Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
19/17.2T8CBC.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
INDEMNIZAÇÃO
ACÇÃO AUTÓNOMA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

I- O instituto da litigância de má fé tutela o interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, e visa assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.

II- Assim, encontrando-se a proibição da litigância de má fé o seu fundamento num princípio de natureza puramente processual, que é o princípio da cooperação consignado no artigo 7º e seguintes do C.P.C., não estão nela em causa violações de posições de direito substantivo, mas sim e apenas ofensa a posições ou deveres processuais, com vista a prosseguir e acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, em ordem a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.

III- É admissível, em acção autónoma, reclamar indemnização por danos causados por conduta integradora de litigância de má fé em acção anterior finda.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A. P..
Recorrido: Maria.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Competência Genérica de Cabeceiras de Basto.

A. P., residente na Rua …, freguesia de ..., do concelho de Cabeceiras de Basto, veio intentar a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra Maria, residente no Lugar …, freguesia de ..., do concelho de Cabeceiras de Basto, pedindo a condenação desta ré no pagamento da quantia global de €7.900,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Em síntese, alegou o autor que, tendo sido executado no processo n.º 341/08.9GACBC-A, a requerimento da ora ré (que naquele processo figurava como exequente), foi-lhe penhorado o veículo de matrícula MO, afecto à sua actividade de taxista, o que lhe provocou, durante o tempo em que se manteve a penhora (que viria a ser levantada por ordem judicial), (1) prejuízo patrimonial de € 100,00 por dia – decorrente da paralisação – durante 49 dias, num total de € 4.900,00 e (2) danos não patrimoniais no valor de € 3.000,00.

Regularmente citada, a ré não apresentou contestação, nem constituiu mandatário, pelo que se declararam confessados os factos articulados na petição inicial e notificado o Ilustre Advogado do autor para apresentar alegações por escrito, o que veio a fazer, tendo pugnado aí pela procedência integral da petição inicial.

Por existirem factos, respeitantes ao processo n.º 341/08.9GACBC-A, que careciam de ser provados documentalmente, nos termos do disposto no artigo 568.º, alínea d), do Código de Processo Civil, foi, ainda, ordenada a passagem da respectiva certidão, que foi junta aos autos, de fls. 38 a 58, donde resulta que aqueles autos “se encontram arquivados desde 14-06-2017, tendo a execução sido extinta por decisão de 31-03-2017, por ter sido efectuado o pagamento integral da quantia exequenda e custas.
Da certidão em causa foi novamente notificado o autor.

Considerando que a manifesta simplicidade de que reveste a caus nos termos do disposto no artigo 567.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, foram dados por reproduzidos os factos da petição inicial, tendo-se o tribunal limitado à fundamentação de direito e à parte decisória.

Foi proferida decisão que julgou a acção totalmente improcedente.

Inconformados com esta decisão, dela interpôs recurso o Autor, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

1. O disposto no art.º 858.º do Código de Processo Civil não tem pertinência e nem interesse para os factos em discussão nos presentes Autos;
2. Estando em causa, nos presentes Autos, a ilegalidade/ilicitude dos actos de penhora e apreensão do veículo descrito sob o ponto 1 da fundamentação de facto, por terem incidido sobre instrumento de trabalho o A. (art.º 737.º, n.º 2 do CPC), a culpa da Ré na sua realização, a consequente privação do uso do aludido instrumento de trabalho e respectivas consequências na esfera jurídica do A., o objecto do litígio prende-se com a verificação dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual (art.º 483.º do Código Civil).
3. Nos Autos de Execução n.º 341/08.9GACBC-A, a Mm.ª Juiz de direito da Secção de Comp. Gen. da Instância Local de Cabeceiras de Basto proferiu douto despacho onde conclui pela ilegalidade da penhora, atento o regime do art.º 737.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ordenando o levantamento da mesma;
4. In casu, mostram-se preenchidos todos os requisitos do art.º 483.º do Código Civil:

a. Facto: Nos Autos de Execução n.º 341/08.9GACBC-A, foi penhorado e apreendido o veículo descrito sob o artigo 1.º da Petição Inicial;
b. Ilicitude: O veículo descrito sob o artigo 1.º da Petição Inicial (táxi) constituía o principal e mais indispensável instrumento de trabalho do Autor (taxista), estando legalmente vedada, por isso, a possibilidade da sua penhora (art.º 737.º, n.º 2 do Código de Processo Civil);
c. Culpa: no acto da apreensão, o A. deu conta, quer à Ré, quer à Sr.ª Agente de Execução, de que aquele veículo era usado por si na sua profissão de taxista, não tendo outro para a realizar, sendo que a Ré sabia que o A. precisava daquele veículo para a sua actividade profissional e, mesmo assim, perpetrou a penhora;
d. Dano: O A. viu-se privado daquele seu veículo táxi e das virtualidades económicas que o mesmo lhe proporciona durante 49 dias, período durante o qual viu-se impossibilitado de exercer a sua actividade por falta do instrumento de trabalho, perdeu clientes e foi forçado a recusar serviços, sentindo tristeza, humilhação, vexame, impotência e revolta;
e. Nexo de causalidade: Os actos de penhora, apreensão e constituição do A. como fiel depositário do veículo (táxi), com obrigação de o entregar assim que lhe fosse exigido, não o podendo utilizar enquanto se encontrasse à sua guarda, sendo intimado de que a utilização o faria incorrer em crime de desobediência, são causa adequada do dano.
5. Os danos não patrimoniais sofridos pelo A., pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art.º 496.º, n.º 1 do Código Civil);
6. A douta sentença recorrida viola os art.os 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil.
*
Os Apelados apresentaram contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação interposta.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, as seguintes:

- Analisar do enquadramento e da existência de responsabilidade civil por parte da Ré.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:
(…)
Considerando que a causa reveste manifesta simplicidade, nos termos do disposto no artigo 567.º, n.º3, do Código de Processo Civil, dando-se por reproduzidos os factos da petição inicial, o tribunal limitar-se-á à fundamentação de direito e à parte decisória.
Tais factos são os seguintes:

1. O A. é dono e legítimo possuidor do veículo ligeiro de passageiros, matrícula MO, da marca Skoda, modelo Octávia;
2. O A. exerce a actividade de transportes de aluguer em veículos automóveis ligeiros de passageiros (taxista) para o qual detém o Certificado de Aptidão Profissional n.º … emitido pelo IMTT, válido até 02/07/2017;
3. Utilizando aquele seu veículo identificado em 1. na sua actividade profissional de taxista, com carácter habitual e fim lucrativo;
4. Aquele táxi do A. é explorado a dois turnos;
5. Nos Autos de Execução n.º 341/08.9GACBC-A que correram termos neste Tribunal, em que foi exequente a aqui Ré e executado o aqui Autor, em 5 de Dezembro de 2014, foi penhorado e apreendido aquele veículo;
6. Tendo o A. ficado depositário, com obrigação de o entregar assim que lhe fosse exigido, não o podendo utilizar ou alienar por doação, venda ou qualquer outra forma, enquanto se encontrasse à sua guarda;
7. E sendo intimado de que a utilização o faria incorrer em crime de desobediência e a alienação em crime de furto;
8. No acto da apreensão, o A. deu conta, quer à Ré, quer à Sr.ª Agente de Execução, de que aquele veículo era usado por si na sua profissão de taxista, não tendo outro para a realizar;
9. Após a apreensão, o A. deduziu oposição à penhora daquele veículo, requerendo o seu levantamento por se tratar de um veículo afecto ao trabalho;
10. E por douto despacho proferido naqueles autos, em 21 de Janeiro de 2015, foi determinado o levantamento da penhora incidente sobre o referido veículo por ter considerado que se tratava de “(…) veículo táxi que é utilizado pelo Executado como instrumento de trabalho, assim se consubstanciando como bem isento de penhora, ao abrigo do citado regime previsto no art.º 737.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (…)”;
11. Aquele despacho foi notificado às partes em 23 de Janeiro de 2015;
12. O A. viu-se privado daquele seu veículo táxi e das virtualidades económicas que o mesmo lhe proporciona desde 05/12/2014 até 23/01/2015, isto é, 49 dias;
13. O aludido veículo é diariamente utilizado pelo A. no exercício da sua actividade de transportes de aluguer em veículos automóveis ligeiros de passageiros (taxista);
14. Durante o período que se manteve a penhora e apreensão ilegal do veículo, o A. viu-se impossibilitado de exercer a sua actividade por falta do instrumento de trabalho;
15. A Associação Portuguesa de Seguradores (APS) e a Associação Nacional de Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL) e a Federação Portuguesa do Táxi (FPT), no âmbito dos protocolos firmados com cada uma das instituições, acordaram os valores de paralisação a vigorar no período de 1 de Março de 2015 a 29 de Fevereiro de 2016, para os veículos ligeiros de aluguer para o transporte de passageiros, mormente Táxis (mais de 4 passageiros) em exploração 2 turnos -, no valor de cerca de €100,00/dia (concretamente €106,81).
16. Mercê da conduta da Ré, o A. sofreu um prejuízo patrimonial de €4.900,00 (€100,00 x 49 dias);
17. Mercê da conduta da Ré, o A. sofreu tristeza, humilhação, vexame, perante a atitude prepotente e arbitrária da Ré, em insistir na aludida penhora e apreensão ilegal do seu instrumento de trabalho, sentindo-se impotente e revoltado, por não poder evitar o impedimento forçado de usar aquele seu veículo, bem como de retirar os proveitos que o mesmo lhe oferece;
18. O A. foi forçado a recusar todos os serviços de táxi durante o período de durou a penhora e apreensão ilegal;
19. O que fez com que perdesse clientes, que já não conseguiu recuperar;
20. A Ré sabia que o A. precisava daquele veículo para a sua actividade profissional;
21. E, mesmo assim, perpetrou a penhora e apreensão ilegal em vexame para o A.
(…)

