Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
703/13.0TBMDL-K.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHOR MERCANTIL
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Os créditos garantidos por penhor, quando concorram com créditos dos Trabalhadores, do Estado e da Segurança Social, que gozam de privilégio mobiliário geral, devem ser graduados em primeiro lugar relativamente aos bens sobre os quais foi constituído o penhor, seguindo-se-lhes, pela ordem por que foram mencionados, os créditos privilegiados.
Decisão Texto Integral:

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Tribunal da Relação de Guimarães
2ª Secção Cível
Largo João Franco - 4810-269 Guimarães
Telef: 253439900 Fax: 253439999 Mail: guimaraes.tr@tribunais.org.pt



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A) RELATÓRIO
I.- Por douta sentença proferida nos autos de Reclamação de Créditos acima mencionados, que correm por apenso aos Autos de Insolvência da devedora “S”, foram reconhecidos e graduados os créditos reclamados, dentre os quais o do “N”, que está garantido por penhor mercantil constituído sobre diversos bens móveis, identificados em relação que foi junta aos autos.
Tendo sido apreendidos apenas bens móveis, foram os créditos assim graduados:
1.º - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção do produto da venda de cada bem móvel (art. 172.º, nºs 1 e 2, do CIRE);
2.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito laboral dos trabalhadores, que gozam de privilégio mobiliário geral e são graduados antes dos referidos no artigo 747.º, n.º 1, do Código Civil (prevalecem sobre todos os restantes créditos com privilégio mobiliário geral e mobiliário especial), com excepção dos créditos por despesas de justiça (art. 746.º, do Código Civil).
3.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito reclamado pela Fazenda Nacional, no valor de € 7.492,58, referente ao IVA, IRC, IRS, imposto de selo e coimas, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento, que beneficia de PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL, nos termos do disposto nos artigos 734.º, 736.º e 744.º, n.º1 do Código Civil e 47.º, n.º4, alínea a) e 97.º, n.º1, alínea b), do CIRE.
4.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito por contribuições para o Instituto de Segurança Social que beneficia de privilégio mobiliário geral, nos termos do art. 10.º do DL n.º 103/80, nos limites previstos no referido art. 97.º, n.º 4, alínea c), do CIRE.
5.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do credor Norgarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., no valor de € 48.007,60, GARANTIDO por Penhor Mercantil, na proporção de 75% sobre os equipamentos constantes do doc. 1 e do credor Banco Espírito Santo, S.A., no valor de € 135.022,52, GARANTIDO por Penhor Mercantil, na proporção de 25% sobre os equipamentos constantes do doc. 1.
6.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (art. 47.º, n.º 4, alínea c), do CIRE.
7.º - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos subordinados, graduados pela ordem prevista no artigo 48.º do CIRE.”.
Inconformado com esta graduação, traz o Credor “N” o presente recurso pretendendo que o seu crédito seja graduado para ser pago em primeiro lugar.
Contra-alegou apenas o Ministério Público que se pronunciou em sentido favorável à pretensão do Recorrente.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- O Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida deve ser revogada, porque nela se fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito.
2. O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que, entendeu que o crédito garantido por penhor deve ceder face aos créditos com privilégio mobiliário geral reclamados pela Segurança Social e pelos trabalhadores da Insolvente.
3. Por aplicação do artigo 666° e 749° do Código Civil, o crédito garantido por penhor prevalece sobre i) o crédito com privilégio mobiliário geral dos trabalhadores (artigo 333° do Código do Trabalho) e ii) os créditos do Estado por impostos (mencionados na referida alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil).
4. Segundo o nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, o privilégio mobiliário geral de que goza o crédito da Segurança Social por contribuições, quotizações e juros de mora "prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior".
5. A graduação levada a cabo pelo Tribunal a quo não resolve adequadamente o concurso de credores, especificamente o concurso entre os créditos que gozam de privilégios mobiliários gerais e o crédito garantido por penhor.
6. Ao conjugar os normativos aplicáveis (nº 1 e 2 do artigo 204° da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333°, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666°, 747°, nº 1 do Código Civil) de forma a graduar em primeiro lugar o crédito dos trabalhadores, em segundo os créditos de IRS, IRC e IVA, em terceiro o crédito da Segurança Social e em quarto o crédito pignoratício, o Tribunal a quo não interpretou adequadamente a Lei.
7. Decidindo como decidiu, a sentença recorrida i) desrespeita por completo a prevalência - invariável - do crédito pignoratício face ao crédito dos trabalhadores que goze de privilégio mobiliário geral (cfr. artigo 666° e 749° do Código Civil); ii) penaliza - de forma excessiva e desadequada - o crédito pignoratício e retira toda a relevância prática que lhe é atribuída pela sua natureza real e consequente sequela; e iii) privilegia, ilegitimamente, o crédito dos trabalhadores, estendendo-lhe, de forma ilegal e arbitrária, a norma do nº 2 do artigo 204° da Lei nº 110/2009.
