Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
9467/15.1T8VNF-A.G2
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
MANDATÁRIO
PROCURAÇÃO CONJUNTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- De harmonia com o disposto no artigo 603.º, n.º 1, do C.P.C., verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência final realiza-se, excepto se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento.
- Por sua vez, nos termos do artigo 140.º, nº 1, do C.P.C., considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
- A actual definição do justo impedimento passou a dar relevo à culpa, isto é, passou a centrar-se na não imputabilidade à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, pela ocorrência do obstáculo que impediu a prática do acto.
- A procuração conjunta visa assegurar que qualquer um dos mandatários possa indistintamente assegurar o patrocínio, desde logo, praticando actos processuais e intervindo em diligências.
- Sentindo-se a ilustre mandatária da Embargante doente na véspera da realização da audiência de julgamento e por tempo provável de três dias, tendo a Embargante passado procuração conjunta a dois advogados, seria de exigir, no âmbito de uma conduta medianamente diligente, que a requerente contactasse o colega com vista a assegurar-se da presença do mesmo na referida diligência.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

L. F., contribuinte n.º ………, residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, deduziu a presente Oposição, por Embargos de Executado, à execução comum, sob a forma ordinária, para pagamento de quantia certa, que lhe move BANCO X, SA, pessoa coletiva n.º ………, com sede na Rua …, n.º …, Porto.
Para fundamentar a oposição, alegou que é demandada, nos presentes autos de execução, por ser dona e possuidora do prédio urbano onerado com a hipoteca que terá sido constituída para garantir o pagamento da quantia exequenda. Contudo, adquiriu o imóvel em causa à sociedade Y, SA, por escritura pública celebrada em 04.09.2012, livre de ónus e encargos, ignorando a existência da hipoteca que incidia sobre o mesmo. Não pode, pois, ser responsabilizada pelo pagamento da quantia exequenda, que provém de garantia que ignorava e não lhe foi comunicada.
Mais diz que não é devedor de qualquer quantia ao exequente, pois nunca estabeleceu qualquer relação obrigacional com o mesmo, devendo ser declarada extinta a execução.
Concluiu, peticionando a procedência da presente oposição, por embargos, e, por essa via, a extinção da execução com as legais consequências.
Deduziu ainda incidente de intervenção principal provocada de J. L. e A. L., avalistas da dívida exequenda, e incidente de intervenção acessória da Conservatória do Registo Predial de ... e da sociedade Y, SA.

Foi proferido despacho liminar de admissão da presente oposição à execução [ref.ª155844797].

Cumprido o disposto no artigo 732.º, n.º2, do Cód. Proc. Civil, o embargado/exequente BANCO X, SA apresentou contestação, reiterando o alegado no requerimento executivo, sustentado que a dívida exequenda está garantida por duas hipotecas voluntárias constituídas sobre o identificado prédio urbano e registadas desde 1998.04.23 (Ap.48) e 06.01.2000 (Ap.65), pretendendo fazer valer essas garantias reais na execução de dívida por elas provida, tendo a execução sido requerida contra a embargante por ter registada a seu favor, pela Ap.133 de 2012.09.04, a aquisição daquele.
Finalizou requerendo a improcedência dos presentes embargos e, bem assim, dos incidentes de intervenção provocada de terceiros (acessória e principal), por não se verificarem os pressupostos necessários da sua admissibilidade.

Prosseguindo os autos os seus trâmites, por despacho de 25.05.2018, constante de fls.21-25, foram indeferidos os pedidos de intervenção acessória provocada da Conservatória do Registo Predial de ... e da sociedade imobiliária Y, SA e de intervenção principal provocada de J. L. e A. L. [ref.ª158469630].

Interposto recurso de tal decisão, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17.01.2019, constante de fls.41-49, foi revogado a decisão no segmento em que indefere o requerimento de intervenção acessória provocada da sociedade imobiliária Y, SA e determinada a sua substituição por outro que admita a pretendida intervenção [ref.ª6184947].

