Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
246/14.4TTBRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
SUBSÍDIO DE TURNO
TRABALHO NOCTURNO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Sobre a reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os princípios da liberdade do julgador na apreciação da prova, da oralidade e da imediação, sem esquecer que não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.

II – Apesar da natureza retributiva que os complementos salariais devidos enquanto contrapartida do modo específico de trabalho (subsídio de turno e trabalho nocturno), não se encontram submetidos ao princípio da irredutibilidade da retribuição, podendo a entidade empregadora suprimi-los quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.

III – Inexiste abuso do direito numa situação de alteração de prestação retributiva imposta pelo empregador apenas para as novas contratações ou para os trabalhadores da empresa que passassem a trabalhar nas condições que dessem lugar a tais pagamentos, já que o empregador não está impedido de proceder a tais ajustes, nem relativamente às novas situações existe qualquer direito adquirido, em nada excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do respectivo direito.
Decisão Texto Integral:
APELANTE – CARLOS.
APELADA – B. MULTIMEDIA.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Braga, Juízo do Trabalho – Juiz 2
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

CARLOS, residente na Rua de R.... Braga instaurou acção declarativa comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “B. MULTIMEDIA.”, com sede na Rua XXX, Braga, peticionando:
a) que se decrete – e a ré condenada a reconhecer - a ilicitude da redução do subsídio de turno de 25% para 10% sobre a retribuição base e a redução do valor pago por cada hora de trabalho nocturna de 75% para 50% sobre o valor hora nos termos referidos no artigo 16º da p.i., e se condene a Ré:
a.1) a repor o valor do subsídio de turno de 25% sobre a retribuição/hora e o valor de 75% sobre a remuneração hora, pelo trabalho nocturno prestado com efeitos a partir de Maio de 2012, e consequentemente, a pagar ao Autor a quantia de 3.051,00 €, a título de diferenças salariais;
b. a pagar ao autor quantia de 5.000,00 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
c. a pagar ao autor e ao Estado, em partes iguais, a quantia de 1.000,00 €, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas por via da sentença que vier a ser proferida e a partir da data em que puder ser executada; e
d. a pagar os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a constituição em mora até efectivo e integral pagamento, que ascendem, na data da propositura da acção, a 401,45€.
e. a pagar as custas do processo, procuradoria e no mais de lei.
Alegou a existência de acordo expresso quanto às condições remuneratórias, designadamente quanto ao montante auferido a título de subsídio de turno e quanto ao pagamento da remuneração por cada hora de trabalho noturno, ocorrendo em Setembro de 2012 redução unilateral das condições remuneratórias. O subsídio de turno foi reduzido de 25% para 10% sobre o valor da retribuição e o valor do trabalho noturno foi reduzido de 75% para 50% por cada hora de trabalho noturno.
Procedeu-se à realização de audiência de partes e não tendo sido possível a conciliação notificou-se a Ré para contestar a acção.
A Ré contestou impugnando o alegado e defendendo que não ocorreu qualquer redução no salário do Autor, já que este esteve três anos a prestar trabalho em regime de turno fixo e quando voltou a trabalhar em regime de horário de laboração contínua, já vigorava uma nova tabela de valores de subsídio de turno e de horas de trabalho nocturno, aprovada pela Ré em 1/02/2009.
Conclui a Ré pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido.
Os autos prosseguiram a sua normal tramitação e realizou-se a audiência de julgamento e seguidamente foi proferida sentença a fls. 153 a 159, que julgou a acção totalmente improcedente e consequentemente absolveu a Ré do pedido.
Inconformada com esta sentença, dela veio o Autor interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:
A – (…).
B - Afigura-se que a sentença recorrida ao decidir, como decidiu, não fez correcta apreciação da prova produzida nos aspectos que oportunamente se referirão, como não foram correctamente e aplicados os preceitos legais, como infra se demonstrará.
C e D – (…).
E - Resumidamente, o que se discute nos autos é aferir a (i)licitude da actuação da Recorrida, ou seja, verificar a legalidade da actuação da Empregadora em proceder, de forma unilateral, à redução das parcelas retributivas do Autor, ora Recorrente, correspondentes ao subsídio de turno que passou a ser calculado de 25% para 10% sobre a retribuição base e do valor pelo trabalho nocturno que foi reduzido de 75% para 50% sobre o valor de cada hora de trabalho.
F - Para decidir como decidiu, o tribunal a quo entendeu que não ocorre qualquer diminuição da retribuição nos autos mas uma alteração das condições em que o autor presta trabalho, bem como entende que “pese embora se trate de parcelas que integram o conceito de retribuição, nunca estariam abrangidas pela garantia do princípio da irredutibilidade da retribuição, que, como já explicámos, não chegou a ser diminuída”.
G – (…)
H - No que concerne à reapreciação da prova gravada, diga-se, desde logo, que, não obstante não ter sido alegado pelas partes, quer por confissão da Recorrida no depoimento de parte, quer pela prova testemunhal produzida, resultou provado que - há trabalhadores que trabalham na laboração contínua e que auferem o subsídio de turno de 25% sobre a retribuição e a retribuição de 75% sobre o valor da cada hora nocturna e que a diminuição da retribuição do Autor no subsídio de turno de 25% sobre a retribuição e a retribuição de 75% sobre o valor da cada hora nocturna, deveu-se apenas à alteração do horário de trabalho.
