelo interveniente acessório:
- em função da concreta decisão quanto à impugnação da matéria de facto, não estão verificados os pressupostos da responsabilidade por facto ilícito;
- o evento dos autos ocorreu por culpa exclusiva do A.;
- ocorre concurso do risco com a culpa do A.;
- ocorre concorrência de culpas entre o A. e o recorrente / interveniente acessório.

Em segundo devem ser apreciadas as questões relativas aos danos começando pelas relativas:
- aos danos patrimoniais, em que se integram:
- a questão suscitada pelo A.: - o A. tem direito a ser indemnizado no valor de € 11.700,00 a título de perdas salariais.
- as questões suscitadas pelo interveniente acessório:
- não se deve manter a indemnização por danos patrimoniais.
- aos danos “morais”, em que se integram as questões suscitadas, respectivamente, pelo interveniente acessório e pelo A:
- a indemnização por danos não patrimoniais deve ser reduzida.
- os danos morais devem ser fixados em € 68.448,00;

Em terceiro deve ser apreciada a questão dos juros, suscitada pelo A: - o A. tem direito a juros desde a citação da Ré X.
*
5.1. Pressupostos da responsabilidade por facto ilícito
5.1.1. Em função da concreta decisão quanto à impugnação da matéria de facto, não estão verificados os pressupostos da responsabilidade por facto ilícito
A sentença recorrida considerou verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.

As alterações introduzidas na matéria de facto não conduzem a um resultado diferente, ainda que certos elementos possam ter um conteúdo diferente.

Dispõe o artigo 483º do Código Civil que, "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem...fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

A sentença recorrida analisa cada dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.

Por isso diremos apenas o seguinte.

Os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual por factos ilícitos (que devem, ser alegados e provados pelo lesado como constitutivos do direito de que se arroga, conforme resulta do disposto no n.º 1 do art.º 342º do Código Civil) são (segue-se a sistematização de Antunes Varela, in Das obrigações em geral, I, 6ª edição, pág. 494 e segs.):

a) Um facto voluntário do lesante, ou seja, um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana e que, em regra, consiste num acto, numa acção, mas que também pode ser uma omissão, não tendo de ser um acto predeterminado, uma acção ou omissão orientada para certo fim.
Face às regras de experiência comum, o acto de condução de viaturas é um acto voluntário, no sentido em que os actos em que se materializa essa condução são manifestações, expressão, resultado da vontade do condutor.
Só não será assim se intervier um facto anormal, excepcional, desligado dessa vontade ou, dito de outra forma, se se provar que no acto da condução se intrometeu algum evento fortuito ou caso de força maior, natural ou imputável a terceiro, ou súbita avaria mecânica, que conduz à conduta violadora - Ac. STJ, 20.12.90, BMJ, 402, 559.

b) A ilicitude desse facto ou sua antijuridicidade, sob a forma de violação de um direito subjectivo de outrem – nomeadamente, direitos de personalidade - ou de violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, sem que existam causas exclusão ou de justificação para tal.
Na primeira modalidade de ilicitude do art.º 483º estão abrangidos os direitos sobre os bens jurídicos pessoais como a vida, corpo, saúde, liberdade, os direitos de personalidade em geral (art.º 70º n.º 2 do CC).
A ilicitude da violação de um direito sobre bens jurídicos pessoais pode ser afastada quando o facto do lesante é praticado no exercício regular de um direito, no cumprimento de um dever, em acção directa (art.º 336º do CC), em legitima defesa (art.º 337º CC) ou com consentimento do lesado (art.º 340º do CC).

c) O nexo de imputação (culposa) do facto ao lesante, ou seja, para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário que o agente tenha agido com culpa.
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta num nexo existente entre o facto e a vontade do agente e pode revestir duas formas: dolo ou negligência, a apreciar nos termos do artigo 487º do Código Civil;

d) O dano ou prejuízo que consiste em «toda a ofensa de bens ou interesses protegidos pela ordem jurídica; e,

e) Um nexo de causalidade (adequada) entre o facto ilícito e o dano, ou seja, o facto será causa adequada do dano, sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, ou seja, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação – é a formulação positiva da teoria da causalidade adequada.
*
Resulta dos pontos 4.4. a 4.6. dos factos provados que no dia 22 de Março de 2019 o A. P. P. foi surpreendido na casa do interveniente acessório B. F., tendo fugido em direção à Rua ....

Depois resulta dos pontos 4.7. e 4.8. dos factos provados que o interveniente acessório, porque estava a recuperar de uma cirurgia e tinha a locomoção limitada, entrou na viatura da marca Renault, de modo a encetar uma perseguição ao A., que dele fugia a correr pela Rua ..., no sentido descendente, em direção à Rua ..., conduzindo a referida viatura a uma velocidade não concretamente apurada.
Fê-lo – pontos 4.9. e 4.46. – com o intuito de mais facilmente imobilizar o A., identificá-lo (nesse momento ainda não se sabia quem era) e recuperar objetos de que se tivesse, porventura apropriado.

O A. ia a correr pelo lado esquerdo da estrada, no sentido descendente (ponto 4.11.).
Quando o A. se encontrava sensivelmente em frente ao nº … da Rua ..., próximo da berma do lado esquerdo, a correr desenfreadamente, o interveniente acessório, sob tensão, aproximou o OI daquele, em consequência do que o embateu, com a parte do veículo em que se situa a óptica esquerda, na parte inferior do corpo ( ponto 4.12.), tendo o A. sido projetado pelo capot e vidro do lado do condutor, tendo acabado por cair no pavimento na zona da valeta, onde ficou imobilizado sem se conseguir mexer, já que tinha os membros inferiores fraturados e também ferimentos e hematomas na cabeça por força do embate no vidro da viatura. (ponto 4.13.).

Tendo em consideração esta factualidade não pode haver dúvidas quanto á verificação dos pressupostos da responsabilidade por facto ilícito porquanto há:

a) uma acção – o embate no corpo do A. em consequência do acto de condução da viatura OI, acto esse que é voluntário, sendo certo que, como ficou referido, a acção não tem de ser orientada para certo fim;

b) danosa – as diversas lesões causadas no corpo do A.;

c) ilícita – o embate provocou lesões na integridade física do A. e é ainda certo que:
> o art.º 1º, alínea q) do Código da Estrada (CE) considera “Utilizadores vulneráveis» - peões...;
> o art.º 3º, n.º 2 do CE dispõe que, “As pessoas devem abster-se de atos que (..) comprometam a segurança (…) dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis”;
> o art.º 11º n.º 2 do CE dispõe (negrito e sublinhado nossos), o condutor de um veículo não pode pôr em perigo os utilizadores vulneráveis, acrescentado nós: ainda que se trate de um peão suspeito da prática de um furto;
> o art.º 13º n.º 1 do CE dispõe que a posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes;
> o n.º 2 do mesmo normativo dispõe que ”quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção”, o que não era, manifestamente, o caso dos autos;
> e nos termos do n.º 3 “sempre que, no mesmo sentido, existam duas ou mais vias de trânsito, este deve fazer-se pela via mais à direita, podendo, no entanto, utilizar-se outra se não houver lugar naquela e, bem assim, para ultrapassar ou mudar de direção, o que também não era o caso.
De tudo o exposto, resulta ter o interveniente acessório violado, em particular, o disposto no art.º 11º n.º 2 do CE.
De referir que não está invocado no recurso qualquer causa de justificação da ilicitude.

O interveniente acessório refere, no seu recurso, o facto de o evento estradal dos autos ter ocorrido na sequência da suspeita da prática de um crime de furto, que admite pena de prisão, em flagrante delito, o que admitia a detenção por qualquer pessoa.

Mas não extrai dessa alegação quaisquer consequências.

Sempre se dirá o seguinte.

