Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1169/14.2T8VNF-G.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: DIREITO DE REMIÇÃO
FAMILIARES DO EXECUTADO
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

.Os familiares do executado não têm de ser notificados para exercerem, querendo, o direito de remição, pois que tal notificação não está prevista na lei. Incumbirá ao executado dar a conhecer ao seu familiar o valor base do bem a vender e o preço pois que tem os elementos necessários para o informar, ficando este com as condições necessárias para decidir se pretende ou não exercer direito de remição e incumbindo-lhe manifestar nos autos essa pretensão.

. Para que os familiares dos executados possam exercer o direito de remição precisam os executados de conhecer qual vai ser o valor da venda.

. O facto de ter sido feita a alguns dos habilitados representados, notificação directamente, não preclude o direito de estes invocarem a nulidade através do seu mandatário, decorrente da falta da notificação do seu mandatário, pois que as notificações às partes são feitas na pessoa dos seus mandatários.

.A parte que recebeu uma notificação pode nem comunicar tal facto ao seu mandatário, pois estará confiante que ele recebeu igual notificação e que se for preciso praticar algum acto no processo, ele não deixará de o fazer e como, em regra, não são técnicos do direito, também não sabem que comportamento deveriam ter adotado na sequência da notificação recebida.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

Vieram (…) e outros, interpor recurso do despacho proferido a 26.03.2018 (1), no segmento em que se pronunciou sobre a nulidade arguida a fls 1950 e seguintes, por falta de notificação do seu mandatário em 20.06.2017 e 12.10.2017, e que desatendeu a invocada arguição e indeferiu o reconhecimento do direito de remição relativamente ao imóvel descrito na matriz urbana sobre o artigo ... da freguesia de (...), por já se encontrar ultrapassado o prazo previsto no artº 843º, nº 1, alínea b) do CPC.

O despacho recorrido é o seguinte (no segmento com relevo para o conhecimento do recurso):

“Requereram ainda aqueles interessados, a fls. 1950 e segs., a nulidade do processado, por falta de notificação dos seus termos, omissão esta que terá conduzido, inclusivamente, à impossibilidade ser exercido o direito de remição quanto ao imóvel vendido.

Vejamos.

Informou a Exma. Agente de execução, a fls. 1944, que o lote nº … (ou seja, o imóvel descrito no art. ... da matriz predial da freguesia de (...)) foi vendido por 215 000 € – ou seja, por montante superior a 85% do valor base de 244 411 €, conforme fixado a fls. 1495 e segs..

Neste ponto, cumpre referir, tal como decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2009, in www.dgsi.pt, que “o titular do direito de remição – que não detém o estatuto processual de parte na execução – não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar executado e, nessa qualidade, notificado nos termos gerais, lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do direito, não impondo a lei de processo que seja notificada a data e local em que se irá realizar certa venda extrajudicial, cujos elementos essenciais já se mostram definidos e foram levados ao oportuno conhecimento dos interessados”.

Assim, inexiste a obrigatoriedade legal de notificar os alegados titulares do direito de remição da intenção de proceder à venda do bem.

Mais: no caso em apreço, os referidos interessados são, inclusivamente, parte nos autos, enquanto sucessores habilitados do devedor originário J. M.. Assim, sempre poderiam depositar nos autos o valor correspondente ao preço do bem, assim obstando à sua venda.

Neste âmbito, importa ainda realçar que, determinada a venda por negociação particular e angariado interessado na aquisição por valor igual ou superior ao fixado, inexistirá qualquer notificação a efectuar aos demais interessados.

Na verdade, conforme se refere naquele aresto, “Não existindo regime especial nas normas que regem a acção executiva, é naturalmente necessário recorrer à parte geral do CPC, nomeadamente ao disposto no art. 229º: ora, da aplicação deste regime decorre que não carecem de ser notificados às partes as diligências meramente executivas que, no plano prático, visam concretizar uma venda extrajudicial, já previamente determinada e definida nos seus elementos essenciais, nomeadamente o preço por que vai ser realizada: é que, ao contrário do sustentado pelos recorridos, o executado não tem o direito de assistir e estar presente ao acto de outorga na escritura de venda, nem tem qualquer direito processual a pronunciar-se especificamente sobre as diligências práticas que visam permitir a realização do negócio, sem qualquer inovação relativamente aos seus elementos essenciais, já precedentemente definidos (não sendo obviamente convocáveis as normas que regulam a abertura das propostas em carta fechada, já que não estamos aqui confrontados com uma venda judicial).” (o sublinhado é nossa autoria).

Consequentemente, seguindo na esteira deste aresto, conclui-se que nenhuma nulidade foi cometida, designadamente, decorrente de omissão de notificação das diligências tendentes à venda de tal bem.

Além do exposto, importa ainda frisar que, na situação em apreço, nunca se poderia reconhecer aos requerentes o exercício do direito de remição, uma vez que já se encontra ultrapassado o prazo previsto no art, 843º, nº 1, al. b), do CPC.

Assim, inexiste qualquer nulidade a declarar, mais se indeferindo o requerido reconhecimento de direito de remição dos interessados relativamente ao bem imóvel descrito na matriz sob o art. ... da freguesia de (...).

Notifique, sendo a Exma. Agente de Execução para depositar nos autos, em 10 dias, o montante referente ao preço do aludido imóvel .”