8. O Tribunal a quo desvirtuou completamente o sentido de todo o esquema jurídico relativo às garantias das obrigações e ao concurso de credores.
9. O nº 2 do artigo 204°, da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, é uma norma de carácter excepcional, que se aplica apenas aos créditos da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral (previstos no nº 1) e não a todos os créditos que gozem de um privilégio mobiliário geral.
10. Enquanto norma excepcional não pode ser analogicamente aplicada.
11. O Tribunal a quo não poderia ter estendido a prevalência do privilégio mobiliário geral da Segurança Social sobre o penhor, de forma a abarcar outros privilégios mobiliários gerais (o que fez, in casu, com o privilégio dos trabalhadores) aos quais a lei não reconhece, nem quis reconhecer, preferência, sobre o penhor, no concurso de credores.
12. Em virtude do conflito insanável da legislação aplicável, caberá ao intérprete, na procura de uma solução harmoniosa para o caso, fazer um esforço interpretativo, de forma a encontrar a solução que seja a menos onerosa e, simultaneamente, a mais coerente face a todo o esquema legislativo das garantias das obrigações e do concurso de credores.
13. À luz dos critérios estipulados no artigo 9° do CC, a unidade do sistema jurídico e a realização da justiça do caso reclamam uma interpretação corretiva-restritiva da norma do nº 2 do artigo 204° da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, segundo a qual quando concorram em exclusivo este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.
14. A jurisprudência tem vindo a considerar que o privilégio mobiliário geral da Segurança Social só prevalece sobre o penhor, nos termos do nº 2 do artigo 204° da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, quando concorram os dois em exclusivo.
15. Quando concorrem outros créditos com privilégio mobiliário geral (nomeadamente os créditos do Estado por impostos ou os créditos dos trabalhadores) a prioridade conferida pelo artigo 204° nº 2 da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro não opera, uma vez que há uma contradição insanável entre todos os dispositivos aplicáveis.
16. O princípio da prevalência do penhor sobre os privilégios mobiliários gerais deve, assim, enformar a decisão a proferir pelo Tribunal, por ser um princípio geral nesta matéria, respeitando-se, ainda, a coerência do sistema jurídico.
17. Esta é a única solução que: i) Respeita a ordem geral de graduação dos privilégios mobiliários gerais, estabelecida no artigo 747°, nº 1 a) Código Civil, artigo 204º nº1 da Lei nº 110/2009 e artigo 333° nº 2, a) do Código do Trabalho; ii) Cumpre os princípios gerais do direito, mormente a natureza real e a característica da sequela do penhor, nos termos dos artigos 666° do Código Civil; iii) Privilegia o substantivo em relação ao processual, na medida em que respeita o princípio substantivo, plasmado no artigo 749° do Código Civil, de que "o privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente", como é o caso do penhor; iv) Respeita o princípio da protecção da confiança, ínsito no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa.
18. A decisão a quo viola os artigos 9°, 666°, 747°, n° 1 e 749°, n° 1 do Código Civil, o artigo 204º, nº 1 e 2 da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social), o artigo 333°, nº 1 e 2, do Código do Trabalho.
19. A conjugação de todos os normativos aplicáveis ao presente processo subverte a ordem de graduação imposta pelos supra mencionados artigos, consubstanciando uma violação dos princípios constitucionais da confiança (ínsito no artigo 2°) e da proporcionalidade (artigo 18°).
20. O princípio da confiança é violado, na medida em que o credor pignoratício jamais poderia contar, à luz do Direito vigente, que os créditos laborais que gozam de privilégio mobiliário geral fossem graduados à sua frente, o que, de facto, aconteceu.
21. A natureza real do penhor, conferida no artigo 666° e o princípio de que os privilégios mobiliários gerais não valem face àquele, estabelecido no artigo 749º nº 1 ambos do Código Civil, foram, arbitrariamente, descaracterizados, o que frustra, definitivamente, as legítimas expectativas do credor pignoratício na prioridade do seu crédito.
22. A interpretação conjugada dos nº1 e 2 do artigo 204° da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333°, nº 2 a) do Código do Trabalho e os artigos 666° e 747° do Código Civil, levada a cabo pelo Tribunal a quo, conduziu a uma limitação desproporcional e, por isso, intolerável, da garantia real conferida ao credor pignoratício.
23. A graduação de créditos realizada desvirtua o conteúdo essencial da garantia real penhor, restringindo-a, e privilegia os créditos laborais de forma ilegal e excessiva, violando, assim, o princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 18°, da Constituição da República Portuguesa.
24. A referida limitação é, também, desproporcional, porquanto a Segurança Social tem a possibilidade de garantir os seus créditos através de qualquer garantia idónea, nomeadamente através de hipotecas e penhores legais, nos termos do artigo 203º da Lei nº 110/2009. Dessa forma, a Segurança Social poderia assegurar devidamente os seus créditos sem lesar os direitos dos outros credores, que acabam, por via da inércia daquela, a concorrer com privilégios absolutamente ocultos.
