Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1525/20.7T8VCT.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: REGULAMENTO Nº 655/2014 DE 15 DE MAIO DE 2014
ARRESTO DE CONTAS BANCÁRIA
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I São pressupostos cumulativos de aplicação do Regulamento nº. 655/2014 de 15 de maio de 2014 uma conexão transfronteiriça e a existência de um crédito de natureza pecuniária em matéria civil ou comercial.
II Relativamente à conexão transfronteiriça o requerente tem de alegar que a conta bancária a arrestar situa-se num Estado-Membro diferente daquele em que o procedimento é instaurado, ou que o credor tem um domicílio num Estado-Membro diferente, quer do Estado do Tribunal competente, quer da situação da conta bancária.
III Sendo alegada a residência do requerido num Estado-Membro diferente daquele onde o procedimento é instaurado, bem como a existência aí de contas bancárias deste, tratando-se de um requisito prévio do próprio procedimento, não tem de ser provado nesta fase para que o mesmo possa ser procedente por não se tratar de um pressuposto do decretamento da providência.
IV O decretamento do arresto previsto no citado regulamento exige a prova indiciária dos pressupostos das medidas cautelares: urgência, “fumus boni iuris” e “periculum in mora”.
V A mera impossibilidade de cobrança, nomeadamente em ação executiva instaurada para o efeito, do crédito em questão, sem que esteja associado a qualquer outro índice, não chega para demonstrar o “periculum in mora”, não sendo esta exigência violadora de qualquer princípio europeu ou norma constitucional.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

M. M. intentou o presente procedimento de decisão europeia de arresto de contas, ao abrigo do Regulamento UE nº. 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014, contra P. S., alegando em requerimento apresentado juntamente com o formulário próprio e em síntese que emprestou ao Requerido a quantia de € 15.000,00, em 11.11.2008; para ressarcir de tal empréstimo o Requerido entregou ao Requerente um cheque no montante de € 15.800,00, sendo os € 800,00 relativos ao valor que o requerente deixou de receber fruto de aplicação financeira que teve de retirar para facultar o empréstimo, cheque esse que, apresentado a pagamento em dezembro de 2016, foi devolvido na compensação; apesar das interpelações e esforços do Requerente, o Requerido nunca procedeu ao pagamento de qualquer quantia ao Requerente; o Requerente propôs contra o requerido uma ação executiva para pagamento de quantia certa que corre termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 2, sob o n.º 273/17.0T8VCT, contudo não foi apurado qualquer património pertença do requerido passível de penhora; o Requerido encontra-se a residir na Avenida ..., n.º …, Espanha, para onde se mudou, desconhecendo o requerente se no estrangeiros possui bens ou rendimentos suscetíveis de penhora.
Pede que se decrete o presente procedimento cautelar, sendo ordenado o arresto dos saldos à ordem e aplicações financeiras detidos pelo requerido junto de bancos que operem em Espanha. Mais pede a dispensa de constituição de garantia pelo credor, mediante obtenção de prévias informações para o efeito quanto a banco(s) e conta(s).

No formulário relativo ao anexo I refere o requerente no ponto 10.2 (motivo do pedido) que o requerido emigrou para Espanha para se eximir ao cumprimento, e nunca quis resolver a situação que perdura há 12 anos.
*
Em audiência foi produzida prova: o Requerente prestou declarações de parte e foi inquirida uma testemunha.
Findo a realização das diligências, o Tribunal proferiu decisão julgando totalmente improcedente o presente procedimento de decisão europeia de arresto de contas.
Mais condenou o Requerente nas custas.
*
Inconformado, o requerente apresentou recurso, terminando com as seguintes
-CONCLUSÕES-

i. O presente Recurso destina-se a impugnar a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que judiciou pela total improcedência do procedimento de decisão europeia de arresto de contas.
ii. Não se conformando, o aqui Apelante, com a decisão proferida, quanto à sua fundamentação, o presente recurso tem por objeto a decisão na sua integralidade.
iii. Salvo devido respeito pelo douto entendimento, mal andou a Meritíssima Juiz a quo na Sentença proferida, mormente, no julgamento da matéria de facto dada como provada e não provada e, bem assim, na subsequente fundamentação.

Questão prévia

iv. O Apelante intentou, no pretérito dia 27 de maio de 2020, um procedimento de decisão europeia de arresto de contas, nos termos previstos no Regulamento (UE) n.º 655/2014, com vista ao arresto de saldos à ordem e aplicações financeiras detidos pelo Apelado junto de banco(s) que operem em Espanha.
v. Para tal, procedeu ao preenchimento e envio do formulário que o mencionado Regulamento fixa, completando aí todos os campos referentes ao crédito que detinha sobre o Requerido, ora Apelado, bem como alegando os factos onde se sustenta o fundado receio de perder a sua garantia patrimonial.
vi. Porém, uma vez que o referido formulário apresenta um espaço demasiado curto para a exposição dos factos, o Apelante juntou ao mesmo uma Petição Inicial, ainda que tal não lhe seja exigido legalmente, onde alegou pormenorizadamente e de forma clara todos os factos que davam origem àquele procedimento de arresto, incluindo os factos em que se fundava o seu justo receio da perda de garantia patrimonial.
vii. Acontece que, a Meritíssima Juiz a quo proferiu, no dia 12 de junho de 2020, sentença que judiciou pela não procedência do procedimento de decisão europeia de arresto de contas.
viii. Ora, não podemos deixar de discordar com a decisão proferida, porquanto se afigura desprovida de total fundamento fático e jurídico.

Vejamos,

Da valoração das declarações de parte do Apelante

ix. Consta da sentença proferida pelo Tribunal a quo que as declarações do Requerente, ora Apelante, não podem ser valoradas pelo tribunal, uma vez que estão desprovidas de qualquer outra prova que corrobore tal versão.
x. Em consequência, foram dados como indiciariamente não provados os seguintes factos:
“a) No âmbito de uma relação de amizade o Requerido solicitou ao Requerente que lhe emprestasse uma quantia pecuniária, ao que o Requerente acedeu.
b) Em 11/11/2008, o Requerente emprestou ao Requerido a quantia de 15 000,00€ (quinze mil euros), tendo-lhe para o efeito entregado o cheque n.º ......... sacado sobre a conta ......... do banco ....
c) Para ressarcir tal empréstimo o Requerido entregou ao Requerente na mesma data do empréstimo o cheque n.º ........., no montante de 15 800,00 € (quinze mil e oitocentos euros) sacado sobre a conta n.º ........., domiciliada no Banco ....
d) Esta diferença de valores explica-se pelo facto de como o Requerente necessitou de retirar o dinheiro que emprestou de uma aplicação financeira em ordem a entregá-lo ao Requerido, deixou de receber o exacto montante da diferença – isto é, precisamente a quantia de 800,00 € (oitocentos euros);
e) Ficou convencionado entre ambos que o Requerido iria ressarcir o Requerente dessa diferença. (…)”
xi. Ora, na nossa modesta opinião, e salvo melhor entendimento do douto Tribunal, não poderia o Tribunal a quo ter concluído no sentido de dar como não provado o empréstimo que o Apelante fez ao Apelando.
xii. O Requerente, ora Apelante, prestou, em sede de audiência de inquirição de testemunhas, declarações de parte em que esclareceu os contornos que levaram à realização do empréstimo ao Apelado, e à emissão do título executivo que serve de base à execução mencionada nos autos.
xiii. Contudo, antes mesmo de ter prestado declarações de parte, o ora Apelante já havia procedido à junção aos autos, em anexo à Petição Inicial, dos dois cheques em questão, de modo a comprovar a factualidade descrita.
xiv. Assim, é possível comprovar que existem outros meios de prova, nomeadamente, prova documental, que corroboram a versão do Apelante, ainda que de forma indireta.
xv. Desta forma, as declarações do ora Apelante podem, e devem, assim ser valoradas, atenta a sinceridade e coerência com que foram prestadas, como não o foram pelo Tribunal a quo.
xvi. Nesse sentido, ainda que as declarações de parte do ora Apelante estejam sujeitas à livre apreciação do Tribunal, conforme resulta do n.º 3 do artigo 466.º do CPC, estas não devem deixar de ser valoradas, tendo em conta que são corroboradas pela prova documental apresentada.
xvii. Tais elementos probatórios impunham decisão diversa da judiciada pelo Tribunal a quo, considerando como provada e, consequentemente, passando a fazer parte dos factos dados como provados, a seguinte factualidade:
“a) No âmbito de uma relação de amizade o Requerido solicitou ao Requerente que lhe emprestasse uma quantia pecuniária, ao que o Requerente acedeu.
b) Em 11/11/2008, o Requerente emprestou ao Requerido a quantia de 15 000,00€ (quinze mil euros), tendo-lhe para o efeito entregado o cheque n.º ......... sacado sobre a conta ......... do banco ....
c) Para ressarcir tal empréstimo o Requerido entregou ao Requerente na mesma data do empréstimo o cheque n.º ........., no montante de 15 800,00 € (quinze mil e oitocentos euros) sacado sobre a conta n.º ........., domiciliada no Banco ....
d) Esta diferença de valores explica-se pelo facto de como o Requerente necessitou de retirar o dinheiro que emprestou de uma aplicação financeira em ordem a entregá-lo ao Requerido, deixou de receber o exacto montante da diferença – isto é, precisamente a quantia de 800,00 € (oitocentos euros);
e) Ficou convencionado entre ambos que o Requerido iria ressarcir o Requerente dessa diferença. (…)”
xviii. Assim, verifica-se que o referido Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou o n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento n.º 655/2014.