Estando em causa a suspeita da prática de um crime de furto - o qual, na modalidade de furto simples é punível com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa (cfr. art.º 203º do CPenal) -, em flagrante delito (cfr. o disposto no art.º 256º n.ºs 1 e 2 do C Processo Penal), a lei autoriza a detenção por qualquer pessoa, se não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil uma autoridade judiciária ou entidade policial (cfr. art.º 255º do CPP).
Mas os meios empregues na execução dessa detenção não podem ser excessivos ou desproporcionados relativamente aos interesses em presença, ou seja, tem de haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse que se possa sacrificar com a execução da detenção.
Os interesses a salvaguardar, no caso, seriam a detenção do suspeito e a sua entrega às autoridades competentes para fins de procedimento criminal e a recuperação dos bens eventualmente furtados, o que nos conduz ao interesse público na perseguição e prevenção do crime e a um interesse particular, traduzido no direito de propriedade; o interesse a sacrificar (como foi) é o da integridade física, que constitui um bem jurídico pessoal (art.º 70º n.º 2 do CC).
É manifesto que numa ponderação de valores, incluindo á luz do art.º 1º da CRP – Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana - e do disposto no art.º 25º n.º 1 da CRP - A integridade moral e física das pessoas é inviolável - e mesmo considerando o interesse do Estado em punir e prevenir a prática de crimes, há uma manifesta desproporção entre os interesses que se visavam salvaguardar (recuperação de objectos eventualmente furtados) e os interesses que se sacrificaram.
Não é licito nem razoável impor ao A. o sacrifício da sua integridade física para defesa do direito de propriedade do interveniente acessório.
Destarte, pese embora o referido quadro de flagrante delito, a mesma não justifica a conduta do interveniente acessório, tendo em consideração o resultado da mesma.
A conduta do interveniente ofendeu o direito á integridade física do A. não estando em causa a necessidade de evitar uma lesão maior ou, pelo menos, igual.

d) causal (nexo de causalidade entre o embate e os danos) – em consequência direta e necessária do embate, o Autor sofreu fratura da diáfise do fémur esquerdo, fratura da tíbia direita e fratura do maléolo externo direito e hematomas na região frontal. (ponto 4.19.).
O interveniente acessório invoca no recurso por si interposto que o evento dos autos ocorreu por culpa exclusiva do A.
Analisaremos esta questão adiante e de forma autónoma.

e) culposa (nexo de imputação do facto ao lesante) - ao utilizar o OI com a intenção de mais facilmente alcançar e eventualmente deter o A. e, assim, lograr a sua identificação e recuperar eventuais objetos de que se tivesse apropriado e ao aproximar o OI do A., que corria desenfreadamente pela esquerda, o interveniente acessório representou como possível que podia embater o A. e, dessa forma, molestar o corpo e a saúde do mesmo, mas conformou-se com isso ( 4.46.) sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. (4.47.).
*
5.1.2. O evento dos autos ocorreu por culpa exclusiva do A.
A Ré e o interveniente acessório contestaram alegando que a ocorrência do evento era imputável ao A. porquanto momentos antes do embate, e a dada altura, de forma subida e inopinada, o autor tenha alterado a sua direção para o lado direito, tendo provocado o embate com o veículo no qual seguia o chamado, provavelmente com o intuito de prosseguir sua fuga para um monte que ficava do seu lado direito, pois bem sabia que, acaso continuasse na vi publica, o autor a pé e o Interveniente de carro, mais tarde ou mais cedo, o Interveniente iria conseguir alcança-lo.

No recurso o interveniente acessório invoca que a conduta que despoletou o atropelamento foi o facto de o A. ter assaltado a casa do interveniente acessório e, além disso, como já havia alegado na sua contestação, o A. de forma subida e inopinada, o autor tenha alterado a sua direção para o lado direito, interceptando a marcha do veículo.

Relativamente á primeira parte, os factos dizem-nos que o interveniente acessório utilizou a viatura para perseguir o A., devido ao facto de o ter surpreendido na sua (do interveniente) habitação e ter fugido, havendo a suspeita que teria consigo bens furtados.
Destarte, a suspeita de o A. ter cometido um furto e ter fugido foi a causa remota do acto de condução.
Mas não foi a causa adequada do embate do veículo no A. já que tal embate não é uma consequência normal, típica do facto de aquele ter sido surpreendido em casa do interveniente acessório e ter fugido, tornando-se suspeito de ter cometido um furto.
O facto de o A. ter sido surpreendido em casa do interveniente acessório e ter fugido, tornando-se suspeito de ter cometido um furto não permite, de forma alguma, prever o embate como consequência natural ou como um seu efeito provável.
Impõe-se recordar que a condução de um veículo é um facto dominável ou controlável pela vontade, quer quando se decide iniciar a marcha, quer no desenrolar da mesma.
Ora, foi o interveniente acessório que decidiu, voluntariamente, pegar na viatura e ir em perseguição do A., nada o obrigando a fazer, nem mesmo o facto de o A. ser suspeito da prática de um furto e ter fugido. Quis, efectivamente ir em perseguição do A.
Mas, além disso, quem tinha e sempre teve, de forma exclusiva, o domínio da viatura foi o interveniente acessório.
Não era o A. que tinha o domínio da viatura.
Foi o interveniente acessório que aproximou a viatura do A. de tal modo que o embateu.
Se a causa remota do facto de o interveniente acessório ter utilizado a viatura e ter encetado a perseguição do A., foi o facto de este ter sido surpreendido na casa do interveniente acessório e ser suspeito da prática de um furto, a causa adequada do embate foi a condução adoptada pelo interveniente acessório, que aproximou a viatura do A. de tal modo que o embateu, o que não lhe era licito fazer, podendo e devendo ter agido de outro modo.
Neste conspecto, a alegação de que o culpado do atropelamento foi o A., quando o mesmo não tinha o domínio da viatura, não tem qualquer sustentáculo e foge a qualquer juízo de razoabilidade.

Quanto á segunda parte, a referida factualidade resultou não provada, como resulta do ponto 4.52. dos factos não provados.

É assim patente a improcedência da alegação do interveniente acessório que o evento dos autos ocorreu por culpa exclusiva do A..
*
5.1.3. Ocorre concurso do risco com a culpa do A..
A responsabilidade extracontratual pode distinguir-se em responsabilidade delitual ou pela culpa - está em causa a violação culposa de deveres genéricos de respeito, de normas gerais destinadas à protecção de outrem ou a prática de Tatbestände delituais específicos (cfr. Menezes Leitão, ob. cit. pág. 270) –, responsabilidade objectiva ou pelo riscoem que se prescinde da culpa – e a responsabilidade por factos lícitos ou pelo sacrifício – o sacrifício de interesses de terceiros para satisfação de interesses colectivos ou particulares dá lugar a compensação.

Como resulta do disposto no art.º 483º n.º 2 do CC, só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

Um dos casos de responsabilidade pelo risco são os acidentes causados por veículos, nesse sentido dispondo o art.º 503º n.º 1 do CC:

“1. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.
(...)”

A responsabilidade pelo risco em referência só tem aplicação, por definição, nas situações em que o evento estradal em que intervém um veículo, não se fica a dever a culpa, efectiva ou presumida ao condutor do veículo interveniente no acidente e, por força do disposto no art.º 505º do CC, não se fica a dever a culpa do lesado ou de terceiro, nem a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

Já vimos no ponto 5.1.1. que o evento estradal dos autos se ficou a dever a culpa exclusiva do interveniente acessório e já vimos no ponto 5.1.2. que o evento dos autos não se ficou a dever a culpa do A., o que exclui qualquer possibilidade de concurso entre risco e culpa do A..

Improcede assim a alegação de que ocorre concurso do risco com a culpa do A..
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5.1.4. Ocorre concorrência de culpas entre o A. e o recorrente / interveniente acessório.
Dispõe o art.º 570º do CC que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Pessoa Jorge referia in Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, pág. 360 que não era rigoroso falar em culpa do lesado, porque a diminuição da culpabilidade do agente se opera sempre que o acto do lesado foi concausa do prejuízo, ainda que não tenha carácter ilícito, por não representar a violação de nenhum dever.

Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, referiam, em anotação ao art.º 570º, que para a aplicação do nele disposto era necessário que o acto do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente.

E Jacinto Rodrigues Bastos in Notas ao código Civil, III, pág. 42, referia: “Para aplicação da norma, a conduta culposa do lesado deve ter constituído uma concausa do dano sofrido ou da sua agravação. O lesado pode ter contribuído para a produção do dano mediante a sua conduta ou simplesmente deixando de evitar as consequências prejudiciais do acto de outra pessoa; e pode contribuir para o agravamento dos danos omitindo as precauções que as circunstâncias aconselhem para o reduzir.”
E quanto à locução “facto culposo do lesado” referia que “a culpa não é considerada em sentido técnico, uma vez que nesse sentido a culpa é o elemento subjectivo de uma transgressão jurídica e a lei não formula, em parte alguma, o dever de cada um se precaver contra os danos que pode causar a si mesmo. (…) Aquela expressão deve ser tomada em sentido genérico, como caracterizando uma conduta incongruente que toda a pessoa razoável evita, ou deve evitar, no seu próprio interesse.”

Brandão Proença analisou o tema in A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Almedina, 2008, em que refere que o normativo em análise contempla duas situações - a actuação do lesado que concorre activa ou passivamente para o surgimento do dano ( ao não evitar a acção e o evento lesivos ou ao não afastar ou minorar as previsíveis consequências do facto danoso em curso) e o comportamento autónomo que apenas agrava, não elimina ou não atenua o prejuízo já causado – pág. 390 - funda-se na auto responsabilidade do lesado, no sentido de imputação das consequências patrimoniais decorrentes de opções livres que tomou e que se revelaram desvantajosas para os seus interesses – pág. 417 – e visa uma repartição justa e equilibrada, natural, do dano, em função das contribuições, em regra culposas, do lesante e do lesado – pág. 128 – referindo ainda não haver dúvida quanto á exigência de uma causalidade efectiva do facto do lesante e do lesado – pág. 427 – á necessidade da concorrência, para o dano ( real e patrimonial), do facto culposo do lesado ( e do lesante) – pág. 425 – gerando-se uma situação de concausalidade – pág. 426 – sendo o critério de apreciação do nexo causal o da causalidade adequada, em que se pergunta se aquele facto do lesante era, em abstracto, causa adequada daquela espécie de danos – pág. 442 – não sendo viável a aplicação da teoria do escopo de protecção da norma, na medida em que o art.º 570º n.º 1 não é norma de conduta, com finalidade proibitiva ou impositiva – pág. 453.
*
Por tudo o que já ficou dito nos pontos anteriores, não há qualquer concorrência de culpas na ocorrência do evento dos autos entre o A. e interveniente acessório já que a causa adequada do embate foi, única e exclusivamente, a conduta do interveniente acessório, não havendo qualquer contribuição do aqui A. para a ocorrência do mesmo.
Improcede assim esta questão.
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5.2. Dos danos
As questões remanescentes são relativas aos danos.
No entanto e antes de apreciá-las, e a fim de evitar repetições, impõe-se um breve enquadramento jurídico.