25. A decisão a quo viola os artigos 2° e 18°, da Constituição da República Portuguesa.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, são as conclusões que definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões formuladas pelo Banco Apelante, a questão a apreciar é a da posição, na graduação em processo de insolvência, dos créditos garantidos por penhor mercantil quando concorrem com créditos dos Trabalhadores, do Estado e da Segurança Social, que têm privilégio creditório mobiliário geral.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- A sentença aprecianda é omissa quanto à fundamentação de facto.
Suprindo esta irregularidade considera-se resultar dos autos, com interesse para a decisão, a seguinte facticidade:
A) – Por sentença datada de 4/12/2013 foi declarada a insolvência da sociedade comercial “S”.
B) – O Sr. Administrador da Insolvência juntou aos autos a lista de créditos, considerando reconhecidos:
a) como garantidos:
1 – crédito do “N”, à altura “Banco Espírito Santo, S.A.”, no valor de € 135.022,52, garantido por Penhor Mercantil constituído sobre os equipamentos constantes do “doc. 1”, na proporção de 25%;
2 – crédito de “Norgarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.”, no valor de € 48.007,60, garantido por Penhor Mercantil constituído pelos equipamentos acima referidos, na proporção de 75%.
b) como créditos privilegiados (beneficiando de privilégio mobiliário geral):
1 – crédito do Estado (reclamado pela Autoridade Tributária e Aduaneira), por dívidas de IRC; IRS; IVA, no valor de € 7.492,58;
2 – crédito do “Instituto de Segurança Social”, por contribuições não pagas, no valor de € 38.564,33;
3 – créditos dos trabalhadores:
- A, no valor de € 17.139,04;
- C, no valor de € 12.069,12;
- D, no valor de € 31.996,19;
- E, no valor de € 16.305,10;
- F, no valor de € 4.410,13;
- I, no valor de € 15.270,22;
- IS, no valor de € 3.521,85;
- JM, no valor de € 13.120,86;
- JA, no valor de € 4.650,00
- MA, no valor de € 17.945,62;
- ME, no valor de € 21.369,98;
- MF, no valor de € 11.809,33;
- MI, no valor de € 2.672,19;
- MJ, no valor de € 22.487,90;
- MT, no valor de € 14.812,70;
- MS, no valor de 17.185,67.
c) como créditos comuns, além de outros, devidamente identificados na relação de fls. 3 a 30 que, por brevidade, se dá aqui por reproduzida:
1 – crédito do Estado (reclamado pela Autoridade Tributária e Aduaneira), por dívidas de IRC; IRS; IVA; Imposto do Selo e coimas, no valor de € 52.473,95;
2 – crédito do “Instituto de Segurança Social”, por contribuições não pagas, no valor de € 200.705,73.
3 – créditos subordinados (quatro).
C) Foram apreendidos os bens móveis e equipamentos que constam da relação de fls. 51 e 52 que, por brevidade, se dá aqui por reproduzida.
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V.- Resulta, pois, inequívoco destes autos que o crédito do Banco Apelante está garantido por penhor mercantil, constituído sobre bens móveis apreendidos para a massa insolvente, que constam da relação de bens identificada como “doc.1”.
1.- O penhor mercantil é um contrato comercial nominado, referido nos art.os 397.º a 402.º do Código Comercial (C.Com.), ao qual se aplica, subsidiariamente, o regime constante dos art.os 666.º a 685.º do Código Civil (C.C.).
JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES define o penhor mercantil como “o contrato pelo qual uma das partes confere à outra, em garantia de um crédito comercial desta última e com preferência sobre os demais credores comuns, o direito a ser paga pelo valor de determinada coisa ou direito de que a primeira é titular” (in “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, 3.ª Reimp., pág. 371).
O penhor só poderá ser considerado mercantil se a dívida que se cauciona proceder de um acto comercial, conforme o disposto no art.º 397.º do C.Com..
Ainda que o Código Civil sujeite a eficácia do penhor, quer inter partes, quer erga omnes, à entrega efectiva, ao credor penhoratício, da coisa empenhada, ou de um documento que confira a este ou a terceiro a exclusiva disponibilidade dela, conforme o disposto no art.º 669.º, n.º 1, no penhor mercantil a entrega da coisa poderá ser simplesmente simbólica, de acordo com o parágrafo único do art.º 409.º do C.Com., produzindo efeitos em relação a terceiros com a mera redução a escrito, nos termos do art.º 400.º do mesmo Cód..
Como escreve JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “a lei comercial bastou-se, em matéria de eficácia erga omnes, com a mera exibição de documento escrito ainda quando este não confira a exclusiva disponibilidade da coisa empenhada” (ob. cit., pág. 374).
O penhor é uma garantia real, como tal conferindo ao credor o direito de sequela, e tendo, como se referiu, eficácia erga omnes.