Continuando,

Da alegada utilização indevida do procedimento de decisão europeia de arresto de contas

xix. Estabelece a sentença do Tribunal a quo que se coloca a questão da utilização indevida do presente procedimento, visto que o conhecimento do domicilio do Requerido não passa de uma mera suposição, uma vez que “não existe qualquer documento que tenha sido junto aos autos ou qualquer outra prova, que comprove que o Requerido se encontra a residir em Espanha”.
xx. Ora, tal como foi alegado pelo ora Apelante, no âmbito de uma diligência de penhora realizada no âmbito do processo executivo n.º 273/17.0T8VCT, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Cível de Viana do Castelo - Juiz 2, apurou-se que o Requerido, ora Apelado, se havia mudado para Espanha, segundo informações prestadas pela mãe do mesmo.
xxi. Relativamente à sua morada em concreto, o Apelado encontra-se casado, desde 2011, com M. S., conforme assento de nascimento que o Apelante juntou aos autos.
xxii. A morada que a Esposa do Apelado indica, no âmbito de um processo judicial de que o Apelante tomou conhecimento, é Avenida ..., n.º … Espanha, conforme documentos também juntos aos autos.
xxiii. Na douta sentença, da qual se recorre, o Tribunal a quo, ao dar como não provada a residência atual do Apelado, considerando o depoimento da Exma. Sra. Agente de Execução e a prova documental apresentada, realizou um incorrecto julgamento da matéria de facto.
xxiv. Tais elementos probatórios impunham decisão diversa da judiciada pelo Tribunal a quo, considerando como provada e, consequentemente, passando a fazer parte dos factos dados como provados, a seguinte factualidade:
“g) O Requerido encontra-se no presente a residir na Avenida ..., n.º … Espanha.”
xxv. Desta forma, verifica-se que o referido Tribunal violou, uma vez mais, o n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento n.º 655/2014.
xxvi. Portanto, quanto ao primeiro pressuposto, verificamos que, conforme o previsto no Regulamento, este se encontra cumprido, uma vez que o domicílio do devedor, ora Apelado, e as contas bancárias que pretende arrestar se encontram num Estado-Membro diferente daquele em que se encontra o tribunal que aprecia o pedido de decisão de arresto e daquele em que se encontra domiciliado o credor, ora Apelante.
xxvii. Encontra-se preenchido também o segundo pressuposto de aplicação do Regulamento, uma vez que estamos perante um crédito de natureza pecuniária civil, que se encontra vencido.
xxviii. Desta forma, verifica-se que estão preenchidos todos os pressupostos de aplicação do Regulamento n.º 655/2014, e que o procedimento de decisão europeia de arresto de contas é o que se afigura adequado para fazer valer a pretensão do Apelante.

Ademais,

Do alegado não preenchimento dos pressupostos exigidos para o decretamento da providência em causa

xxix. No entendimento do Tribunal a quo, de toda a matéria de facto dada como provada, não resultaram quaisquer dos pressupostos exigidos para o decretamento da presente providência.
xxx. Entendemos que, da factualidade já descrita, resulta que o requisito do fumus boni iuris se encontra preenchido, atendendo ao conteúdo explanado no ponto ii) relativamente ao empréstimo ocorrido, e uma vez que o Apelante tem na sua posse o cheque com o n.º ........., sacado sobre a conta n.º ........., domiciliada no Banco ..., no montante de 15.800,00 €, assinado validamente pelo Apelado e emitido à ordem do Apelante.
xxxi. Quanto ao requisito do periculum in mora, conforme alegado na Petição Inicial, há doze anos que o Apelante tem envidado esforços para compelir o Apelado à resolução da situação, tendo, inclusive, interposto uma ação executiva contra o Apelado.
xxxii. O Apelante considera que, atentas as regras da experiência comuns ao homem médio, esta factualidade é suficiente para demonstrar o seu fundado receio.
xxxiii. Em relação ao que mudou quanto à situação financeira ou profissional do Requerido, tal como se refere na sentença do Tribunal a quo, o Apelante desconhece, nem tem forma de conhecer, os bens e/ou rendimentos auferidos pelo Apelado no estrangeiro.
xxxiv. Apenas lhe é possível conhecer, tal como alegou, e, inclusive, foi corroborado pelo depoimento da Exma. Sra. Agente de Execução, que não é conhecido qualquer património suscetível de penhora ou rendimentos em Portugal.
xxxv. A sentença do Tribunal a quo, ao exigir ao Apelante a prova da situação patrimonial e profissional no estrangeiro mostra-se desprovida de sentido, dado que tal exigência se consubstancia numa prova excessivamente difícil, ou diabólica, que inviabiliza a aplicabilidade do procedimento de arresto europeu.
xxxvi. Ademais, tal imposição consiste numa conduta processual nitidamente violadora do princípio da efetividade, previsto no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais, uma vez que o exercício do direito de arresto fica extremamente difícil para o credor, ora Apelante.
xxxvii. Nesse sentido pronuncia-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de novembro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 22649/17.2T8LSB.L1—7, quando refere que “Com efeito, a solvabilidade do requerido é – segundo o alegado – nula, o seu património é escasso, e o requerido evidencia um propósito reiterado de não cumprir que será facilitado pela sua ausência no estrangeiro, sendo que esta dificulta a recuperação do crédito. Este quadro fáctico é suficiente para demonstrar o periculum in mora.
Perante este quadro fáctico, é desnecessária a alegação/demonstração de atos especificados de dissipação do património do requerido porquanto, nos termos alegados, tal património é escasso. Também não é necessária a alegação/demonstração da existência de outros credores, tanto mais que – sendo o crédito de montante não elevado (inferior) a € 8.000 –o seu reiterado não pagamento evidencia, de forma clara e mais sintomática, a insolvabilidade e/ou o propósito de não cumprir.
Também não faz qualquer sentido que se exija ao requerente deste tipo de procedimento a alegação e prova de que o requerido não tem rendimentos ou bens no estrangeiro, no caso, em França. Tal exigência consubstanciaria uma prova diabólica que, à partida, inviabilizaria este novo arresto no espaço da União Europeia.”
xxxviii. Assim, na douta sentença, da qual se recorre, o Tribunal a quo, ao entender que não estão preenchidos os pressupostos exigidos para o decretamento da presente providência, considerando as declarações de parte do Requerente, ora Apelado, o depoimento da Exma. Sra. Agente de Execução e a prova documental apresentada, realizou um incorreto julgamento da matéria de facto.
xxxix. Tais elementos probatórios impunham decisão diversa da judiciada pelo Tribunal a quo, que deveria ter considerado como provada a existência do direito, a urgência e o justo receio do Apelante.
xl. Portanto, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, mais uma vez, o do n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento n.º 655/2014, assim como as disposições constantes do n.º 1 do artigo 7.º, e do n.º 1 do artigo 17.º do mencionado regulamento.
xli. Ademais, violou ainda o princípio da efetividade, estatuído no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
xlii. Assim, face a tudo o que se expôs supra, deverão V.as Ex.as revogar a Sentença a quo, substituindo-a por uma que determine a concessão da decisão de arresto, uma vez que se encontram reunidas as condições para o decretamento da referida providência cautelar de arresto, de acordo com o artigo 7.º do Regulamento (EU) nº 655/2014, de 15 de Maio de 2014.
Pede que a presente apelação seja julgada totalmente procedente, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, substituindo-se a mesma por decisão onde se judicie pela concessão da decisão europeia de arresto de contas.
*
Foi proferida decisão singular ao abrigo do artº. 656º do C.P.C., mantendo a decisão da 1ª instância e julgando improcedente o recurso.
O requerente reclamou para a conferência ao abrigo do artº. 652º, nº. 3, C.P.C., requerendo que sobre a matéria do despacho/decisão singular recaia um Acórdão, considerando que a decisão singular proferida, padece de ilegalidade e é prejudicial ao Apelante.