I - Com efeito, quer o representante legal da empresa Carlos A. S., (Acta de 25/02/2016, VIDE CD min: 47: 00; min: 50:02), quer as testemunhas Hélio G. (Acta de 07/07/2016, VIDE CD Min: 07:26.) e José A. (Acta de 07/07/2016, VIDE CD Min: 07:14) confirmaram que o facto de o trabalhador estar sem receber os referidos subsídios sempre se prendeu com o facto de terem estado um período sem trabalhar na laboração contínua.
J - Ora, esta factualidade não obstante não ter sido alegada releva-se importante para a boa decisão da causa e, como tal, é do conhecimento oficioso, por aplicação do princípio do inquisitório previsto, para além de outras disposições, no nº 72º do Código do Processo de Trabalho e art.º5º do Código de Processo Civil, pelo que deve ser considerada provada e constar da matéria assente.
K - Decorre, ainda, da douta sentença recorrida que resultaram não provados alguns factos que o tribunal a quo entendeu que “além de não serem confessados pela Ré, não resultaram nem dos documentos juntos, nem se podem retirar dos depoimentos das testemunhas” e a cuja apreciação pela prova produzida, entende o Recorrente, impunha decisão diversa.
L - Desde logo, no que respeita ao artigo 16º da p.i e ao art. 17º da p.i que versam sobre a falta de conhecimento, consentimento e consequente rejeição do autor relativamente à redução salarial, estes foram indubitavelmente corroborado pelas testemunhas Hélio G. Acta de 07/07/2016, VIDE CD (min: 05:40), José A. Acta de 07/07/2016, VIDE CD (min 06:06), (min 08:34) e António G. Acta de 07/07/2016, VIDE CD (Min 07:00) (07:30), (Min 07:42) que afirmaram que o Autor - Recorrente quando confrontado com a diminuição salarial confrontou de imediato os seus superiores hierárquicos, tendo posteriormente remetido uma carta à Direcção da Ré – Recorrida, o que igualmente resulta da prova documental - doc. 30 e 31 junto com a petição inicial – a carta remetida pelo Autor – Recorrente à Direcção da Ré – Recorrida, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
M - Mais ainda, os art.º 27 e 28º da p.i, que respeitam aos danos morais alegados pelo autor, também constam da matéria de facto não provada, não obstante terem sido peremptórias as testemunhas Hélio G. Acta de 07/07/2016, VIDE CD Min: 11:15 e ss, José A. Acta de 07/07/2016, VIDE CD min 08:34; 09:09 e ss, e António G. Acta de 07/07/2016, VIDE CD min 12:50, min 13:58, min 14:05, min: 14:28 e min 15:21 e ss) ao afirmarem que o Autor Recorrente estava revoltado, indignado e se sente menorizado com o facto de não receber as quantias que lhe foram retiradas,
N - Posto isto, os artigos 16, 17º, 27º e 28º da petição inicial que constam da matéria de facto não provada - devem ser dados integralmente como provados.
O - Por outro lado, da douta sentença resulta provado que: “ k) Quando em Setembro de 2012 o Autor passou a trabalhar no horário de laboração contínua, tinha conhecimento das condições remuneratórias em vigor desde 01/02/200, o que, salvo devido respeito, pela prova testemunhal produzida nos autos, impunha decisão diversa.
P - Fundamentou o tribunal a quo a sua decisão, nesta parte, nomeadamente no depoimento da testemunha Maria R. L. - Acta de 07/07/2016, VIDE CD min: 11:40, 11:57 12:20., não obstante esta não conseguir afirmar se o Autor estava presente nas reuniões com os trabalhadores onde alegadamente transmitiram essa informação.
Q - Mais, conforme supra se referiu, pelas testemunhas Hélio G., José A. e António G., o Autor – Recorrente a partir do momento que lhe foi alterado o seu horário de trabalho sempre manifestou a sua discordância com a diminuição salarial, sendo que esta última foi peremptória a afirmar que logo que o Autor se deparou com a diminuição da retribuição nos termos discutidos nos autos reclamou dessa situação junto dos superiores hierárquicos imediatos - Acta de 07/07/2016, VIDE CD Min 07:4 - devendo, assim, ser retirada da matéria provada os factos vertidos na alínea k).
R - Na sequência da reapreciação da prova gravada e das alterações à decisão da matéria assente e dada como provada, a mesma deve ficar da seguinte forma:
a) A Ré tem por objecto a fabricação e comercialização de auto-rádios e material eléctrico e electrónico, explorando um estabelecimento fabril no local da sua sede com cerca de 2.000 funcionários e está inserida no grupo multinacional B..
b) O Autor é trabalhador da Ré e associado do SITE – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Norte.
c) O Autor foi admitido ao serviço da “ARX, LIMITADA” em 04/11/1991, mediante celebração de contrato de trabalho a termo certo, para, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, exercer as funções de operador de máquinas, mediante retribuição.
d) Posteriormente, a entidade empregadora do Autor passou a designar-se B. MULTIMÉDIA designação que ainda mantém.
e) Ficou consignado na cláusula 6ª, alínea a) do contrato aludido em c) que o ora Autor se obrigava “a cumprir o horário de trabalho fixado, ou o que a parte contratante vier a fixar, nomeadamente horários de turnos, fixos ou rotativos”.
f) Para além da retribuição base, diuturnidades e outras parcelas remuneratórias, o Autor auferiu o subsídio de turno de 25% sobre a retribuição e a retribuição de 75% sobre o valor de cada hora nocturna, durante o período de 01/01/1994 a 28/02/2009.
g) Durante o referido período, o subsídio de turno de 25% e a percentagem de 75% sobre as horas nocturnas, sempre foram pagos ao Autor de forma habitual, pagamento esse que obedecia a critérios de penosidade do trabalho.
h) Desde a data da admissão até ao presente, o Autor cumpriu os seguintes horários de trabalho:
a. De 04/11/1991 a 31/12/1993: segundas e terças-feiras: das 6,00 às 15,00 horas, com intervalo entre as 11,00 e as 11,30 horas; quartas, quintas e sextas-feiras, das 6,00 às 14,30 horas, com intervalo entre as 11,00 e as 11,30 horas;