Deste modo, para se fazer pagar (com preferência em relação aos demais credores que não tenham o crédito garantido), o credor penhoratício tem a poder de fazer vender a coisa, quer ela continue a pertencer ao garante, quer a sua propriedade tenha sido transferida para um terceiro.
2.- O privilégio creditório, nos termos definidos pelo art.º 733.º do C.C., é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros.
Há duas classes de privilégios creditórios: os imobiliários e os mobiliários. Aqueles recaem sobre bens imóveis e estes recaem sobre bens móveis.
Uns e outros podem ainda ser gerais ou especiais. Os privilégios mobiliários gerais recaem sobre todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou acto equivalente e os privilégios mobiliários especiais oneram apenas bens móveis de determinada natureza ou origem – cfr. art.os 735.º; 736.º e 737.º, quanto ao privilégio mobiliário geral, e 738.º a 742.º, quanto ao privilégio mobiliário especial, todos do C.C..
Para além dos créditos do Estado e das Autarquias Locais, referidos no art.º 736.º, e dos créditos referidos no art.º 737.º, supramencionados, gozam ainda de privilégio mobiliário geral (com interesse relevante para a decisão) os créditos dos Trabalhadores emergentes do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, nos termos consagrados no art.º 333.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, e os créditos da Segurança Social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora, de acordo com o estabelecido no art.º 204.º, n.º 1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro (que, no seu art.º 5.º, n.º 1, alínea b), revoga o Dec.-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio).
Relativamente à eficácia dos privilégios creditórios em relação a terceiros, em situações de conflito entre os direitos dos credores e os direitos de terceiros estabelecidos sobre os bens que constituem objecto do privilégio, regem os princípios consagrados nos art.os 749.º, para o privilégio (mobiliário ou imobiliário) geral; 750.º, para o privilégio mobiliário especial; e 751.º para o privilégio imobiliário especial, todos do C.C..
Deste modo, posto que não têm a natureza de direitos reais (já que não recaem sobre coisas certas e determinadas e não conferem aos seus titulares o direito de sequela), os privilégios gerais não valem contra os direitos reais de gozo e de garantia, ainda que posteriormente constituídos, prevalecendo, assim, sobre eles, o penhor, a hipoteca, a consignação de rendimentos, a penhora e o direito de retenção, de acordo com o princípio estabelecido no n.º 1 do art.º 749.º do C.C. (cfr., neste sentido, designadamente, Ac. do S.T.J. de 31/10/1990, in B.M.J. 400, págs. 640-645; P. LIMA e A. VARELA, in “Código Civil Anotado”, I, pág. 738; e ALMEIDA COSTA, in “Direito das Obrigações”, 12.ª ed., revista e actualizada, pág. 971), remetendo o n.º 2 para as leis do processo o estabelecimento dos limites ao objecto e à oponibilidade do privilégio geral ao exequente e à massa insolvente, bem como os casos em que ele não é invocável ou se extingue na execução ou perante a declaração de insolvência – cfr., para o que ora interessa, o disposto no art.º 97.º do C.I.R.E., que, nas alíneas a) e b) do n.º 1, estabelece a extinção dos privilégios creditórios gerais e especiais de que gozam os créditos do Estado, das Autarquias Locais e da Segurança Social, constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência, e as garantias reais, nos termos referidos nas alíneas c), d) e e).
E assim é que, em processo de insolvência, depois de pagas as dívidas da massa insolvente, nos termos do art.º 172.º, pagar-se-ão os créditos garantidos pelo produto da venda dos bens onerados com a garantia real, nos termos do art.º 174.º, seguindo-se-lhes os créditos privilegiados, que serão pagos “à custa dos bens não afectos a garantias reais prevalecentes”, conforme o disposto no art.º 175.º.
A questão que o presente recurso coloca é a de saber se este princípio deva conhecer algum desvio, designadamente, derivado da prevalência do privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social sobre a garantia real, que é o penhor.
Com efeito, o n.º 2 do art.º 204.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial da Segurança Social (Lei n.º 110/2009), à semelhança do que já dispunha o n.º 2 do art.º 10.º do Dec.-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, estabelece a prevalência do privilégio mobiliário geral (de que gozam os créditos da segurança social por quotizações e respectivos juros de mora) sobre “qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”.
Esta prevalência cria uma situação de conflito na graduação dos créditos já que, por aplicação do princípio estabelecido no art.º 749.º do C.C., o crédito penhoratício prevalece sobre os créditos dos Trabalhadores com privilégio mobiliário geral, os quais, por sua vez, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 333.º do Cód. do Trabalho (Lei 7/2009, de 12/02), prevalecem sobre os créditos do Estado, das Autarquias Locais, e da Segurança Social - refira-se que, enquanto o n.º 1 do art.º 10.º do Dec.-Lei 103/80 graduava os créditos da Segurança Social “após os créditos referidos na alínea a) do n.º 1 do art.º 747.º do Código Civil”, o n.º 1 do art.º 204.º da Lei n.º 110/2009 gradua-os “nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil”, daqui se inferindo que estes créditos deverão ser pagos imediatamente a seguir aos do Estado, a par dos créditos das Autarquias Locais, se os houver.