Os sucessores habilitados do devedor de tornas não se conformaram e interpuseram o presente recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O despacho que julgou improcedente a arguição de nulidade por falta de notificação dos termos e decisão da venda e que, consequentemente, conduziu à impossibilidade, em tempo oportuno, do exercício do direito de remição viola o direito constitucionalmente garantido de igualdade das partes, bem como o disposto nos arts. 195º/1, 247º/1, 812º, 833º e 842º, todos do CPC.
2. Por sentença de 13/10/2016, foram os Recorrentes julgados herdeiros habilitados do devedor de tornas J. M., sendo que, nessa qualidade, passaram a estar representado pelo signatário J. D., por procuração junta aos autos.
3. Por despacho notificado aos Recorrentes, na pessoa do seu mandatário, em 13/02/2017, foi deferida a substituição de Agente de Execução, conforme requerido pelas Interessadas/credoras de tornas.
4. Por fax de 17/05/2017 foi o mandatário notificado pela A.E. substituta para, na qualidade de mandatário dos habilitados, prestar informação acerca dos imóveis devolutos e dos arrendados.
5. Por fax de 06/06/2017, foi o mandatário notificado pela A.E. do diferimento de prorrogação do prazo para junção de tais elementos aos autos.
6. Por fax de 20/06/2017, o mandatário dos Recorrentes remeteu à A.E. listagem de todos os arrendamentos em vigor, contratos e rendas, sendo que, nesse mesmo requerimento, requereu a sua expressa notificação, na qualidade de mandatário dos habilitados, de quaisquer propostas ou requerimentos que fossem juntos aos autos; reiterando, aliás, o teor do requerimento que já anteriormente havia junto aos autos em 14/06/2017.
7. Dispõe o art.247º/1 do CPC que as notificações às partes são feitas na pessoa dos mandatários judiciais.
8. Acontece que, desde então, o mandatário dos Recorrentes nunca mais recebeu qualquer notificação seja por parte da A.E., seja por parte de qualquer dos mandatários das interessadas credoras de tornas.
9. Apenas em 19/10/2017, por consulta dos autos através do CITIUS, vieram os Recorrentes a tomar conhecimento, através do seu mandatário, que os autos estavam a ser tramitados, no que concerne às diligências de venda, à completa revelia do seu mandatário.
10. Já nessa data havia sido alienado o imóvel do lote nº12 (art.684º-U da freguesia de (...)) sem que:
i) Os Recorrentes e seu mandatário tivessem sido notificados da nomeação do Encarregado de Venda;
ii) Ou sequer da proposta do Encarregado para venda do imóvel do lote nº12 pelo preço de € 215.000,00;
iii) E, mais grave ainda, da decisão de venda pelo indicado valor e da indicação de dia, hora e local para realização da escritura, impedindo, dessa forma, os Recorrentes (por si ou através do respectivos familiares) do exercício oportuno do direito de remição legalmente consagrado no art. 842º do CPC
iv) E até já tinha sido distribuído o dinheiro (produto da venda) por todos.
11. Tudo em manifesta desigualdade de tratamento e violação do disposto no art.4º do CPC, já que a A.E. notificou a proposta do Encarregado de Venda aos demais mandatários dos restantes interessados por fax e carta.
12. Já quanto ao mandatário dos Recorrentes veio a verificar-se existir uma notificação telemática dessa proposta do Encarregado de Venda, remetida a 20.06.2017, que, porém, não foi rececionada pelo destinatário por anomalia na comunicação de dados, justificada e provada documentalmente a fls.1906 e ss., por informação oficial prestada pelo Serviço de Apoio Técnico do Citius; circunstância que é do conhecimento dos A.E.´s e que, por isso, teve o cuidado de proceder à notificação dos demais intervenientes no processo através de fax ou carta.
13. O mandatário dos Recorrentes não teve o mesmo tratamento que os demais mandatários que foram notificados por fax e carta. Inclusive foi também sempre por fax que a A.E. notificou anteriormente o mandatário dos Recorrentes quando pretendia estar certa da sua receção.
14. Certo é que, a omissão desta notificação e posteriormente de todas as demais que se impunham terem sido feitas (concretamente a decisão da venda e a notificação da data e local de realização da escritura) impediram o exercício do direito de remição quanto ao imóvel alienado ou até a apresentação de melhor proposta.
15. A lei consagra um prazo apertado para o exercício do direito de remição – até ao momento da assinatura da escritura (art.843º/1 b) do CPC) - pressupondo, por isso, que os seus titulares tenham conhecimento que a venda se vai realizar, ainda que esse conhecimento tenha que lhes ser transmitido pelo familiar executado.
16. A A.E. ou o Encarregado de Venda tinham obrigação de prestar informação do preço definitivo, já que tal elemento é absolutamente essencial e determinante e permitiria aos Recorrentes diligenciar, em tempo útil, pelo exercício do direito de remição, como pretendem, para defesa do seu património familiar.
17. De igual modo, assiste ao executado e, no caso em apreço aos seus herdeiros habilitados, a notificação da data para a realização da escritura, já que, de outro modo, não faria qualquer sentido a fixação do prazo determinado no art.843º/1 b) do CPC.
18. Dispõe o art. 839º/1 do CPC que a venda fica sem efeito se for anulado o ato da venda, nos termos do art.195º do CPC.
19. Dispõe o art.195º que a omissão de uma formalidade produz nulidade se a irregularidade cometida puder influenciar o exame ou a decisão da causa, ou seja, se na ação executiva puder influenciar a penhora, a venda ou o pagamento.
20. A irregularidade verificada nestes autos, consubstanciada na falta de notificação aos Recorrentes e seu mandatário, de elementos essenciais e determinantes da venda (como sejam o preço, a decisão de venda e a data e local de realização da escritura), influi na venda executiva realizada, mais concretamente na impossibilidade do exercício do direito de remição em tempo oportuno.
21. Razão porque se impõe seja reconhecida a nulidade verificada e anulado todo o processado desde a nomeação do Encarregado de Venda.

Nos indicados termos e nos mais de Direito que V. Exs. doutamente suprirão, deve ser revogado o despacho em crise e, consequentemente, considerado anulado todo o processado desde a nomeação do Encarregado de Venda, designadamente a venda realizada relativamente ao imóvel do lote nº …, assim se fazendo inteira e sã Justiça.

A interessada Maria contra-alegou, tendo concluído as suas contra-alegações do modo seguinte:

I. No modesto entendimento da Recorrida Maria, o douto Despacho é irrecorrível nos termos do nº2 do artigo 630º do Código de Processo Civil, na medida em que se trata de uma decisão proferida sobre uma nulidade arguida com fundamento no artigo 195º, nº1 do mesmo diploma.
II. Sem conceder, ainda que se entenda que a decisão é recorrível, o recurso é intempestivo, na medida em que o prazo para a respectiva interposição era de 15 dias e não 30, pois não estamos perante qualquer incidente da instância processado autonomamente nos termos do artigo 644º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Civil.
III. Sem prescindir, o douto Despacho recorrido não merece qualquer censura e bem andou o Tribunal de Primeira Instância ao indeferir a nulidade invocada pelos Recorrentes, já que não se verifica a preterição de qualquer formalidade legal, mais concretamente inexiste falta de notificação das diligências de venda, por parte da Agente de Execução.
IV. Estamos perante um “processo executivo especial simplificado”, já que, na falta de pagamento das tornas por parte do devedor J. M., o processo de inventário prosseguiu para a satisfação dos direitos de crédito das Recorridas Maria e M. C., nos valores de € 1.013.185,48 e € 1.570.943,63, respectivamente, acrescidos de juros, tendo, entretanto, falecido o devedor e os Recorrentes sido habilitados para prosseguirem o processo na posição que antes cabia àquele.
V. No que respeita às notificações na fase da venda por negociação particular em acção executiva regem os artigos 812º e 833º do Código de Processo Civil, dos quais decorre que é notificado às partes o despacho que ordena a venda nessa modalidade, designa a pessoa que, como mandatário, fica incumbida de a efectuar e fixa o preço mínimo por que pode ser realizada.
VI. Tal ocorreu com o Despacho proferido em 15/12/2016, o qual foi notificado às partes, pelo que desde essa data que os Recorrentes têm pleno conhecimento que os bens adjudicados ao falecido pai se encontram à venda através de negociação particular, pelo que, tendo interesse na preservação do património no seio da família, têm o ónus de informar os familiares directos e sobre estes recai o ónus de acompanhar a situação dos bens.
VII. As demais diligências meramente executivas levadas a cabo pela Agente de Execução não terão de ser notificadas às partes, cabendo-lhe apenas, em face da proposta transmitida pelo encarregado de venda, decidir da venda mediante a outorga do título de transmissão da propriedade, o que só faz depois de ouvidas as partes, não tendo que proferir qualquer «despacho de adjudicação» ou «decisão de venda», de modo que não há qualquer decisão de venda a notificar aos Recorrentes.
VIII. ‘In casu’, o valor da proposta em apreço era superior a 85% do valor de base de venda e, notificados todos os interessados, incluindo os Recorrentes, nenhum se opôs à venda ou apresentou melhor proposta, pelo que a outorga da escritura de venda do imóvel ao proponente não tinha de ser, pela Agente de Execução, notificada às partes, pois não se trata de qualquer acto processual.
IX. Não obstante os Recorrentes e a Interessada L. M. (mulher do Recorrente F. M.) terem sido notificados da proposta de compra, ninguém manifestou intenção de exercer o direito de remição.
X. Certo é que aos Recorrentes, na qualidade de parte no presente processo, não assiste o direito de remição e, relativamente aos familiares, só no passado dia 08/05/2018, após a Recorrida ter manifestado aquele entendimento, veio L. M. (esposa do Recorrente F. M.) e C. F. (marido da Recorrente A. P.) manifestar a pretensão do exercício do direito de remição, em comum e partes iguais.
XI. Sucede que, caso fosse essa a real intenção dos Recorrentes e/ou familiares, nada impedia (excepto a lei quanto aos Recorrentes) que os mesmos tivessem exercido tal direito relativamente à venda que pretendem ver anulada.
XII. Porquanto, a única notificação que a Agente de Execução estava legalmente obrigada a efectuar, efectuou-a: reportamo-nos à notificação da proposta de compra do imóvel aos Mandatários e aos Interessados e para querendo, em 10 dias, se oporem a tal proposta, conforme teor do Requerimento apresentado a juízo, em 03/11/2017, pela Agente de Execução e dos documentos juntos ao processo.
XIII. Aliás, os direitos dos Recorrentes saírem reforçados pelo facto de ter sido notificado não só o respectivo Mandatário mas também pessoalmente três Recorrentes, já que, em 20/06/2017, a Agente de Execução notificou: a) O Ilustre Mandatário dos Habilitados, por via electrónica; b) As Habilitadas Maria C. e I. M., bem como a Interessada L. M., esposa do Recorrente F. M., por carta registada;
XIV. Com efeito, a Agente de Execução notificou o mandatário dos Recorrentes (como é confessado no artigo 27. das Alegações de recurso), e, ao contrário do que estes alegam, do teor de Fls. 1906 e seguintes não decorre que a notificação (comprovadamente) efectuada pela Agente de Execução não foi recepcionada pelo Ilustre Mandatário dos Recorrentes.
XV. Ademais, de acordo com as regras da experiência comum, não é crível que as Recorrentes não hajam dada conhecimento das cartas ao Ilustre Mandatário, desde logo, atendendo ao elevado valor em dívida às Recorridas e dos imóveis que se encontram à venda, propriedade da Recorrente Maria C. e da Herança aberta por óbito do Interessado J. M., de que foram aqui habilitados os Recorrentes.
XVI. Acresce que, em 02/06/2017, a secretaria judicial notificou, por carta registada, as interessadas Maria C., A. P., F. M. e esposa L. M. da proposta de aquisição apresentada pela Interessada M. C., no seguimento do que respectivo Mandatário apresentou Requerimento, informando o processo que não havia sido notificado pelo Tribunal mas que os Interessados se opunham à proposta, o que significa que estes fizeram chegar as cartas recepcionadas ao Advogado, não sendo verossímil que tivessem agido de forma diferente com as cartas que recepcionaram da Agente de Execução sobre o mesmo assunto.
XVII. Pelo que, não foi preterida qualquer formalidade legal mas ainda que se entenda que tal ocorreu – o que não se concebe, nem se concede -, a omissão não seria cominada com nulidade, tratando-se de mera irregularidade por não influir no exame ou decisão da causa (artigo 195º, n.º1 do Código de Processo Civil).
XVIII. Com efeito, quer os Recorrentes, quer os familiares, tiveram conhecimento da proposta e ficaram na inércia, a qual só aos mesmos é imputável, pois não se pronunciaram quanto à dita proposta por vontade própria, o mesmo sucedendo quanto aos titulares do direito de remição não se terem apresentado a exercê-lo, fosse junto do Tribunal, fosse junto da Agente de Execução, identificada nas notificações realizadas.
XIX. Ainda sem prescindir, mesmo que se tratasse de nulidade, a mesma encontra-se sanada, já que não foi arguida no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento ou quando dela os Recorrentes pudessem conhecer, agindo com a devida diligência (artigos 199º, n.º e 149º, n.º1 do Código de Processo Civil).
XX. Porquanto, da tramitação processual e dos documentos carreados para os autos resulta que: a) Os Recorrentes foram notificados do despacho judicial que ordenou a venda por negociação particular, a levar a cabo por Agente de Execução; b) Em 14/06/2017, o mandatário dos Recorrentes alegou no processo que não foi notificado, pela secretaria judicial, da proposta de aquisição apresentada por M. C. mas opôs-se à venda pelo facto de os Recorrentes Maria C., A. P. e F. M. terem sido notificados da proposta pelo Tribunal; c) A escritura de compra e venda que pretendem ver anulada foi outorgada a 30/08/2017; d) O Imóvel objecto da venda encontrava-se arrendado, sendo a renda mensal no valor de 3.000€, e a Recorrente Maria C. é a Cabeça-de-casal da Herança de J. M., de que os Recorrentes foram habilitados nos autos, causando estranheza que afirmem que só tiveram conhecimento da alegada nulidade a 19/10/2017, data em que estariam em mora rendas na quantia de € 6.000,00 caso o imóvel não tivesse sido vendido; e) Pelo menos as Recorrentes Maria C. e I. M. foram pessoalmente notificadas pela Agente de Execução da proposta de compra do imóvel que foi vendido e não se opuseram à venda, nem apresentaram melhor proposta; f) A esposa do Recorrente F. M. (a interessada L. M.) foi pessoalmente notificada da proposta da venda (que pretendem ver anulada) e não exerceu o direito de remição.
XXI. Em suma, o intuito dos Recorrentes é protelar a satisfação do direito de crédito das Recorridas, bastando compulsar os autos para constatar que, entretanto, os mesmos têm se oposto a todas as propostas apresentadas para os demais bens, mesmo sendo de valor superior a 85% do valor de base, sem que apresentem fundamento para a oposição ou melhor proposta.

