Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
281/12.7TBBRG.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ACIDENTE
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Sumário: 1 - A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua atividade laboral.
2 - A incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efetiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.
3 – No caso dos autos, o dano biológico sofrido apresenta uma vertente predominantemente não patrimonial em detrimento da vertente patrimonial, tendo em conta a dificuldade em apurar a perda de ganho futuro, considerando que o lesado era estudante à data do evento lesivo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
R.. deduziu ação declarativa contra Companhia de Seguros.., SA pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 a título de danos não patrimoniais e a quantia que vier a ser fixada após a atribuição de incapacidade permanente determinada por perícia médico-legal, alegando ter sido vítima de acidente com engenho pirotécnico que lhe causou os danos que descreve e que foi responsabilidade da sociedade “P.., Lda.” que havia transferido a sua responsabilidade civil para a ré.
Contestou a ré, aceitando a existência do seguro e impugnando por desconhecimento os factos.
Dispensada a audiência preliminar, elaborou-se despacho saneador e definiu-se a matéria de facto assente e a base instrutória
Após elaboração da perícia médico-legal, veio o autor requerer ampliação do pedido para a quantia total de € 165.000,00, considerando ajustado o valor de € 65.000,00 a título de indemnização pela perda futura de ganho. Contestou a ré, considerando o valor excessivo.
A ampliação do pedido foi admitida, com o consequente aditamento da base instrutória.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia global de € 45.000,00, acrescida de juros de mora devidos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Discordando da sentença, dela interpôs recurso a ré, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1. O Autor, quer no pedido inicial quer na posterior ampliação, limitou-se a pedir a condenação da ora apelante no pagamento de determinados montantes, líquidos e determinados, sem nunca pedir que a esses montantes fossem acrescidos quaisquer juros.
2. A douta sentença recorrida, ao condenar a apelante no pagamento da quantia de € 45.000,00, “acrescida de juros de mora devidos, à taxa legal, que se contam desde a citação até integral pagamento”, foi além do pedido formulado, violando o disposto nos arts. 609.º, nº 1, e 615.º, nº 1, al. e) do CPC.
3. Assim, nesta parte, a douta sentença recorrida é nula, pelo que deverá ser dada sem qualquer efeito e revogada quando condena a apelante no pagamento juros de mora devidos, à taxa legal, que se contam desde a citação até integral pagamento da quantia arbitrada.
4. Além disso, os pontos 25), e 34) da matéria de facto não estão de acordo com a prova produzida, designadamente, com o exame pericial à pessoa do Autor, que adquire especial relevo e força probatória e não mereceu do Autor, no que respeita à ausência de cicatrizes na perna direita ou à ausência de impedimento de praticar exercício físico, qualquer oposição, reclamação ou pedido de esclarecimento.
5. Para dar a referida matéria como provada, o tribunal a quo alicerçou-se no depoimento das testemunhas S.., M.. e P.., respectivamente, pai, mãe e irmã do Autor, sem, contudo, indicar qualquer razão ou fundamento para discordar das conclusões apresentadas no relatório pericial.
6. Antes pelo contrário, o tribunal a quo considerou o relatório pericial “objectivo e fundamentado, tendo em conta os métodos e critérios utilizados para chegar às conclusões aí apresentadas”.
7. Não existe qualquer evidência ou conclusão do exame pericial que permita concluir ou dar como provado que o Autor deixou de praticar qualquer actividade física, ou que permita concluir ou dar como provado que a perna direita do Autor apresenta cicatrizes.
8. O normativo do art. 389.º do CC não se pode confundir com fixação arbitrária, conforme é jurisprudencialmente aceite, havendo que fundamentar as razões da discórdia com as respostas e conclusões constantes do relatório pericial - V. Ac. RP, de 29.04.1998: BMJ, 476-489.
9. Deste modo, deverá ser alterada a matéria de facto constante do ponto 25) da decisão de facto da douta sentença recorrida, dele passando a constar: 25. Por causa do acidente o autor deixou de praticar futebol de salão.