O dano, em termos naturalísticos será a supressão e uma vantagem de que o sujeito beneficiava.
Mas para efeitos indemnizatórios apenas relevam as vantagens juridicamente tuteladas.
Nesta medida, o conceito de dano não pode ser naturalístico, mas jurídico ou normativo.
E assim temos que o dano é a frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica (Luís Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 12ª edição, pág. 297).

Depois são várias as classificações de dano.
Assim, distingue-se:
- danos directos – os efeitos imediatos do facto ilícito ou a perda directa causada nos bens ou valores juridicamente tutelados - dos danos indirectos – as consequências mediatas ou remotas do dano directo (Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I, 6ª Edição, 1989, 567);
- danos em coisas e danos em pessoas (analisaremos os últimos, de forma detida, adiante);
- dano real e dano patrimonial ( cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I, 6ª Edição, 1989, 568 e Luís Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, I, 12ª edição, pág. 297-298) - o dano real corresponde à avaliação em abstracto das utilidades que eram objecto de tutela jurídica o que implica a sua indemnização através da reparação do objecto lesado (restauração natural) ou da entrega de outro equivalente (indemnização especifica) e o dano patrimonial como o que corresponde à avaliação concreta da lesão no âmbito do património do lesado, em virtude da lesão é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado, corresponde á avaliação dos efeitos da lesão no âmbito do património do lesado;
- dano patrimonial e dano não patrimonial, que se distinguem pela possibilidade de no primeiro caso, ser e no segundo caso, não ser susceptível de avaliação pecuniária (como refere Carneiro da Frada in Direito Civil – Responsabilidade Civil – o Método do caso, pág. 91, a distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais não tem a ver com a natureza do bem ou do interesse primariamente atingido, mas sim com a possibilidade de avaliação pecuniária);
- no dano patrimonial cabe (art.º 564º n.º 1 do CC) não só o dano emergente – corresponde á frustração de uma utilidade que já se tinha adquirido - as despesas com médicos, internamentos, os custos de reconstituição ou recuperação – operações, próteses, tratamentos - como o lucro cessante – frustração de uma utilidade que o lesado iria adquirir se não fosse a lesão;
- danos presentes – já estão verificados - e danos futuros – têm uma vertente temporal – projectam-se no futuro, são efeitos do facto que só com o passar do tempo se revelarão – e uma vertente qualitativa – tanto são danos patrimoniais emergentes (por exemplo, uma futura operação cirúrgica) como lucros cessantes ( os ganhos que pudessem resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos longo ).
Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior – art.º 564º n.º 2, 2ª parte do CC e 661º n.º 2 do CPC.
No entanto, se se tratar de um dano futuro cujo valor seja insusceptível de ser determinado mediante decisão ulterior de liquidação, deve o mesmo ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566º n.º 3 do CC.
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5.2.1. Danos patrimoniais
5.2.1.1. O A. tem direito a ser indemnizado no valor de € 11.700,00 a título de perdas salariais.
O A. alegou que tinha celebrado um contrato de trabalho a termo, que não foi renovado em virtude do acidente, reclamando, a título de perdas salariais, a quantia de € 11.700,00.

A sentença recorrida julgou este pedido improcedente, tendo referido:
“Todavia, não resultou da factualidade provada que a não renovação do contrato de trabalho, decorridos os três meses, tivesse tido como causa o acidente que o autor sofreu.”

O A. conclui no recurso que por força da incapacidade física absoluta em o prestar, a Entidade Empregadora, não renovou esse contrato, impossibilitando o Recorrente de receber a respetiva remuneração mensal, então fixada em 635,00€, nem recebeu qualquer subsídio estatal.

Ficou provado (ponto 4.33.) que o A., no início desse ano de 2019, tinha iniciado um contrato de trabalho subordinado, ao serviço da empresa W, Lda, com sede em ..., Guimarães, auferindo a RMMG de 635,00€.

Mas, manifestamente e ao contrário do que consta da conclusão 2 do A./recorrente, não ficou provado:
4.50. Que o contrato de trabalho do autor não tenha sido renovado por causa do acidente;
4.62. Como o contrato era por 3 meses, fruto do acidente de viação ocorrido, a empresa já não o renovou.
4.63. Tendo o acidente ocorrido em 22-3-2019, a sua ex-entidade patronal não efetuou a renovação do contrato.

4.51. Que, por causa do acidente, o autor se tenha visto privado de receber mensalmente a quantia de 635,00 euros, desde abril de 2019 até à presente data;
4.56. Que o autor não beneficiou de nenhum subsídio estatal, em particular do ISS.

Em face do exposto, não ficou provado o nexo de causalidade entre o embate e a não renovação do contrato, pelo que improcede esta questão e, assim, nesta parte, a sentença recorrida deve manter-se.
*
5.2.1.2. Não se deve manter a indemnização por danos patrimoniais.
A sentença recorrida considerou:
“Em sede de danos patrimoniais, pretende o autor ser ressarcido pelas quantias que despendeu em transportes pela Y da residência do autor para o Hospital ...; o aluguer de cama articulada, colchão, grades e medicamentos, tudo num total de 192,85 Euros (52,00 + 94,99 euros + 45,86 euros).
Tal factualidade teve assento da matéria de facto provada, razão pela qual tal pedido deve ser julgado totalmente procedente.
Pretende ainda o autor ser ressarcido da quantia de 160,00 euros, correspondente ao custo das roupas e caçado que ficaram inutilizadas em consequência do acidente.
Embora não se tenha provado o custo dessas peças, tendo-se provado que as roupas e calçado que o autor usava ficaram inutilizadas em consequência do acidente, considera-se equitativo fixar a esse titulo uma indemnização de 160,00 euros, nos exatos termos peticionados ( art. 566º/3 do C.C.).”

Insurge-se o interveniente acessório, que, como vimos, pretendia se considerasse não provada a factualidade constante do ponto 4.43. e pretende a revogação da condenação no pagamento da quantia de € 160,00 quanto ao custo das roupas e caçado que ficaram inutilizadas em consequência do acidente.

Vejamos

Relativamente à quantia de € 192,85, manteve-se como provado que:
4.43. Ainda como causa direta e necessária do acidente, despendeu o A. as seguintes quantias:
i) Em transportes efetuadas pela Y da residência do A., para o Hospital ... e o retorno, nos dias 29/3/2019 e 7/5/2019, a quantia de 52,00€ (docs. 5, 6 e 7).
ii) No aluguer da cama articulada, colchão e grades, despendeu 94,99 (docs 8 e 9).
iii) Em medicamentos 45,86€ (docs. 10, 11 e 12).

Assim e nesta parte, a condenação da seguradora no pagamento da referida quantia está fáctica e juridicamente sustentada e, como tal, deve manter-se.

Relativamente à quantia de € 160,00 quanto ao custo das roupas e caçado que ficaram inutilizadas em consequência do acidente, impõe-se verificar que não ter ficado provado e não ter sido objecto de impugnação que
4.54. Que as roupas e o calçado que o A. trazia vestidas no dia do atropelamento, tivessem o valor de 160,00€.

No entanto o tribunal recorrido fundou-se na equidade para fixar naquele montante a indemnização pelas roupas e calçado.

Dispõe o art.º 4º do CC que os tribunais só podem resolver segundo a equidade:
a) Quando haja disposição legal que o permita;

Uma norma que o permite é o n.º 3 do art.º 566º, o qual dispõe:
3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados na equidade para fixar o montante indemnizatório na referida quantia.

A equidade é, aqui, chamada, como instrumento de quantificação da indemnização.

A este propósito refere Menezes Cordeiro in Da boa fé no Direito Civil, 1997, pág. 1201 (sublinhados nossos):

“Quando a equidade seja chamada a fixar montantes indemnizatórios, não deve, de modo algum, pensar-se que tal operação fica ao livre-arbítrio do juiz, matizado embora por considerandos filosóficos, cuja concretização seria espinhosa. A interpretação dos diversos preceitos envolvidos mostra com clareza a presença de uma série de critérios a que o juiz deve atender.”