Termos em que deverão V.ªs Ex.ªs Venerandos Juízes (as) Desembargadores julgar improcedente o recurso.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
.se a falta de notificação da apresentação da 2ª proposta de compra do prédio inscrito na matriz sob o artº ... da freguesia de (...), no montante de 215.000,00, ao mandatário dos habilitados, gera nulidade;
. se os titulares do direito de remição têm de ser notificados do dia em que vai ser realizada a escritura pública; e.
.se a venda deve ser anulada.

III – Fundamentação

Importa considerar a seguinte sequência de actos processuais praticados nos autos (2):

. Iniciaram-se os presentes autos para partilha dos bens deixados por óbito de Manuel e mulher M. A., tendo deixado 4 filhos: J. M., J. M., M. C. e Maria.
.Após a prolação da sentença homologatória da partilha, foi ordenado o prosseguimento dos autos de inventário nos termos e para os efeitos previstos no artº 1373º, nº 3 do CPC, assim se ordenando a venda dos bens adjudicados ao devedor de tornas J. M. até onde fosse necessário para o pagamento das mesmas às interessadas M. C. e Maria.
.Por decisão da AE de 18.12.2013 foi determinado, entre outros, a venda da Lote 12, Valor Base 244.411,00€ correspondendo a um prédio urbano sito no Campo …, freguesia de (...), concelho de X, descrito na Conservatória sob o n° ..., inscrito na matriz com o art. N° U-00684, por proposta em carta fechada, sendo aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base.
.Em 25.07.2015 faleceu J. M. e por sentença de 13.10.2016 , foram julgados habilitados Maria C., I. M., A. P. e F. M. para prosseguirem o presente inventário na posição que antes cabia a J. M..
.O Dr. J. D. foi constituído mandatário dos interessados habilitados M. L. (viúva do interessado J. M.) I. M., A. P. e F. M..
.Em 15.12.2016, o Mmo Juiz a quo ordenou a venda por negociação particular, incluindo os referidos lotes nºs 11 e 12, dos imóveis adjudicados ao falecido J. M., a levar a cabo pelo agente de execução, despacho que foi notificado ao Dr. J. D. e aos habilitados A. P., I. M. e F. M. e mulher, L. M., em 16.12.2016.
.Em 17.05.2017, o Dr. J. D. foi notificado, na qualidade de mandatário dos habilitados, para no prazo de 10 dias informar quais os imóveis penhorados que se encontravam devolutos, bem como os imóveis que se encontravam arrendados e os respectivos contratos de arrendamento ou elementos dos mesmos(fls 46)
. Por fax de 31 de maio de 2017 os apelantes requereram a prorrogação do prazo por um período não inferior a 20 dias para a obtenção dos elementos solicitados (fls 46 v e 47).
.Em 06.06.2017 foi concedido pela AE o referido prazo (fls 47 v).
.Por requerimento de 14.06.2017, dirigido ao Mmo Juiz de Direito, vieram os apelantes alegar que “como é do conhecimento dos demais mandatários nos autos, vem informar que o seu mandatário não tem sido notificado nem dos requerimentos juntos aos autos, nem dos despachos nele referidos, o que requer seja efetuado, tendo em vista o exercício dos seus direitos.
Entretanto, e sem prescindir, desde já declara que não aceita o valor proposto pela Interessada M. C. para o lote 12, atento o facto do mesmo ser inferior ao valor base e ter anteriormente merecido uma proposta pela mesma Interessada pelo valor de € 420.000,00.
Entretanto, e na sequência de notificação da A.E., anexa relação dos inquilinos e respectivos contratos.
Deverá a A.E. anunciar a venda dos prédios através de entidade competente para o efeito, promovendo o respectivo anúncio.”

.Em 20.06.2017 os apelantes vieram juntar um mapa onde constavam os inquilinos e as rendas praticadas (fls 48 e ss).
.Em 20.06.2017 foram expedidas notificações pela sra. AE para os notificados, querendo, no prazo de DEZ DIAS reclamar/opor, à proposta apresentada para aquisição do imóvel penhorado, no âmbito da realização da venda por negociação particular, do prédio que constitui a verba nº 12, tendo sido anexas duas propostas, uma no montante de 207.750,00 apresentada pela interessada M. C. e outra no valor de 215.000,00 de que deu conhecimento o encarregado da venda D. P..

.Foram expedidas notificações para:

Dr. J. A., por fax, na qualidade de mandatário da interessada M. M.; Dr. J. G., por carta, na qualidade de mandatário do interessado J. F.; Dr. E. L., por carta, na qualidade de mandatário da interessada M. C., por via telemática, Dr. J. D., na qualidade de mandatário da interessada A. P. e, por carta registada, os interessados L. M., F. M. (mulher do habilitado F. M.), I. M., F. C. e M. L..
Em 12.10.2017 foram notificados pela sra. AE, por carta registada, L. M., F. C., Maria C., nos seguintes termos: “Fica V.ª Exa. pela presente notificado(a) na qualidade de Interessado(a), para querendo no prazo de DEZ DIAS reclamar/opor, das propostas apresentadas para aquisição dos bem imóveis penhorados, no âmbito da realização da venda por negociação particular.
Desde já, se informa V Exª que da proposta apresentada pelo encarregado de venda no montante de 150.000,00 euros, a mesma é referente ao prédio descrito na CRP de X sob o nº ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 710, sito na Rua …da freguesia de (...), concelho de X.
.Na mesma data, foi igualmente notificado, por fax. o Dr. J. G. na qualidade de mandatário do interessado J. F.
.E foi notificado por carta para os mesmos fins, mas na qualidade de habilitado, F. M.
.E foi ainda expedida notificado para o Dr. J. D., na qualidade de mandatário da habilitada A. P., por via telemática.
. Em 24.10.2017 os apelantes vieram suscitar a nulidade, por preterição de formalidades essenciais, de todo o processado, desde a primeira notificação em falta, incluindo as vendas entretanto realizadas e ainda requereram a destituição da Sra. Agente de Execução e do Encarregado da Venda por esta nomeado, sem prejuízo da remessa dos autos ao Ministério Público para apreciação dos factos relatados.
.Com esse requerimento juntaram diversos documentos.
.Em 27.10.2017 foi proferido despacho ordenando a notificação da sra. AE para se pronunciar sobre o requerimento dos executados e para informar o estado das diligências de venda dos imóveis em causa.
.Em 3.11.2017 a sra. AE pronunciou-se sobre o requerimento dos requerentes apelantes de 24.10.2017 nos termos de fls 27 a 29 destes autos de recurso, informando, designadamente, que:
“18. Efectivamente, no dia 20/06/2017, a Agente de Execução notificou as partes e os mandatários da proposta de aquisição apresentada pela Interessada M. C. e da proposta remetida pelo encarregado de venda, que lhe foi apresentada por terceiro, para querendo, no prazo de 10 dias, «reclamar/opor, a proposta apresentada para aquisição do imóvel penhorado, no âmbito da realização da venda por negociação particular».
19. De acordo com o sistema informático de apoio à actividade dos agentes de execução – o …/… -, neste processo:
a) O Exmo. Sr. Dr. J. D. apenas se encontra associado como mandatário da Habilitada A. P. e do falecido Cabeça de Casal J. M., e já não como mandatário dos habilitados M. L., F. M. (e esposa L. M.) e I. M., conforme teor dos documentos que se juntam como Docs. 1, 2 e 3.
b) O Exmo. Sr. Dr. J. A. encontra-se associado como mandatário da Interessada M. M. (Cfr. Doc. 2).
c) O Exmo. Sr. Dr. E. L. encontra-se associado como mandatário da Interessada M. C. (Cfr. Doc. 3).
d) O Exmo. Sr. Dr. J. G. encontra-se associado como mandatário do Interessado J. F. (Cfr. Doc. 3).
20. Por isso, nos termos da lei, no dia 20/06/2017, a Agente de Execução notificou:
a) O Ilustre Mandatário da Requerente/Habilitada A. P., por via electrónica;
b) As Requerentes/Habilitadas M. L., I. M. e L. M. por carta registada, conforme previsto no artigo 249º, n.º1 do Código de Processo Civil, por não terem mandatário constituído de acordo com o sistema informático GPESE, como supra se referiu (Docs. nºs 4 a 9);
c) Por fax ou carta os ilustres Mandatários dos Interessados M. M., M. C. e J. F.;
d) A esposa do Interessado J. F. – F. C. - por carta registada, uma vez que são casados sob o regime da comunhão de adquiridos e não tem mandatário constituído, de acordo com o sistema informático (Cfr. Docs. nºs 10 e 11).
21. Sucede que, não foi a Agente de Execução quem decidiu notificar o Ilustre Dr. J. D. por meio electrónico e os demais mandatários por outros meios,
22. A Agente de Execução fê-lo pelo facto de o sistema informático de apoio à actividade dos agentes de execução não ter permitido – e continuar a não permitir – que as comunicações aos Ilustres Dr. E. L., Dr. J. A. e Dr. J. G. sejam efectuadas por via telemática, conforme decorre do teor dos documentos que se juntam como Docs. nºs 12, 13 e 14, ao contrário do que ocorre com o Dr. J. D. (Doc. nº15).
23. Na verdade, relativamente aos identificados três mandatários, o sistema informático impede a Agente de Execução de “clicar” no círculo destinado à comunicação “Telemática” (conforme se constata pela cor cinzenta do círculo epigrafado de “Telemática” dos Docs. nºs 12, 13 e 14), o que a obriga a selecionar um diferente tipo de comunicação.
(…)
4. Destarte, a garantia processual das Habilitados/Requerentes M. L., I. M. e L. M. – que se alega serem … Modelo: 297/1.01 Página 4 de 6 também patrocinadas pelo Exmo. Sr. Dr. J. D. -, saiu reforçada pelo facto de a Agente de Execução ter notificado os Requerentes por via postal registada e o respectivo mandatário por via telemática.
25. Esclarece-se que a Agente de Execução não notificou o marido da Requerente/Habilitada A. P. – C. F. -, pelo facto de serem casados sob o regime da separação de bens, conforme teor da Habilitação de Herdeiros de J. M., a qual se encontra junta ao processo.
26. Para além do mais, compulsados os autos, constata-se que, no dia 02/06/2017, a secretaria deste Tribunal notificou electronicamente os mandatários dos Interessados J. e M., e notificou, por carta registada, as interessadas M. L., A. P., F. M. e esposa L. M.(da proposta de aquisição apresentada pela Interessada M. C.), ou seja, o Tribunal notificou todos os Interessados que o Ilustre Mandatário J. D. alega ser mandatário constituído,
27. Sem, contudo, ter notificado este advogado.
28. Mas daí não resulta que a Secretaria Judicial estivesse ou quisesse impedir que o Ilustre Mandatário em causa fosse notificado das diligências de venda praticadas no processo, nem o impossibilitou de ter apresentado requerimento a opor-se à proposta, apesar de não ter sido notificado pelo Tribunal.
29. Entretanto, no dia 12/10/2017, a Agente de Execução notificou os mandatários e as partes da proposta de aquisição apresentada ao encarregado de venda relativamente a outro bem imóvel:
a) O Ilustre Mandatário da Requerente/Habilitada A. P., por via electrónica;
b) As Requerentes/Habilitadas M. L., I. M., F. M. e L. M. por carta registada (Docs. nºs 16 a 23);
e) Por fax ou carta os ilustres Mandatários dos Interessados M. M., M. C. e J. F.;
f) A esposa do Interessado J. F. – F. C. - por carta registada (Cfr. Docs. nºs 24 e 25).
30. Importa realçar que a Agente de Execução é desconhecedora e totalmente alheia às dificuldades informáticas das notificações electrónicas que são alegadas pelo Ilustre Mandatário Dr. J. D., o qual notificou sempre que notificou os demais mandatários.
31. Há ainda a salientar que a Agente de Execução apenas foi notificada, pela Secretaria Judicial, no passado dia 18/10/2017 do Requerimento de 14/06/2017, através do qual o Ilustre Mandatário alega que «não tem sido notificado dos requerimentos juntos aos autos, nem dos despachos nele referidos» (artigo 9º do Requerimento objecto da presente pronúncia).
32. Por isso, apenas após essa data é que a Agente de Execução passou a notificar o identificado Ilustre Mandatário por via não telemática.

Quanto à realizada venda do imóvel:

33. Os demais requisitos legais, foram cumpridos pela Agente de Execução, designadamente, a venda teve lugar por preço superior a 85% do valor de base, sendo o valor base de € 244.411,00 e o valor de venda de € 215.000,00, os 85% correspondiam a € 207.749,35, pelo que a venda é legal nos termos do artigo 816º, n.º2 do Código de Processo Civil.
34. Em suma, da parte da Agente de Execução não houve qualquer intuito, nem atitude discriminatória relativamente aos Requerentes/Habilitados, ao contrário do que alegam.
35. A Agente de Execução impugna o alegado pelos Requerentes em tudo quanto se encontre em contradição com o alegado neste Requerimento.”
Em 6.11.2017 a interessada M. C. veio pugnar pelo indeferimento do requerido a 24.10.2017.
Em 21.11.2017 a sra. AE notificou o Dr. J. D. do seguinte: ”Em face do Requerimento do Interessado F. M. , apresentado a 17/11/2017, e por forma a poder pronunciar-se sobre o mesmo, vem solicitar a V/ Exa. que se digne esclarecer, no prazo de 5 (cinco) dias, qual a posição que assume relativamente à proposta no valor de € 150.000,00 apresentada quanto ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº..., inscrito na matriz sob o artigo ... urbano, sito na Rua …, freguesia de (...), concelho de X, declarando se está ou não de acordo com a venda por tal valor”.
.Em 27.11.2017 os habilitados informaram que não tinham logrado arranjar interessado na aquisição por preço superior do imóvel descrito sob o artigo ...º da freguesia de (...), X e requereram ser notificados do dia, hora e local designado para a escritura.