Apresentou motivação, com as seguintes
-CONCLUSÕES-

I. Vem o aqui Apelante deduzir Reclamação para a Conferência, requerendo que sobre a matéria da douta decisão singular recaia um Acórdão, porquanto considera ser prejudicial e ilegal a decisão proferida.

Vejamos,
II. O Tribunal de Primeira Instância considerou totalmente improcedente o procedimento cautelar de arresto de contas bancárias internacionais interposto, considerando, na sentença da qual o Apelante recorreu, que “No caso sub judice, coloca-se logo a questão da utilização indevida do presente procedimento, visto que, o conhecimento do domicilio do Requerido não passa de uma mera suposição, não existe qualquer documento que tenha sido junto aos autos ou qualquer outra prova, que comprove que o Requerido se encontra a residir em Espanha (…) Para além do mais, de toda a matéria de facto dada como provada, não resultaram quaisquer dos pressupostos exigidos para o decretamento da presente providência, o que se apurou é que a situação atual, em nada difere da situação que existia aquando da instauração da ação executiva (….) logo jamais se poderá concluir pela verificação da necessidade urgente de uma medida cautelar sob a forma de uma decisão de arresto, quando o desconhecimento de todos estes elementos é total.”.
III. Inconformando-se com a decisão proferida, o Apelante apresentou as suas alegações e conclusões de recurso, requerendo a reapreciação da matéria de facto e pugnando pela verificação dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar de arresto de contas bancárias internacionais em apreço, tendo a Mma. Juiza Desembargadora Relatora proferido decisão singular sobre a matéria controvertida, a qual o Apelante não considera ser justa nem consentânea com as normas gerais de Direito, afigurando-se prejudicial ao aqui Apelante.

Perscrutemos,

i. Do não preenchimento dos pressupostos do artigo 656.º do CPC:
IV. Dispõe o artigo 656.º do CPC que “Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia.”.
V. Ora, salvo devido respeito por superior entendimento, o thema decidendum nos presentes autos não se reveste de manifesta simplicidade, porquanto não foi jurisdicionalmente apreciado de forma uniforme e reiterada em anteriores decisões o que, aliás, não foi sequer alegado pela Mma. Juiz Relatora na douta decisão, nem foi junta qualquer cópia de precedentes decisões.
VI. Estamos perante um procedimento de decisão europeia de arresto de contas bancárias internacionais, expediente processual que, salvo respeito por superior entendimento, não é frequentemente apreciado na jurisprudência e cujas normas jurídicas não se afiguram de tal simplicidade que uma mera decisão sumária se baste.
VII. Além disso, conforme se afere da decisão em apreço, não se afigura manifestamente infundado o recurso interposto, pelo que não se encontra preenchido nenhum dos pressupostos para a prolação de decisão singular.
VIII. Pelo que, salvo respeito por superior entendimento, parece-nos que não deveria ter sido proferida decisão singular, e sim submetidas as questões alegadas na instância recursiva, ao escrutínio da conferência para elaboração de Acordão, o que desde já se requer.

ii. Da Omissão de Pronúncia e subsequente nulidade:

IX. Nas conclusões da alegação do Recurso de Apelação interposto, o Apelante fixou o objeto do seu recurso de acordo com o artigo 635.º n.ºs 3 e 4 do CPC, tendo impugnado a matéria de facto indiciariamente não provada, elencando os factos que, no seu entender, face aos elementos probatórios constantes dos autos deveriam ter sido dados como provados, designadamente os factos descritos nas alíneas a) a e) e g) da sentença recorrida, tendo cumprido o disposto no artigo 640.º do CPC.
X. Sobre tal pretensão, pronunciou-se a Mma. Juiz Relatora alegando que “(…) Ora, com todo o respeito e como iremos ver, é irrelevante para a procedência da pretensão do recorrente em sede de recurso que tal matéria passe a constar dos factos provados, pois que, não tendo sido apenas a falta de prova dessa factualidade a determinar a improcedência do arresto, ainda que a mesma conste impõe-se a manutenção do decidido por não se verificarem todos os pressupostos da providência requerida. (…) Isto posto, ficam prejudicadas ou improcedem todas as demais considerações apresentadas no recurso(bem como a reanalise das provas e nesse contexto a relevância ou consideração das declarações de parte), pois a exigência da verificação dos pressupostos legais para o decretamento da providência nada tem que ver e não colide com o princípio da efetividade.”.
XI. Ora, tal consideração entra em colisão com a sentença proferida, que considerou precisamente que, desde logo se colocava a questão da utilização indevida do procedimento em apreço, uma vez que alegadamente não teria resultado provado o domicílio do Requerido, falhando os demais pressupostos para o decretamento.
XII. Com a prolação de tais considerações, absteve-se a Mma. Juiz Relatora de conhecer da matéria de facto impugnada, não decidindo sobre a prova da factualidade em apreço, antes considerando irrelevante o seu conhecimento e a decisão sobre tal factualidade.
XIII. Salvo respeito por superior entendimento, padece a decisão singular de nulidade ao não se pronunciar nem apreciar a impugnação da matéria de facto suscitada pela Apelante, de acordo com o disposto no artigo 615.º n.º 1 d) do CPC.
XIV. É, bem assim, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 08-01-2009: CJ/ STJ, 2009, 1.º-28, segundo o qual “Sendo impugnada a decisão sobre a matéria de facto e dela não conhecendo a decisão sumária do relator verifica-se nulidade da decisão por omissão de pronúncia.”
XV. Ora, é patente que a Mma. Juiz Desembargadora Relatora não conheceu, na decisão sumária proferida, da matéria de facto impugnada, ou dos elementos probatórios e fundamentos indicados em sede recursiva pelo Apelante, pronunciando-se unicamente, não para apreciar tal questão, mas para a votar à irrelevância, não sendo sequer digna de apreciação.
XVI. A douta Decisão Sumária de que se reclama, omite a apreciação de relevantes questões jurídicas suscitadas pela Apelante nas alegações e conclusões de recurso, que se revestem de particular importância para a apreciação da causa, designadamente no que concerne aos pressupostos para o decretamento da decisão europeia de arresto, pelo que, enferma de grave vício a decisão em apreço.
XVII. Pelo que, enfermando a decisão singular de omissão de pronúncia, encontra-se ferida de nulidade, a qual deverá ser declarada, devendo ser substituída por Acórdão que aprecie tal impugnação e tais questões jurídicas suscitadas pelo Apelante.