3.- Perante esta situação de conflito geraram-se duas correntes jurisprudenciais consagrando soluções de interpretação divergentes:
i) uma que gradua em primeiro lugar os créditos do Estado, seguidos dos créditos das autarquias locais e da segurança social, e só em último lugar o crédito penhoratício – assim, v. g., o Ac. da Rel. de Coimbra, de 16/05/2000 (e jurisprudência aí citada, in Colectânea de Jurisprudência (C.J.), ano XXV, Tomo III, págs. 9-12, Proc.º 702/2000, Desemb. Eduardo Antunes).
ii) a segunda que gradua em primeiro lugar o crédito penhoratício e só depois os outros créditos, pela ordem acima indicada – defensor desta posição, designadamente, o Ac. da Rel. do Porto de 15/09/2011 (e jurisprudência aí citada, in C.J., ano XXXVI, Tomo IV, págs. 173-176, Proc.º 1911.09.3TBLSD-E.P1, Desemb. Filipe Caroço).
O Ac. do S.T.J. de 29/04/1999 refere ainda uma terceira posição que sustenta que em primeiro lugar se dê pagamento ao crédito da Segurança Social, seguindo-se-lhe o crédito garantido pelo penhor e, por último, os créditos por impostos. Rejeita, porém, esta posição com a afirmação de ela não ter “correspondência, nem na letra nem no espírito, com qualquer das formulações normativas em confronto” (in C.J., Acórdãos do S.T.J., ano VII, tomo II, pág. 77).
Defende a Relação de Coimbra (primeira posição) que a letra do art.º 10.º do Dec.-Lei n.º 103/80 “abrange directamente a hipótese de concorrência dos três créditos em causa, determinando que os créditos da Segurança Social se graduam logo após os do Estado (n.º 1) mandando depois graduá-los antes dos créditos penhoratícios (nº 2) devendo ser postergada a hipótese de o legislador não ter previsto essa hipótese, subjacente que está a essa norma, se não mesmo aí claramente expressa”, pelo que, tratando-se de “um regime especial deve prevalecer sobre o regime geral do art.º 749º do CC”. Afirma-se ainda que “o artigo 10º em causa tem de ser lido e interpretado “por inteiro” como um bloco normativo que consubstancia um intencional desvio do comando resultante dos artºs 666º, nº 1 e 749º do CC” (loc. cit., pág. 11).
Já, porém, a Relação do Porto (segunda posição), partindo da premissa de que “enquanto garantia de cumprimento de obrigações, especial e de natureza real, o penhor beneficia de sequela e é oponível erga omnes, designadamente quando concorre com o privilégio mobiliário geral, o qual apenas confere prioridade ou mera preferência de pagamento relativamente aos créditos comuns”, decidiu que “na graduação de créditos respeitante a bens móveis em que concorram créditos garantidos por penhor, créditos laborais abrangidos pelo art. 377º do Cód. do Trabalho e créditos por contribuições à Segurança Social, estando todos estes últimos garantidos por privilégio mobiliário geral, devem ser graduados por esta mesma ordem”.
Na fundamentação afirma-se que face à especialidade do n.º 2 do art.º 10.º do Dec.-Lei n.º 103/80 (ao qual corresponde, hoje, o n.º 2 do art.º 204.º da Lei 110/2009) se concorrerem apenas créditos da Segurança Social, beneficiários de privilégio mobiliário geral com créditos garantidos por penhor o crédito da primeira “deve ser graduado à frente do direito do credor penhoratício”.
Esta foi a posição que já havia defendido o Ac. da Rel. do Porto, de 12/01/1984, que, aderindo ao decidido pela 1.ª Instância, propugnou pela interpretação restritiva daquele dispositivo legal “como dispondo para o caso de concurso apenas entre crédito da Previdência e crédito garantido por penhor” (in C.J., ano IX, Tomo 1, pág. 213).
O Ac. da Relação de Coimbra, de 23/04/1996 (no qual se fundamentou a Relação do Porto), defende existir aqui “o que Baptista Machado chama «lacuna de colisão», ou seja, uma contradição normativa entre normas da mesma hierarquia que entrem em vigor na mesma data…: um espaço jurídico à primeira vista duplamente ocupado fica a constituir um espaço jurídico desocupado, uma lacuna”, e o preenchimento desta lacuna far-se-á, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 10.º do C.C., pela criação de uma norma “que privilegie o substantivo em relação ao processual, que respeite o princípio substantivo de que «o privilégio não vale contra terceiros … titulares de direitos oponíveis ao exequente», que respeite o princípio da confiança, sabendo cada um - cada credor, no momento da constituição do seu crédito – com o que conta, que respeite o princípio da igualdade não privilegiando o Estado, nos vários graus da sua administração, em função do cidadão, que assegure o direito constitucional do acesso à justiça, não apenas como direito formal do recurso aos tribunais, mas como direito substantivo de, através dos tribunais, ver realizado o seu direito”, acrescentando ser esta, ao que parece, “a mais recente evolução legislativa, que caminha no sentido de pôr o Estado mais actuante, mas apenas através da sua actuação dinâmica, passe o pleonasmo, e não através de privilégios que o façam aproveitar do dinamismo (e do património) dos cidadãos.” (in C.J., ano XXI, Tomo II, pág. 38).