Fundamentação

Considerando que o autor invoca danos provocados por factos praticados pela ré enquanto exequente, em sede processo executivo, designadamente a nomeação de bem relativamente impenhorável, perante a factualidade apurada, importa em primeiro lugar enquadrar juridicamente os termos da responsabilidade civil pela qual aquela poderá vir a responder.
A propósito, deve notar-se que o Código de Processo Civil prevê a possibilidade de uma determinada parte processual ser condenada a pagar indemnização à outra enquanto litigante de má-fé, de acordo com as regras previstas nos artigos 542.º e ss..
A indemnização em causa pode abranger, na esteira do artigo 543.º, n.º 1, o reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária a despender, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos (alínea a), o reembolso dessas despesas e satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé (alínea b).
De acordo com o disposto no artigo 542.º, n.º2, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

“a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; (…) d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
O dever de as partes actuarem de boa-fé resulta do princípio da cooperação previsto no artigo 7.º do Código de Processo Civil, e vem disposto no artigo 8.º do mesmo diploma que refere que “As partes devem agir de boa fé (…).”

Ensinava Alberto dos Reis (“Código de Processo Civil Anotado, Volume II”, 3.º edição, Coimbra Editora, página 259), que “todos os homens, pelo simples facto de serem sujeitos de direitos, têm o poder abstracto de recorrer aos tribunais para obterem a tutela jurisdicional; mas se num caso concreto exercerem esse poder, apesar de saberem que o põem ao serviço de pretensão ilegal, praticam um acto ilícito, que se traduz no abuso do direito de accionar ou de contestar.
O que inquina o facto da parte, o que lhe imprime mancha ou o vício, o que transforma o facto lícito em facto ilícito é justamente o dolo ou a culpa com que ela se conduziu em juízo. A ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos; que, no caso concreto, o litigante tenha ou não razão, é indiferente: num e noutro caso goza dos mesmos poderes processuais. Mas ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais a mesma ordem jurídica põe uma limitação: que o exercício seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão. Quando falta este requisito, o acto passa a ter o carácter de ilícito.”
Como facilmente se percebe, a condenação em indemnização por litigância de má-fé apenas pode ser proferida se for pedida no âmbito do processo em que se verifica.

Isto porque, encontrando-se prevista a litigância de má-fé como incidente do processo em que se verificam os respectivos pressupostos factuais, estes apenas podem ser apreciados pelo juiz da causa, que os considerará provados ou não, e que, necessariamente, haverá de decidir do seu enquadramento jurídico, absolvendo ou condenando na multa e indemnização que julgar justa e adequada ao caso concreto.
Destarte, é de concluir que a litigância de má-fé não pode ser apurada numa acção autónoma (como a presente) daquela em que se verificam os respectivos pressupostos.
Impõe-se, assim, afastar o enquadramento jurídico da presente acção relativamente à responsabilidade por litigância de má-fé, que só poderia ser apreciada, como tal, no processo n.º 341/08.9GACBC-A.

Regimes distintos, com fundamentos diversos, mas com desideratos semelhantes aos da litigância de má-fé, encontram-se previstos nos artigos 858.º e 866.º do Código de Processo Civil para responsabilizar especificamente o exequente pelos danos causados culposamente ao executado, nos casos em que aquele haja actuado sem a prudência normal, sendo aplicáveis, respectivamente, nos processos sumários de execução para pagamento de quantia certa (nos quais não tem lugar a citação prévia do executado) e nos processos de execução para entrega de coisa certa (quando o título seja extrajudicial).

No que respeita, em especial, ao artigo 858.º, aí se dispõe, sob a epígrafe “Sanções do exequente”, que se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, responde pelos danos culposamente causados ao executado se não tiver actuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10% do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objecto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça.

Acerca desta disposição legal, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo (in “A Acção Executiva Anotada e Comentada”, Almedina, 2017, 2.ª Edição, página 566) registam o seguinte comentário que ora, em parte, se transcreve: “Para que o exequente responda, a título de indemnização, com base neste normativo, é necessário que seja demonstrado que o mesmo não agiu com a prudência normal que lhe é exigida; isto é, com a prudência exigida ao bom pai de família suposto pela ordem jurídica (bonus pater familia). Ocorre, então, a responsabilidade civil do exequente nos termos gerais, por apelo ao quadro normativo traçado pelo artigo 483.º do CC. Desde logo, exige-se o dolo ou a culpa, ainda que na modalidade de culpa leve, conforme decorrer do segmento “danos culposamente causados ao executado”. Será de incluir aqui, como dano causado ao executado, a realização de penhora que agrediu o património deste, caso a oposição à execução venha a ser julgada procedente. Por aqui também se conclui que esta indemnização apenas funciona caso o executado tenha reagido através da dedução dos embargos de executado, uma vez que um dos requisitos para que seja accionada é a procedência da oposição à execução. (…)

A este respeito, salienta Miguel Teixeira de Sousa que o artigo 819.º concretiza que a responsabilidade do exequente se verifica sempre que ele não tenha agido com a prudência normal, ou seja, sempre que o exequente tenha requerido, sem agir com a prudência exigível, uma execução inadmissível ou infundada. Isto mostra que a responsabilidade do exequente é semelhante, quanto a este fundamento, à responsabilidade do requerente de uma providência cautelar (cfr. art. 390.º, n.º1; art. 621.º do CPC), mas é independente de qualquer litigância de má-fé, já que esta exige o dolo ou a negligência grave da parte (cfr. art. 456.º, n.º 2, proémio). No fundo, a responsabilidade do exequente prevista no art. 819.º visa cobrir as hipóteses de litigância temerária que não sancionadas pelo regime da má-fé processual.”