iii. Da ambiguidade da decisão:

XVIII. Afigura-se-nos verificar-se, na decisão singular proferida, uma patente contradição, suscetível de gerar ambiguidade e ininteligibilidade da mesma: se por um lado, na motivação aduzida, a Mma. Juiz Desembargadora Relatora considera, ao contrário do sobejado pelo Tribunal de Primeira Instância na decisão recorrida, que, in casu, não se trata da verificação ou não de outros requisitos, mas apenas e tão só do periculum in mora, por outro, decide, alfim, confirmar a decisão recorrida, não se lhe apontando, na motivação aduzida, qualquer censura ao considerado pelo Tribunal de Primeira Instância.
XIX. Ora, salvo devido respeito, afigura-se ambígua tal decisão singular, porquanto assenta em pressupostos distintos e contrários aos considerados pelo Tribunal de Primeira Instância, não lhe atribuindo, no entanto, qualquer censura nem lhe apontando qualquer enfermidade, mantendo-a na íntegra.
XX. Pelo que, não se depreendendo o verdadeiro sentido e alcance da decisão proferida, estamos ante uma nulidade da decisão proferida, ao abrigo do artigo 615.º n.º 1 c) do CPC, a qual deverá ser declarada.

iv. Da ilegalidade da decisão proferida (violação de normas jurídicas aplicáveis e errada interpretação e aplicação):

XXI. Prevê o artigo 7.º do Regulamento n.º 655/2014 de 15/5 que “1. O tribunal profere a decisão de arresto quando o credor tiver apresentado elementos de prova suficientes para o convencer de que há necessidade urgente de uma medida cautelar sob a forma de uma decisão de arresto, porque existe um risco real de que, sem tal medida, a execução subsequente do crédito do credor contra o devedor seja frustrada ou consideravelmente dificultada.”
XXII. De acordo com o preconizado pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 28-11-2017, pelo relator Luís Filipe Pires de Sousa, “I.– O Regulamento (UE) nº 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial, tem como requisitos o fumus boni iuris e o periculum in mora em termos equivalentes ao Artigo 391º do Código de Processo Civil.”.
XXIII. Ora, ao contrário do apregoado na decisão singular, que considerou irrelevante para o provimento do recurso a prova da existência ou não do crédito, o fumus boni iuris é um dos requisitos para o decretamento da decisão europeia de arresto, à semelhança do que sucede no artigo 391.º do CPC ao nível nacional, pelo que deveria a decisão singular ter-se pronunciado sobre a verificação de tal requisito (a este propósito, a omissão de pronúncia já suscitada).
XXIV. Aliás, foi esse o entendimento preconizado pelo Tribunal a quo na sentença proferida, ao considerar não se encontrarem preenchidos os pressupostos para o decretamento, não se referindo apenas ao periculum in mora.
XXV. Ainda, consta do próprio Regulamento, designadamente do artigo 2.º, que uma das condições de acesso ao procedimento de decisão europeia é tratar-se de um processo transfronteiriço, pelo que desde logo, e ao contrário do sobejado na decisão singular, releva a prova sobre o domicílio do devedor porquanto se encontrarão nesse Estado-Membro as contas bancárias a arrestar, enquanto requisito.
XXVI. Pelo que, ao considerar a decisão singular ser o periculum in mora o único requisito relevante para o provimento do recurso e, bem assim, para o decretamento ou não da providência, violou o disposto nas normas jurídicas constantes dos artigos 2.º e 7.º do Regulamento n.º 655/2014 de 15/5, e o artigo 391.º do CPC.
XXVII. Em todo o caso, assevera-se que tais requisitos se encontram plenamente preenchidos, porquanto logrou o Apelante demonstrar a existência do crédito, a verificação de um processo transfronteiriço, bem como um justo receio de, sem tal medida, se frustrar o seu crédito.