E na pág. 1203:
“A decisão de equidade implica uma margem lata de indeterminação. Intervêm, nela, argumentos mais vastos do que os integrantes de modelos de decisão intra-sistemáticos, acrescidos por certo espaço de subjectivismo de quem julgue. Tais argumentos prendem-se com o caso concreto, mas devem ter um mínimo de objectividade jussocial que permita considerá-los como integrando a regulação da vida em sociedade. Na sua seriação, há-de observar-se o esquema valorativo dominante nas representações comuns, sob pena de arbítrio. “

E ainda na mesma obra, pág. 1204 observa (sublinhado nosso):
“(…) sendo, como se depreende do art.º 4º, a equidade, um modo de resolver questões estranho ao Direito estrito, ela não se fundamenta, de forma expressa, no estalão argumentativo subjacente á lei e fontes complementares: tem de se legitimar no processo e no mérito dos próprios pontos de vista para que apele”.

E finalmente pondera-se:
“Conclui-se que a equidade, no Direito actual, corresponde a um modo de decidir extra-sistemático, porquanto prescinde da autoridade particular das proposições juspositivas. Mas porque não arbitrário, o modelo de decisão, por ela propiciado, respeita o sentido material do jurídico…. (…) o extra-sistematismo da equidade é formal; materialmente a decisão équa integra-se no sistema apreendido por quem decida.

Julgar segundo a equidade implica, de acordo com a especificidade do caso concreto, suprir a parcial falta de factos com princípios gerais de justiça e os ditames da consciência do julgador, sem que se chegue a um livre arbítrio – Ac. do STJ, de 10.07.97. in BMJ, 469, 524.

A equidade, a par da intuição e dos sentimentos de justiça, situam-se, no dizer de Antunes Varela, in RLJ, 129, 210, no leito (mais ou menos caudaloso) do rio que corre entre as margens da matéria de facto e da matéria de direito, sendo aquelas que devem definir o sentido dessa corrente em direcção à justiça do caso concreto.

Quando se trate de chamar a equidade como instrumento de quantificação da indemnização o tribunal, tem, desde logo, um limite: o pedido.
Neste conspecto, a baliza dentro da qual é possível quantificar a indemnização situar-se-á entre € 0,00 e o valor peticionado.

Por outro lado, quando a equidade seja chamada a fixar montantes indemnizatórios, tal operação não fica ao livre-arbítrio do juiz, antes deve orientar-se por critérios emergentes do caso concreto, critérios esse verificáveis e controláveis.

No caso e tendo em conta que estava em causa roupa e calçado, esses critérios são as características da roupa e do “calçado” usados pelo A. no momento do embate: que roupa é que era, de que material era tecido, era nova ou era usada, era de alguma marca em particular e outros elementos que pudessem ajudar a caracterizar a roupa; que tipo de calçado era, era novo ou usado, era de alguma marca em particular e outros elementos que pudessem ajudar a caracterizar a roupa.
Por outro lado, era relevante saber quanto custam bens semelhantes novos.
Prevenindo a aplicação da equidade, cabia ao A. alegar e provar tais elementos – art.º 342º n.º 1 do CC - pois constitutivos do direito a ser indemnizado.

A factualidade provada não revela nenhum dos referidos elementos que, dentro daqueles limites, permitam atribuir aos bens em causa um qualquer valor.
Assim e sob pena de total arbítrio não é possível fixar uma indemnização por equidade.
Destarte e nesta parte o recurso deve ser julgado procedente e em consequência, nesta parte, a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva a Ré do pedido de indemnização no valor de € 160,00.
*
5.2.2. Dos danos na integridade físico e/ou psíquica de uma pessoa
Impõe-se continuar o enquadramento jurídico da questão dos danos.

Um evento estradal, como seja o embate de um veículo num peão, é susceptível de causar dano (entendido como dano real, primário, in natura) na integridade físico e/ou psíquica de uma pessoa.

A integridade moral e física das pessoas e, por inerência, a saúde (que é um estado de bem estar e equilíbrio físico-psíquico) é objecto de tutela constitucional ( art.º 25º da CRP) e infra-constitucional, já que nos termos do art.º 70º n.º 1 do CC a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita á sua personalidade física ou moral e, estando em causa direitos absolutos, aquele que os violar, ficar obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação – art.º 483º do CC.

Esse dano (dano real, primário, in natura) na integridade físico e/ou psíquica de uma pessoa pode gerar consequências de diversa natureza: patrimoniais e não patrimoniais, presentes e futuras, emergentes e lucros cessantes, o que dependerá sempre da situação concreta em apreciação.
Neste sentido o Ac. do STJ de 28.01.2016., proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, considera que o dano biológico é um dano real, que não deve qualificar-se como patrimonial ou não patrimonial; as consequências que o mesmo produz é que podem ser de um ou de outro tipo.

Em sentido similar consta do sumário do Ac. do STJ de 16/06/2016, proc. 1364/06.8TBBCL.G1.S2., consultável in www.dgsi.pt/jstj:
I. O dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.
*
Os Relatórios do INMLCF decompõem essas consequências através de várias categorias, separando-as de acordo com a dicotomia temporário/ definitivo nos seguintes termos:

- do ponto de vista temporário consideram:
i) o défice funcional temporário (corresponde ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social, excluindo-se aqui a repercussão na atividade profissional), o qual pode ser total ou parcial;
ii) a Repercussão Temporária na Atividade Profissional (correspondendo ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional habitual), que pode ser total ou parcial;
iii) o Quantum doloris (corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões);

- do ponto de vista definitivo consideram:
i) o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (refere-se à afetação definitiva da integridade física elou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das atividades profissionais, corresponde ao dano que vinha sendo tradicionalmente designado por Incapacidade Permanente Geral - nomeadamente no Anexo II do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, e referido na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, como dano biológico);
ii) a Repercussão Permanente na Atividade Profissional (corresponde ao rebate das sequelas no exercício da atividade profissional habitual da vítima - atividade à data do evento, isto é, na sua vida laboral, para utilizar a expressão usada na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, tratando-se do parâmetro de dano anteriormente designado por Rebate profissional);
iii) Dano Estético Permanente (corresponde à repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afetação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros);
iv) Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer (corresponde à impossibilidade estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas atividades lúdicas de lazer e de convívio social, que exercia de forma regular e que para ela representavam um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal, não estando aqui em causa intenções ou projetos futuros, mas sim atividades comprovadamente exercidas previamente ao evento traumático em causa e cuja prática e vivência assumia uma dimensão e dignidade suscetível de merecer a tutela do Direito, dentro do princípio da reparação integral dos danos; trata-se do dano anteriormente designado por Prejuízo de Afirmação Pessoal);
v) Repercussão Permanente na Atividade Sexual (correspondendo à limitação total ou parcial do nível de desempenho/gratificação de natureza sexual, decorrente das sequelas físicas e/ou psíquicas, não se incluindo aqui os aspetos relacionados com a capacidade de procriação; trata-se do dano anteriormente designado por Prejuízo Sexual) fixável no grau 4, com base no abandono da prática de relações sexuais pelo sentimento de fealdade em relação às cicatrizes e pelas dores constantes.
vi) Dependências Permanentes de Ajudas:
- Ajudas medicamentosas (correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação regular - ex.: analgésicos, antiespasmódicos ou antiepiléticos, sem a qual a vítima não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária);
- Tratamentos médicos regulares (correspondem à necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas - ex.: fisioterapia);
- Ajudas técnicas (referem-se à necessidade permanente de recurso a tecnologia para prevenir, compensar, atenuar ou neutralizar o dano pessoal - do ponto de vista anatómico, funcional e situacional com vista à obtenção da maior autonomia e independência possíveis nas atividades da vida diária; podem tratar-se de ajudas técnicas lesionais, funcionais ou situacionais);
- Ajuda de terceira pessoa (corresponde à ajuda humana apropriada à vítima que se tornou dependente, como complemento ou substituição na realização de uma determinada função ou situação de vida diária).
*
A Portaria n.º 377/08, de 26/05, alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, partindo da mesma realidade – existência de danos corporais – e distinguindo danos patrimoniais e não patrimoniais, refere-se a várias categorias.
Porém, o tribunal não está sujeito às qualificações legais, ou seja, o facto de a Portaria qualificar como dano patrimonial uma realidade, não significa que o tribunal esteja sujeito a essa qualificação.
*
Como foi referido, o dano/in natura da integridade físico e/ou psíquica de uma pessoa pode gerar diversos tipos de danos/consequência que, tendo em consideração as diversas categorias jurídicas de danos já supra referidas (danos patrimoniais e não patrimoniais; danos emergentes e lucros cessantes; danos presentes e futuros), podem ser agrupadas da seguinte forma:

a) danos patrimoniais presentes / lucros cessantes: as eventuais perdas salariais decorrentes do que no Relatório do INMLCF aparece referido como Repercussão Temporária na Atividade Profissional e que cessa com a consolidação das sequelas;

b) danos patrimoniais presentes / emergentes: despesas com medicamentos, tratamentos, consultas, meios complementares de diagnóstico, internamento hospitalar, transportes, ajuda de terceira pessoa;

c) danos patrimoniais futuros (lucros cessantes)
Impõe-se aqui algum desenvolvimento, consignando-se desde já que acompanhamos o Ac. desta RG de 21/10/2021, proc. 5405/19.0T8GMR.G1, em que o aqui Relator foi 1º Adjunto e o aqui 2º adjunto foi, também, 2º Adjunto.