10. Deve ainda, considerando-se como não provado que o Autor ficou a padecer de cicatrizes na perna direita, ser eliminado o ponto 34 da matéria de facto.
11. Tendo em conta a matéria de facto provada, é manifesto que o montante atribuído ao Autor, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos decorrentes do evento descrito nos autos, é exagerado.
12. Entende a apelante que, sem colocar em causa a gravidade que sempre revestem as lesões e sequelas de que o Autor ficou a padecer, a quantia de atribuída a título de indemnização ao Autor pelos danos morais sofridos é excessiva, tendo em conta a matéria de facto provada e a jurisprudência habitual dos nossos tribunais para casos semelhantes.
13. Em nenhum momento foi demonstrado que a vida do Autor, em resultado do sinistro descrito nos autos, tivesse estado em risco, ou sequer ficou provado que aquele entrou em estado de coma ou em estado de inconsciência, estando perfeitamente apto para os actos básicos e normais da sua vida diária e do quotidiano.
14. O Autor ficou a padecer de um DFP de 6 pontos e com uma IPP de 2%, sem qualquer relevo ou consequência na vida profissional ou escolar, nada o impedindo de ter uma vida normal e socialmente inserida.
15. Se se tiver em atenção que a nossa jurisprudência vem fixando o dano morte ou o direito à vida no intervalo compreendido entre o montante de € 40.000,00 e € 60.000,00, é facilmente constatável que os valores arbitrados ao Autor a título de dano moral são manifestamente exagerados, tendo em conta o quadro descrito.
16. Analisadas decisões dos nossos tribunais superiores, vemos que foram arbitradas quantias inferiores, entre os € 25.000,00 e € 40.000,00, para casos em que os lesados tinham incapacidades ou défices entre 20 e 45 pontos, totalmente incapacitados para o trabalho, com graves sequelas psiquiátricas e limitativas dos actos mais básicos do dia-a-dia e com extensos períodos de convalescença e internamento.
17. Esta mesma Vara Mista de Braga, e a Mma. Juiz a quo, no processo nº 1084/08.9TBBRG-A, para um sinistrado de acidente de viação que ficou durante cerca de 1h30m encarcerado no interior da viatura e a padecer de um DFP de 25 pontos, com múltiplas fracturas no membro inferior esquerdo, que lhe originaram 4 cicatrizes distróficas, de 25, 13, 10 e 8,75 cm de extensão, com necessidade de sessões de fisioterapia durante dois anos, com sequelas do foro psiquiátrico e de personalidade, e com dores intensas e permanentes, e que também era saudável, alegre e feliz, fixou em € 40.000,00 os danos não patrimoniais sofridos e não condenou em juros desde a citação, apesar de terem sido pedidos e de o processo ter perdurado maia de 6 anos.
18. Assim, tendo em conta a matéria de facto provada, nomeadamente, as lesões sofridas pelo Autor, as sequelas daí decorrentes, os efeitos provocados na sua vida e no seu dia-a-dia, a indemnização fixada a título de danos morais nunca poderia ser superior ao montante de € 15.000,00.
19. E ainda que improceda o pedido de alteração da matéria facto, o que apenas se concebe por mera hipótese de raciocínio, sempre a indemnização fixada a título de danos morais nunca poderia ser superior ao montante de € 20.000,00
20. Ao decidir como decidiu, atribuindo ao Autor a compensação constante da douta sentença recorrida, esta não teve na devida conta a matéria de facto provada nem o direito aplicável, tendo violado, designadamente, o disposto nos arts. 334.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se acórdão nos termos atrás expostos, como é de JUSTIÇA.

O autor interpôs recurso subordinado, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1 – O Tribunal a quo e considerando a matéria de facto dada como provada atribuiu a quantia de € 45.000,00 ao autor a título de danos morais decorrentes do acidente de que foi vítima.
2 – Considera o recorrente que tal quantia é manifestamente insuficiente.
3 – Havendo sido considerados provados os factos acima elencados, os danos morais que os mesmos trouxeram ao autor nunca estes poderiam ser indemnizados em quantia inferior a € 60.000,00.