Ainda, e no que ao periculum in mora concerne,

XXVIII. Sustenta a Mma. Juiz Relatora a sua posição, alegando, na decisão sumária proferida, que “A jurisprudência citada pelo recorrente incide sobre situação em que a alegação do requerente é diversa da que aqui é feita, sendo ali alegados outros fatores para além da mera circunstância do não pagamento.”
XXIX. Não obstante, no Acórdão de 28-11-2017, pelo relator Luís Filipe Pires de Sousa, a que se faz referência, a factualidade alegada é similar à que nos presentes autos se vive, porquanto estamos perante a existência de uma dívida, não sendo conhecidos rendimentos nem atividades em Portugal nem existindo qualquer intenção dos devedores em cumprir.
XXX. Outrossim, a resposta acolhida pelo Tribunal da Relação de Lisboa quanto a tal questão, é clara: “Com efeito, a alegação da requerente veicula o seguinte: a divida do requerido e da sua sociedade vem aumentando há quase um ano, não sendo conhecidos rendimentos nem atividades em Portugal nem ao requerido nem à sociedade constituída e sediada em Portugal; apesar de promessas de pagamento, o requerido não as cumpriu; está iminente a ida definitiva do requerido para o estrangeiro (França). Colocado perante este quadro fáctico, qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir e propósitos do requerido, teme vir a perder a possibilidade de cobrar, efetivamente, o seu crédito. Com efeito, a solvabilidade do requerido é – segundo o alegado – nula, o seu património é escasso, e o requerido evidencia um propósito reiterado de não cumprir que será facilitado pela sua ausência no estrangeiro, sendo que esta dificulta a recuperação do crédito. Este quadro fáctico é suficiente para demonstrar o periculum in mora.”.
XXXI. Ora, no caso sub judice, o património do Recorrido também se afigura escasso, não houve qualquer intenção de cumprimento, e, atenta a sua emigração para o estrangeiro, a recuperação do crédito será de mais difícil realização, existindo um maior perigo de dissipação do património, se não for proferida a medida cautelar de arresto.
XXXII. Considerou a Mma. Juiz Relatora que “Ora, é este o pressuposto que falha no pedido apresentado pelo recorrente. Efetivamente, e ainda que se prove quer o crédito (artº. 7º, nº. 2), quer que o requerido se vive em (ou se mudou para) Espanha tal nada diz quanto à necessidade de obtenção da medida requerida –artº. 7º, nº. 1.”.
XXXIII. Sucede que, conforme aludido na decisão singular “No formulário relativo ao anexo I refere o requerente no ponto 10.2 (motivo do pedido) que o requerido emigrou para Espanha para se eximir ao cumprimento, e nunca quis resolver a situação que perdura há 12 anos.”.
XXXIV. Ao alegar que o Requerido emigrou para Espanha para, dessa forma, furtar-se ao cumprimento das suas obrigações para com o credor, incumprimento esse que perdura no tempo sem possibilidade outra de ser reparado, que não a da medida cautelar urgente, parece-nos verificar-se plenamente cumprido o requisito do periculum in mora.
XXXV. Aliás, cumpre aqui questionar: e se o Requerido nunca regressar ao território português? Ou se, à semelhança do que fez, voltar a mudar de país, perdendo-se o rasto do seu paradeiro e impossibilitando-se definitivamente o ressarcimento do crédito do Apelante? Esses são perigos na demora, factos naturalmente evidentes e notórios, resultantes de qualquer juízo de ponderação e análise da alegação e exposição de factos que a Apelante apresentou, quer na Primeira Instância, quer na Instância Recursiva.
XXXVI. Pelo que, ao decidir como fez, a decisão singular interpretou e aplicou erradamente as normas jurídicas constantes do disposto nos artigos 7.º do Regulamento e 391.º n.º 1 do CPC, sendo que deveria ter considerado verificados os pressupostos para o decretamento da providência, designadamente o periculum. Se tal não bastasse,
XXXVII. Com a prolação da decisão singular, viu a Apelante negado o seu direito de acesso à justiça e aos tribunais, bem como a um processo justo e equitativo e a um recurso efetivo, plasmado no artigo 20.º n.º 4 da CRP, como corolário do princípio da tutela jurisdicional efetiva,
XXXVIII. porquanto viu negada a possibilidade de lançar mão de providência cautelar urgente para prevenir ou reparar a lesão do seu direito, e viu ainda limitado o seu recurso e garantias de defesa, uma vez que a Mma. Juiz Relatora decidiu, tão só, limitar o objeto do recurso às questões por si consideradas relevantes, não obtendo uma decisão motivada e devidamente fundamentada sobre todas as questões por si suscitadas.
XXXIX. Ainda, e ao contrário do sobejado na decisão singular proferida, está em causa do princípio da efetividade, pois que, de acordo com o TJCE “as condições fixadas pelas legislações nacionais em matéria de reparação dos danos não podem ser menos favoráveis do que as respeitantes a reclamações semelhantes de natureza interna" e de acordo com o princípio da efetividade, "não podem estar organizadas de forma a, na prática tornarem impossível ou excessivamente difícil a obtenção da reparação".
XL. Ora, parece-nos que a decisão recorrida tornou excessivamente difícil a obtenção da reparação do direito do Apelante, impondo-se-lhe um ónus excessivamente custoso no que ao periculum in mora concerne, ao pretender a resposta às seguintes questões “o que mudou quanto ao pardeiro do Requerido?; o que mudou quanto à situação financeira ou profissional do Requerido?, é exatamente a mesma, ou seja, não existe qualquer alteração de tais circunstâncias há anos,”, questões às quais nenhum credor que vê o devedor emigrado e sem património em território Português estará apto a responder ou a provar, nem se afigurando, à luz do critério do homem médio, razoável e proporcional fazê-lo, pelo que discordamos do entendimento propalado na decisão singular, a essa parte.
L. Alfim, atendendo à argumentação aduzida, requer-se a V.ªs Ex.ªs dignem apreciar as questões submetidas em sede de recurso, revogando a decisão singular e proferindo Acórdão que determine a procedência da Apelação.
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II - QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso/reclamação que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.
É esse o âmbito e a medida de intervenção do Tribunal “ad quem”, que por isso não tem que responder a todos os argumentos invocados, analisando antes questões suscitadas relevantes para conhecimento do objeto da causa (face aos seus elementos, definidos em função das pretensões e causa de pedir invocados), excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, este Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes ao Tribunal “a quo”, por este ser, em regra, um Tribunal de segunda instância.
E, por último, e agora já concretamente no que diz respeito à impugnação da matéria de facto que o recorrente apresenta no recurso, tem vindo a ser posição do Tribunal de recurso que, por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal da Relação não deve reapreciar a matéria de facto quando os factos objeto da impugnação não forem suscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual inútil (artºs. 2º, nº. 1 e 130º, do C.P.C.).
Tendo em conta a natureza das questões suscitadas nessa reclamação e o seu mérito, importa proferir decisão imediata ao abrigo do disposto no art. 652º, nº 3 e 4, do Código de Processo Civil, na qual reproduziremos, por economia, os argumentos já enunciados que consideramos relevantes, reforçando-os onde se mostre pertinente, centrando-nos primariamente nas questões suscitadas na reclamação formulada.
Nesse sentido, desde já uma primeira consideração: uma vez que a decisão proferida, face ao pedido de submissão a conferência, faz com que a mesma fique “ultrapassada” ou “prejudicada”, sendo o recurso objeto de nova decisão, agora tomada com intervenção do órgão colegial (a conferência) a qual confirmará, revogará ou substituirá a decisão sumária, em primeiro lugar é irrelevante ou inócua a discussão sobre a verificação dos pressupostos que habilitam o relator a proferir decisão sumária –cfr. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado, Vol I, pag. 792, citando o Ac. do STJ de 11-12-14; de qualquer modo, adianta-se que as circunstâncias referidas no artº. 656º do C.P.C. são de natureza exemplificativa, podendo a simplicidade da resposta ser aferida face ao ordenamento jurídico, tão só (e podendo inclusive envolver a própria apreciação de matéria de facto). Além dos citados, veja-se a propósito “Recursos no Novo Código de Processo Civil” de António Abrantes Geraldes, pag. 255 a 257 da 4ª edição.
Assim fica desde já afastada a pertinência e procedência do ponto i das conclusões da reclamação.
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Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:

-a decisão reclamada padece de nulidade por omissão de pronúncia ou por padecer de ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível;
-deve ser apreciada e, a ser, deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto que consta dos pontos dos factos não provados, designadamente no sentido proposto pelo recorrente;
-se foi bem aplicado o direito, concretamente se estão bem enunciados e se foram bem aplicados os princípios/pressupostos necessários ao provimento da pretensão do requerente, bem como se foi violado norma constitucional (princípio da tutela jurisdicional efetiva) ou o princípio da efetividade.
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III – APRECIAÇÃO DAS NULIDADES APONTADAS.

Dispõe o art. 615º, nº 1, que é nula a sentença –e também o despacho e o acórdão (artºs. 613º, nº. 3, e 666º, nº. 1, C.P.C.) quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Acresce no que concerne aos acórdãos a nulidade prevista no artº. 666º, nº. 1, C.P.C., decorrente do facto de ser lavrado contra o vencido –artº. 667º, C.P.C.- ou sem o necessário vencimento.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal “supra” citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4/10/2018 em que foi relatora a Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017, www.dgsi.pt).
Conforme Acórdão desta Relação relatado pela Exmª Srª desembargadora Drº Maria João Matos com a mesma data e igualmente publicado “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).”
Com exceção das previstas na al. a) do n.º 1 do artigo 615.º e no artigo 666.º, n.º 1, segunda parte, estas nulidades respeitam ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento como se destaca no excerto (que por sua vez cita o mencionado acórdão da Exmª Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha) “O recurso civil, vol. I”, do Prof Rui Pinto (Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com.), cuja edição terá lugar em 2020, e publicado desde já na Revista “Julgar” online de maio de 2020.
Iremos apenas focar as nulidades concretamente invocadas nos autos.
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença/acórdão.
Da conjugação das normas decorre que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Porém questões não são factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9/2/2012 (www.dgsi.pt), segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.
Dúvidas não há porém que o tribunal só pode apreciar questões que lhe forem suscitadas pelas partes (salvo as que forem de conhecimento oficioso) sob pena de, assim não sendo, cometer a nulidade no segmento inverso, ou seja, conhece de questões que não foram suscitadas.
Conforme A. Geraldes na obra citada na pag. 727, (…) “A qualificação jurídica dos factos é de conhecimento oficioso (artº. 5º, nº. 3) mas esse poder não pode deixar de ser conjugado com outras limitações, designadamente aquelas que obstam a que seja modificado o objeto do processo (integrado tanto pelo pedido como pela causa de pedir) ou daquelas que fazem depender um determinado efeito (…) da sua invocação pelo interessado. As questões a que a lei se refere impondo o seu conhecimento reportam-se a “pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir.”