Por despacho de 11.03.2019, foi admitida a intervenção acessória da chamada Y, SA [ref.ª162439824].

Citada, a chamada Y, SA apresentou contestação, sufragando que, por escritura outorgada em 03.05.2011, comprou o imóvel em causa a J. S., sendo que, da certidão que instruiu essa escritura, não resulta a existência de qualquer inscrição hipotecária ou qualquer outro ónus, nem tão pouco foi advertida da existência de qualquer ónus, tendo sido expressamente referido que o imóvel foi vendido livre de ónus e encargos.
Referiu ainda que, na sequência da citação efetuada nestes autos, deslocou-se à Conservatória do Registo Predial de ..., onde apurou que houve um erro na digitalização da descrição predial, já assumido pelo Instituto de Registos e Notariado, no âmbito da ação n.º2586/18.4BEBRG, da Unidade Orgânica 1, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que deu origem a não extratação dos ónus hipotecários, tenho tal situação sido corrigida após a transmissão da fração autónoma à embargante.

Após tentativa de conciliação, foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador por escrito, no qual se fixou o valor da causa em €192.374,34 (cento noventa dois mil trezentos setenta quatro euros e trinta quatro cêntimos), se saneou os autos, se procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, se admitiu a prova indicada pelas partes, se ordenou a gravação da audiência final e, por fim, se diligenciou pela programação e marcação da audiência final [ref.ª171455530].

Realizou-se a audiência final, com plena observância das formalidades legais, tendo a interveniente acessória prescindido da prova testemunhal por si indicada, como resulta da respetiva ata [ref.ª175758013].

Foi proferida sentença que decidiu julgar “totalmente improcedente a presente oposição à execução, por embargos, devendo a execução prosseguir em conformidade.”

Inconformada com a sentença dela veio recorrer a embargante formulando as seguintes conclusões:

A) No âmbito do presente processo, a Embargante é dona e possuidora do prédio urbano onerado com hipoteca que terá sido constituída para garantir o pagamento da quantia exequenda.
B) Tendo adquirido o imóvel em causa à sociedade Y, S.A. por escritura pública celebrada em 04.09.2012, livre de ónus e encargos, ignorando a existência da hipoteca que incidia sobre o mesmo.
C) Não podendo ser constituída pelo pagamento da quantia exequenda, que provém da garantia que ignorava e não lhe foi comunicada.
D) Alegou a Embargante que não é devedora de qualquer quantia exequente, pois nunca estabeleceu qualquer relação obrigacional com o mesmo, devendo ser declarada extinta a execução.
E) A audiência de julgamento realizou-se a 26 de outubro de 2021.
F) No dia anterior, a mandatária da Embargante comunicou a indisponibilidade por motivo de doença.
G) Como é referido no atestado médico junto aos autos, a referida mandatária padece de doença de Crohn, sofrendo crises graves com alguma frequência.
H) As referidas crises incapacitam a referida mandatária para o exercício da sua atividade profissional.
I) Tal factualidade já tinha sucedido a 04 de maio de 2021, tendo nesse momento a audiência de julgamento sido adiada.
J) O artigo 603.º, n.º 1, do C.P.C. prescreve o seguinte:
“1 – Verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento”.
K) A matéria do justo impedimento vem regulada no artigo 140.º do Código de Processo Civil, onde se estabelece que:
“1 – Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato.
2 – A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o Requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 – É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo”.
L) A este respeito, escreve também Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 3.ª Ed., pág. 275-276) que constitui justo impedimento “as situações de doença súbita (…) quando configurem um obstáculo razoável e objetivo à prática do ato, tidas em conta as condições mínimas de garantia do exercício do direito em causa (…). Hoje, constituem justo impedimento não só a impossibilidade total e absoluta, mas também o obstáculo à plena realização do ato, tal como a parte ou o mandatário a prefiguraram; mas continuará a não haver justo impedimento se o ato a praticar pelo mandatário impedido constituía facto perfeitamente fungível”.
M) Neste contexto, é muito discutido, quer doutrinalmente, quer na jurisprudência, os casos em que existam vários advogados constituídos, mas em que um único tem intervenção no processo, não tendo conseguido precaver os restantes para a verificação inesperada do motivo de justo impedimento. Mas, tendencialmente tem-se vindo a admitir que nessas situações pode julgar-se verificado o justo impedimento (neste sentido: Ac. STJ de 21/1/2001 – Relator Simões Redinha – Proc. n.º 00S3847; Ac. R.E. de 20/12/2012 – Relator: Eduardo Tenazinha – Proc. n.º 78/08.9TBMCQ.E1; Ac. R.L. de 10/2/2010 – Relatora: Isabel Tapadinhas – Proc. n.º 4311/07.6TTLSB.L1-4 – todos disponíveis em www.dgsi.pt –; e Ac. R.L de 30/6/2015 – in C.J.-III, pág.s 112 e ss).
N) Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Vol. I, 2.ª Ed. - 2014, pág. 571) sustentam que, nos casos de procuração conjunta, o impedimento de um dos mandatários não é suficiente para provocar o adiamento da audiência, porque a outorga da procuração nessas condições terá precisamente por finalidade fazer face a situações de impedimento de um dos mandatários. Pelo que, entendem estes Autores, e a nosso ver bem, que nestes casos se exige que a parte justifique a razão pela qual os restantes patronos não podem, ou não puderam, assegurar o patrocínio.
O) Em resultado do exposto, conclui-se que a questão deve ser apreciada em função de cada caso concreto.
P) Diremos assim que, tendencialmente, verificando-se uma situação de doença súbita e inesperada e estando em causa uma fase tão decisiva como é a da audiência final, não fará muito sentido que se exija a outros mandatários, que apenas constam formalmente duma procuração, mas que nunca viram o processo, desconhecem o seu objeto e não foram posto a par dos meandros do litígio, terem de ser forçados a intervir no julgamento, sem qualquer aviso ou preparação prévia, em condições que não lhes permitem assegurar de forma razoável o patrocínio da parte.
Q) Nessa situação, mesmo que esses mandatários não tenham impedimento pessoal para deixarem de estar presentes na audiência final, não estarão em condições para exercer o patrocínio da parte e assegurar a colaboração devida à realização da justiça.
R) A mandatária em questão já tinha requerido o adiamento da audiência anterior, já que a mesma é que tinha um conhecimento profundo do processo.
S) Tendo sido, a mesma a realizar a Petição Inicial de Embargos de Executado.
T) O outro mandatário constituído tinha-se limitado a participar numa audiência de tentativa de conciliação, que obviamente não tinha a complexidade de uma audiência de julgamento.
U) Portanto, julgamos que se verifica uma situação de justo impedimento, porque emergente de facto inesperado, não imputável à parte ou à sua mandatária, relativo ao seu estado de saúde, encontrando-se provado por atestado médico que objetivamente estava impedida para o exercício da profissão.
V) Um atestado médico tem a força probatória própria que a lei atribui a um juízo pericial sobre os factos que atesta (Art. 388º do C.C.) e, mesmo sendo certo que esse juízo está sujeito à livre apreciação do tribunal (Art. 389º do C.C.), só se o juiz tiver especiais conhecimentos técnicos sobre a matéria e se encontrar devidamente habilitado a julgar doutro modo é que poderá afastar as conclusões duma prova assim produzida.
W) No caso estava em causa uma deslocação ao tribunal e o acompanhamento da produção de prova em julgamento. Estas são obrigações profissionais da mandatária da R., enquanto advogada, que o atestado médico certifica, ainda que em termos genéricos, que não podiam ser cumpridas por motivo de doença. Logo, não há como concluir o inverso: verificava-se efetivamente uma situação de justo impedimento, tal como ela é prevista no Art. 140.º n.º 1 do C.P.C..
X) A realização de um julgamento, em primeira marcação e sem intervenção de advogado, que teve o cuidado de invocar uma situação objetiva de justo impedimento antes da realização dessa diligência, dá azo a situações de desequilíbrio entre as partes litigantes, a limitações formais e injustificadas no exercício de direitos e promove mais facilmente a possibilidade de se chegar a soluções injustas. O que certamente não é desejado pelo sistema, nem estava na mente do legislador ao estabelecer as soluções que consagrou nos Art.s 603º n.º 1 e 140º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C..
Y) Diremos, em suma, que é para nós claro que houve erro de julgamento na interpretação do Art. 603º n.º 1, “in fine”, conjugado com o Art. 140º n.º 2 do C.P.C., por se impor no caso o deferimento do requerimento de adiamento da audiência de julgamento, por se verificar justo impedimento e se reconhecer que o atestado médico foi apresentado logo que foi possível ao requerente.
Z) O despacho recorrido deve, assim, ser revogado e substituído por outro que reconheça a verificação do justo impedimento.
AA) Ainda assim, há que reconhecer que a circunstância de haver justo impedimento pode não ter por consequência necessária a anulação de todo o julgamento. No entanto, no caso concreto, essa anulação é inevitável, porquanto o despacho recorrido determinou que houvesse uma produção de prova em condições de flagrante desequilíbrio entre as partes, sem cumprimento pleno do contraditório (Art.s 3.º n.º 3 e 415º n.º 1 do C.P.C.).
BB) Pelo que, mesmo não tendo sido invocada a nulidade do despacho recorrido, o reconhecimento do erro de julgamento que assim se verificou, acaba por ter o mesmo efeito jurídico. Na prática, não são aproveitáveis os atos de prova assim produzidos, devendo ordenar-se a renovação integral da produção de prova, permitindo que a Executada possa contraditar de forma plena os depoimentos prestados e produzir a sua prova em condições de igualdade como o A., quanto mais não fosse também por mera decorrência do disposto no Art. 662º n.º 2 al.s a) (por haver dúvidas sérias sobre a credibilidade dos depoimentos que foram prestados nas condições já mencionadas), b) (por haver dúvidas fundadas sobre a prova assim realizada) e c) (por ser evidente a deficiência da prova assim produzida) do C.P.C..

NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que Vossas Exas. Mui doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado totalmente procedente por provado e, consequentemente, o despacho recorrido deve assim ser revogado e substituído por outro que reconheça a verificação do justo impedimento.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, de onde decorre que a Recorrente efectivamente recorre apenas do despacho proferido em 26.10.2021, no início da audiência final, cumpre apreciar:
- Se se verifica a invocada situação de justo impedimento de mandatário;
- Se, em consequência, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que reconheça a verificação do justo impedimento, com a decorrente anulação dos actos entretanto praticados pelo tribunal a quo, incluindo, da sentença proferida.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para o objecto do recurso, há a considerar a factualidade resultante do relatório supra e, ainda, a seguinte factualidade:

Por requerimento apresentado nos autos em 25.10.2021, a ilustre patrona da embargante, Drª C. R., veio dizer que “se encontra doente e incapacitada para exercer a sua atividade profissional, conforme atestado médico em anexo.
Assim, a patrona encontra-se impedida de comparecer na audiência de julgamento agendada para a data de amanhã, de 26 de outubro de 2021.
Termos em que, atentos os motivos expostos e dando-se por verificados os pressupostos do justo impedimento, mui respeitosamente requer a Vossa Exa. que se digne a adiar a referida audiência de julgamento, nos termos do artigo 603.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil.
Se Vossa Exa. tiver por conveniente, apresentarei prova testemunhal comprovativa de tal facto.
Junta: Atestado médico.”