Na verdade, esta indemnização não se confunde com a da litigância de má-fé prevista nos artigos 452.º e 453.º. São realidades diferentes e com diferentes pressupostos. Esta, a litigância de má-fé, decorre de responsabilidade processual, ao passo que a indemnização aqui prevista radica num conceito de culpa mais largo que aquela. Esta indemnização é a prevista nos termos gerais da responsabilidade civil. Configure-se a hipótese de o exequente ter instaurado a execução depois de ter recebido do executado o valor da dívida. Neste caso torna-se manifesto que o mesmo não podia ignorar a falta de fundamento para a instauração da execução.(…)”

Deste modo, e do que vem sendo dito e transcrito, para além dos pressupostos gerais da responsabilidade civil que hão-de verificar-se, são requisitos específicos para a procedência da indemnização prevista no artigo 858.º do Código de Processo Civil:

a) que a penhora tenha sido efectuada sem a citação prévia do executado;
b) que o executado haja deduzido oposição à execução;
c) que a oposição à execução seja procedente;
d) que se prove que o exequente não actuou com a prudência normal.

Contudo, ao contrário do que sucede com a litigância de má-fé, o pedido de indemnização por responsabilidade do exequente não tem que ser deduzido, obrigatoriamente, no próprio processo em que se verificam os respectivos pressupostos, podendo a formulação ocorrer em acção autónoma (neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 02-02-2007, relatado por José Ferraz, disponível em www.dgsi.pt).

Ainda assim, repisa-se, para que se verifique a responsabilidade do exequente, é sempre requisito primeiro a procedência da oposição à execução, esclarecendo-se que a procedência terá de ser total, ou seja, resultando daí a extinção da execução (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13-05-2014, relatado por Maria Inês Moura).

A razão de ser deste requisito parece evidente, porquanto, nos casos em que se insere a responsabilidade do exequente em apreço, prevista nos artigo 858.º do Código de Processo Civil, não se verifica citação prévia à penhora, ocorrendo uma maior desprotecção do executado quanto a eventuais comportamentos negligentes ou dolosos do exequente na primeira fase do processo: isto é, à maior desprotecção do executado fez o legislador corresponder uma maior responsabilização do exequente.

Por outro lado, ao exigir textualmente a procedência da oposição à execução (e não a procedência da oposição à penhora), a norma em causa deve ser interpretada no sentido de apenas poder ser responsabilizado o exequente quanto aos actos “não prudentes” que tenham enquadramento nos fundamentos da oposição à execução, dos quais, por sua vez, venham a derivar actos de penhora.
Por outras palavras, o acto de penhora em si mesmo (mesmo que excessivo, mesmo que incidindo sobre bens que sejam impenhoráveis) é, nestes casos, apenas uma consequência de um vício anterior que, só nessas circunstâncias, deve ser assacado ao exequente/lesante.

Pelo que, não é o acto de penhora, isoladamente, a responsabilizar o exequente, muito embora o bem a penhorar possa ser por este indicado.

E percebe-se que assim seja, pois o acto da penhora é, prima facie, da responsabilidade do agente de execução, que terá sempre uma última palavra a dizer enquanto “longa manus” da justiça executiva e interveniente processual, que deve saber, sem prejuízo da posterior sindicância judicial, o que pode ou não pode penhorar.

A este respeito, dispõe o artigo 751.º, n.º2, “O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa (…)”

Assim, e descendo ao caso concreto, tendo o autor visto o seu táxi penhorado no âmbito do processo executivo n.º 341/08.9GACBC-A, no dia 05-12-2014, e daí tendo resultado danos patrimoniais e não patrimoniais na sua esfera jurídica decorrentes da ilicitude dessa penhora (concretizados, designadamente, no período de paralisação do aludido táxi até ao despacho que ordenou o levantamento da penhora), para responsabilizar civilmente a ré, haveria aquele de demonstrar, antes de mais, que deduziu oposição àquela execução e que esta foi totalmente procedente.

Todavia, no processo n.º341/08.9GACBC-A, conforme certidão que se encontra junta aos presentes autos e de acordo com os factos provados, o autor, em 23-12-2014, apenas veio opor-se à penhora (e já não à execução).