4 – Tendo em conta as perturbações emocionais e físicas que resultaram para o recorrente, um jovem de 19 anos de idade, do acidente que sofreu.
5 – Para além disso, o douto Tribunal a quo não considerou, como devia, o défice funcional permanente atribuído ao autor na perícia médico-legal.
6 – O recorrente entende, e mais uma vez com o devido respeito, que o Tribunal a quo haveria d éter elencado nos factos dados como provados aquele relatório médico legal que atribuiu ao recorrente um défice permanente de 6 pontos, constante dos autos e que não sofreu qualquer reclamação por parte da ré.
7 – E, considerando provados aqueles pontos, considerar também que tal défice deveria ser indemnizado, ainda que o mesmo não viesse a afetar fisicamente o exercício de qualquer profissão.
8 – O ora recorrente só pode discordar do entendimento do Tribunal a quo porquanto os 6 pontos de défice funcional permanente que lhe foram atribuídos, a serem considerados provados, como deveriam ter sido, deveriam justificar a condenação da ré numa quantia nunca inferior a € 60.000,00.
9 – É inúmera a jurisprudência que considera que não é o facto de o sinistrado, na altura da ocorrência do acidente, não exercer qualquer profissão, ou porque se encontrava desempregado, ou porque era estudante, que implica que a incapacidade funcional de que venha a padecer não seja indemnizável.
10 – No caso, o recorrente era estudante mas com um futuro pela frente que, inquestionavelmente, implicaria o exercício de uma profissão. E tal exercício será afetado, em maior ou menor gravidade pela incapacidade com que ficou a padecer.
11 – Assim, e no modesto entender do recorrente, deveria o Tribunal a quo ter fixado a quantia de € 105.000,00 que a ré deveria pagar ao autor a título de danos morais e perda de ganho futuro, tendo em conta a incapacidade que lhe foi atribuída.

Os recursos foram admitidos como de apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
As questões a resolver traduzem-se em saber:
- se há lugar à alteração da decisão de facto;
- se está corretamente fixada a indemnização devida ao autor;
- se são devidos juros de mora.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
1. No dia 12 de Abril de 2009, na Praça Conde Agrolongo, em S. João do Souto, na cidade de Braga, cerca das 23.09 horas, ocorreu o rebentamento de um engenho pirotécnico (balona), causando ferimentos em várias pessoas, pelo que foi chamada ao local a GNR e o INEM.
2. Entre 2005 e 2009 o autor esteve inscrito como atleta federado de futebol salão da Associação de Futebol de Braga, representando naquelas épocas o Sporting Clube de Braga (juniores).
3. O autor esteve inscrito no 1º ano do curso de Ciências da Computação na Universidade do Minho no ano lectivo de 2008/2009, não tendo obtido aproveitamento.
4. O autor nasceu a 13 de Outubro de 1990, em São Vicente, Braga. – teor da
certidão do assento de nascimento de fls. 58 a 60.
5. O referido em 1. foi consequência da actividade da “P.., Lda.” que responde civilmente pelos danos daí resultantes.
6. À data do acidente, a responsabilidade civil emergente da actividade daquela encontrava-se transferida para a ré através da apólice de Responsabilidade Civil nº .., a qual garantiu o pagamento das indemnizações emergentes de responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei, sejam exigíveis àquela sociedade por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros no exercício da sua actividade de comercialização, armazenagem, transporte e concepção de espectáculos de pirotecnia, nos termos e condições constantes da apólice referida. - teor da apólice e contrato de seguro de fls. 36 a 40.
7. À data da ocorrência referida em 1., o capital seguro do referido contrato era de € 500.000,00 (quinhentos mil euros). – idem.
8. O contrato de seguro prevê uma franquia de 10% sobre o valor dos prejuízos indemnizáveis, com um valor mínimo de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros). – idem. (alíneas A) a H) da matéria de facto assente)
9. Na noite do dia, hora e local referidos em 1., o autor assistia a um espectáculo de pirotecnia juntamente com centenas de pessoas que ali ocorreram para o mesmo efeito.