b. De 01/01/1994 a 30/04/2009: horário de laboração contínua de turnos rotativos;
c. De 01/05/2009 a 15/09/2012: 3º turno fixo; e
d. A partir de 16/09/2012: laboração contínua num turno rotativo.
i) A mudança de horário de laboração contínua de turnos rotativos para horário de turno fixo, a partir de Maio de 2009, ocorreu a pedido do Autor.
j) Por decisão da administração da Ré, a partir de 01/02/2009 enquanto o subsídio de turno foi fixado em 10%, a retribuição das horas nocturnas passava a ser paga com um acréscimo de 50%, quer para os trabalhadores contratados a partir dessa data, quer para os trabalhadores da empresa que passassem a trabalhar em horário de laboração contínua e/ou turnos rotativos também a partir dessa data.
l) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 30/10/2012, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o autor solicitou à administração da Ré que lhe fosse “…reposta a importância remuneratória correspondente à diferença entre o que deveria ter auferido e o que efectivamente auferi a título de subsídio de turno e horas nocturnas, bem como ao pagamento no futuro das condições remuneratórias que a tal título me são devidas…”.
m) Há trabalhadores que trabalham na laboração contínua e que auferem o subsídio de turno de 25% sobre a retribuição e a retribuição de 75% sobre o valor da cada hora nocturna;
n) A diminuição da retribuição do Autor no subsídio de turno de 25% sobre a retribuição e a retribuição de 75% sobre o valor da cada hora nocturna, deveu-se apenas à alteração do horário de trabalho.
o) A ré, inexplicavelmente, decide sem o consentimento do trabalhador, ora autor, aliás, com total oposição – reduzir o valor do subsídio de turno para 10% sobre a retribuição e o valor pelo trabalho nocturno que foram de 75% para 50% sobre cada hora de trabalho, conduta esta manifestamente marginal, ilegal e inconstitucional.
p) Esta redução salarial mereceu, aliás, a expressa rejeição do autor que a transmitiu aos seus superiores hierárquicos, quer de forma verbal (…)
q) Com efeito, com esta conduta, o autor ficou, como ainda está profundamente indignado, preocupado e desgostoso, com profundo receio quanto à sua condição financeira, nomeadamente o prejuízo que lhe causa não auferir a importância que, actualmente é de € 203,40.
r) O autor sentiu-se ainda profundamente humilhado e vexado, por se ver assim tratado pela ré, com total desprezo pelos seus direitos legais e contratuais vigentes e perante o conhecimento de todos os colegas de trabalho.
S - Naturalmente que a reapreciação da prova gravada e alteração da matéria de facto, implicam, então, que se reconheça que o pagamento de forma habitual e reiterada do subsídio de turno a 25% sobre a retribuição base e a hora nocturna a 75%, desde, pelo menos, 01/01/94 a 30/04/2009 tem carácter retributivo, subsumindo-se no conceito previsto no art. 258º, nº1, 2 e 3 do Código do Trabalho - o que se presume e implica que a conduta da Ré ao proceder à redução de tais parcelas é manifestamente ilícita e violadora, entre outros, princípio da irredutibilidade e indisponibilidade da retribuição (cfr. art. 129, nº1, al. d) do Código do Trabalho)
T - Acresce que, toda e qualquer decisão da Ré a reduzir as parcelas remuneratórias do Autor, teria sempre de estar sustentada num documento escrito, nos termos do art.º 107º, nº1 do Código do Trabalho, o que não sucedeu e consequentemente, implica, a ineficácia/inexistência da prática de tal acto.
U - Mais, não pode a Ré ter uma dualidade de critério, de forma infundada, no pagamento das referidas parcelas remuneratórias, que se traduz em atribuir aos colegas de trabalho do Recorrente, que como ele cumprem o horário de laboração contínua, o subsídio de turno a 25% e as horas nocturnas a 75% e ao Autor não, com o argumento, pasme-se, de que aqueles sempre cumpriram o horário de trabalho de laboração contínua, o que não tem qualquer razoabilidade.
V - Assim, mesmo que assim não fosse, sempre a conduta da Recorrida ao reduzir as referidas parcelas remuneratórias, sem qualquer fundamento, continuaria a ser ilegal, por se tratar de um acto absolutamente discricionário e infundado, violando entre outros deveres, o princípio da boa-fé no exercício dos direitos e no cumprimento das respectivas obrigações (cfr. art.º 126, nº1 do Código do Trabalho) - constituindo um manifesto e evidente abuso de direito, nos termos do artigo 334º do Código Civil.
W - Posto isto, em consequência de qualquer uma das situações supra expostas, o Recorrente tem o direito de exigir da Recorrida a reposição do pagamento da importância correspondente aos 25% sobre a retribuição base a título do designado subsídio de turno, bem como o pagamento das horas de trabalho nocturnas, calculadas a 75% sobre o valor hora, ambas com efeitos desde Maio/2012, bem como o pagamento da indemnização pelos danos morais e devidos juros, calculados à taxa legal de 4% até efectivo e integral pagamento e pagamento de uma sanção pecuniária compulsória que não deve ser fixada em quantia inferior a € 500,00 por dia.
X - Ao decidir, como decidiu, julgando totalmente improcedente a acção instaurada pelo Recorrente contra a Recorrida e absolvendo esta dos pedidos formulados, o tribunal a quo não apreciou concretamente a prova produzida, nem interpretou e aplicou devidamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artigo 129º, alínea d), 126º, nº1, 107º, 258º todos do Código do Trabalho, os artigos 334º e 829º-A do Código Civil, o artigo 72º, nº1 do Código de Processo de Trabalho e o artigo 5º, nº2 e o art.º 411º todos do Código de Processo Civil.
Peticiona assim a revogação da sentença recorrida com a consequente condenação da Recorrida nos pedidos, com as legais consequências.