No caso dos autos entende o reclamante que se verifica omissão de pronúncia pelo facto da decisão singular não se ter debruçado sobre a matéria de facto impugnada.
Sucede que a decisão singular pronunciou-se sobre essa questão, considerando a reapreciação da matéria de facto em concreto suscitada irrelevante para a decisão a proferir em sede de recurso, e por isso mesmo prejudicada a mesma, face á aplicação do direito a que se procederá e conforme ficará melhor clarificado “infra”.
Não enferma por isso a decisão singular de nulidade por omissão de pronúncia, improcedente o ponto ii das conclusões da reclamação.
Disse Alberto dos Reis que “a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. (...) É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz” (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pag. 151). Já Remédio Marques quanto à ambiguidade da sentença diz que esta “exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos”. Quanto à obscuridade, “traduz os casos de ininteligibilidade da sentença” (“Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto”, 3ª. edição, pag. 667).
Sintetizando, “obscuro” é o que não é compreensível; “ambíguo” é o que é suscetível de diferentes interpretações, que podem inclusive ter sentidos opostos.
“Em qualquer caso, fica o destinatário da decisão sem saber ao certo o que efetivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer obscuridade, ou ambiguidade, que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível” –cfr. Ac. desta Relação da Exmª Srª Desembargadora Drª Rosália Cunha, no processo 324/19.3T8BRG.G1.

Invoca o reclamante este vício pelo facto de se ter dito na decisão que, ao contrário do decidido pela 1ª instância, não se trata no caso da verificação ou não de outros requisitos, mas tão só do “periculum in mora”; não obstante, confirma a decisão recorrida.
Da leitura integral da decisão singular resulta evidente não há qualquer contradição no que se disse.
O Tribunal de 1ª instância entendeu que, tal como sucede face aos artºs. 391º e 392º do C.P.C. no arresto aí previsto, também no arresto europeu tem de se apurar da verificação do fumus boni iuris e do periculum in mora, aliás tal como se diz no Ac. da Rel. de Lisboa citado pelo próprio reclamante, tal como não discute o reclamante que no caso concreto tem de provar o primeiro daqueles pressupostos. E mais considerou que “…de toda a matéria de facto dada como provada, não resultaram quaisquer dos pressupostos exigidos para o decretamento da presente providência, o que se apurou é que a situação atual, em nada difere da situação que existia aquando da instauração da ação executiva, ou até antes, ou seja, a resposta para as seguintes questões: o que mudou quanto ao pardeiro do Requerido?; o que mudou quanto à situação financeira ou profissional do Requerido?, é exatamente a mesma, ou seja, não existe qualquer alteração de tais circunstâncias há anos, logo jamais se poderá concluir pela verificação da necessidade urgente de uma medida cautelar sob a forma de uma decisão de arresto, quando o desconhecimento de todos estes elementos é total.”
Ou seja, para a 1ª instância falece a prova dos dois pressupostos, e por isso a providência requerida não é decretada.
O que se diz na decisão singular é que, ainda que, pela reapreciação da matéria de facto que foi posta em causa no recurso interposto e que baliza a ação do Tribunal superior, se venha a apurar o fumus boni iuris, a providência sempre terá de improceder uma vez que também não se apurou o periculum in mora; e este pressuposto não está relacionado com a impugnação da matéria de facto, pelo que os factos a considerar estão estabilizados: dos que o Tribunal de 1ª instância considerou não resulta o “periculum”, e na consideração da relatora da decisão singular, igualmente não resulta. Ou seja, para a 1ª instância não se verifica nenhum dos dois pressupostos exigidos para a procedência da providência, para a relatora independentemente da possibilidade de revisão da matéria de facto e face a tal vir a julgar um deles verificado, continua a faltar o outro pressuposto (cumulativo) pelo que igualmente conclui pela improcedência da providência –e pelo bem decidido na 1ª instância, na parte que se impõe conhecer, delimitada pelo princípio da utilidade dos atos.
Improcede por isso a argumentação do ponto iii da reclamação.
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IV - IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

Nenhuma questão de ordem formal obstaria à apreciação deste item, uma vez que o recorrente cumpriu os requisitos da impugnação, nomeadamente indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; especificação na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, indica na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, expressa na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.
Concretizando, pretende o recorrente que, com base na valoração das declarações de parte corroboradas com a prova documental, a matéria dada como não provada nas alíneas a) a e) passe a ser considerada provada, e que além disso passe a constar da matéria provada que “g) O Requerido encontra-se no presente a residir na Avenida ..., n.º … Espanha.” (que o Tribunal também considerou não provada), aqui com base no depoimento da testemunha ouvida e prova documental junta aos autos.
Como já se foi abordando e melhor se justificará em sede de aplicação de direito, é irrelevante para a procedência da pretensão do recorrente em sede de recurso que tal matéria passe a constar dos factos provados, pois que, não tendo sido apenas a falta de prova dessa factualidade a determinar a improcedência do arresto, ainda que a mesma conste impõe-se a manutenção do decidido por não se verificarem todos os pressupostos da providência requerida.
Passaremos a considerar a matéria em que assentou o Tribunal recorrido e faremos análise do mérito do recurso/reclamação de modo a sustentar esta nossa posição.
Assim passamos a reproduzir a matéria de facto tal como consta da decisão proferida.
*
V - MATÉRIA DE FACTO.

“Considera-se indiciariamente provada e com relevância para a decisão da causa a seguinte factualidade:

1 - O Requerente é uma pessoa singular.
2 – O Requerente tem na sua posse o cheque n.º ......... sacado sobre a conta ......... do banco ..., em nome do Requerido no valor de € 15.800,00, datado 23 de dezembro de 2016.
3 - Em 10/01/2017 o Requerente propôs contra o Requerido uma ação executiva para pagamento de quantia certa, cujo processo corre termos sob o número 273/17.0T8VCT pelo Juízo Local Cível de Viana do Castelo - Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo;
4 - Não obstante as diligências levadas a cabo no âmbito desta ação executiva, o Requerente não logrou recuperar qualquer quantia.
5 - Já despendeu da quantia de 74,97 € (setenta e quatro euros e noventa e sete cêntimos) a título de provisão da Sr.ª Agente de Execução.
6 - Não foi apurado qualquer património em Portugal pertença do Executado passível de penhora.
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Factos indiciariamente não provados:

a) No âmbito de uma relação de amizade o Requerido solicitou ao Requerente que lhe emprestasse uma quantia pecuniária, ao que o Requerente acedeu.
b) Em 11/11/2008, o Requerente emprestou ao Requerido a quantia de 15 000,00€ (quinze mil euros), tendo-lhe para o efeito entregado o cheque n.º ......... sacado sobre a conta ......... do banco ....
c) Para ressarcir tal empréstimo o Requerido entregou ao Requerente na mesma data do empréstimo o cheque n.º ........., no montante de 15 800,00 € (quinze mil e oitocentos euros) sacado sobre a conta n.º ........., domiciliada no Banco ....
d) Esta diferença de valores explica-se pelo facto de como o Requerente necessitou de retirar o dinheiro que emprestou de uma aplicação financeira em ordem a entregá-lo ao Requerido, deixou de receber o exacto montante da diferença – isto é, precisamente a quantia de 800,00 € (oitocentos euros);
e) Ficou convencionado entre ambos que o Requerido iria ressarcir o Requerente dessa diferença.
f) A dívida executiva liquidada à data da propositura da ação ascendia a € 15 832,90 € (quinze mil oitocentos e trinta e dois euros e noventa cêntimos).
g) O Requerido encontra-se no presente a residir na Avenida ..., n.º … Espanha.
*
Relativamente à restante matéria alegada, entende o Tribunal ser irrelevante para a decisão da causa, na medida em que se reporta a factos que não dizem respeito ao pedido ou causa de pedir da presente providência, quer porque dizem respeito meras conclusões, juízos de valor ou questões de direito.”
***
VI - O MÉRITO DO RECURSO