10. O espectáculo de pirotecnia havia sido encomendado pela Comissão de Festas da Rua da Boavista à “P.., Lda.”.
11. Às 23h09m, um dos engenhos explosivos, uma balona usada no espectáculo de pirotecnia, apesar de ter sido accionada normalmente e o respectivo tubo onde a mesma se encontrava ter alcançado altitude, rebentou junto ao solo, a escassos centímetros do autor.
12. O qual se encontrava a uma distância superior a 20 metros do local de accionamento do engenho, dentro da zona de segurança delimitada para a visualização do espectáculo.
13. Por força do rebentamento da “balona” sofreu o autor ferimentos.
14. Pelo que foi transportado ao Hospital Escala, em Braga, pela ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica.
15. Admitido no serviço de urgência daquele Hospital foi-lhe diagnosticada fractura exposta de grau III de Gustillo da tíbia esquerda, para além de múltiplas escoriações na perna direita e em diversas partes do corpo. (resposta aos quesitos 1.º a 7.º)
16. O autor permaneceu internado naquele estabelecimento hospitalar durante um mês. (resposta explicativa ao quesito 8.º)
17. E, no período de internamento, foi submetido uma intervenção de osteataxia com fixador externo na perna esquerda, sendo este fixador retirado a 8.7.2009 através de nova cirurgia, passando aí a aparelho gessado. (resposta explicativa ao quesito 9.º)
18.Após a alta do internamento, o autor foi acompanhado na Consulta Externa de Medicina Física e Reabilitação do mesmo hospital. (resposta ao quesito 10.º)
19. E foi sujeito a diversos tratamentos de fisioterapia desde a data de alta do internamento até 15 de Novembro de 2009. (resposta explicativa ao quesito 11.º)
20. Bem como compareceu em diversas consultas da especialidade de ortopedia e cirurgia plástica.
21. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas intensas, tanto no momento do acidente e nas horas após o mesmo, como no decurso do tratamento.
22. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar para o resto da vida.
23. E que se exacerbam com as mudanças de tempo. (resposta aos quesitos 12.º a 15.º)
24. Em consequência do acidente, ficou a padecer de cicatriz de nove por sete centímetros no terço inferior e anterior da perna esquerda, diversas cicatrizes de um centímetro ao longo da mesma perna compatíveis com o fixador externo, e deformidade do terço inferior da perna por cicatrização viciosa da tibia esquerda, causadora de amiotrofia de 1 cm, o que lhe determina um défice funcional permanente de seis pontos. (resposta explicativa ao quesito 16.º)
25. Por causa do acidente o autor deixou de praticar qualquer actividade física, nomeadamente futebol de salão. (resposta ao quesito 17.º)
26. Por causa do acidente o autor deixou de poder frequentar as aulas de 12.4.2009 ao final do ano lectivos de 2008/2009 e retomou as mesmas apenas no 2.º semestre do ano lectivo de 2009/2010. (resposta restritiva e explicativa ao quesito 18.º)
27. Em face do referido em 25. o autor ficou deprimido, raramente se ausentava de casa, apenas o fazendo quando se deslocava aos tratamentos de fisioterapia ou às consultas médicas programadas.
28. Sentia-se triste e desanimado.
29. Recusou as visitas dos colegas de futebol e da Universidade.
30. Em casa, tornou-se uma pessoa mais irritadiça e impaciente quer com os pais, quer com a irmã.
31. Ainda hoje o autor sofre por ter sido obrigado a abandonar a prática desportiva.
32. Antes do acidente o autor era bem constituído e uma pessoa saudável.
33. Era bem-disposto, feliz e socialmente bem integrado.
34. Em consequência do acidente, ficou ainda a padecer de pequenas cicatrizes na perna direita.
35. As cicatrizes referidas 24. não podem ser disfarçadas.
36. Cicatrizes que são visíveis exteriormente, principalmente no Verão quando o autor frequenta a praia ou a piscina.
37. Desde o acidente, o autor não usa calções de forma a esconder aquelas cicatrizes.
38. É no período do Verão que o autor se encontra mais deprimido e envergonhado perante a sua situação.