Respondeu a Recorrida/Apelada defendendo a manutenção do julgado.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer de fls. 253 a 258, no sentido da improcedência total da apelação.
Não foi apresentada qualquer resposta ao parecer do Ministério Público
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pelo Autor/Apelante sobre a sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto;
- Da irredutibilidade da retribuição;
- Do abuso do direito.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deram-se os seguintes factos como provados:
a) A Ré tem por objecto a fabricação e comercialização de auto-rádios e material eléctrico e electrónico, explorando um estabelecimento fabril no local da sua sede com cerca de 2.000 funcionários e está inserida no grupo multinacional B. MULTIMEDIA.
b) O Autor é trabalhador da Ré e associado do SITE – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Norte.
c) O Autor foi admitido ao serviço da “ARX –, LIMITADA” em 04/11/1991, mediante celebração de contrato de trabalho a termo certo, para, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, exercer as funções de operador de máquinas, mediante retribuição.
d) Posteriormente, a entidade empregadora do Autor passou a designar-se B. MULTIMÉDIA designação que ainda mantém.
e) Ficou consignado na cláusula 6ª, alínea a) do contrato aludido em c) que o ora Autor se obrigava “a cumprir o horário de trabalho fixado, ou o que a parte contratante vier a fixar, nomeadamente horários de turnos, fixos ou rotativos”.
f) Para além da retribuição base, diuturnidades e outras parcelas remuneratórias, o Autor auferiu o subsídio de turno de 25% sobre a retribuição e a retribuição de 75% sobre o valor de cada hora nocturna, durante o período de 01/01/1994 a 28/02/2009.
g) Durante o referido período, o subsídio de turno de 25% e a percentagem de 75% sobre as horas nocturnas, sempre foram pagos ao Autor de forma habitual, pagamento esse que obedecia a critérios de penosidade do trabalho.
h) Desde a data da admissão até ao presente, o Autor cumpriu os seguintes horários de trabalho:
a. De 04/11/1991 a 31/12/1993: segundas e terças-feiras: das 6,00 às 15,00 horas, com intervalo entre as 11,00 e as 11,30 horas; quartas, quintas e sextas-feiras, das 6,00 às 14,30 horas, com intervalo entre as 11,00 e as 11,30 horas;
b. De 01/01/1994 a 30/04/2009: horário de laboração contínua de turnos rotativos;
c. De 01/05/2009 a 15/09/2012: 3º turno fixo; e
d. A partir de 16/09/2012: laboração contínua num turno rotativo.
i) A mudança de horário de laboração contínua de turnos rotativos para horário de turno fixo, a partir de Maio de 2009, ocorreu a pedido do Autor.
j) Por decisão da administração da Ré, a partir de 01/02/2009 enquanto o subsídio de turno foi fixado em 10%, a retribuição das horas nocturnas passava a ser paga com um acréscimo de 50%, quer para os trabalhadores contratados a partir dessa data, quer para os trabalhadores da empresa que passassem a trabalhar em horário de laboração contínua e/ou turnos rotativos também a partir dessa data.
k) Quando em Setembro de 2012 o Autor passou a trabalhar no horário de laboração contínua, tinha conhecimento das condições remuneratórias em vigor desde 01/02/2009.
l) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 30/10/2012, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o autor solicitou à administração da Ré que lhe fosse “…reposta a importância remuneratória correspondente à diferença entre o que deveria ter auferido e o que efectivamente auferi a título de subsídio de turno e horas nocturnas, bem como ao pagamento no futuro das condições remuneratórias que a tal título me são devidas…”.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da impugnação da matéria de facto
Pretende o recorrente que sejam dados como provados factos que não foram alegados pelas partes, mas que resultaram da discussão da causa e que no seu entender são relevantes para a boa decisão da causa, designadamente que “há trabalhadores que trabalham na laboração contínua e que auferem o subsídio de turno de 25% sobre a retribuição e a retribuição de 75% sobre o valor da cada hora nocturna e que a diminuição da retribuição do Autor no subsídio de turno de 25% sobre a retribuição e a retribuição de 75% sobre o valor da cada hora nocturna, deveu-se apenas à alteração do horário de trabalho.”. Acrescentando que quer por confissão da Recorrida no depoimento de parte, quer pela prova testemunhal produzida, tais factos resultaram provados, sobre eles incidiu discussão e revelam-se importantes para a boa decisão da causa, sendo de conhecimento oficioso, por aplicação do princípio do inquisitório previsto quer no artigo 72.º do CPT, quer no artigo 5.º do CPC.
Dispõe o artº 72º do CPT, sob a epígrafe, “Discussão e julgamento da matéria de facto”:
1- Se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2- Se for ampliada a base instrutória nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
3- Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.
4- Findos os debates, pode ainda o tribunal ampliar a matéria de facto, desde que tenha sido articulada, resulte da discussão e seja relevante para a boa decisão da causa. (…)”
E estabelece o art.º 5º do CPC o seguinte:
1 – Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções
3 (…)”.
O mecanismo a que alude o n.º 1 artigo 72.º do CPT está previsto para a audiência de discussão e julgamento, no momento da decisão da matéria de facto, cabendo o respectivo poder de aditar factos relevantes para a boa decisão da causa que não tenham sido alegados pelas partes, mas que resultem da discussão da causa ao juiz do tribunal a quo, sendo certo que nada obsta a que as partes o requeiram, desde que se contenham nos limites da causa de pedir.