O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica pode ter como consequência, também, um dano patrimonial futuro, indemnizável de forma autónoma dos demais danos, mas prevenindo qualquer sobreposição sob pena de enriquecimento, quando se verifique:
- quer a impossibilidade do lesado prosseguir a actividade profissional habitual e bem assim qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional;
- quer quando “apenas” acarrete esforços suplementares para desenvolver a actividade profissional habitual, sem perda ou diminuição de rendimentos.

Vejamos, a título meramente exemplificativo, alguns arestos do nosso mais alto tribunal.

Assim consta do sumário do Ac. do STJ de 02/12/2013, proc. 1110/07.9TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
III - O dano biológico é um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, afectando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social e sentimental. É um dano que determina perda das faculdades físicas e até intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a idade do ofendido. Em termos profissionais conduz este dano o lesado uma posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho, exigindo-lhe um maior esforço para o desenvolvimento da sua laboração.
IV - O dano biológico é indemnizável per si, independentemente de se verificarem, ou não, as consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado.

E no Ac. do STJ de 02/06/2016 processo 2603/10.6TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, refere-se (sublinhados nossos): “(…) a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além das incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tais suscetíveis de avaliação pecuniária.
Como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado.
(…)
Assim, a este propósito podem projetar-se em duas vertentes:
- por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
Em suma, o dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis. “

No já citado Ac. do STJ de 16/06/2016, processo 1364/06.8TBBCL.G1.S2, consultável in www.dgsi.pt/jstj consta do sumário:
II. Assim, em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar.

E no Ac. do STJ de 07/03/2’019, proc. 203/14.0T2AVR.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, consta do respectivo sumário ( sublinhados nossos):
I. Num caso, como o presente, em que foi fixado à lesada em acidente de viação um défice funcional da integridade físico-psíquica de 19 pontos percentuais com repercussão permanente na sua atividade profissional, mas compatível com o respetivo exercício, implicando, no entanto, esforços suplementares, a indemnização patrimonial não deve ser calculada com base no rendimento anual do A. auferido no âmbito da sua atividade profissional habitual, já que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas os referidos esforços suplementares.

E no Ac. do STJ de 29/10/2019, processo 7614/15.2T8GMR.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, refere-se ( sublinhados nossos): “Assim, o défice funcional, ou dano biológico, representado pela incapacidade permanente resultante das lesões sofridas em acidente de viação, é susceptível de desencadear danos no lesado de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial.
Serão do primeiro tipo, quando a incapacidade, total ou parcial, se repercuta negativamente no exercício da actividade profissional habitual do lesado, e, consequentemente, nos rendimentos que dela poderia auferir; serão ainda desse primeiro tipo quando, embora sem repercussão directa e imediata na actividade profissional e na obtenção do ganho dela resultante, implique um maior esforço no exercício dessa mesma actividade ou limite significativamente as possibilidades de o lesado optar por outras vias profissionais ao longo da sua vida activa.
É precisamente nesta última vertente que se manifesta o dano-consequência tratado nos autos, uma vez que o défice funcional de que o Autor ficou a padecer é compatível com o exercício da sua actividade profissional, embora dele demande esforços suplementares.
De facto, quando estão em causa danos corporais que, embora traduzidos num determinado índice de défice funcional, não se projectam, directa e imediatamente, na capacidade de ganho, o prejuízo estritamente funcional que resulta para o lesado não perde a natureza de dano patrimonial, na medida em que se traduz num dano de esforço, obrigando-o a um maior empenho para conseguir levar a cabo as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento. Isto sem embargo de poder ocorrer uma valoração autónoma e independente dos danos não patrimoniais que eventualmente emirjam das lesões que determinaram esse défice genérico permanente.”

E ainda no Ac. do STJ de 17/12/2019, processo 2908/18.8T8PNF.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, onde se afirma (sublinhados nossos): “Um défice funcional de 4%, não deixa de relevar enquanto dano biológico, quando consubstanciado na diminuição, em geral, da capacidade profissional do lesado, sendo passível de indemnização, pois pese embora não represente uma incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, exige-lhe esforços suplementares no desempenho das tarefas específicas da sua actividade profissional habitual”.

Finalmente o Ac. do STJ de 24/03/2021, processo 268/17.3T9VCD.P1.S1, consultável in www.dgsi,.pt/jstj em cujo sumário consta:
VII - O dano biológico é “autonomizável, devendo ser contabilizado, um prejuízo futuro (…) enquadrado como dano biológico, e que contemple, para além do resto, a maior penosidade e esforço no exercício da actividade corrente e profissional do lesado” e que a “indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais” (Ac. STJ, de 21-11-2018, Proc. n.º 1377/13.3JAPRT.P1.S1 - 3.ª Secção).

A questão que se coloca é a de saber como apurar o valor indemnizatório nas situações em que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, “apenas” implique esforços suplementares para desenvolver a actividade profissional habitual, sem perda ou diminuição de rendimentos.

Neste ponto socorremo-nos do Ac do STJ de 07/03/2019, proc. 203/14.0T2AVR.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, em cujo sumário consta ( sublinhado nosso):
II. Neste tipo de situações, a solução seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e o seu impacto presumível na capacidade económica do lesado, considerando a expetativa da sua vida ativa, não confinada à idade-limite para a reforma.

E do Ac. do STJ de 24/03/2021, processo 268/17.3T9VCD.P1.S1, consultável in www.dgsi,.pt/jstj, em cujo sumário consta:
VIII - A indemnização pelo dano biológico é atribuída segundo a equidade, conforme o disposto no art. 566, n.º 3, do CC, de acordo com o circunstancialismo do caso concreto, as regras do bom senso e prudência, e decisões jurisprudenciais com as quais seja possível estabelecer um paralelismo. (Ac. STJ, de 14-12-2016, Proc. n.º 25/13.6PTFAR.E1.S1, Ac. STJ, de 29-10-2020, Revista n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1, etc.). (….)”
(…)
IX - A avaliação do juízo de equidade deverá atender, na medida do possível, a indemnizações arbitradas em casos em que exista alguma similitude, ou que possam ser encarados como referência comparativa. Só assim se respeita o “princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei – arts. 13.º, n.º 1, da CRP e 8.º, n.º 3, do CC. 27-11-2018” (Ac. STJ, Revista n.º 125/14.5TVLSB.L1.S1)…»;

Ter-se-á sempre de recorrer à equidade – art.º 566º n.º 3 do CC – tendo em consideração as especificidades do caso concreto.
Por outro lado, como manda o n.º 3 do art.º 8º do CC, deverão ter-se em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, por forma a dar cumprimento ao princípio da igualdade plasmado no art.º 13º n.º 1 da CRP.

Também tem sido objecto de entendimento pacifico no STJ que “na determinação dos montantes indemnizatórios aos lesados em acidentes de viação, os tribunais não estão obrigados a aplicar as tabelas contidas na Portaria nº377/2008, alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, ali apenas se estabelecendo padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação aos lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros, indemnizando o dano corporal” (cfr. Ac. do STJ de 13/04/2021, proc. 448/19.7T8PNF.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj), assim se respondendo á questão suscitada pelo interveniente acessório nas suas contra-alegações.

Finalmente e como referido no já citado Ac do STJ de 07/03/2019, há que considerar a expetativa da vida ativa e não a idade da reforma, assim dando resposta à questão suscitada pelo interveniente acessório nas suas contra-alegações.

d) danos patrimoniais futuros (emergentes): as despesas que a vitima vai ter de realizar em medicamentos, operações, ajudas técnicas, ajuda de terceira pessoa

e) danos morais:
i) refere-se á repercussão da afetação definitiva da integridade física elou psíquica da pessoa nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, sendo independente das atividades profissionais, pelo que nos afastamos do disposto no art.º 4º da Portaria n.º 377/2008, que considera dano moral Quando resulte para o lesado uma incapacidade permanente absoluta para a prática de toda e qualquer profissão ou da sua profissão habitual, que consideramos tratar-se de um dano patrimonial.
ii) o quantum doloris;
iii) o dano estético;
iv) a Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer;
v) a Repercussão Permanente na Atividade Sexual
vi) os danos morais subjectivos
*
5.2.2.1. Do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica
O A., na petição inicial, pediu, a título de danos morais, a quantia de € 40.000,00 e relegou “para posterior liquidação, a indemnização que resultar da eventual IPP que lhe venha a ser fixada”.

Junto aos autos o Relatório do IML, o A. requereu a ampliação do pedido, pedindo se acrescente ao pedido já formulado a quantia de € 28.448,00 a título de perdas futuras, tendo alegado para o efeito que o relatório pericial fixou ao A. um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%, o que gera uma perda de rendimentos que terão de ser indemnizados, tendo em consideração o salário base que auferia, a idade do A. à data do acidente, a esperança média de vida para os homens, reclama a referida quantia de € 28.448,00, o que foi deferido.