- Esse atestado médico, datado de 25.10.2021, tem o seguinte teor:
“N. C., médico, portador da cédula profissional, o nr. ....., atesta por sua honra profissional, que C. R., portadora do cartão de cidadão com o nr. ....., se encontra doente desde o dia 25/10.2021, por um período previsível de 03 dias.”

- Sobre esse requerimento foi proferida decisão pelo tribunal a quo, em acta de audiência final, nos seguintes termos:
“Através de requerimento remetido a juízo no dia de ontem, veio a ilustre mandatária da embargante, Dra. C. R., requerer o adiamento da presente audiência, em virtude de se encontrar doente e incapacitada para o exercício da sua atividade profissional, juntando, para o efeito, atestado médico, com data de 25-10-2021.
Não obstante a imprevisibilidade do facto comunicado como impeditivo da comparência da ilustre mandatária requerente e, bem assim, da sua não imputabilidade à mesma, certo é que da procuração junta aos autos a 08.10.2019 resulta que a embargante conferiu mandato não só à ilustre requerente, mas também, conjuntamente, ao Dr. T. C..
Deste modo, e apesar do justo impedimento da ilustre requerente, a verdade é que nenhum impedimento nos foi comunicado no que respeita ao outro mandatário constituído.
Ora, havendo uma procuração conjunta a favor de mais do que um advogado, qualquer um dos mandatários constituídos pode intervir no julgamento e o justo impedimento de um deles não determina necessariamente o adiamento da audiência, tanto mais que, no caso, como resulta da tramitação processual, ao longo do processo, foram intervindo quer um quer o outro advogados constituídos.
Assim sendo, não tendo sido justificado o motivo pelo qual o outro mandatário constituído, Dr. T. C., não pôde comparecer ou assegurar o cumprimento do mandato, indefere-se o requerido adiamento da audiência final, prosseguindo esta de imediato.
Notifique.”

- A embargante outorgou procuração forense conjunta a favor da Sra Advogada C. R. e do Sr Dr. T. C..

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Do justo impedimento do mandatário

Dispõe o artigo 603.º, n.º 1, do C.P.C. que:

“1 – Verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento”.

Por sua vez, a matéria do justo impedimento vem regulada no artigo 140.º do Código de Processo Civil, onde se estabelece que:
“1 – Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato.
2 – A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o Requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 – É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo”.

No caso vertente, resulta dos autos que a ilustre mandatária/requerente alegou e demonstrou encontrar-se numa situação de doença, conforme se extrai do teor do atestado médico que juntou aos autos com o respectivo requerimento.
O ponto da discordância da Recorrente com o despacho em crise consiste em saber se existindo, como efectivamente existe, procuração conjunta, emitida pela embargante, a favor não só da ilustre mandatária/requerente mas também a favor de outro advogado, no caso, o Sr Dr. T. C., o justo impedimento invocado é relevante, isto é, se constitui fundamento de adiamento ou não realização da audiência final.
Vejamos.
Como refere Lebre de Freitas a respeito do art. 146º na redacção dada pelo Decreto Lei nº 329-A/95, “à luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção (...) Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário. Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão. Mas, tal como na responsabilidade civil contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (...)” - “Código de Processo Civil Anotado”, 1º, pág. 258.
Deste modo, a actual definição do justo impedimento passou a dar o merecido relevo à culpa, isto é, passou a centrar-se na não imputabilidade à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, pela ocorrência do obstáculo que impediu a prática do acto.
Em síntese, e como ensinava Alberto dos Reis, in "Comentário ao Código de Processo Civil", volume II, página 72, 'o interessado não pode colocar-se ao abrigo do justo impedimento quando tenha havido, da sua parte, culpa, negligência ou imprevidência. Se o evento era susceptível de previsão normal e a parte não se acautelou contra ele, sibi imputet: a parte foi imprevidente.