No caso em apreço, não resulta que alguma das partes, designadamente o recorrente tenha suscitado esta questão em audiência de julgamento e não tendo sido accionado em tempo o mecanismo previsto no citado n.º1 do artigo 72º do CPT- pois nos casos em que a sua utilização se impunha é, conforme tem vindo a ser entendido pela Jurisprudência, gerador de nulidade.
Como referem Hermínia Oliveira e Susana Silveira, Discussão e Julgamento da Causa - Poderes do Juiz, VI Colóquio de Direito do Trabalho, 22.10.2014: “o não uso do artº 72º, nº 1, do CPT - nos casos em que, obviamente, a sua utilização se impunha - é, conforme tem vindo a ser entendido pela Jurisprudência, gerador de nulidade, porquanto a omissão da ampliação da matéria de facto quanto a factos com relevância para a boa decisão da causa condiciona e/ou influência o seu subsequente exame e decisão (artº 195.º, n.º 1, do CPC). A nulidade deve ser arguida pela parte, na própria audiência (art. 199.º, n.º 1, do CPC). Não sendo arguida, considerar-se-á sanada. A nulidade, assim constatada, consubstancia nulidade processual - tal-qual decorre do exposto - e não nulidade da própria sentença. Com efeito, a nulidade da sentença - mormente por omissão de pronúncia - só se verifica, como reiteradamente tem vindo a ser afirmado pelo STJ, quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente. (…) Aliás, os poderes da Relação estão, neste âmbito, concreta e claramente delimitados pelo n.º 1 do artº 662º: a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que significa que a decisão a alterar há-de respeitar a factos adquiridos - no sentido de provados/não provados ou alegados - e não a outros que sejam percepcionados no decurso da audição dos registos da prova”.
Quer isto dizer, como se consignou no Ac. do STJ de 02-04-2014, que pode ser consultado in www.dgsi.pt, que “mau grado seja legítimo o conhecimento de factos não articulados pelas partes e que chegam ao conhecimento do Tribunal, nomeadamente, no contexto da audiência, essa oportunidade de conhecimento não legitima, sem mais, a possibilidade de utilização desses factos como base na decisão a proferir, impondo-se a sujeição dos mesmos às exigências de contraditório estabelecidas, única forma de evitar atropelos relativamente à normalidade da gestão do processo, principalmente aos direitos das partes.
O regime previsto aponta para a oficiosidade da intervenção do Tribunal relativamente a esses factos, mas isso não impede, aliás tudo aconselha a que as partes, no contexto da audiência, suscitem o aditamento dos mesmos à Base Instrutória e o estabelecimento do contraditório que permita a respetiva utilização como suporte da decisão a proferir.
No caso dos autos, nada foi requerido no contexto da audiência, vindo os Autores suscitar a questão da ampliação da matéria de facto em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação, o que manifestamente atropela os princípios relativos à gestão do processo.”
Em face do exposto teremos de concluir que não é de aplicar ao caso o disposto nos artigos 72.º n.º 1 do CPT e 5º n.º 2 do CPC ampliando a matéria de facto, a qual não foi alegada pelo recorrente nem foi suscitada na audiência de julgamento para ser tida em consideração, não se mostrando assim preenchidos os pressupostos da pretendida ampliação da matéria de facto, pelo que improcedem as conclusões H) a J) das alegações da apelação do ator.
Não obstante o Autor /Recorrente pretende ainda com referência à decisão sobre a matéria de facto, a sua alteração, com reapreciação da prova, designadamente dos depoimentos testemunhais gravados e documentos apresentados.
Dispõe o artigo 662º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, o art. 640º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Do citado preceito resulta que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa ainda referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no artigo no n.º 5 do artigo 607º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância.
No que respeita à prova testemunhal mostra-se consagrado no artigo 396º do CC, o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador ao dispor o citado preceito legal que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Relacionado com este princípio estão os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção de prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, para que as provas, excepto aquelas cuja natureza o não permite, sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com o participante ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma percepção directa ou formal. Esta perceção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.
Defende o Prof. Manuel de Andrade, em “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 386, que estes princípios possibilitam o indispensável contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova. Só eles permitem fazer uma avaliação, o mais corretamente possível, da credibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas.
Todavia importa ter presente para além do princípio da liberdade do julgador na apreciação da prova, que toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância tem a seu favor o princípio da imediação, que não pode ser esquecido no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os mencionados princípios, sem esquecer que não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
No caso em apreço o Recorrente cumpriu o ónus de impugnação e insurge-se quanto ao facto de terem sido considerados de não provados os factos que constam dos artigo 16º e 17º, 27º e 28º da petição inicial, defendendo que os mesmos foram indubitavelmente corroborados pelas três testemunhas por si arroladas, que afirmaram que o autor confrontado com a diminuição salarial confrontou de imediato os seus superiores hierárquicos, tendo posteriormente remetido uma carta à Direcção da Ré, e ao afirmarem que o Autor estava revoltado, indignado e se sente menorizado com o facto de não receber as quantias que lhe foram retiradas.