Resulta da factualidade provada que:
- o embate ocorreu a -/03/2019;
- em consequência do embate o A. ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Fisico-Psiquica fixável em 5 pontos;
- As sequelas de que o A. ficou a padecer são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade à data do evento e com a atual, mas implicam esforços suplementares;
- Não há repercussão Permanente nas atividades desportivas e de lazer.;
- Não há repercussão permanente na atividade sexual;
- O A. nasceu a -/08/1999.
- E tinha no inicio de 2019, iniciado um contrato de trabalho subordinado, ao serviço da empresa W, Lda, com sede em ..., Guimarães, auferindo a RMMG de 635,00€ (docs. 2, 3 4 ).

A sentença recorrida considerou:
O Autor pretende, em sede de ampliação do pedido, o ressarcimento do dano decorrente da IPP, pugnando pela atribuição de uma indemnização de 28 448,00 euros.
Por outro lado, o Autor reclama uma compensação por danos não patrimoniais, no valor global de 40 000,00 euros, dispondo, a esse respeito, o art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil, que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Segundo se julga, tendo-se demonstrado que as sequelas de que o autor dicou a padecer, são em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade à data do evento e com a atual, embora impliquem esforços suplementares, julga-se mais adequado tratar a indemnização pelo défice funcional permanente de 5 pontos, no contexto dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.

No seu recurso o A. pretende ser indemnizado no montante de € 68.448,00 (cfr. conclusão 4) “relativamente aos danos não patrimoniais ou futuros”, referindo-se ao dano que se traduz no Défice Funcional Permanente de Integridade Fisico-Psiquica e a outras realidades que integram os danos morais.
O interveniente acessório nas suas contra-alegações distingue as duas realidades, analisando em primeiro lugar os danos morais e de seguida o dano biológico.

Face ao que ficou exposto supra, mesmo considerando que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos de que o A. ficou a padecer é, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatível com o exercício da atividade à data do evento e com a atual, mas implicam esforços suplementares, não havendo perda ou diminuição de rendimentos, entende-se que o mesmo deve ser indemnizado no âmbito dos danos patrimoniais futuros e, assim, de forma autónoma relativamente aos danos morais, pelo que nesta parte não se acompanha a qualificação adoptada pela sentença recorrida e pelas partes, impondo-se, assim, uma análise distinta e autónoma.
De referir que em matéria de qualificação jurídica, esta Relação não está sujeita às alegações das partes, apenas estando vinculada ao pedido.

Impõe-se assim calcular a indemnização pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, fazendo apelo a juízos de equidade.

E uma vez que têm que ser ponderados os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, para efeitos comparativos, reportam-se aqui as seguintes indemnizações atribuídas (de forma mais recente) no caso específico deste dano biológico (recorrendo à recensão efectuada no Ac. desta RG de 21/10/2021, proc. 5405/19.0T8GMR.G1, em que o aqui Relator foi 1º adjunto e o aqui 2º Adjunto foi também 2º Adjunto, sendo, salvo indicação em contrário, todos os Acs. consultáveis in www.dgsi.pt):
- Ac. da RG de 21/10/2021, proc. 5405/19.0T8GMR.G1: DFP de 10 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, mas com esforços suplementares, o Autor nasceu no dia 16/12/1998 e à data do acidente, o Autor encontrava-se desempregado – indemnização de € 45.000,00.
- Ac. da RG de 13/07/2021, proc. 1880/17.6T8VRL.G1: DFP de 3 pontos, 34 anos de idade, sendo compatível com o exercício da actividade habitual de delegada profissional de farmácias, mas com esforços suplementares, e vencimento mensal base de € 607,70 - indemnização de € 10.000,00;
- Ac. da RG de 27/05/2021, proc. 5911/18.4T8BRG.G1 – DFP de 2 pontos, 53 anos de idade, sendo compatível com o exercício da sua actividade habitual de afinador de máquinas, mas com esforços suplementares – indemnização de € 5.500,00;
- Ac. da RG de 27/05/2021, proc. 6913/18.6T8BRG.G1 – DFP de 51,350 pontos, 29 anos de idade, impeditivo do exercício da sua profissão habitual de mecânico, e vencimento mensal base de € 505,00 - indemnização de € 300.000,00;
- Ac. da RG de 04/03/2021, proc. 1490/17.8T8BRG.G1 – DFP de 8%, 27 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional de professor de desporto, mas com maior esforço, e vencimento mensal de cerca de € 1.000,00 - indemnização de € 35.000,00;
- Ac. da RG de 12/11/2020, proc. 4606/17.9T8BRG.G1– DFP de 28 pontos, 57 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional de estofador de veículos mas com esforços suplementares, e vencimento mensal de cerca de € 800,00 - indemnização de € 60.000,00;
- Ac. da RG de 15/10/2020, proc. 5908/18.4T8BRG.G1– DFP de 7 pontos, 13 anos de idade, estudante - indemnização de € 40.000,00;
- Ac. da RG de 01/10/2020, proc. 185/15.1T8BRG.G1– DFP de 10 pontos, 18 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional na indústria química mas com esforços suplementares, e vencimento mensal líquido de cerca de € 2.500,00 - indemnização de € 115.000,00;
- Ac. da RG de 18/06/2020, proc. 5334/17.2T8GMR.G1 – DFP de 9 pontos, 32 anos de idade, desempregada - indemnização de € 28.500,00;
- Ac. da RG de 10/07/2019, proc. 3335/17.0T8VCT.G1– DFP de 30 pontos, 21 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional de canalizador mas com esforços suplementares, e vencimento mensal de cerca de € 642,66 - indemnização de € 120.000,00;
- Ac. da RG de 21/02/2019, proc. 345/16.9T8VCT.G1– DFP de 16 pontos, 54 anos de idade, sendo incompatível com o exercício da actividade profissional, passando a desempenhar outra actividade menos exigente fisicamente, mas que ainda assim lhe exige a realização de esforços suplementares, e vencimento líquido mensal de cerca de € 705,25 - indemnização de € 50.000,00;
- Ac. da RG de 15/02/2018, proc. 652/16.0T8GMR.G1 – DFP de 10 pontos, 41 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional de operário da construção civil, mas com esforços suplementares, e vencimento mensal de € 2.200,00 - indemnização de € 60.000,00;
- Ac. do STJ de 06/05/2021, proc. 1169/16.8T9AVR.P2.S1 – DFP de 10 pontos, 49 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de agente da polícia judiciária, mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal de € 2.100,00 - indemnização de € 38.000,00;
- Ac. do STJ de 18/03/202), proc. 1337/18.8T8PDL.L1.S1– DFP de 13 pontos, 50 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de assistente graduado hospitalar, mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal de cerca de € 4.161,88 - indemnização de € 45.000,00;
- Ac. do STJ de 20/04/2021, proc. 1751/15.0T8CTB.C1.S1 - DFP de 31 pontos, 10 anos de idade - indemnização de € 150.000,00;
- Ac. do STJ de 23/03/2021, proc. 1989/05.9TJVNF.G1.S1- DFP de 4 pontos, 19 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional, mas com esforços acrescidos, e vencimento não apurado - indemnização de € 12.000,00;
- Ac. do STJ de 21/01/2021, proc. 6705/14.1T8LRS.L1.S1- DFP de 27 pontos, 32 anos de idade, compatível com a sua actividade profissional de representative clients service, mas com esforços acrescidos, e vencimento mensal líquido cerca de € 1.231,20 - indemnização de € 90.000,00;

O A. nasceu a -/08/1999, tendo à data do embate 19 anos, tendo, portanto, uma longa vida activa pela frente, atenta a esperança de vida dos homens nascidos em 1999, de 72,5 anos, segundo informação obtida no sítio https://www.pordata.pt/portugal/esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo+(base+trienio+a+partir+de+2001)-418-5193
O A. ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos.
Ficou ainda provado que as sequelas de que o A. ficou a padecer são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade à data do evento e com a atual, mas implicam esforços suplementares.
Esta factualidade foi extractada do Relatório do INMLCF, pelo que deve ser integrada tendo em consideração que no mesmo e na parte Relativa à História do evento o A. declarou que à data do evento era operário fabril e à data do exame era operário da construção civil.