Tanto assim é que, conforme a certidão emitida do processo n.º341/08.9GACBC-A, o processo executivo extinguiu-se em resultado do pagamento da quantia exequenda, o que é perfeitamente incompatível com uma eventual procedência de oposição à execução.

Deste modo, não tendo havido oposição à execução, não se verifica o requisito primeiro para que, ao abrigo do disposto no artigo 858.º do Código de Processo Civil, seja civilmente responsabilizada a ré (exequente no processo n.º 341/08.9GACBC-A), motivo pelo qual deverá a presente acção, sem mais, ser considerada improcedente.
*
V. Dispositivo

Nestes termos, julgo totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo a ré Maria de todos os pedidos formulados pelo autor A. P..
(…)

Fundamentação de direito.

Ora, analisado o teor da decisão recorrida constata-se que os fundamentos em que foi alicerçada a improcedência da presente acção consistiram:

- Por um lado, no facto de se ter considerado que a litigância de má-fé não pode ser apurada numa acção autónoma (como a presente) daquela em que se verificam os respectivos pressupostos, pelo que, será de afastar o enquadramento jurídico da presente acção relativamente à responsabilidade por litigância de má-fé, uma vez que apenas poderia ser apreciada, como tal, no processo n.º 341/08.9GACBC-A;
- E, por outro, em razão de o autor apenas se ter vindo opor à penhora, sem que tenha tendo havido oposição à execução, também se não verificam todos os requisitos para que, ao abrigo do disposto no artigo 858.º do Código de Processo Civil, seja civilmente responsabilizada a ré (exequente no processo n.º 341/08.9GACBC-A), motivo pelo qual deverá também a presente acção não poderá proceder com este fundamento.

E, em face desta fundamentação, começaremos por referir que, se pelos fundamentos expressos na decisão recorrida, se concorda integralmente com esta segunda conclusão, no sentido de que se não verificam os pressupostos de aplicabilidade do disposto no arrigo 858, já o mesmo se não poderá dizer com relação à litigância de má fé, e muito menos, relativamente à conclusão pela improcedência da acção.

Como é consabido, o instituto da litigância de má fé, previsto nos arts. 542º e segs. do C.P.C., constitui sanção civil para o inadimplemento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e de boa fé (ou probidade) processual (arts. 7º e 8º-A do C.P.C.) (1).

A redacção desse preceito, que teve a sua origem no DL 329/A-95, de 12/12 e DL 180/96, de 25/09, expandiu a litigância de má fé à conduta que importe culpa grave ou erro grosseiro (lide temerária) sendo que, até então, a verificação desta litigância pressupunha e assentava sempre numa conduta dolosa.

Esta reforma processual instituiu, assim, uma acrescida e substancial responsabilização das partes pelo cumprimento dos deveres de probidade e de cooperação, alargando o âmbito da litigância de má fé às condutas da parte que, com negligência grave:

- Tenha deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
- Tenha alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
- Tenha praticado omissão grave do dever de cooperação e/ou tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável;
- Com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Daqui resulta, pois, de modo linear, que a litigância de má fé não pressupõe o dolo – legem habemus -, sendo absolutamente claro, que se destina a sancionar as condutas previstas nas alíneas do nº 2 do art. 542º do C.P.C., quer quando são praticadas com dolo, como, quando o são com negligência grave.

A condenação de uma parte como litigante de má fé consubstancia um verdadeiro juízo de censura sobre a sua atitude processual, em face do constatado uso que tenha feito dos mecanismos jurídicos postos ao seu dispor, com o vincado intuito de moralizar a actividade judiciária, sendo que, tanto pode revestir um caracter substancial (dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada, alteração da verdade dos factos e/ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa) como instrumental (seja porque se pratica grave omissão do dever de cooperação, seja porque se faz do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável).

Nestas duas modalidades está sempre em causa “um uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais” com uma das finalidades aludidas no nº 2 do art. 542º do C.P.C., circunscrevendo-se o âmbito de aplicação do instituto “às situações configuradoras de meras violações de deveres e ou obrigações processuais” (2).

Na verdade, encontrando a proibição da litigância de má fé o seu fundamento num princípio de natureza puramente processual, que é o princípio da cooperação consignado no artigo 7º e seguintes do C.P.C., não estão em causa violações de posições de direito substantivo, mas sim e apenas ofensa a posições ou deveres processuais (3), com vista a prosseguir e acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, em ordem a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça (4).

Desta configuração e amplitude normativa do instituto da litigância má fé decorre com clareza que a tutela das posições substantivas ou materiais eventualmente atingidas pela parte responsável por má fé processual caberá, por conseguinte, a outros institutos próprios do direito substantivo como o abuso do direito e a responsabilidade civil (5).

Destarte, e em decorrência do exposto, existirá litigância de má fé sempre que se possa afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente, pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a versão dos factos relativos ao litígio ou que faz do processo ou meios processuais uso manifestamente reprovável, sendo por isso evidente que a simples proposição de uma acção, que venha a ser julgada sem fundamento, ou a contestação deduzida a pedido que venha a ser julgado procedente, não constituem, de per si, actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.