.Por despacho de 20.12.2017 foi designadamente decidido que:

No caso dos autos, como vimos, o Ilustre Mandatário dos sucessores do interessado J. M. deu conta que não tem vindo a ser notificado, por transmissão electrónica de dados, dos requerimentos apresentados pela Exma. Agente de execução.
Tal circunstância é admitida, “grosso modo”, pela Exma, Agente de execução, nos pontos 19 a 23 do requerimento de fls. 1903 e segs., datado de 3-11-2017. Invocou, para o efeito, a verificação de anomalias na plataforma informática destinada a esse efeito.
Assim, tendo em conta o decidido no primeiro despacho supra proferido, bem como com o objectivo de sanar qualquer nulidade decorrente da falta de notificação das propostas apresentadas nos autos aos Ilustres Mandatários, designadamente, ao dos sucessores de J. M., e mais considerando, igualmente, a desistência da proposta apresentada a 2-11-2017, notifique a Exma.Agente de execução para, em 5 dias, informar os autos sobre as concretas propostas apresentadas, os bens a que as mesmas se reportam e os valores oferecidos.
E, mais, face às alegadas dificuldades de funcionamento do sistema informático de apoio às actividades dos agentes de execução, as quais se encontram indiciariamente demonstradas pelos documentos constantes de fls. 1906 e segs., julgo justificada a conduta omissiva da Exma. Agente de execução, motivo pelo qual inexiste fundamento para a sua destituição.
Do mesmo modo, não se vislumbra a ocorrência de qualquer facto com relevo criminal, motivo pelo qual não se determina a remessa dos autos ao Ministério Público.
*
Mais diligencie a secção pela associação, como Mandatário, do Exmo. Sr. Dr. D. M. aos habilitados sucessores de J. M. (cfr. ponto 19 do requerimento de fls. 1903 e segs.).”
.Em 22.12.2017, a sra. AE informou que foi efectuada escritura de venda do lote 12 no dia 30/08/2017, no livro 23-A fls 12 do Cartório Notarial da Dr.ª C. C..
.Por requerimento de 04.01.2018 vieram os habilitados informar que o habilitado F. M. pretendia exercer o direito de remição na venda, por € 150.000,00, do imóvel inscrito no art. ... urbano da freguesia das (...) e os habilitados F. M., A. P. e I. M. pretendiam exercer o mesmo direito relativamente ao imóvel já alienado, inscrito na matriz urbana sob o art. ... da freguesia das (...), pelo valor de 215.000,00, cuja nulidade da venda requereram por preterição de formalidades essenciais que impediu os Requerentes do exercício dos seus direitos em tempo oportuno.
.O Serviço de Apoio ao Utilizador IGEF em 26.10.2017, na sequência da comunicação que lhe foi dirigida pelo mandatário dos habilitados e onde este reportava que não recebeu duas notificações no processo 1169/14.2T8VNF com as referências 5698587, de 20.06.2017 e 6121580, de 12.10.2017, que constam no histórico do processo, mas que não foram recebidas nos alertas, veio informar que “ a entidade estava duplicada o que impediu a normal comunicação de dados”.

Do Direito

Vieram os apelantes alegar que não foram notificados da nomeação do encarregado da venda, que ocorreu omissão da notificação do valor oferecido para a aquisição do lote 12 ao seu mandatário - notificação de 20.06.2017 - e da data designada para a outorga da escritura de compra e venda do mesmo lote, o que os impediu de exercerem o direito de remição e de diligenciarem pela obtenção de melhor proposta, concluindo pela nulidade por omissão e requerendo a prática do acto omitido e a anulação da venda, entretanto, efetuada.

Por requerimento de 24.10.2017, vieram os apelantes, sucessores habilitados por óbito de J. M., invocar que: desde 20/06/2017, o mandatário dos Recorrentes não tem sido notificado das diligências com vista à venda da verba nº 12, não tendo recebido qualquer notificação, fosse da AE, seja por qualquer dos mandatários das interessadas credoras de tornas, só tendo tido conhecimento que tal venda se realizou em 19/10/2017, por consulta dos autos através do CITIUS, sendo que Já nessa data havia sido alienado o imóvel do lote nº12 (art.684º-U da freguesia de (...)) sem que:

i) Os Recorrentes e seu mandatário tivessem sido notificados da nomeação do Encarregado de Venda;
ii) Ou sequer da proposta do Encarregado para venda do imóvel do lote nº.. pelo preço de € 215.000,00;
iii) E, mais grave ainda, da decisão de venda pelo indicado valor e da indicação de dia, hora e local para realização da escritura, impedindo, dessa forma, os Recorrentes (por si ou através do respectivos familiares) do exercício oportuno do direito de remição legalmente consagrado no art. 842º do CPC
iv) E até já tinha sido distribuído o dinheiro (produto da venda) por todos.

Tudo em manifesta desigualdade de tratamento e violação do disposto no art.4º do CPC, já que a A.E. notificou a proposta do Encarregado de Venda aos demais mandatários dos restantes interessados por fax e carta.

Já quanto ao mandatário dos Recorrentes veio a verificar-se existir uma notificação telemática dessa proposta do Encarregado de Venda, remetida a 20.06.2017, que, porém, não foi rececionada pelo destinatário por anomalia na comunicação de dados, justificada e provada documentalmente a fls.1906 e ss., por informação oficial prestada pelo Serviço de Apoio Técnico do Citius; circunstância que é do conhecimento dos A.E.´s e que, por isso, teve o cuidado de proceder à notificação dos demais intervenientes no processo através de fax ou carta.

O mandatário dos Recorrentes não teve o mesmo tratamento que os demais mandatários que foram notificados por fax e carta. Inclusive foi também sempre por fax que a A.E. notificou anteriormente o mandatário dos Recorrentes quando pretendia estar certa da sua receção.

A A.E. ou o Encarregado de Venda tinham obrigação de prestar informação do preço definitivo, já que tal elemento é absolutamente essencial e determinante e permitiria aos Recorrentes diligenciar, em tempo útil, pelo exercício do direito de remição, como pretendem, para defesa do seu património familiar”.