Nestas circunstâncias, sopesando todos referidos elementos e os valores comummente atribuídos na jurisprudência para casos similares, e aplicando o disposto no art.º 566º n.º 3 do CC, tem-se como adequada, equilibrada e justa a indemnização pelo DFP de € 20.000,00, actualizada à presente data.
*
5.2.2.2. Dos danos morais.
Finalmente há que considerar os danos morais – aqueles que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, não deixam de ser indemnizáveis no sentido de lhes corresponder uma compensação pecuniária.
Resulta do disposto no art.º 496º n.º 1 do CC, que são de ressarcir os danos morais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
A medida da satisfação pecuniária dos danos morais deve ser fixada de forma equitativa, nos termos do artigo 496º, n.º 3, do Código Civil, que manda atender às circunstâncias referidas no art.º 494º do mesmo Código (o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, entre outras).
O seu montante «deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida»,

Impõe-se referir que a ponderação de critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, para efeitos comparativos, como se fez para o DFP, é muito mais difícil e complexa no campo dos danos morais, pois, desde logo, em abstracto existe um conjunto diverso de realidades susceptíveis de integrar os danos morais (só para referir os que normalmente constam dos Relatórios do INMLCF: - data da consolidação médico-legal das lesões; - Período de Défice Funcional Temporário Total; - Período de Défice Funcional Temporário Parcial; - Quantum Doloris; - Dano Estético Permanente; Repercussão Permanente nas atividades desportivas e de lazer; Repercussão permanente na atividade sexual ) e, em concreto, cada caso é único, ou seja, as realidades que em determinada situação integram os danos morais são únicas, seja pela substância, seja pelo “peso relativo” dessas realidades.
Por outro lado, mais complexa se torna a tarefa quando algumas das decisões integram nos danos morais o DFP.

Mais uma vez utilizamos a recensão efectuada no Ac. desta RG de 21/10/2021, proc. 5405/19.0T8GMR.G1, em que o aqui Relator foi 1º adjunto e o aqui 2º Adjunto foi também 2º Adjunto, sendo, salvo indicação em contrário, todos os Acs. consultáveis in www.dgsi.pt):
- Ac. do STJ de 12/07/2018, proc. 1842/15.8T8STR.E1.S1 - «lesado de 45 anos que é portador, como sequela das lesões sofridas: perturbação persistente do humor; Quantum Doloris no grau 6/7; dano estético no grau 3/7; a repercussão permanente nas actividade desportivas e de lazer é de 3/7; a repercussão permanente na actividade Sexual no grau 3/7; precisa de ajudas medicamentosas, ajudas técnicas e tratamentos médicos regulares; e dependências permanentes que incluem os produtos de apoio pela necessidade de uso diário de meia e contenção elástica grau II na perna esquerda e uso de cinta de contensão lombar» - € 60.000,00 de indemnização;
- Ac. do STJ de 19/04/2018, proc. 196/11.6TCGMR.G2.S1 - «as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa da Autora), a extrema gravidade das lesões sofridas por esta, os dolorosos tratamentos a que foi sujeita, com destaque para as duas intervenções cirúrgicas, com anestesia geral, o longo período de clausura hospitalar e de tratamentos, as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Vizela, a enorme incomodidade daí resultante, as graves e extensas sequelas anátomo-funcionais decorrentes do acidente, que se traduzem num deficit funcional permanente de elevado grau (26 pontos), correspondente a uma IPP de 49,2495% e a um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, as intensas dores sofridas (de grau 5, numa escala de 1 a 7), o desgosto e amargura de, com 43 anos de idade, se ver fisicamente limitada e sem perspectivas futuras, em termos laborais» - € 45.000,00 de indemnização;
- Ac. do STJ de 13/07/2017, proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1 - «Em consequência das lesões sofridas e com vista à realização de exames, tratamentos e cirurgias, o A. esteve internado pelo menos 112 dias; O dano estético situa-se no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente; O prejuízo de afirmação pessoal situa-se, no mínimo, no grau 4, numa escala de cinco graus de gravidade crescente; Andou 2/3 meses de cadeira de rodas, e alguns meses de canadianas; Era uma pessoa saudável e com muita alegria de viver; gostava muito de andar de bicicleta, ir à pesca e dar passeios pela natureza, o que fazia com regularidade; Das lesões sofridas no acidente resultou para o A. ereções mais lentas e não tão rígidas como as que tinha antes do acidente, ficando portador de uma repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; O sofrimento físico e psíquico por ele vivido, durante o período de incapacidade temporária, corresponde a um quantum doloris de grau 7, também numa escala de sete graus de gravidade crescente» - € 60.000,00 de indemnização;
- Ac. do STJ de 16/06/2016, proc. 1364/06.8TBBCL.G1.S2 - «lesada de 39 anos de idade; tendo em conta a idade da A., a natureza das lesões sofridas, os períodos de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 4 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica com tendência a agravar-se com a idade, o facto de o acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo atropelante sem qualquer parcela de responsabilidade da A., o longo tempo decorrido entre a data da propositura da ação (24/03/2006) e a data da sentença final (28/05/2014)» - € 20.000,00 de indemnização;
- Ac. do STJ de 07/04/2016, proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1 - «lesada de 22 anos de idade; na sequência do acidente de viação, ocorrido em 08-10-2011, que a vitimou: (i) esteve internada durante três semanas, tendo mantido o repouso após a alta hospitalar; (ii) passou a ter incontinência urinária; (iii) as suas lesões estabilizaram em 13-04-2012; (iv) o quantum doloris foi fixado em 4 numa escala de 1 a 7; (v) o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica foi fixado em 8%; (vi) as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; (vii) o dano estético foi fixado em 3 numa escala de 1 a 7; (viii) a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 1 numa escala de 1 a 7; (ix) sofreu angústia de poder vir a falecer e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante» - € 50.000,00 de indemnização;
- no Ac. do STJ de 28-01-2016, proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1 - «lesado de 17 anos de idade; foi submetido a quatro operações, padeceu de dores intensas, antes e após as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, esteve internado por longos períodos, teve de efectuar tratamentos de reabilitação e que terá ainda de se submeter a mais duas operações, tendo ficado com uma cicatriz com 50cm de comprimento - o que lhe determinou a atribuição de um quantum doloris de grau 5 numa escala de 7 e de um dano estético de grau 4 numa escala de 7» - € 40.000,00 de indemnização;
- Ac. desta RG de 21/10/2021, proc. 5405/19.0T8GMR.G1 - o Autor sofreu uma lesão/factura de um membro superior, esteve internado 8 dias e foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, e esteve em tratamento durante cerca de 6 meses e meio, pelo que o período de “doença” foi de quase 7 meses; apesar dos tratamentos, o Autor ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 3, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2; o Autor teve dores físicas intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso dos tratamentos, que configuram um quantum doloris de grau 4, sendo que continuam a provocar-lhe incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida, a qual se presume que será ainda longa atenta a idade de 21 anos; e o Autor ficou profundamente abalado e constrangido com a exclusão do concurso de ingresso na GNR - € 22.000,00 de indemnização;
- Ac. da RG de 13/07/2021, proc. 1880/17.6T8VRL.G1 - «lesada de 34 anos de idade, com um défice funcional permanente de 3 pontos, período de baixa médica de 9 meses, quantum doloris de grau 4, sujeita a vários tratamentos e exames, com muitas sessões de fisioterapia e osteopatia e que ficou a padecer de cervicalgia crónica, que interfere com a sua vida profissional e social e com necessidade de medicação analgésica e/ou anti-inflamatória em momentos de crise» - € 20.000,00 de indemnização;
- Ac. da RG de 27/05/2021, proc. 5911/18.4T8BRG.G1 - «lesado de 53 anos; sofreu traumatismo nos membros superior e inferior esquerdos, traumatismo dentário, escoriações cutâneas, foi assistido no hospital tendo tido alta no mesmo dia, tomou medicação analgésica, efectuou fisioterapia, sofreu um quantum doloris de grau 3 numa escala de 7, apresenta reacção dolorosa moderada ao nível do membro superior esquerdo e lesão meniscal interna ao nível do membro inferior esquerdo e que devido ao défice funcional da integridade físico-psíquica de 2 pontos que passou a padecer tem de fazer esforços suplementares no exercício da sua actividade profissional» - € 7.500,00 de indemnização;
- Ac. da RG de 04/03/2021, proc. 1490/17.8T8BRG.G1 - «lesado de 27 anos e saudável, que, em virtude do acidente, esteve em repouso 56 dias com impossibilidade absoluta de trabalho, foi sujeito a uma cirurgia, teve um quantum doloris de 4/7, ficou com um dano estético de 3/7, uma repercussão na actividade desportiva de 2/7, um défice funcional de 6%» - € 17.500,00 de indemnização;
- Ac. da RG de 18/06/2020, proc. 5334/17.2T8GMR.G1 - «lesada com 32 anos que foi vítima de um acidente quando se encontrava de férias em Portugal, o qual implicou a necessidade de realização de exames e cirurgia, tendo ficado afetada numa perna com uma incapacidade de 9 pontos, que lhe condiciona o caminhar, agachar, sentar e levantar, sofreu um quantum doloris de 5 numa escala de 1 a 7, esteve condicionada a uma cama durante 4 meses, ficou em situação de incapacidade funcional durante 366 dias, período durante o qual deixou de poder realizar as suas actividades pessoais e domésticas, tendo de socorrer-se do auxílio de terceiro inclusivamente para se lavar e vestir, continua a ter necessidade de tratamentos no futuro, continua a ter dores, ficou abatida e frustrada por não poder desempenhar as suas actividades e acompanhar os seus filhos, situação que afetou o seu seio familiar» - € 25.000,00 de indemnização;
- e Ac. da RG de 10/07/2019, proc. 3335/17.0T8VCT.G1 – «lesado que à data do acidente tinha 21 anos de idade, que, em consequência do acidente, sofreu traumatismo crânio encefálico, com cegueira do olho esquerdo, traumatismo de costelas, com perfuração dos pulmões, e traumatismo dos ombros e braços, que esteve internado e em coma durante oito dias, que sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3, bem como que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos» - € 50.000,00.