Como pilar ou fundamento do critério para se aferir e apreciar do dolo ou da negligência deverá atentar-se nos fundamentos do instituto (princípio da cooperação e dever de boa fé processual), nos interesses que através dele se pretende afirmar (respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça) e finalidades que se visam alcançar (moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça) e, também, à própria natureza sancionatória do instituto (dele resulta a aplicação de multa), uma vez que, o que verdadeiramente está em causa é o desrespeito ou violação, pela parte, dos seus deveres de cooperação e probidade (cfr. arts. 7º e 8º-A do C.P.C.).

Assim, o critério para apreciação da negligência (tanto mais que estamos a reportar-nos a uma sanção (6) por ilícito processual, diverso do ilícito civil), não pode deixar de ser referenciado ao padrão de conduta exigível ao agente (à parte), ajustado à sua idade, às suas carências pessoais e particulares inaptidões, incorrendo na prática deste ilícito processual, a título de negligência, a parte que não proceder com o cuidado e diligência (o padrão de conduta) a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e era capaz.

Trata-se de um critério subjectivo e concreto, uma vez que as capacidades próprias da parte são o limite aos seus deveres de boa fé processual e de cooperação, sendo evidente que, para além das suas capacidades próprias, não existe dever de cooperação, e, consequentemente, não poderá também haver negligência.

Importa ainda realçar que, como se deixou dito, são sancionáveis pelo instituto da litigância de má fé, tanto os comportamentos da parte que fundamenta a sua pretensão num conjunto de factos inverídicos ou insusceptíveis de conduzir ao efeito pretendido, como os comportamentos da parte que invoca enquadramento jurídico de todo desajustado à situação de facto que invoca, havendo ainda de atentar-se em que a mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta (7).

À luz das considerações acabadas de expender e revertendo agora à análise da situação vertente, poderemos desde já afirmar que muito pouco, ou mesmo nada de relevante, haverá a acrescentar ao que já consta dos fundamentos da decisão recorrida.

Com relevância para o aspecto em análise, e como consta da própria decisão recorrida, a propósito da conduta processual das partes resultou demonstrado que nos Autos de Execução n.º 341/08.9GACBC-A que correram termos neste Tribunal, em que foi exequente a aqui Ré e executado o aqui Autor, em 5 de Dezembro de 2014, foi penhorado e apreendido o veículo ligeiro de passageiros, matrícula MO, que era utilizado pelo Autor na sua actividade profissional de transportes de aluguer, tendo o A. ficado depositário, com obrigação de o entregar assim que lhe fosse exigido, não o podendo utilizar ou alienar por doação, venda ou qualquer outra forma, enquanto se encontrasse à sua guarda.

E mais se apurou que, no acto da apreensão, o A. deu conta, quer à Ré, quer à Sr.ª Agente de Execução, de que aquele veículo era usado por si na sua profissão de taxista, não tendo outro para a realizar.

Apurou-se ainda que, após a apreensão, o A. deduziu oposição à penhora daquele veículo, requerendo o seu levantamento por se tratar de um veículo afecto ao trabalho, tendo sido determinado o levantamento da penhora incidente sobre o referido veículo, a 21/01/2015, por ter considerado que se tratava de “(…) veículo táxi que é utilizado pelo Executado como instrumento de trabalho, assim se consubstanciando como bem isento de penhora, ao abrigo do citado regime previsto no art.º 737.º, n.º 2 do Código de Processo Civil , tendo, assim, ficado privado daquele seu veículo táxi e das virtualidades económicas que o mesmo lhe proporciona desde 05/12/2014 até 23/01/2015, isto é, 49 dias;

Ora, estando-se, como de facto se está, perante factos pessoais, não podia a Ré ignorar que o veículo em referência era utilizado pelo Autor, qua até a alertou para essa situação aquando da realização da penhora, pelo que, de modo inelutável, resulta que a mesma teve plena consciência de que estava a praticar um acto ilegal, até por que estava acompanhada da agente de execução, não podendo, por isso, deixar de saber que estava a praticar um acto ilícito e que dele derivariam para o Autor consideráveis danos, por se ver privado dos rendimento que lhe proporcionava a sua actividade de taxista.

Deste modo, assentado a condenação da Ré no facto de a mesma ter realizado a penhora de um bem que não podia efectuar, por se tratar de um veículo táxi que era utilizado pelo Autor/executado como instrumento de trabalho, sendo, por consequência, um bem isento de penhora, ao abrigo do regime previsto no artigo 737, nº 2, do C.P.C., incontroverso resulta que um tal, sendo ilícito, constitui facto a R. não o podia ignorar ou desconhecer, pelo que se nos afigura inquestionável se afigura também a existência de litigância de má fé.

Considera, no entanto, a decisão recorrida que “a condenação em indemnização por litigância de má-fé apenas pode ser proferida se for pedida no âmbito do processo em que se verifica, isto porque, encontrando-se prevista a litigância de má-fé como incidente do processo em que se verificam os respectivos pressupostos factuais, estes apenas podem ser apreciados pelo juiz da causa, que os considerará provados ou não, e que, necessariamente, haverá de decidir do seu enquadramento jurídico, absolvendo ou condenando na multa e indemnização que julgar justa e adequada ao caso concreto.