39. Adquiriu o autor fobia a festividades bem como a aglomerados populacionais, sobretudo aqueles que incluem fogo-de-artifício, face à lembrança do acidente. (resposta aos quesitos 19.º a 31.º sendo as dos quesitos 19.º, 26.º e 27.º
restritivas)
40. Como licenciado o autor poderá vir a auferir um vencimento de mil euros por mês. (resposta ao quesito 33.º)
41. Durante a anuidade em causa, a ré pagou outras indemnizações da responsabilidade da segurada, no âmbito do contrato de seguro referido em 6., pelo que o capital seguro está reduzido a € 485.575,00 (quatrocentos e oitenta e cinco mil quinhentos e setenta e cinco euros) (resposta ao quesito 34.º)
Factos não provados:
42. Por causa do acidente, o autor não obteve aproveitamento como referido em 3..
43. Se o autor vier a exercer uma profissão será afectado no seu exercício por
aquele défice funcional. (parte da resposta ao quesito 18.º e resposta ao quesito 32.º)

Comecemos por analisar a matéria de facto, uma vez que a mesma vem impugnada pela ré, relativamente aos pontos 25 e 34 dos factos dados como provados.
Entende a ré/recorrente que, não referindo o relatório pericial qualquer alteração no membro inferior direito, não poderia ter sido dado como provado que ficou a padecer de pequenas cicatrizes na perna direita.
Ora, salvo o devido respeito, o relatório pericial é apenas um dos vários elementos de prova constantes dos autos e que foram considerados como relevantes para dar como provado este facto. Designadamente, no despacho de fundamentação, a Sra. Juiz refere que teve em conta a reprodução do processo clínico do autor, remetido pelo Hospital de S. Marcos de Braga, de fls. 100 a 169 (veja-se fls. 120 onde se referem as múltiplas escoriações nos membros inferiores), o relatório pericial de avaliação do dano corporal em direito civil e o depoimento das testemunhas do autor, mormente familiares e amigos que referiram unanimemente que na perna direita o autor tem cicatrizes de estilhaços e de pequenas queimaduras.
Não pode, assim, considerar-se apenas um dos meios de prova elencados, para alterar a decisão de facto que teve em conta outros meios de prova, quando a apelante nada diz sobre estes. Apesar de a perícia ser um meio de prova significativo no que toca à avaliação dos danos corporais, não deve nem pode considerar-se único, em face da existência de outra prova documental (processo clínico) e testemunhal.
Mantém-se, portanto, o facto n.º 34 nos seus precisos termos.
Já quanto ao facto n.º 25, a própria fundamentação da Sra. Juiz aponta para que o autor apenas tenha deixado de praticar futebol de salão, pelo que terá incorrido em lapso ao consignar que deixou de praticar qualquer atividade física, passando do mesmo a constar apenas que “Por causa do acidente, o autor deixou de praticar futebol de salão”.
Ainda um último esclarecimento se impõe quanto à matéria de facto e relativamente aos factos não provados.
Considerou-se, sob o ponto n.º 43 não provado que” Se o autor vier a exercer uma profissão será afectado no seu exercício por aquele défice funcional”, em contradição com o que resulta da leitura da fundamentação de direito da sentença, relativamente ao chamado dano biológico.
Trata-se de matéria conclusiva que deve, e bem, ser apreciada na fundamentação de direito, com base nas premissas consideradas provadas, mas que não tem lugar em sede de matéria de facto.
Com efeito, devem estar excluídos da tarefa instrutória quaisquer “meros juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios e valorações de factos”, pois que todos eles importam uma atividade que é de todo “estranha e superior à simples atividade instrutória” – Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, vol. III, 3.ª edição, 1981, pág. 212.
Continua hoje a ser válido, pese embora o atual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artigo 646.º, n.º 4 do anterior CPC (a qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito e que se vinha considerando como aplicável às conclusivas) o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado e tendo ela por base e objeto a realidade concreta apurada – factos concretos – revelada nos autos por via da instrução.