Entendem os apelantes que se mostra violado o princípio da igualdade porque o seu mandatário não foi notificado pelos mesmos meios – carta ou fax - em paridade com os demais mandatários constituídos nos autos.

Ora, não se mostra violado tal princípio.

A sra. AE notificou todos os mandatários em 20.06.2017 tendo explicado porque razão notificou o advogado dos apelantes por notificação telemática e os demais não. Tal deveu-se ao sistema que não permitiu a notificação por via telemática dos restantes mandatários, tendo junto prova do alegado.

A notificação por via telemática é o meio preferencial para as notificações a efectuar pelos agentes de execução, cfr. art 13º, nº 1 da Portaria 282/13, de 29 de Agosto.

Além de ter promovido a notificação por via telemática do Dr. J. D., mas na qualidade apenas de mandatário da habilitada A. P. (porque de acordo com o sistema informático de apoio à actividade dos tribunais, o Dr. J. D. apenas se encontrava associado como mandatário da interessada A. P. e do entretanto falecido, J. M.), foram notificadas por carta registada as habilitadas M. L., I. M. e L. M., mulher do habilitado F. M. (na presunção de que não estariam representados por advogado).

Relativamente ao imóvel que constitui o lote doze foram apresentadas duas propostas: uma no valor de 207.500,00 apresentada pela interessada M. C. e outra no valor de 215.000,00 que foi a que foi aceite, por ser a de valor mais elevado.

Os apelantes já tinham manifestado a sua oposição a uma das propostas de aquisição apresentadas, a formulada pela interessada M. C. para aquisição da verba 12 pelo valor de 207.500,00, por requerimento de 14.06.2017.

A prática de todos os actos que têm que ver com a venda, adjudicação de bens, pagamentos, liquidação e pagamentos dos créditos exequendos é da competência do agente de execução, em conformidade com o disposto no artigo 719.º, do CPC (cfr. defende Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, Agosto de 2013, pág. 121).

O acto de venda pode ser anulado, nos termos do art. 195º do CPC, quer por nulidade da própria venda, quer por nulidade de acto anterior de que dependa absolutamente (cf. art. 839º, n.º 1, c) do CPC). Recairá na previsão desta alínea, designadamente, a falta de audição do exequente, do executado e dos credores com garantia sobre os bens a vender sobre a modalidade e o valor base dos bens (art. 812º, n.º 1 do CPC), a falta de notificação ao executado do despacho que ordene a venda (art. 220º, n.º 1) – cf. Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição (reimpressão), pág. 589 e J. Lebre de Freitas, .,pág. 283, nota (42).
Marco Carvalho Gonçalves (Lições de Processo Executivo, 2ª Edição Revista e Aumentada, p.p. 469-470) enquadra ainda nos casos de anulação do acto de venda, a falta de notificação das partes ou de um terceiro interessado para a venda executiva e a omissão de formalidades essenciais no âmbito do processo de venda, tais como a falta de publicidade do bem a ser vendido ou a omissão de alguma formalidade legal nesse acto, como a não observância do prazo mínimo de dez dias de antecedência em relação à data da venda, falta de afixação de edital ou de publicitação do valor base (apud Ac. do TRL de 19.02.2019, no proc. 104/09.TCS-NT-C.L1.7).


A falta de notificação ao mandatário judicial dos actos praticados no processo para que este possa assumir as suas competências e obrigações funcionais pode ser geradora de nulidade, desde que susceptível de influir no exame e decisão da causa, nos termos do art.º 195º do CPC (cfr. se defende no Ac. do TRL de 19.02.2019 que temos vindo a seguir, proferido no proc. 104/09.TCS-NT-C.L1.7).

Face à informação junta a estes autos de recurso em separado a fls 37 proveniente do Serviço de Apoio ao Utilizador IGEF, datada de 26 de outubro de 2017, conjugado com os documentos que constituem as lista de notificações eletrónicas do Citius recebidas pelo exmo mandatário dos apelantes, abrangendo o período em causa, onde não consta a receção da notificação remetida em 20.06.2017 pela sra. AE por via telemática, é de considerar que o Sr. Dr. J. D. não foi notificado em 20.06.2017 . Incoerentemente, a Sra AE, apesar de já ter notificado o Dr J. D. na qualidade de mandatário dos habilitados, (em 17.05.2017), em 20.06.2017 apenas lhe dirigiu notificação como mandatário da habilitada A. P., razão pela qual notificou a Maria C., a I. M. e a L. M. por carta registada.

No caso, se bem que não tenha sido efectuada a notificação do ilustre mandatário, as habilitadas Carolina, I. M. e a mulher do interessado F. M., acabaram por ter conhecimento das duas propostas, as quais lhe foram notificadas por carta registada com AR.

No entanto, de acordo com o disposto no artº 247º, nº 1 do CPC as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários. A notificação à própria parte em substituição da prevista no artº 247º, nº 1 do CPC não pode ter o efeito de afastar a necessidade da primeira, desde logo porque a parte pode até não comunicar ao mandatário que recebeu a notificação, confiando que ele recebeu uma igual e que se não a contactou, era porque não era necessário e como está representada por técnico do direito, não se irá pronunciar por si só no processo, na sequência da notificação recebida.

Ainda que assim não se entendesse sempre estaria em falta a notificação da habilitada A. P. que não foi feita na pessoa do mandante, nem do mandatário e também do interessado F. M., pois que apenas foi notificada a sua mulher.

É certo que os mandantes são mãe e filhos e não consta dos autos que estejam desavindos, pelo que será provável que os que receberam a notificação em 20.06 tenham dado conhecimento do teor da notificação, aos demais.

Mas a lei não se basta com estas probabilidades. Exige certezas. Por isso exige a notificação de todos os intervenientes.

No caso, não está em causa a falta de conhecimento da proposta de 207.500,00 apresentada pela interessada M. C., pois que relativamente a esta, os apelantes se pronunciaram por requerimento de 14.06.2017, onde referiram não a aceitar. Tal proposta de aquisição fora notificada pelo tribunal, em 2.06.2017, aos interessados Maria C., A. P. e F. M. e mulher.

No despacho recorrido entendeu-se que na fase de diligências para a venda, depois de esta ordenada e conhecido o valor mínimo, nem todas as diligências com vista à venda, têm de ser comunicadas.

A questão é pois se a lei do processo se basta com a notificação da determinação da modalidade da venda e do valor base dos bens a vender, ou se todas as vicissitudes ocorridas ao longo do processado que culmina na venda por negociação particular devem também ser notificadas.