Vejamos se lhe assiste razão:
Os factos que o Recorrente pretende que sejam dados como provados têm o seguinte teor:
16.º-A ré, inexplicavelmente, decide sem o consentimento do trabalhador, ora autor, aliás, com total oposição – reduzir o valor do subsídio de turno para 10% sobre a retribuição e o valor pelo trabalho nocturno que foram de 25% para 10% sobre cada hora de trabalho, conduta esta manifestamente marginal, ilegal e inconstitucional.”
17.º- Esta redução salarial mereceu, aliás, a expressa rejeição do autor que a transmitiu aos seus superiores hierárquicos, quer de forma verbal, quer também, por escrito, mais precisamente através de carta registada, com aviso de recepção datada de 30/10/2012.”
27.º- Com efeito, com esta conduta, o autor ficou, como ainda está profundamente indignado, preocupado e desgostosa, com profundo receio quanto á sua condição financeira, nomeadamente o prejuízo que lhe causa não auferir a importância que, atualmente é de €203,40.
28.º- O autor, sentiu-se ainda profundamente humilhado e vexado, por se ver assim tratado pela ré, com total desprezo pelos seus direitos legais e contratuais vigentes e perante o conhecimento de todos os colegas de trabalho.”
O Mmº Juiz motivou a sua decisão no que respeita a estes factos da seguinte forma:
Em face da prova produzida, o Tribunal ficou plenamente convencido da verificação desses factos.
O mesmo já não podemos dizer com referência aos factos não provados, porque, para além de não terem sido confessados pela Ré, não resultam nem dos documentos juntos, nem se podem retirar dos depoimentos das testemunhas.”
Procedemos à análise de todos os documentos juntos aos autos e à audição da gravação onde constam os depoimentos das testemunhas mencionadas pelo Recorrente, bem como das demais testemunhas que foram inquiridas na audiência de julgamento, podemos desde já dizer que bem andou o Mmº Juiz a quo ao dar estes factos como não provados.
No que respeita aos factos que constam dos artigos 16º e 17º da p.i., impõe-se dizer que a matéria factual que consta do artigo 16º da p.i. foi dada como parcialmente provada, tal como resulta do ponto j) dos factos provados e os factos que constam do artigo 17º da p.i. foram dados também como parcialmente provados, pois apenas não foi provada a “rejeição verbal do autor”, tendo sido dado como provado o que resulta da carta enviada pelo autor à Ré em 30/10/2012 ponto l) dos factos provados. No que respeita aos demais factos que constam dos mencionados artigos da p.i., para além de se revelarem de conclusivos e desprovidos de interesse para a resolução do litígio, dos depoimentos das testemunhas, designadamente das mencionadas pelo recorrente teremos de dizer que para além dos mesmos não revelarem ser inexplicável a razão pela qual os valores do subsídio de turno e o valor do trabalho nocturno foram alterados, o que se veio a confirmar em face de outra prova produzida quanto a esses factos. A forma insegura e pouco convincente como depuseram relativamente ao conhecimento que revelaram ter do facto do autor ter transmitido aos seus superiores hierárquicos o seu descontentamento só poderia conduzir, como conduziu a que tais factos fossem dados como não provados.
No que respeita aos factos que constam dos artigos 27º e 28º da p.i. referentes aos danos morais, as testemunhas arroladas pelo autor, limitaram-se a tecer comentários e a dar a sua opinião sobre o estado de espirito do autor, revelando-se tais depoimentos de manifestamente insuficientes para dar como provados qualquer um dos factos constantes dos mencionados artigos, sendo certo que outros que se provaram contrariam estes, designadamente o facto d o autor conhecer as condições remuneratórias vigentes desde fevereiro de 2009.
Verificamos assim que os meios de prova invocados pela Recorrente/Apelante não são por si só bastantes para impor decisão diversa sobre a factualidade em causa, razão pela qual improcedem as conclusões recursórias de L a N.
No caso em apreço, o Apelante/Recorrente considerou ainda que foram incorrectamente julgados os factos que constam do ponto k) dos factos provados, que deve por isso ser dado como não provado.
Sustenta o Recorrente a sua pretensão no teor dos depoimentos das três testemunhas por si arroladas, defendendo que sempre manifestou a sua discordância com a diminuição salarial, já que assim que se deparou com a mesma reclamou da situação junto dos superiores hierárquicos imediatos, sendo ainda certo que os depoimentos das testemunhas da Ré sobre estes factos para além de não merecerem credibilidade foram pouco precisos.
Vejamos se lhe assiste razão.
O ponto k) dos factos dados como provados tem a seguinte redação:
Quando em Setembro de 2012 o Autor passou a trabalhar no horário de laboração contínua, tinha conhecimento das condições remuneratórias em vigor desde 01/02/2009.”
O Mm.º Juiz motivou a sua decisão sobre este ponto da matéria de facto da seguinte forma:
“Quanto aos factos relatados nas alíneas i), j) e k), resultam por um lado, da sua aceitação parcial pelo Autor na resposta (que os não nega peremptoriamente, na totalidade) e, por outro, nos depoimentos claros e isentos das testemunhas arroladas pela Ré, Maria R. L. (chefe se serviços da Ré, no Departamento de Recurso Humanos), L. Costa (chefe do Departamento MOEU) e A. G. (chefe de Planeamento e Produção na empresa da Ré e chefe do Autor até 2012). Todos referiram e confirmaram que a partir de 2009 as condições de pagamento do subsídio de férias e das horas de trabalho nocturno foram alteradas, por decisão da administração, que era de conhecimento de todos, porque foi publicitada. Neste aspecto, é de realçar o depoimento da última testemunha, que disse ter conversado com o autor, várias vezes, sobre a mudança de turno, após a eliminação da secção onde trabalhava, e que sempre o alertou para a diminuição da retribuição, caso mudasse para o turno de laboração contínua, por força das novas percentagens em vigor relativamente ao subsídio de turno e à retribuição das horas nocturnas. De todo o modo, estes depoimentos – que não nos pareceram alinhados com os interesses da Ré –, não foram contrariados pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Autor, todos eles seus colegas de trabalho.
Em face da prova produzida, o Tribunal ficou plenamente convencido da verificação desses factos.
Analisando a prova produzida, designadamente os depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré, com base nos quais se deu como provado os factos que constam do ponto k) dos factos provados não vislumbramos qualquer razão para alterar este ponto de facto da forma pretendida pelo recorrente, uma vez que não foi cometido qualquer erro grosseiro na apreciação da prova pelo tribunal a quo, ao invés os factos foram apurados de harmonia com análise de toda a prova efectuada pelo Tribunal de 1ª instância, sendo certo que as testemunhas arroladas pela Ré foram peremptórias ao afirmarem que em 2009 as condições de pagamento do subsídio de turno e das horas de trabalho nocturno foram alteradas, por decisão da administração, que era de conhecimento de todos, porque foi publicitado, não se nos afigurando os seus depoimentos de incongruentes e não credíveis, a que acresce o facto de quer a L. Costa, quer o A. G., terem conversado mais do que uma vez com o autor no que respeita à alteração do horário e consequências daí decorrentes.
Em suma, o Mm.º Juiz fundamentou a sua convicção em termos racionais e concretos indo ao encontro da prova que efectivamente foi produzida, não se impondo assim decisão diferente, uma vez que de acordo com as regras da experiência comum a factualidade posta em crise não só não se revela grosseiramente apreciada pelo tribunal a quo, como na sua reapreciação, tendo presente o princípio da livre apreciação da prova, consideramos ser de manter a matéria de facto apurada, visto que não foi cometido qualquer erro na sua apreciação.
Improcedem assim as conclusões do recurso enumeradas de O) a Q).