Sem se pretender repetir as apreciações feitas na sentença recorrida, e agora também na decisão singular, faremos novo enquadramento da matéria de modo a esclarecer os pressupostos de que depende a procedência da providência de arresto de contas no âmbito do procedimento de decisão europeia.
Não sem que antes se tente desfazer uma dúvida que se pode colocar da leitura da decisão recorrida e que diz respeito à situação da residência do requerido no caso em Espanha.
A residência do requerido num Estado-Membro aderente diferente daquele onde o procedimento é instaurado, não se trata de um pressuposto do decretamento da providência, sujeito a prova a produzir para o efeito do seu decretamento. Trata-se sim de um requisito prévio do próprio procedimento; o requerente tem de alegar circunstâncias donde resulte o carácter transfronteiriço, não terá nesta fase que as provar.
Atente-se no Considerando 10 do Regulamento nº. 655/2014, de 15/5, que dita: “O presente regulamento deverá aplicar-se apenas a processos transfronteiriços e definir o que constitui um processo transfronteiriço neste contexto específico. Para efeitos do presente regulamento, deverá considerar-se que existe um processo transfronteiriço quando o tribunal que aprecia o pedido de decisão de arresto se situar num Estado-Membro e a conta bancária visada pela decisão for mantida noutro Estado-Membro. Também poderá considerar-se que existe um processo transfronteiriço quando o credor estiver domiciliado num Estado-Membro e o tribunal e a conta bancária a arrestar estiverem localizados noutro Estado-Membro.
O presente regulamento não deverá aplicar-se ao arresto de contas mantidas no Estado-Membro onde se encontra o tribunal em que foi apresentado o pedido de decisão de arresto se o domicílio do credor também for nesse Estado-Membro, ainda que o credor requeira ao mesmo tempo uma decisão de arresto respeitante a uma ou várias contas mantidas noutro Estado-Membro. Nesse caso, o credor deverá fazer dois pedidos distintos, um de decisão de arresto e outro destinado à obtenção de uma medida nacional.”

Nesse sentido, dispõe o artº. 3º, sob a epígrafe “Processos transfronteiriços”:

“1. Para efeitos do presente regulamento, um processo transfronteiriço é aquele em que a conta ou as contas bancárias a arrestar através da decisão de arresto são mantidas num Estado-Membro que não seja:
a)O Estado-Membro do tribunal onde foi apresentado o pedido de decisão de arresto nos termos do artigo 6.o; ou
b)O Estado-Membro onde o credor tem domicílio.
2. O momento pertinente para determinar o caráter transfronteiriço de um processo é a data em que o pedido de decisão de arresto é apresentado no tribunal que tem competência para proferir tal decisão.”
“Para que o regulamento n.º 655/2014 seja aplicado é necessário que se verifiquem cumulativamente dois pressupostos: uma conexão transfronteiriça e a existência de um crédito de natureza pecuniária em matéria civil ou comercial. Considera-se cumprido o primeiro pressuposto quando o tribunal no qual foi requerido o procedimento de decisão europeia de arresto se situe num Estado-Membro diferente daquele onde se localiza a conta bancária a arrestar, ou quando o credor tem domicílio num Estado-Membro diferente, quer do Estado do tribunal competente, quer do da conta bancária.” –Revista da Ordem dos Advogados, Ano 78; Micaela Monteiro Lopes, pags. 800 e 801 (citado pelo reclamante).
Os restantes artigos, designadamente os artºs. 7º e 8º, nada exigem quanto ao convencimento desses requisitos; da sua alegação depende a aceitação do requerimento; da sua verificação (e não da exigência de prova) dependerá o sucesso do visado, o alcance do pretendido, o que já tem que ver com a concretização da providência se vier a ser decretada.
É por isso igualmente irrelevante que o requerente prove o domicílio do requerido em Espanha (-o requerente também se reporta à existência de contas em Espanha), não sendo uma vez mais apenas a falta deste elemento (ou deste e do fumus boni iuris) a conduzir à improcedência do procedimento, na visão da 1ª instância e deste Tribunal. Note-se que esta nossa visão é inclusive mais favorável à pretensão do reclamante.
Não foi porque não se provou a residência do requerido em Espanha que a providência foi rejeitada/improcedente e que, como vimos, teria apenas que ver com a apresentação do pedido e justificação do seu carácter transfronteiriço –ou por qualquer outro motivo que afastasse a aplicação do regulamento-, pelo que se mantém a irrelevância de se apurar a veracidade de tal facto. Igualmente não foi –apenas- por não se ter apurada a falta de prova sumária do direito do requerente, portanto, reportando-se a impugnação da matéria de facto apenas a esses pressupostos, de nada adiantaria a sua reapreciação para efeitos de alteração do decidido.
Prosseguindo e justificando a afirmação feita, este procedimento de decisão europeia de arresto de contas visa que o credor obtenha em processos transfronteiriços o arresto eficiente e rápido de fundos em contas bancárias, obtendo assim uma medida cautelar que impeça o levantamento de fundos que o devedor possui numa conta bancária mantida num Estado-Membro –Considerandos 5 a 7 do Regulamento nº. 655/2014, de 15/05.
Para o credor obter provimento, mesmo quando tiver obtido uma anterior decisão (no caso dos autos não a tem como foi bem analisado no despacho proferido nos autos em 29/5/2020 e por isso a alegação e a consideração embora como não provada da matéria elencada nas alíneas a) e) desta), tem de demonstrar suficientemente que o seu crédito «tem necessidade urgente de proteção judicial e que, sem a decisão, a execução da decisão judicial existente … pode ser frustrada ou consideravelmente dificultada por existir um risco real de que, na altura em que o credor vir esta decisão executada, o devedor possa ter delapidado, ocultado ou destruído os bens ou tê-los alienado abaixo do seu valor, com uma amplitude inabitual ou de modo pouco habitual» –Considerando 14 do Regulamento nº. 655/2014, de 15/05.
No mesmo Considerando 14, refere-se que «o tribunal deverá avaliar as provas da existência desse risco apresentados pelo credor. Tais provas poderão ter a ver, por exemplo, com o comportamento do devedor em relação ao crédito do credor ou num anterior litígio entre as partes, com o historial de crédito do devedor, com a natureza dos bens do devedor e com qualquer ato recentemente praticado por este a respeito dos seus bens. Ao avaliar as provas, o tribunal poderá considerar que os levantamentos efetuados das contas e os gastos em que o devedor incorre para exercer a sua atividade profissional habitual ou para despesas familiares não são, em si mesmos, inabituais. A simples falta de pagamento ou contestação do crédito ou o simples facto de o devedor ter mais do que um credor não deverá, por si só, ser considerado prova suficiente para justificar a emissão de uma decisão. O simples facto de a situação financeira do devedor ser precária ou estar a deteriorar-se também não deverá, por si só, constituir um fundamento suficiente para proferir uma decisão.».

Os requisitos para se proferir a decisão estão vertidos no artº. 7º, do Regulamento nº. 655/2014, de 15/05, dispondo o nº. 1 que:

«O tribunal profere a decisão de arresto quando o credor tiver apresentado elementos de prova suficientes para o convencer de que há necessidade urgente de uma medida cautelar sob a forma de uma decisão de arresto, porque existe um risco real de que, sem tal medida, e execução subsequente do crédito do credor contra o devedor seja frustrada ou consideravelmente dificultada.».
“O recurso à tutela cautelar implica que o requerente se arrogue titular do direito e que se encontre em risco de sofrer uma lesão grave e irreparável ou de difícil reparação, pelo que se exige a demonstração de indícios razoáveis quanto à existência desse direito e dos interesses a tutelar. Para além da alegação dos factos que integram a causa de pedir, caberá ao credor a apresentação de provas suficientes de forma a convencer o tribunal de que há necessidade urgente em decretar a medida cautelar sob a forma de uma decisão de arresto, pois, caso tal não se verifique, existe um real risco de frustração, ou dificuldade, na posterior execução do crédito. também o regulamento n.º 655/2014 exige os três requisitos probatórios inerentes às medidas cautelares e patentes no direito nacional: urgência, fumus boni iuris e periculum in mora (52).” –Micaela Monteiro Lopes, texto citado, pag. 810.
Ora, é este último pressuposto que falha no pedido apresentado pelo recorrente, correlacionado com a urgência exigida. Efetivamente, e ainda que se prove quer o crédito (artº. 7º, nº. 2), quer que o requerido vive em (ou se mudou para) Espanha tal nada diz quanto à necessidade de obtenção da medida requerida –artº. 7º, nº. 1.
Não se está aqui a exigir a alegação e prova de que o devedor está a praticar atos específicos de dissipação de património ou tem outros credores, ou não tem bens no estrangeiro, apenas algum índice que revele a necessidade urgente de acautelar o crédito do requerente face a um risco de não poder vir a ser cobrado, algo mais que a mera impossibilidade atual de cobrança.
Note-se que: a dívida é alegadamente de 2008; a execução é de 2017; não se logrou cobrar qualquer quantia na mesma, nem foi encontrado património em Portugal passível de penhora. Nada mais consta, na matéria provada ou na matéria não provada ou mesmo apenas alegada e que em sede de recurso se pugnasse pela inclusão nos factos (não foi impugnada qualquer outra matéria para além da que diz respeito ao pressuposto relativo ao crédito e à residência do requerido, nem foi imputada qualquer nulidade de sentença), donde possa resultar qualquer ato ou facto donde se pudesse retirar um risco que justifique nesta fase uma medida cautelar urgente. Não há qualquer alteração de facto, pelo menos desde 2017 até hoje, para além do resultado infrutífero da execução. E, como vimos, a mera impossibilidade de cobrança não serve de fundamento para o pedido de arresto. O requerente esteve de 2008 a 2017 para recorrer a via judicial, e nada alega quanto a eventuais diligências nesse período tendo em vista a cobrança, e motivo do seu insucesso. O tempo decorrido não pode ser conjugado com mais nada, porque nada mais foi alegado em seu complemento. Igualmente do valor do alegado crédito, não sendo muito elevado, não se pode tirar qualquer ilação nesta situação concreta.
A jurisprudência citada pelo recorrente incide sobre situação em que a alegação do requerente é diversa da que aqui é feita, sendo ali alegados outros fatores para além da mera circunstância do não pagamento ou ausência de bens, como seja: (...) -A requerente é credora do requerido pelo valor de € 7.868, 04, decorrente designadamente de rendas em atraso (desde dezembro de 2016) e indemnização; apesar das insistências da requerente, nenhum pagamento foi efetuado, apesar das promessas feitas; o requerido comunicou à requerente que ia regressar definitivamente a França uma vez que a sua companheira aí se encontra e será pai; o requerido movimenta-se com frequência pelo estrangeiro, passando largos períodos fora de Portugal; a sociedade inquilina não tem qualquer atividade registada no portal da Autoridade Tributária; no portal do Ministério da Justiça não consta qualquer atividade da sociedade, nem sequer a prestação de contas de 2016; para além da conta bancária, não são conhecidas quaisquer contas em nome do requerido ou da sociedade, designadamente em Portugal; não são conhecidos qualquer património ou rendimentos em Portugal, seja em nome do requerido seja em nome da sociedade: estes factos, de acordo com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/11/2017 citado pelo reclamante, são suficientes e não permitem o indeferimento liminar do requerimento inicial: Acresce, dizemos nós, a possibilidade de lançar mão dos meios previstos no artº. 9º do Regulamento para obtenção de provas. É perante este quadro fáctico, diferente do que temos no caso aqui em apreço, que no Acórdão da Relação de Lisboa se diz que “…qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir e propósitos do requerido, teme vir a perder a possibilidade de cobrar, efetivamente, o seu crédito. Com efeito, a solvabilidade do requerido é – segundo o alegado – nula, o seu património é escasso, e o requerido evidencia um propósito reiterado de não cumprir que será facilitado pela sua ausência no estrangeiro, sendo que esta dificulta a recuperação do crédito. Este quadro fáctico é suficiente para demonstrar o periculum in mora. Perante este quadro fáctico, é desnecessária a alegação/demonstração de atos especificados de dissipação do património do requerido porquanto, nos termos alegados, tal património é escasso. Também não é necessária a alegação/demonstração da existência de outros credores, tanto mais que – sendo o crédito de montante não elevado (inferior) a € 8.000 –o seu reiterado não pagamento evidencia, de forma clara e mais sintomática, a insolvabilidade e/ou o propósito de não cumprir. Também não faz qualquer sentido que se exija ao requerente deste tipo de procedimento a alegação e prova de que o requerido não tem rendimentos ou bens no estrangeiro, no caso, em França. Tal exigência consubstanciaria uma prova diabólica que, à partida, inviabilizaria este novo arresto no espaço da União Europeia.”
Igualmente o texto “supra” citado alude a factores como o elevado valor do crédito ou o não pagamento reiterado que revele a intenção de não cumprir.
Isto posto, ficam prejudicadas ou improcedem todas as demais considerações apresentadas no recurso (bem como a reanalise das provas e nesse contexto a relevância ou consideração das declarações de parte), pois a exigência da verificação dos pressupostos legais para o decretamento da providência nada tem que ver e não colide com o princípio da efetividade. Não se trata aqui de exigir a prova cabal da situação do requerido no estrangeiro, nomeadamente a ausência de bens ou património, como já justificamos. Trata-se antes de alegar e demonstrar –pela positiva –um ato, comportamento ou facto demonstrativo do risco de o requerente ver goradas as suas possibilidades de se ver ressarcido, sem que de forma urgente se tome a medida peticionada, tal como no direito nacional e face ao disposto no artº. 391º do C.P.C. se exige a prova sumaria do justo receio de perda da garantia patrimonial, exigindo-se nesse âmbito que o “periculum in mora” se evidencie no perigo de serem praticados atos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor, e daí resulte o perigo de satisfação do crédito –cfr. maior desenvolvimento em “Providências Cautelares” de Marco Carvalho Gonçalves, pags. 229 a 239 da 2ª edição. Também por isso o princípio da equivalência não sai beliscado.
E voltando e terminando conforme o mesmo Acórdão citado “Com efeito, o princípio da tutela jurisdicional efetiva está consagrado no Artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais e subdivide-se em dois outros: o princípio da equivalência e o princípio da efetividade. Na formulação do Acórdão Unibet de 13.5.2007, Processo C-432/05, «as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito comunitário não devem ser menos favoráveis do qua as que respeitam a ações similares de natureza interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efetividade)». Exigir à requerente a alegação/demonstração de que o requerido não tem bens e/ou rendimentos no estrangeiro, designadamente em França, seria impor uma conduta processual que violaria o princípio da efetividade porquanto, na prática, isso significaria que o exercício do direito de arresto ficaria extremamente difícil.”
Não é definitivamente essa a exigência que aqui se colocou ao requerente, pelo que não há violação de qualquer princípio, tão pouco de qualquer preceito constitucional, designadamente o acesso ao direito previsto no artº. 20º da Constituição da República Portuguesa, o qual não é afetado pelas exigências legais impostas, sendo antes estas um modo de garantia da igualdade e equidade no acesso ao direito (artº. 4º do C.P.C.).
Não tem pois provimento o ponto iv e último da reclamação.
Assim sendo, deve improceder na totalidade a reclamação, mantendo-se a decisão sumária que julgou improcedente o recurso interposto.
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VII - DISPOSITIVO.

Pelo exposto, decide-se julgar a reclamação improcedente e, em consequência, manter a decisão sumária que improcedeu o recurso e negou provimento à apelação, confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça da reclamação em 2 UC (artº. 7º, nº. 4 do Regulamento das Custas Processuais e respetiva tabela II anexa, e artº. 527º do C.P.C.).
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Guimarães, 10 de setembro de 2020.

Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)