E assim sendo, entende tal decisão ser de concluir que a litigância de má-fé não pode ser apurada numa acção autónoma (como a presente) daquela em que se verificam os respectivos pressupostos, pelo que, se impõe afastar o enquadramento jurídico da presente acção relativamente à responsabilidade por litigância de má-fé, que só poderia ser apreciada, como tal, no processo n.º 341/08.9GACBC-A.

Ora, salvo o muito e devido respeito, pese embora e sem embargo da controvérsia existente sobre a questão, não se nos afigura que isto assim seja.

Na verdade, a propósito de idêntica questão refere-se no Acórdão da Relação do Porto, de 24/10/2002, o seguinte:
(…)
“Não tendo havido pedido indemnizatório, nem sequer condenação da parte como litigante de má fé pelos factos que fundamentam o pedido nesta acção, não pode falar-se em caso julgado.
Estará, então vedado à parte que se sente prejudicada pelos factos integradores da má fé, lançar mão dos meios de acção comuns?
A resposta a essa questão não será, certamente, isenta de dúvidas.
Por nós, conscientes, embora, que a jurisprudência que se conhece tem decidido em sentido contrário - Acs. STJ de 21/01/64, BMJ 133.º-389 e RC invocados na decisão recorrida, sumariados no mesmo Boletim nos n.ºs 434.º-701 e 467.º-637 -, entendemos que é lícito ao lesado formular o pedido indemnizatório em acção autónoma.
As razões desse entendimento são as que a seguir se alinham.
O direito à indemnização pela prática de factos passíveis de levar à condenação por litigância de má fé encontra o seu fundamento nos princípios e requisitos gerais da responsabilidade civil. A conduta do litigante é ilícita e geradora da obrigação de indemnizar se culposa, como exige a lei, isto é, movemo-nos no campo da responsabilidade subjectiva.

Como refere A. DOS REIS - Anotado, II, 261 -, «o que inquina o facto da parte, o que lhe imprime mancha ou vício, o que transforma o facto lícito em facto ilícito, é justamente o dolo ou a culpa com que ela se conduziu em juízo». Quando tal sucede, a parte comete um ilícito processual a que corresponde, como sanção, além do mais, a responsabilidade civil pela reparação dos prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência da má fé.

Assim, a única diferença entre os factos integradores de má fé e outros igualmente geradores de responsabilidade civil e fonte da obrigação de indemnizar reside na circunstância de os primeiros serem praticados num processo judicial.
Ao lesado, titular do direito de indemnização reconhecido pelo direito substantivo, assiste um direito de acção contra o lesante.

É assim que no art. 2.º CPC se estabelece que "a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção destinada a fazê-lo reconhecer em juízo (...)", cabendo a forma de processo comum aos casos a que a lei não destine processo especial (art. 460.º).
Como já se aludiu a lei processual prevê a faculdade de a parte formular incidentalmente a pretensão indemnizatória na acção em que ocorreu a actuação ilícita da contraparte.
Porém, não impõe expressamente esse dever, nem prevê quaisquer consequências para o seu não exercício.
Em tais circunstâncias, não será de afastar a hipótese de o legislador não ter pretendido mais que facultar ao lesado pela actuação de má fé um meio simples e célere de exercer o seu direito, regulamentando a respectiva tramitação em função da natureza incidental e acessória que ali assume, sem querer bulir com a possibilidade de o credor de indemnização que não pretenda utilizar a faculdade que lhe é concedida através desse meio expedito lançar mão de acção autónoma, sujeita à regra do processo comum, para efectivação da responsabilidade civil.

Se, como já se argumentou, a utilização da regulamentação simplificada incidental encontra justificação na necessidade de poupar o credor às desvantagens de uma extensa, morosa e dispendiosa tramitação processual, tem de se convir que fica por explicar por que razão esse mesmo fundamento se há-de voltar contra o lesado em termos de o impedir de fazer reconhecer o seu direito em juízo fora do processo em que foi cometido o ilícito.


De resto, bem pode acontecer que, mesmo no fim do processo, a parte vítima da má fé ainda não conheça a extensão dos prejuízos directa ou indirectamente dela derivados, obstaculizando, em tal caso, o ressarcimento total dos danos a regra do 2.º segmento do art. 457.º-1-b) CPC (fixação da indemnização em quantia certa, ou seja, de imediato, não relegável para execução de sentença, e com recurso à equidade).
Finalmente, uma outra razão, e a que temos por mais relevante.
A omissão de uma determinada tramitação processual desencadeia directamente apenas consequências de natureza processual, nomeadamente excepções dilatórias e nulidades, sem consequências imediatas a nível do direito substantivo - art.s 493.º e ss. e 193.º e ss. CPC.