2. Da irredutibilidade da retribuição

Não se tendo procedido a qualquer alteração na matéria de facto, fica comprometida a parte do recurso que pugna pela alteração da sentença recorrida, de modo a considerar que o pagamento de forma reiterada e habitual do subsídio de turno a 25% sobre a retribuição base e a hora nocturna a 75%, desde, pelo menos 1/01/1994 a 30/04/2009 tem carácter retributivo, sendo por isso ilícita a redução de tais parcelas porque violadora do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Resta-nos assim proceder de forma breve à reapreciação da solução de direito acolhida pela 1ª instância, mantida que está a matéria de facto em causa.
Pretende o recorrente que se reconheça que o pagamento de forma habitual e reiterada do subsídio de turno a 25% sobre a retribuição base e a hora nocturna a 75%, desde, pelo menos, 01/01/94 a 30/04/2009 tem carácter retributivo, subsumindo-se no conceito previsto no art. 258º, nº1, 2 e 3 do Código do Trabalho e consequentemente que se declare ilícita a actuação da Ré ao proceder à redução de tais parcelas porque violadora do princípio da irredutibilidade e indisponibilidade da retribuição.
No que respeita à redutibilidade, em geral, da retribuição específica por trabalho nocturno e trabalho por turnos, a sentença recorrida enunciou bem a sua possibilidade.
Estabelece o artigo 258.º do CT/09. com a epígrafe “Princípios gerais sobre a retribuição” o seguinte:
1 – Considera-se retribuição a prestação a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 – A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente em dinheiro ou em espécie.
3 – Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 – À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto no código.”
Como assinala Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, pág. 455), a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida.
Frequentemente ocorrem situações de retribuição mista, composta pelo salário base e por determinadas prestações retributivas complementares determinadas por contingências especiais de prestação de trabalho (penosidade, perigo, isolamento, toxicidade…), pelo rendimento, mérito, produtividade (individual ou por equipa) ou mesmo por certas situações pessoais dos trabalhadores (antiguidade, diuturnidades…) – v. Bernardo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, p. 387.
No que toca ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado nos arts. 21.º, n.º 1, al. c), da LCT e 122.º, al. d), do CT/03 e 129.º n.º 1 al. d) do CT/09, o mesmo só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos e do trabalho nocturno), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido.
Neste sentido ver entre outros os Acórdãos do STJ de 19/02/2014, proc. n.º 4272/08.4TTLLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt, no qual a propósito de não poder ser diminuída a retribuição do trabalhador, salvo nos casos específicos previstos na lei e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, se refere o seguinte:
Porém, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares. Com efeito, tal como vem sendo entendimento unânime da nossa Jurisprudência e da nossa Doutrina, o citado princípio, previsto no normativo antes enunciado, não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas (v.g. isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (trabalho prestado além do período normal de trabalho).
Embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.”
Com efeito, embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Neste mesmo sentido se tem pronunciado a doutrina, designadamente Romano Martinez (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, p. 595), ao referir que “… os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento.”. E Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, p. 471), quando escreve a propósito do princípio da irredutibilidade da retribuição e de saber se os “aditivos” específicos previstos na lei quanto à determinação da retribuição, designadamente os que são determinados pela penosidade, pelo risco e pelo isolamento devem encontrar-se ao abrigo daquele princípio “são meras especificações do salário, correspondentes a particularidades da prestação normal do trabalho. Põe-se, no entanto, quanto a tais valores, o problema de saber se, face ao princípio da irredutibilidade da retribuição, eles deverão ser mantidos mesmo quando se alterem as condições externas do serviço prestado (p.ex.; se o trabalhador deixa de estar integrado na organização dos turnos (…) A nosso ver a resposta afirmativa conduziria a tão patente absurdo que é forçoso admitir, nestes casos, uma solução específica; especificidade, aliás, bastante relativa, dado que a retribuição-base, está obviamente fora de questão. Assim, e em suma, entendemos que os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento…”. De igual modo, Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho (Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, Lex, p. 100), escrevem que “… a irredutibilidade da prestação não pode significar a impossibilidade de retirar a correlativa atribuição patrimonial específica ao trabalhador que deixa de estar adstrito ao regime de turnos, que é transferido para uma cidade, que deixa de trabalhar em condições de risco. A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (…) ser entendida de modo formalista e desatendendo à substância das situações.”.
Podemos assim concluir que o empregador pode retirar ao trabalhador determinados complementos salariais, como é o caso do que vise compensar o trabalho por turnos e o trabalho nocturno, desde que cesse, licitamente, a situação que fundamentou a sua atribuição. Nestes casos não ocorre qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, já que este está limitado ao sentido estrito do conceito de retribuição, ou seja à retribuição em sentido próprio e aqueles outros correspondem a um modo particular de prestação do trabalho, que apenas persistem enquanto se mantiver a situação que lhes serve de fundamento.
Revertendo ao caso em apreço teremos de dizer que em face dos factos provados, o comportamento da Ré não viola o princípio da irredutibilidade da retribuição, pois apesar de se ter provado que desde 1/01/1994 até 30/04/2009 o autor desempenhou funções em regime de horário de laboração contínua de turnos rotativos auferindo para além do mais subsídio de turno de 25% sobre a retribuição e a retribuição de 75% sobre o valor de cada hora nocturna, pagamentos esses que obedeciam a critérios de penosidade no trabalho, o certo é que quando deixou a seu pedido, de trabalhar neste regime deixou de receber estas parcelas retributivas. Posteriormente, mais precisamente em setembro de 2012 quando regressou à laboração contínua voltou a receber estas parcelas, em percentagens diferentes, ou seja inferiores, uma vez que o empregador em fevereiro de 2009 havia decidido fixar o subsídio de turno em 10% e retribuir as horas nocturnas com um acréscimo de 50%, quer para os trabalhadores contratados a partir dessa data, quer para os trabalhadores da empresa que passassem a trabalhar em horário de laboração contínua e/ou turnos rotativos, a partir dessa data, sendo essa precisamente a situação do autor.
Como se fez consignar na sentença recorrida “Não se trata, assim, desde logo, de uma diminuição da retribuição que o Autor vinha auferindo, mas antes de uma alteração das condições em que passou a prestar o seu trabalho. Antes, num turno normal fixo, sem horas de trabalho nocturno, e, portanto, sem direito ao subsídio de turno e à retribuição especial para horas nocturnas; depois, num horário de laboração contínua com turno rotativo, portanto, em condições de penosidade de trabalho próprias de quem trabalha à noite e sem horário permanente.
Não podemos, pois, concluir, como conclui o Autor, pela ilicitude da conduta da Ré, uma vez que, pese embora se trate de parcelas que integram o conceito de retribuição, nunca estariam abrangidas pela garantia do princípio da irredutibilidade da retribuição, que, como já explicámos, não chegou a ser diminuída.
(…)
Aliás, no que respeita ao trabalho nocturno, a Ré somente estaria obrigada a pagá-lo “com acréscimo de 25% relativamente ao pagamento de trabalho equivalente prestado durante o dia.” (artigo 266º, nº 1 do Código do Trabalho), sendo certo que o subsídio de turno nem está previsto no contrato, nem resulta de qualquer CCT aplicável, até porque o trabalho por turnos é de qualificar como trabalho normal e não como trabalho suplementar, devendo ser retribuído como tal.”
Dito isto, cumpre assinalar, para além do mais, que o autor não provou como lhe competia que aquelas parcelas retributivas, bem como os respectivos valores foram contratualmente acordadas na data da sua admissão na empresa, tendo-lhe sido liquidadas desde a data da sua admissão, nem provou que a Ré se comprometeu a mantê-las com os mesmos valores (de 25% e de 75%), independentemente do horário de trabalho que o Autor viesse a praticar.
Deste modo, não podemos considerar de ilícita a redução destas parcelas retributivas, pois para além do autor não ter logrado provar a sua versão dos factos, os factos que se provaram não nos permitem de forma alguma concluir que a Ré tenha violado o princípio da irredutibilidade da retribuição, ao alterar de comum acordo com o autor o regime de horário de trabalho em que este passou a prestar a exercer as suas funções, a partir de setembro de 2012.
Por fim, no que respeita à falta de comunicação escrita da redução das parcelas retributivas, a que alude o n.º 1 do artigo 107º do CT, também nesta sede não assiste razão ao recorrente, pois para além de resultar dos pontos de facto provados que o Autor tinha conhecimento das condições remuneratórias em vigor desde 01-02-2009 (pontos j) e k) dos factos provados). Por outro lado, esta específica informação não se insere no conjunto de informações, a prestar por escrito, a que se referem os n.ºs 1 e 3 do artigo 106.º do CT/09, já que a alteração do regime do horário de trabalho, não implicava qualquer alteração na sua concreta retribuição.
Improcedem as conclusões S a U das alegações da apelação