Daí que não deva atender-se àquele ponto n.º 43 dos factos não provados.

Passemos, então à questão da fixação da indemnização devida ao autor.
O Tribunal fixou-a, no valor global de € 45.000,00.
A apelante seguradora entende que a indemnização deve ser reduzida para € 20.000,00, enquanto o apelante autor pretende vê-la aumentada para € 120.000,00 (60.000,00 + 60.000,00).
Pensamos que a questão foi bem equacionada em 1.ª instância, apesar de não ser completamente clara a fundamentação quanto a saber-se se o dano biológico deve ou não adicionar-se ao dano de natureza não patrimonial nos casos, como este, em que o lesado não desenvolve uma atividade remunerada à data do acidente.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e esta obrigação só existe, nos termos do artigo 563.º do mesmo Código, em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (artigo 566.º, n.º 1, também do CC).
Ficando provado – como é o caso - que o lesado ficou afetado com sequelas e com uma incapacidade permanente parcial, não há dúvida de que este dano biológico determina uma alteração na sua vida, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta alteração tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição de indemnização.
Se a incapacidade permanente parcial tiver reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respectiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o artigo 564.º, n.º 2 do Código Civil.
Contudo, pode a IPP não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua atividade profissional não é especificamente afetada pela incapacidade, quer porque embora afetado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua atividade com um esforço complementar, quer porque o lesado está desempregado ou já é reformado, quer porque o lesado é uma criança ou um jovem que ainda não entrou no mercado de trabalho.
Em todos estes casos, pode-se discutir se a IPP constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.
No caso dos autos, o autor era estudante, não desenvolvendo, ainda, uma atividade remunerada, tendo ficado com uma incapacidade permanente geral de 6 pontos.
Nestas situações, a uma perda de ganho efetiva equivale, de alguma forma, para efeitos de indemnização, o esforço suplementar que as vítimas de incapacidade terão que desenvolver para realizar o seu trabalho no futuro.
Na verdade, sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 20/11/2011 e de 20/01/2010 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 04/12/2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Assim, a incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efetiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.
“A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial” - Ac. do STJ, de 23.04.2009 (relator Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt..
De igual modo se defende no Ac. do STJ de 16.12.2010 (Lopes do Rego), disponível em www.dgsi.pt. que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. “É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
Os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se limitam “à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física. Por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” – cfr. Acórdãos do STJ de 28/10/1999, in www.dgsi.pt e de 25/06/2009, in CJ/STJ, II, pág. 128, sendo que, neste último expressamente se consagra a ideia de que, também deve considera-se, por isso mesmo, o período de esperança média de vida, de modo a contar com a vida ativa e com o período posterior à normal cessação da atividade laboral.
Daí que se venha considerando que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente da sua atividade laboral.
De qualquer modo, deverá apreciar-se em cada caso concreto se a incapacidade permanente terá como consequência danos patrimoniais futuros e qual a extensão dos mesmos, sendo que, pese embora venhamos defendendo a tese supra explanada quanto à natureza patrimonial do dano biológico, concedemos que, no caso particular do autor, o dano biológico sofrido apresenta uma vertente predominantemente não patrimonial em detrimento da vertente patrimonial, consubstanciando-se mais numa acentuada aceleração da perda de qualidade de vida, do que numa perda de ganho futuro.
Assim, não nos repugna considerar, como na 1.ª instância, que tal dano deve ser considerado como um dano não patrimonial e incluído nos cálculos do mesmo.

E é tendo em conta o que acaba de se dizer que se dá resposta ao recurso interposto pela ré, que considerou excessivo o montante fixado a título de danos não patrimoniais.
É que o valor fixado tem em conta, não só os traumatismos/fraturas e tratamentos, hospitalares e de fisioterapia, a que o autor foi sujeito, o susto, as dores, o desgosto, o anseio pelo futuro, como as sequelas de que ficou a padecer e o seu efeito, enquanto dano biológico, na vertente de dano não patrimonial, como acima referimos.