Aderindo a esta fundamentação, acrescenta o supracitado Acórdão da Rel. do Porto de 15/09/2011 (segunda posição), que “há que ter em linha de conta que os privilégios creditórios em geral assumem natureza excepcional, certo é que, à margem do princípio da autonomia privada, afectam o princípio da igualdade entre credores (art. 604º, nº 1, do Código Civil)”, e sendo normas excepcionais “não podem ser aplicadas por analogia e, em relação a elas deve prevalecer o critério da sua interpretação restritiva” (loc. cit., pág. 175).
O S.T.J., no Acórdão de 17/01/1995, numa graduação de créditos em processo de falência, graduou em primeiro lugar o crédito garantido por penhor mercantil anterior à Lei 17/86 (lei dos salários em atraso), fazendo-lhe seguir os créditos emergentes do contrato de trabalho, e em terceiro lugar os créditos do Estado, ficando para último lugar os crédito comuns (in C.J., Acs. do S.T.J., ano III, Tomo I, págs. 22-24). Seguiram esta ordem quanto aos dois primeiros créditos, v.g. os Acs. do mesmo S.T.J. de 30/05/2006 e 10/05/2007 (in C.J., Acs. do S.T.J., respectivamente, ano XIV, Tomo II, pág. 113, e ano XV, Tomo II, pág. 61).
Nesta Relação de Guimarães, pronunciaram-se sobre a questão os Acórdãos de 13/02/2014 (ut Proc.º 1216/13.5TBBCL-A.G1, Desemb.ª Ana Cristina Duarte, in www.dgsi.pt) e, o mais recente, de 13/10/2016 que contém uma resenha completa de referências jurisprudenciais com relação a ambas as teses em confronto, (ut Proc.º 764/11.6TBBCL-I.G1, Desemb.ª Maria dos Anjos Nogueira, in www.dgsi.pt), ambos seguindo a posição do Acórdão da Relação do Porto, de 15/09/2011 (segunda posição), graduando em primeiro lugar o crédito garantido pelo penhor.
No Acórdão, ainda desta Relação, de 31/03/2016, aderindo, embora, ao entendimento seguido no Ac. de 13/02/2014, discorda-se, porém, da afirmação de que o privilégio mobiliário geral da Segurança Social só deve prevalecer nas situações em que concorre apenas com um crédito penhoratício, por considerar injustificável a existência de uma efectiva colisão normativa “a obstar que os créditos da Segurança Social, por preferirem ao crédito com penhor anterior, e por força dessa prevalência, sejam pagos antes dos créditos laborais”, defendendo não ser consentânea “com o comando do artº 8º, nº3, in fine, do CC, e, bem assim, com uma interpretação racional do artº 204 do CRCSPSS a solução de fazer depender a ordem de graduação de concreto crédito da circunstância aleatória de o concurso envolver ou não créditos do Estado, e, ademais, deixando outrossim a defesa de interesses prioritários do Estado como o são o da importância social da sustentabilidade da Segurança Social à mercê de factores que escapam ao próprio Estado”. Assim havendo considerado, decidiu graduar o crédito da Segurança Social em primeiro lugar, seguido do crédito garantido pelo penhor e em terceiro lugar os créditos dos trabalhadores (ut Proc.º 565/14.0T8VCT-B.G1, Desemb. António Santos, in www.dgsi.pt) (deste modo optando pela posição que o S.T.J. havia liminarmente rejeitado, no já referido Acórdão de 29/04/1999, “por não ter correspondência nem na letra nem no espírito” dos art.os 749.º do C.C. e 10.º do Dec.-Lei 103/80 – cfr. C.J., Acs. do STJ, ano VII, tomo II, págs. 76-77).
4.- O Tribunal Constitucional (T.C.), no Ac. n.º 363/2002, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas constantes do art.º 11.º do mencionado Dec.-Lei n.º 103/80, e do art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, “na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 51.º do Código Civil” (in D.R. n.º 239, Série I-A, de 16/10/2002, págs. 6777-6780).
Este juízo de inconstitucionalidade terá de manter-se face o art.º 205.º da Lei n.º 110/2009, que corresponde ao supramencionado art.º 11.º do Dec.-Lei n.º 103/80, mantendo inalterado o seu teor.
Fundou o T.C. o seu juízo de inconstitucionalidade na violação do princípio da confiança “na medida em que, gozando o privilégio de preferência sobre os direitos reais de garantia, de que terceiros sejam titulares, sobre os bens onerados, esses terceiros são afectados sem, no entanto, lhes ser acessível o conhecimento quer da existência do crédito, protegido que está pelo segredo fiscal, quer do ónus do privilégio, devido à inexistência do registo”.
O princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.º 2.º da Constituição, ainda segundo o mesmo Tribunal Constitucional “postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se podia moralmente e razoavelmente contar” (cfr. Ac. supramencionado, citando o Ac. n.º 160/2000).
Na fundamentação da decisão fez-se ainda referência à finalidade prioritária do registo predial, que “radica essencialmente na ideia de segurança e protecção dos particulares, evitando ónus ocultos que possam dificultar a constituição e circulação de direitos com eficácia real sobre imóveis, bem como das respectivas relações jurídicas”, enquanto que “o princípio da confidencialidade tributária impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à segurança social”. Assim, uma vez que o crédito da segurança social não está sujeito a registo, “o particular que registou o seu privilégio, uma vez instaurada a execução com fundamento nesse crédito privilegiado, ou que ali venha reclamar o seu crédito, pode ser confrontado com uma realidade – a existência de um crédito da segurança social – que frustra a fiabilidade que o registo naturalmente merece”.
Já no que se refere à prevalência do privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social sobre qualquer penhor, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional o art.º 10.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 103/80 (actual n.º 2 do art.º 204.º da Lei 110/2009) tendo em consideração as finalidades que estão subjacentes ao sistema de segurança social.
Dentre outros, pronunciou-se neste sentido, o Acórdão n.º 64/2009, de 10/02/2009, que ponderou: o limite temporal do privilégio, imposto pelo art.º 97.º, n.º 1, alínea a), do C.I.R.E.; que a Segurança Social não dispõe relativamente aos bens móveis do meio equivalente ao previsto no art.º 12.º do Dec.-Lei 103/80 (hipoteca legal sobre imóveis existentes no património das entidades patronais); desvalorizou a falta de publicidade, que fundou o juízo de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 363/2002, por, diferentemente do que se passa com a hipoteca, o penhor não estar sujeito a registo; e, reconhecendo, embora, que o princípio da confidencialidade tributária tem repercussões na publicidade daquele privilégio, fez ressaltar que o legislador vem permitindo “a divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não se encontra regularizada”.
Relativamente ao princípio da confiança, ínsito na ideia do Estado de Direito Democrático, consagrada no art.º 2.º da Constituição, refere ainda aquele Aresto (seguindo o Acórdão n.º 287/90) que “A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios:
a) A afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e, ainda
b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se aqui ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no nº 2 do artigo 18º da Constituição, desde a 1ª revisão).
Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária”.
Ora, conclui, “relativamente à norma em apreciação não se pode sequer afirmar uma mutação na ordem jurídica. Por um lado, de há muito que o privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos da Segurança Social por contribuições e os respectivos juros prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior; por outro, na falta de registo público, a ordem jurídica instituída não criou expectativas jurídicas atinentes à segurança do comércio jurídico que a norma impugnada tenha alterado”, pelo que o referido art.º 10.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 103/80 “não viola o princípio da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático (artigo 2º da Constituição da República Portuguesa), enquanto faz prevalecer sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior, o privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos da Segurança Social por contribuições e os respectivos juros de mora – privilégio creditório com justificação constitucional por referência ao artigo 63º da CRP.” (in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, Cons.ª Maria João Antunes).
5.- Na situação sub judicio o Tribunal a quo seguiu a primeira das duas posições acima exposta, e o Banco Apelante entende dever ser seguida a segunda, com o que o Ministério Público é concordante.
Ponderados os fundamentos de uma e outra das referidas posições, entendemos dever aderir à segunda, acolhendo os seus fundamentos que têm suporte legal e melhor se conjugam com o sistema de prioridades de pagamento que o Código Civil consagra.
Sem menosprezar a importância fundamental das contribuições para a sustentabilidade da Segurança Social, e sem minimizar o interesse público por ela prosseguido, o certo é que o próprio legislador as situa em terceiro lugar na ordem de pagamentos, nas situações em que os créditos delas derivados concorrem com créditos dos trabalhadores e com créditos do Estado.
Vistas as coisas sob a perspectiva dos interesses do Banco Apelante temos de reconhecer que, com a concessão do crédito à Insolvente decerto permitiu que ela prosseguisse com a laboração, gerando receitas que terão acabado por entrar nos cofres da Segurança Social, através das contribuições pagas por si e pelos seus trabalhadores, e do Estado, através dos impostos, e temos de reconhecer ainda, pelas regras da experiência comum, e atento o seu objecto comercial, que se soubesse da existência das reclamadas dívidas talvez não concedesse o crédito, pelo menos sem outras garantias mais consistentes – daí a relevância do acesso à informação em situações como esta.
Finalmente, cumpre fazer evidenciar que, actualmente, a Segurança Social já dispõe da possibilidade de garantir os seus créditos por um qualquer dos meios de garantia previstos nos art.os 601.º e sgs. do C.C. – cfr. art.º 20.º da Lei n.º 110/2209.