3. Do abuso do direito

Impõe-se agora apreciar o alegado abuso de direito, uma vez que o recorrente defende que o comportamento da recorrida ao reduzir as parcelas remuneratórias constitui um acto discricionário e infundado, viola os princípios da boa-fé, constituindo assim um manifesto abuso de direito.

Vejamos se lhe assiste razão.
Decorre do disposto no artigo 334.º do CC que, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Resulta da mencionada disposição legal que por um lado o exercício dos direitos está limitado pela boa-fé e pelos bons costumes e por outro lado pelas finalidades de natureza económica e social subjacentes à conformação desse direito.
Impõem-se assim que os sujeitos de determinada relação jurídica actuem de acordo com padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis no comércio jurídico de forma a contribuírem para a realização dos interesses legítimos que pretendam atingir com essa relação jurídica.
Na verdade, são de considerar excedidos os limites impostos pela boa fé, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, ou seja quando tal conduta objectivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito.
Para Manuel de Andrade, in Teoria Geral das Obrigações, 3ª ed. pág. 63e 64, “há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”.
Com uma outra perspetiva defende, para Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 6.ª ed., pág. 516, "para que haja lugar ao abuso do direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito”
Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos manifestamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. I, 4ª ed., 1987, pág. 299, “A figura do abuso do direito é uma válvula de segurança à disposição do julgador para fazer face àqueles casos em que a fria aplicação da lei (caracterizada pela generalidade e abstracção) não atendendo às especificações do caso concreto levaria a situações de injustiça gravemente chocantes e reprováveis para o sentimento jurídico dominante na comunidade social”.
Existirá abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos ofensivos da justiça, com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.
Em suma constituirá abuso de direito o exercício que em princípio seria legítimo, nos casos em que é exercido de maneira a constituir relevante ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.

Como figura integradora de comportamento típico de abuso do direito importa considerar, a do “venire contra factum proprium”. Este pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, mas assumidas em momentos distintos e distanciadas no tempo, em que a primeira (o “factum proprium”) é contraditada pela segunda (o “venire”), de modo que essa relação de oposição entre as duas justifique a invocação do princípio do abuso do direito.
Revertendo ao caso em apreço não vemos que a conduta da recorrida possa considerar-se como abusiva.
É certo que o autor trabalhou na laboração continua durante vários anos recebendo determinadas prestações, designadamente a título de subsídio de turno e horas nocturnas, mas entretanto esteve três anos a trabalhar noutro horário de trabalho, deixando por isso de ter direito a receber tais prestações, sem que tal facto constituísse qualquer violação ao princípio da irredutibilidade da retribuição. Quando regressa ao regime da laboração contínua, tais prestações haviam sido alteradas/reduzidas, para quem iniciasse este regime de horário de trabalho em data posterior a 1 de Fevereiro de 2009, sendo essa precisamente a situação em que o autor se encontrava.
O facto de a Ré, por uma questão de gestão dos seus recursos económicos, ter reduzido os valores de algumas prestações retributivas estipulando regras que só se aplicariam às novas situações, tendo o autor sido abrangido por uma dessas situações, não nos permite concluir o exercício abusivo de qualquer direito, pois relativamente a tais prestações retributivas o autor não era titular de qualquer direito adquirido ou contratualmente estipulado, não se tendo provado a existência de qualquer circunstância que suscitasse situação de confiança do recorrente de que perante a nova situação não lhe seriam aplicáveis as novas condições retributivas estipuladas pela recorrida.
Nada se demonstrou que indique um exercício abusivo da Recorrida, ao atribuir ao Recorrente um acréscimo retributivo, que já vinha aplicando aos demais trabalhadores nas mesmas condições, de que o recorrente tinha conhecimento, tudo isto depois de ter conversado com ele sobre o seu novo horário, o qual implicava aquele específico acréscimo retributivo. A recorrida limitou-se assim a agir em conformidade com o que há alguns anos havia sido por si determinado e comunicado aos seus trabalhadores, por razões de gestão empresarial e financeira, relativamente à alteração dos valores das prestações devidas pelo trabalho prestado em regime de laboração contínua e/ou turnos rotativos.
Inexiste assim abuso do direito na situação em que o empregador por razões de gestão empresarial e financeira procedeu à alteração de determinada prestação retributiva apenas para as novas contratações ou para os trabalhadores da empresa que passassem a trabalhar nas condições que dessem lugar à referida prestação, pois para além do empregador não estar impedido de proceder a tais ajustes, relativamente às novas situações não existe qualquer direito adquirido, em nada excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do respectivo direito.
Mais não nos resta do que confirmar também nesta parte a sentença recorrida.

V - DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por CARLOS, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo da isenção que beneficia.
Notifique.
Guimarães, 11 de Julho de 2017

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I – Sobre a reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os princípios da liberdade do julgador na apreciação da prova, da oralidade e da imediação, sem esquecer que não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.

II – Apesar da natureza retributiva que os complementos salariais devidos enquanto contrapartida do modo específico de trabalho (subsídio de turno e trabalho nocturno), não se encontram submetidos ao princípio da irredutibilidade da retribuição, podendo a entidade empregadora suprimi-los quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.

III – Inexiste abuso do direito numa situação de alteração de prestação retributiva imposta pelo empregador apenas para as novas contratações ou para os trabalhadores da empresa que passassem a trabalhar nas condições que dessem lugar a tais pagamentos, já que o empregador não está impedido de proceder a tais ajustes, nem relativamente às novas situações existe qualquer direito adquirido, em nada excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do respectivo direito.

Vera Sottomayor