Nestas circunstâncias tem uma vital importância o caso concreto.

Ora, ficou provado que:

4.19. Em consequência direta e necessária do referido embate, o Autor sofreu várias lesões, em especial fratura da diáfise do fémur esquerdo, fratura da tíbia direita e fratura do maléolo externo direito e hematomas na região frontal.
4.20. Que determinaram tivesse sido transportado de ambulância para os serviços de urgência do Hospital da ..., em Guimarães, onde permaneceu internado até 29-3-2019.
4.21. Período durante o qual sofreu intervenção cirúrgica ao fémur com fixação interna com cavilha e colocação de tala cruropodalica à direita.
4.22. Foi-lhe dada alta médica em 29-3-2019, data a partir da qual teve de ficar imobilizado na sua cama durante 90 dias.
4.23. Após esse período, só conseguia locomover-se com recurso a apoios, vulgo muletas ou canadianas, durante 30 dias.
4.24. Período a partir do qual, passou muito lentamente a locomover-se pelo seu próprio pé, mas claudicando durante algum tempo.
4.25. Atualmente o Autor ainda tem algumas dores.
4.27. Logo a seguir ao atropelamento e depois de cair ao solo, logo percebeu o A., que tinha os membros inferiores fraturados, situação que lhe provocou inenarráveis dores e grande sofrimento.
4.28. Dores e sofrimento que continuaram no hospital, antes e depois da intervenção cirúrgica e que a medicação apenas atenuava.
4.29. Dores e sofrimento que se mantiveram quando regressou a sua casa após alta, tendo-lhe sido prescritos vários medicamentos.
4.30. Para além disso, o Autor permaneceu durante 90 dias, completamente imobilizado na cama do seu quarto de dormir, com a parte anterior do seu corpo virada para o teto, aí tomando as refeições, medicamentos, fazendo as suas necessidades fisiológicas, sempre com a ajuda da sua Mãe.
4.32. O A. nasceu a -/08/1999 e tinha a energia própria da sua idade.
4.36. Em consequência do acidente descrito, o autor sofreu as seguintes sequelas:
- Membro inferior direito – queixas de dor à palpação no terço inferior da perna e do dorso do pé. Cicatriz localizada no terço superior da face anterior da perna, com 3 cm de comprimento, relativamente à qual o examinado não sabe especificar se terá ou não resultado do evento. Sem limitação da mobilidade do tornozelo. Sem aparentes desvios do eixo longo da perna, á observação. Sem assimetrias do comprimento real e aparente dos membros e perímetros da coxa e perna, quando comparado com o membro contralateral;
- Membro inferior esquerdo – duas cicatrizes cirúrgicas localizadas na face lateral da anca, com 4 cm e 3 cm de comprimento; duas cicatrizes cirúrgicas localizadas no terço inferior da face lateral da coxa, com 1 cm e 1 cm de comprimento. Queixas de dor à mobilização da anca, sem limitação funcional, mais acentuadas nos movimentos de abdução e rotação externa. Sem assimetrias de comprimento real e aparente dos membros e perímetros da coxa e perna.
4.37. As lesões a nível dos membros inferiores, tendo em conta a sua localização e conjugando com a dinâmica relatada do evento, terão resultado primariamente do embate do automóvel contra as pernas do examinado.
4.39. Do relatório pericial ficaram ainda a constar as seguintes conclusões:
- a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26/11/2019;
- Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 124 dias;
- Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 126 dias;
- Quantum Doloris fixável num grau 5 de 7;
- Dano estético Permanente fixável no grau 3/7.

No que respeita á culpa do agente, aqui o interveniente acessório, temos de considerar que actuou com dolo eventual, como resulta da seguinte factualidade:
4.46. Ao utilizar o OI com a intenção de mais facilmente alcançar e eventualmente deter o A. e, assim, lograr a sua identificação e recuperar eventuais objetos de que se tivesse apropriado e ao aproximar, sob tensão, o OI do A., que corria desenfreadamente pela esquerda, o interveniente acessório representou como possível que podia embater o A. e, dessa forma, molestar o corpo e a saúde do mesmo, mas conformou-se com isso.
4.47. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Desconhecem-se as condições económicas quer do agente quer do autor.

Sopesando todos os referidos elementos, os valores atribuídos na jurisprudência e aplicando o disposto no art.º 566º n.º 3 do CC, tem-se como adequada, equilibrada e justa a indemnização de € 20.000,00 titulo de danos morais, actualizada à presente data.

Aqui chegados e respondendo às questões suscitadas pelo interveniente acessório e pelo A. sob a qualificação de “danos morais”, diremos:

a) há que considerar a categoria geral dos danos na integridade físico e/ou psíquica de uma pessoa e dentro destes e indemnizar de forma autónoma: i) o dano biológico ou Défice Funcional Permanente de 5 pontos de que o A. ficou a padecer, compatíveis com o exercício da atividade profissional à data do evento (operário fabril) e com a atual (operário da construção civil), mas implicam esforços suplementares, não havendo perda ou diminuição de rendimentos, considerando adequada a indemnização de € 20.000,00; ii) os danos morais, considerando adequada a indemnização de € 20.000,00;
b) alterar a sentença recorrida em conformidade;
c) nesta parte julgar improcedente o recurso interposto pelo interveniente acessório;
d) jugar parcialmente procedente o recurso interposto pelo A.

5.3. Dos juros

A sentença recorrida considerou:
No cômputo dos juros de mora, impõe-se ter em consideração o Acórdão Uniformizador n.º 4/2002, de 27.06.2002, publicado no D.R., 1.ª Série A, n.º 146.

E decidiu:

Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência:
a) Condeno a Ré, “Seguradoras ..., S.A.”, a pagar ao Autor, P. P., a quantia de 352, 85 Euros, a título de danos patrimoniais e a quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde a data da presente sentença e vincendos até integral pagamento, sobre o capital de € 30.352,00, à taxa legal de 4%.

O A. pretende que tem direito a juros desde a citação da Ré X.

Relativamente à indemnização por danos patrimoniais emergentes no valor de € 192,85, há lugar a juros de mora a contar da citação (08/09/2020.) - cfr. AR junto a 28/09/2020) nos termos do disposto no art.º 805º n.º 2 b) do CC - sendo que nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – art.º 806º nº 1 do CC – sendo os juros devidos os legais (juros civis) – art.º 806º n.º 2 do CC – juros esses que são á taxa de 4% - Portaria n.º 291/03, de 08.04.
Relativamente à indemnização pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de € 22.500,00 e pelos danos morais, de € 22.500,00, tendo as mesmas sido fixadas com referência à presente data, em conformidade com o Ac. Uniformizador de Jurisprudência, n.º 4/2002, de 09.02. (sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do art.º 566º do CC, vence juros de mora, por efeito do disposto nos art.ºs 805º n.º 3 ( interpretado restritivamente), e 806º n.º 1, também do CC, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação), as mesmas vencem juros à taxa legal a contar da data do presente Acórdão, sendo que nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – art.º 806º nº 1 do CC – sendo os juros devidos os legais ( juros civis) – art.º 806º n.º 2 do CC – juros esses que são á taxa de 4% - Portaria n.º 291/03, de 08.04..
*
6. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem a 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelo A. e pelo interveniente acessório e em consequência:
- revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar a quantia de € 160,00, substituindo-a nessa parte pela absolvição da Ré desse pedido;
- alterar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar juros de mora sobre a quantia de € 192,85 a contar da sentença, substituindo-a nessa parte pela condenação da Ré a pagar ao A. juros de mora sobre a referida quantia, á taxa de 4%, a contar da citação (08/09/2020) até á presente data e desde a presente data até integral pagamento á taxa dos juros civis que vigorar;
- alterar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré seguradora a pagar a quantia de € 30.000,00 a titulo de danos não patrimoniais substituindo-a nesta parte pela condenação da Ré a pagar ao A.: i) a titulo de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, a quantia de € 20.000,00, acrescida de juros de mora á taxa dos juros civis que vigorar, a contar da data do presente Acórdão até integral pagamento; ii) a titulo de danos morais a quantia de € 20.000,00, acrescida de juros de mora á taxa dos juros civis que vigorar, a contar da data do presente Acórdão até integral pagamento.
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Custas:
a) recurso do A. – 1/3 pelo A. sem prejuízo do benefício do apoio judiciário e 2/3 pelo interveniente acessório;
b) recurso do interveniente acessório: 1/10 pelo A. sem prejuízo do benefício do apoio judiciário e 9/10 pelo interveniente acessório.
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Notifique-se
*
Guimarães, 06/10/2022
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Juiz Desembargador Relator
- José Carlos Pereira Duarte
Juízes Desembargadores Adjuntos
- Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais
- José Fernando Cardoso Amaral