Relembremos os factos:
13. Por força do rebentamento da “balona” sofreu o autor ferimentos.
14. Pelo que foi transportado ao Hospital Escala, em Braga, pela ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica.
15. Admitido no serviço de urgência daquele Hospital foi-lhe diagnosticada fractura exposta de grau III de Gustillo da tíbia esquerda, para além de múltiplas escoriações na perna direita e em diversas partes do corpo.
16. O autor permaneceu internado naquele estabelecimento hospitalar durante um mês.
17. E, no período de internamento, foi submetido uma intervenção de osteataxia com fixador externo na perna esquerda, sendo este fixador retirado a 8.7.2009 através de nova cirurgia, passando aí a aparelho gessado.
18.Após a alta do internamento, o autor foi acompanhado na Consulta Externa de Medicina Física e Reabilitação do mesmo hospital.
19. E foi sujeito a diversos tratamentos de fisioterapia desde a data de alta do internamento até 15 de Novembro de 2009.
20. Bem como compareceu em diversas consultas da especialidade de ortopedia e cirurgia plástica.
21. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas intensas, tanto no momento do acidente e nas horas após o mesmo, como no decurso do tratamento.
22. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar para o resto da vida.
23. E que se exacerbam com as mudanças de tempo.
24. Em consequência do acidente, ficou a padecer de cicatriz de nove por sete centímetros no terço inferior e anterior da perna esquerda, diversas cicatrizes de um centímetro ao longo da mesma perna compatíveis com o fixador externo, e deformidade do terço inferior da perna por cicatrização viciosa da tibia esquerda, causadora de amiotrofia de 1 cm, o que lhe determina um défice funcional permanente de seis pontos.
25. Por causa do acidente o autor deixou de praticar futebol de salão.
26. Por causa do acidente o autor deixou de poder frequentar as aulas de 12.4.2009 ao final do ano lectivos de 2008/2009 e retomou as mesmas apenas no 2.º semestre do ano lectivo de 2009/2010.
27. Em face do referido em 25. o autor ficou deprimido, raramente se ausentava de casa, apenas o fazendo quando se deslocava aos tratamentos de fisioterapia ou às consultas médicas programadas.
28. Sentia-se triste e desanimado.
29. Recusou as visitas dos colegas de futebol e da Universidade.
30. Em casa, tornou-se uma pessoa mais irritadiça e impaciente quer com os pais, quer com a irmã.
31. Ainda hoje o autor sofre por ter sido obrigado a abandonar a prática desportiva.
32. Antes do acidente o autor era bem constituído e uma pessoa saudável.
33. Era bem-disposto, feliz e socialmente bem integrado.
34. Em consequência do acidente, ficou ainda a padecer de pequenas cicatrizes na perna direita.
35. As cicatrizes referidas 24. não podem ser disfarçadas.
36. Cicatrizes que são visíveis exteriormente, principalmente no Verão quando o autor frequenta a praia ou a piscina.
37. Desde o acidente, o autor não usa calções de forma a esconder aquelas cicatrizes.
38. É no período do Verão que o autor se encontra mais deprimido e envergonhado perante a sua situação.
39. Adquiriu o autor fobia a festividades bem como a aglomerados populacionais, sobretudo aqueles que incluem fogo-de-artifício, face à lembrança do acidente.
40. Como licenciado o autor poderá vir a auferir um vencimento de mil euros por mês.

E, considerando todas essas vertentes, não pode entender-se excessivo o valor arbitrado de € 45.000,00.
No caso dos danos não patrimoniais, não há a intenção de pagar ou indemnizar o dano, mas apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspeto, da utilização que dela se faça - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, páginas 563 e 564.
Como também se tem dito, trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização tem aqui um papel mais compensatório, mais do que reconstitutivo.
Como ensina Antunes Varela in ob. cit., pág. 568, “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
O dano deve ser de tal modo grave que justifique a tutela do Direito, pela concessão da satisfação de ordem pecuniária – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil.