Porém, na situação em apreciação, a falta de formulação da pretensão indemnizatória como incidente da acção, teria como consequência inevitável, não alguma das decorrentes da utilização de uma forma ou meio processual errado, impróprio ou inadequado, mas a extinção imediata do direito subjectivo exercitado, o direito à indemnização.

Estar-se-ia, assim, perante uma forma de preclusão e extinção do direito substantivo por caducidade que a lei não prevê, consagrando o afastamento da possibilidade legal do seu exercício, e que, na falta de expressa manifestação de vontade do legislador, não se vê como aceitar (cfr., neste sentido, o ac. RP, de 19/5/94, CJ XIX, III, 211)”. (8)

Ora, como é consabido, a indemnização por litigância de má-fé pode abranger, na esteira do artigo 543.º, n.º1, o reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária a despender, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos (alínea a), o reembolso dessas despesas e satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má-fé (alínea b).

Ora, como resulta da materialidade supra exposta, resultou demonstrado que o aludido veículo era diariamente utilizado pelo A. no exercício da sua actividade de transportes de aluguer em veículos automóveis ligeiros de passageiros (taxista), pelo que, durante o período que se manteve a penhora e apreensão ilegal do veículo, o A. viu-se impossibilitado de exercer a sua actividade por falta do instrumento de trabalho, o A. sofreu um prejuízo patrimonial de €4.900,00 (€100,00 x 49 dias).

E mais se apurou que, ainda em razão da conduta da Ré, o A. sofreu tristeza, humilhação, vexame, perante a atitude da Ré, em insistir na aludida penhora e apreensão ilegal do seu instrumento de trabalho, sentindo-se impotente e revoltado, por não poder evitar o impedimento forçado de usar aquele seu veículo, bem como de retirar os proveitos que o mesmo lhe oferece.

Assim sendo, haverá a presente acção de proceder na íntegra relativamente ao valor dos danos materiais provocados ao A., ou seja, haverão de ser fixados no montante global de 4.900.00 €.

No que concerne aos danos não patrimoniais, como é sabido, a fixação do valor indemnizatório para o seu ressarcimento corresponderá a uma mera compensação a calcular segundo critérios de equidade, procurando-se a solução que pareça mais justa face às características concretas da situação, sendo que, aquilo que, efectivamente se visa, é compensar realmente o lesado, tendo o valor da indemnização um alcance significativo e não meramente simbólico.

O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deverá, assim, ser calculado em qualquer caso – isto é, haja dolo ou mera culpa do lesante – segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. deverá ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. (9)

Embora a ideia de igualdade esteja associada à equidade esta tem um âmbito bem mais lato - pela equidade procurar-se-á a solução que pareça mais justa face às características concretas da situação, uma vez que a equidade é, afinal, a justiça do caso concreto.

Como refere Dario Martins de Almeida (10), quando se faz apelo a critérios de equidade pretende-se encontrar aquilo que no caso concreto pode ser a solução mais justa. “A equidade não equivalerá ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio”. A equidade significará igualdade, mas uma igualdade segundo a desigualdade das circunstâncias. E, mais adiante: “a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas de força da equidade quando opera, com os ditames da lei, na análise e solução e compreensão do caso concreto”.

A equidade não implicará que tenhamos de respeitar forçosamente um precedente jurisprudencial; nem para o efeito se consideraria, tão só, tratar-se de uma percentagem de incapacidade mais ou menos idêntica à de outro caso, importando todo o circunstancialismo envolvente e, necessariamente, a concreta dor física ou moral, a angústia, enfim, o sofrimento efectivamente experimentado e que se pretende compensar.

Ora, a jurisprudência tem vindo a acentuar que o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, devendo ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, proporcionando os meios económicos capazes de fazer esquecer, ou pelo menos mitigar, o abalo suportado.

Destarte, à luz destes critérios e tendo em consideração os factos demonstrados, considera-se adequado o montante de 1.500,00 €, para integral ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida, condenando-se a Ré, Maria, como litigante de má-fé, no pagamento indemnização ao Autor, correspondentes aos prejuízos sofridos por este último, no montante de 4.900,00 €, a título de danos patrimoniais, e de 1.500,00 €, a título de danos não patrimoniais, nos termos do artigo 543.º, n.º 1 alínea b), do Código de Processo Civil, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a presente data, até integral pagamento.

Custas por Recorrente e Recorrida na proporção do respectivo decaimento.
Guimarães, 30/ 05/ 2018.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.


1. Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol. (2ª edição revista e ampliada), pag. 97.
2. Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude De Actos Praticados No Processo, Almedina, pag. 49.
3. Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pag, 51.
4. Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pags. 55 e 56.
5. Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pag. 59.
6. Cfr. Pedro de Albuquerque, Responsabilidade …, pag. 12.
7. Cfr. ac. S.T.J. de 21/09/2006, no sítio www.dgsi.pt.
8. Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 24/10/202, proferido no processo nº 0231203, in www.dgdi.pt.
9. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 474.
10. Cfr. Dario Martins de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, págs. 103 e segs.