Deve, pois, proceder a pretensão do Apelante, impondo-se revogar a decisão no que respeita ao seu crédito, dando-se-lhe prioridade de pagamento, na parte (25%) em que é garantido pelo penhor sobre os bens relacionados no “Doc. 1”.
Refira-se que, embora o crédito da “Norgarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.” esteja também garantido pelo penhor mercantil sobre os referidos bens, na proporção de 75% (cfr. fls. 25), posto que não recorreu nem aderiu ao recurso, não lhe aproveita esta decisão – cfr. art.º 634.º, n.º 2, alínea a) do C.P.C.
Os créditos dos trabalhadores, uma vez que gozam do privilégio mobiliário geral, e são graduados antes dos créditos referidos no n.º 1 do art.º 747.º do C.C., em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 333.º, da Lei n.º 7/2009, serão pagos em segundo lugar.
Seguir-se-lhe-ão na ordem de pagamentos os créditos do Estado, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do art.º 747.º do C.C., mas apenas na parte em que beneficiam do privilégio mobiliário geral, ou seja, os que se venceram nos doze meses anteriores à data do início do processo de insolvência, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 97.º do C.I.R.E..
Em quarto lugar serão pagos os créditos da Segurança Social, nos termos acima referidos.
Em quinto lugar serão pagos os créditos comuns, nestes se incluindo:
- os créditos da “Norgarante” e do Apelante na parte em que não consigam obter pagamento do valor dos bens onerados com o penhor, nos termos do n.º 1 do art.º 174.º do C.I.R.E.;
- os créditos do Estado e da Segurança Social que não beneficiam do privilégio mobiliário geral, ou seja, os constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
- Finalmente, serão pagos os créditos subordinados.
A graduação é geral para os bens da massa insolvente e especial para os bens sobre os quais foi constituído o penhor mercantil e que estão abrangidos pelo privilégio creditório, conforme o disposto no n.º 2 do art.º 140.º do C.I.R.E..
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C) DECISÃO
Considerando quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação, consequentemente revogando parcialmente a decisão, graduam-se os créditos pela forma que segue.
Satisfeitas as dívidas da massa insolvente, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 172.º do C.I.R.E., dar-se-á pagamento:
1.- Pelo valor dos bens móveis sobre que incidiu o penhor, constantes do designado “Doc. 1”, na proporção de 25% (que é aquela que garante o crédito do Apelante):
1.º - O crédito do “Novo Banco, S. A.”, no valor de € 135.022,52.
2.º - O crédito de cada um dos trabalhadores, nos valores referidos em 3 da alínea b) de B), item IV:
- A
- C
- D
- E
- F
- I
- IC
- J
- JA
- MA
- ME
- MF
- MI
- MJ
- MT
- MS
3.º - O crédito privilegiado do Estado, no valor de € 7.492,58.
4.º - O crédito privilegiado do Instituto de Segurança Social, no valor de € 38.564,33.
5.º - Os créditos comuns, referidos em c) da alínea B), do item IV.
6.º - Os créditos subordinados.
*
2.- Pelo valor dos bens móveis sobre que incidiu o penhor, constantes do designado “Doc. 1”, na proporção de 75% (que é aquela que garante o crédito da credora “Norgarante”:
1.º - Os créditos dos Trabalhadores, acima referidos, na parte em que não obtenham pagamento da antecedente graduação.
2.º - O crédito (privilegiado) do Estado, acima referido em 3.º, na parte em que não obtenha pagamento da antecedente graduação.
3.º - O crédito (privilegiado) do Instituto da Segurança Social, acima referido em 4.º, na parte em que não obtenha pagamento da antecedente graduação.
4.º - O crédito garantido da “Norgarante – Sociedade de Garantia Mútua, S.A.”, no valor de € 48.007,60.
5.º - Os créditos comuns.
6.º - Os créditos subordinados.
*
3.- Pelo valor dos demais bens apreendidos:
1.º - Os créditos dos Trabalhadores, acima referidos, na parte em que não obtenham pagamento das antecedentes graduações.
2.º - O crédito (privilegiado) do Estado, acima referido em 3.º, na parte em que não obtenha pagamento das antecedentes graduações.
3.º - O crédito (privilegiado) do Instituto da Segurança Social, supra referido em 3.º, na parte em que não obtenha pagamento das antecedentes graduações.
4.º - Os créditos comuns, aqui se incluindo, para além do mais que consta da lista de credores, o que ainda remanescer dos dois créditos garantidos, do Banco Apelante e da “Norgarante”.
5.º - Os créditos subordinados.
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No mais, mantém-se a decisão impugnada.
Sem custas a apelação.
Guimarães, 25/05/2017
(escrito em computador e revisto)

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(Fernando Fernandes Freitas)


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(Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista)


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(Maria de Fátima Almeida Andrade)