Como se sumariou no Ac. da RC de 8.10.2018, no proc. 3188/17.8T8LRA-A.C1:
“II – A jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do acto pode ser considerada ‘justo impedimento’, excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele.
III – O atestado médico que declara a impossibilidade de exercício da profissão por parte do advogado/mandatário, sem esclarecer a gravidade da doença ou desacompanhado de outros meios de prova que demonstrem essa gravidade, não é suficiente para estabelecer o justo impedimento.
IV – Se o acto for praticável por outro advogado, mediante substabelecimento ou por constituição pela parte, é irrazoável a alegação da conveniência na prática do acto pelo mandatário impedido ...
V – O que releva decisivamente para a verificação do justo impedimento é a inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo peremtório.”.

No caso em análise, temos que a ilustre mandatária da embargante apresentou requerimento nos autos em 25.10.2021, alegando que a mesma “se encontra doente e incapacitada para exercer a sua atividade profissional, conforme atestado médico em anexo; e que assim, encontra-se impedida de comparecer na audiência de julgamento agendada para a data de amanhã, de 26 de outubro de 2021; e conclui: “Termos em que, atentos os motivos expostos e dando-se por verificados os pressupostos do justo impedimento, mui respeitosamente requer a Vossa Exa. que se digne a adiar a referida audiência de julgamento, nos termos do artigo 603.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil.”
Ora, resulta dos autos que a embargante havia outorgado procuração conjunta à ilustre mandatária/requerente e ao Sr Dr T. C..
Mais resulta que do processo que o Sr Dr T. C. interveio como mandatário da embargante na tentativa de conciliação de 8.10.2019, conforme consta da respectiva acta.
No caso vertente, não se discute que a Srª Drª C. R. tenha estado doente desde o dia 25.10.2021, por um período previsível de 03 dias. De resto, o atestado médico junto revela isso mesmo, ou seja, “que C. R., portadora do cartão de cidadão com o nr. ....., se encontra doente desde o dia 25/10.2021, por um período previsível de 03dias.”
Todavia, desconhece-se se essa doença era incapacitante para a requerente poder estar presente e intervir na audiência final e se a mesma surgiu de forma súbita ou imprevisível. E ignora-se também se essa doença foi incapacitante para a requerente comunicar com o outro advogado constante da mesma procuração.
Por outro lado, a mandatária requerente do justo impedimento nem sequer alegou, e menos provou, qualquer facto relativo à impossibilidade do outro mandatário (constante da mesma procuração) de estar presente e intervir na audiência em causa.
Pois, conforme bem entendem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Vol. I, 2.ª Ed. - 2014, pág. 571), nos casos de procuração conjunta, o impedimento de um dos mandatários não é suficiente para provocar o adiamento da audiência, porque a outorga da procuração nessas condições terá precisamente por finalidade fazer face a situações de impedimento de um dos mandatários. Pelo que, entendem estes Autores, nestes casos se exige que a parte justifique a razão pela qual os restantes patronos não podem, ou não puderam, assegurar o patrocínio.
No caso sub judice, essa justificação não foi sequer alegada.
Por outro lado, sentindo-se a ilustre mandatária da Embargante doente na véspera da realização da audiência de julgamento e por tempo provável de três dias, tendo a Embargante passado procuração conjunta a dois advogados, seria de exigir, no âmbito de uma conduta medianamente diligente, que a requerente contactasse o colega com vista a assegurar-se da presença do mesmo na referida diligência. Tanto assim que nem se alegou ou demonstrou qualquer impossibilidade desse contacto.
De resto, como referimos, não se apurou que a doença da requerente fosse incapacitante, isto é, que obstasse à sua intervenção na diligência, como exige o art. 140º, nº 1, do CPC.
Por consequência, não existem nos autos elementos bastantes para o Tribunal poder concluir pela ocorrência de justo impedimento.
Assim sendo, nenhum reparo há a fazer ao despacho recorrido que indeferiu o requerido adiamento da audiência final e determinou o prosseguindo da mesma.
Improcede, pois, a presente apelação.
*
DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Guimarães, 13.07.2022

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Margarida Gomes
Conceição Bucho