O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal (nº 3 do referido art.º 496º), através de adequado e equilibrado critério de justiça material e concreta. Devem ser ponderadas as circunstâncias concretas de cada caso. Tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores, de há anos a esta parte, que, para responder de modo atualizado ao comando do art.º 496º, a indemnização por danos não patrimoniais tem que constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem que ser significativa - Cf., entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 11.10.94, BMJ 440/449, de 17.1.2008, proc. 07B4538 e de 29.1.2008, proc. 07A4492, in www.dgsi.pt; mas também tem que ser justificada e equilibrada, não podendo constituir um enriquecimento abusivo e imoral.
Assim, a apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana, e a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adotados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências da igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso – neste sentido, Acórdão da Relação de Guimarães de 05/02/2013, in www.dgsi.pt.

Não pode é comparar-se o que não é comparável, uma vez que nos acórdãos referidos nas alegações de recurso da apelante, a incapacidade permanente foi considerada como dano patrimonial e, nessa medida, indemnizado como tal, a que acresceram os danos de natureza não patrimonial. Assim, aos valores que a apelante refere como tendo vindo a ser fixados pelos tribunais superiores a título de danos não patrimoniais, haverá que acrescentar o valor fixado a título de dano patrimonial, que, num caso como o dos autos – défice funcional permanente de 6 pontos, com a idade do lesado e suas habilitações académicas – nunca seria fixado em menos de € 20.000,00 a € 25.000,00, o que, considerando o dano biológico supra referido na vertente de dano não patrimonial, sempre alcançaria a verba fixada em 1.ª instância.

Deve, aliás, dizer-se que “o juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” – cfr. Acórdão do STJ de 27/05/2010, in www.dgsi.pt – o que suporta o nosso entendimento no sentido da confirmação do montante fixado na 1.ª instância a título de danos não patrimoniais, aqui se englobando o dano biológico.
Do que fica dito, resulta a improcedência do recurso da apelante, nesta matéria.

E da conclusão quanto ao bem fundado do valor fixado na 1.ª instância, resulta, também, a improcedência da apelação do autor, destinada, unicamente, a ver aumentado aquele valor.

Finalmente haverá que dizer que a apelante seguradora tem razão quanto à indevida fixação de juros de mora a partir da citação, não só porque não foram pedidos, como, também, porque o valor encontrado a título de indemnização pelos danos sofridos pelo autor, é um valor atualizado à data em que a sentença está a ser proferida, motivo pelo qual os juros de mora apenas são devidos a partir desta data.
No sentido de que os juros apenas são devidos desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão do S.T.J., de 18 de Dezembro de 2007, e mais recentemente o acórdão deste Tribunal de 12.02.2009, in www.dgsi.pt. Neste aresto, citando-se o acórdão do mesmo S.T.J., de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt), afirma-se “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido – tal como agora o é aqui – concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado”. Do mesmo modo, no acórdão desse STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…), refere-se “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado.”
Do que fica dito resulta, assim, a total improcedência da apelação do autor e a parcial procedência da apelação da ré (no que aos juros diz respeito).

Sumário:
1 - A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua atividade laboral.
2 - A incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efetiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.
3 – No caso dos autos, o dano biológico sofrido apresenta uma vertente predominantemente não patrimonial em detrimento da vertente patrimonial, tendo em conta a dificuldade em apurar a perda de ganho futuro, considerando que o lesado era estudante à data do evento lesivo.

III. DECISÃO
Em face do exposto decide-se:
- julgar improcedente a apelação do autor;
- julgar parcialmente procedente a apelação da ré, revogando-se a sentença recorrida no que aos juros de mora diz respeito, devendo estes contar-se apenas a partir da data da prolação da sentença;
- confirmar a sentença, quanto ao mais aí decidido;
- custas por autor e ré, respetivamente, quanto a cada uma das apelações, não se fixando decaimento quanto à apelação da ré, uma vez que o autor não formulou qualquer pedido de juros.
Guimarães, 22 de janeiro de 2015
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas
Purificação Carvalho