No acórdão do STJ de 10.12.2009, citado na decisão recorrida e na qual se fundamentou para considerar dispensada a necessidade de notificação das propostas apresentadas, estava em causa a falta de notificação do despacho que ordenou a notificação do encarregado da venda "de que a proposta oferecida de 26.000,00, continuava a interessar e que deveria proceder à realização da venda pela melhor oferta que até então tinha obtido” e a falta de notificação do despacho que ordenou a extração e entrega à encarregada a venda da certidão necessária para se lavrar a escritura e entendeu-se que, “não existindo regime especial nas normas que regem a acção executiva, é naturalmente necessário recorrer à parte geral do CPC, nomeadamente ao disposto no art. 229º: ora, da aplicação deste regime decorre que não carecem de ser notificados às partes as diligências meramente executivas que, no plano prático, visam concretizar uma venda extrajudicial, já previamente determinada e definida nos seus elementos essenciais, nomeadamente o preço por que vai ser realizada: é que, ao contrário do sustentado pelos recorridos, o executado não tem o direito de assistir e estar presente ao acto de outorga na escritura de venda, nem tem qualquer direito processual a pronunciar-se especificamente sobre as diligências práticas que visam permitir a realização do negócio, sem qualquer inovação relativamente aos seus elementos essenciais, já precedentemente definidos (não sendo obviamente convocáveis as normas que regulam a abertura das propostas em carta fechada, já que não estamos aqui confrontados com uma venda judicial)”.

Concluiu-se assim no referido Ac. do STJ que “ por carecerem, em absoluto de natureza inovatória, nem contenderem com direitos ou garantias das partes, não teriam de ser notificados os despachos e informações que constam de fls.824, 827, 860 e 891”, onde se incluirá, decerto, porque não tivemos acesso ao processo, o despacho que ordenou a extração e entrega à encarregada da venda da certidão necessária para se lavrar a escritura.

No entanto, na mesma decisão, se considerou que poderia ser mais duvidosa a situação referente ao despacho de fls.822, no caso de se entender que foi o mesmo que encerrou definitivamente a controvérsia acerca do valor pelo qual o imóvel iria ser vendido pela encarregada de venda e que, segundo interpretamos, pois que não temos acesso às páginas do processo, será o despacho que referia que a proposta oferecida no valor de 26.000,00 (proposta mais alta), continuava a interessar e que se deveria proceder à realização da venda pela melhor oferta que até então tinha sido obtida (o que tem paralelismo com a situação dos autos que se refere à omissão da notificação da melhor oferta). O citado acórdão acabou por não se pronunciar sobre se esta notificação deveria ter sido feita, por a falta de notificação não ter sido arguida em tempo, pelo que sempre estaria sanada.

Também nós entendemos que nem todas as diligências com vista à venda tenham de ser notificadas às partes. Não o tem de ser, designadamente, a nomeação do encarregado da venda.

Já quanto à notificação das propostas já não se nos afigura que possa ser dispensada. O executado tem de conhecer o valor das propostas, para informar os familiares que pretendam exercer o direito de remição. Só na posse destes dados, poderão os mesmos optar pelo comportamento a seguir. E também tem de conhecer os valores oferecidos para diligenciar, querendo, pela obtenção de melhor proposta, pois que tal é-lhe sempre mais vantajoso.

A parte contrária não defende que a notificação de 24.06.2017 deva ser dispensada. O que a apelada vem dizer é que as notificações foram todas feitas, inclusive a do sr. Advogado, pelo que da informação do Gabinete de Apoio ao Citius não se pode concluir que a notificação não foi realizada.

Mas o facto de se considerar que devem ser notificadas as propostas apresentadas aos interessados, não significa que se entenda que os executados tenham de ser notificados da data da outorga da escritura de venda do bem executado.
No despacho recorrido entendeu-se que não há qualquer obrigatoriedade de realizar esta notificação, pois a lei do processo presumirá que o seu familiar executado lhe dará conhecimento dos factos e ainda que o direito de remição, não poderia ser reconhecido aos apelantes, porque exercido já depois da data da realização da escritura, fora do prazo previsto no artº 843º, nº 1, alínea b) do CPC, apoiando-se no decidido no Ac. do STJ de 10.12.2009, proferido no proc. 321-B/1997.S1.

Com a concessão da faculdade prevista no artº 842º do CPC tem-se em vista a protecção do património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados, configurando como que um direito especial de preferência, assente numa relação de carácter familiar, constituindo como que uma possibilidade de resgate dos bens penhorados, cf. entendimento uniforme na doutrina, designadamente Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, Depois Da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, a pág.s 334 e 335; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, edição da INCM, pág.s 660 e 661; J.P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, À Face Do Código Revisto, SPB Editores, a pág. 357 e F. Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 2010. 13.ª Edição, Almedina, a pág. 392, ” (todos citados no Ac. do TRL de 19.02.2019, proferido no processo nº 104/09.4TCCSNT-C.L1.7).

Como se refere no Ac. do STJ de 10.02.2009, proferido no proc. 321-B/1997.S1, “embora na sua actuação prática o direito de remição funcione como um direito de preferência dos titulares desse direito relativamente aos compradores ou adjudicatários, “os dois direitos têm natureza diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam”. Quanto à diversidade de fundamento, “ao passo que o direito de preferência tem por base uma relação de carácter patrimonial”, sendo a razão da titularidade o condomínio ou o desdobramento da propriedade, já “o direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar, sendo a razão da titularidade o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de descendente ou de ascendente)”. Quanto à diversidade de fim, enquanto “o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a compropriedade, ou de favorecer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita”, já “o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas” (José Alberto dos Reis, obra citada, pp. 477-478)”.

Conforme se nos afigura ser entendimento unânime jurisprudencial, os familiares do executado não têm de ser notificados para exercerem, querendo, o direito de remição, pois que tal notificação não está prevista na lei. Incumbirá ao executado dar a conhecer ao seu familiar o valor base do bem a vender e o preço, pois que tem os elementos necessários para o informar, ficando este com as condições necessárias para decidir se pretende ou não exercer o direito de remição, incumbindo-lhe manifestar nos autos essa pretensão. Neste sentido, o Ac. do TRC de 27.05.2015, proferido no proc. 386/12.4TBSRE-B.C1, Ac. do TRP de 17.03.2016, proc. 557/10.2TBSJM-B.P1 e os Acórdãos do STJ, de 10/12/2009, Processo n.º 321-B-1997.S1 e de 13/09/2012, Processo n.º 4595/10.2TBBRG.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt, em que, no 1.º dos Arestos ora citados, se refere o seguinte:

“o remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução (…). Por outro lado, como titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal (…).
Deste estatuto processual decorre que o interessado na remição, como terceiro, não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar – executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito: a concordância de interesses entre os familiares atingidos patrimonialmente pela execução permite compreender a solução legal, particularmente no que se refere à dispensa de notificação pessoal dos possíveis remidores para exercerem, querendo, o seu direito visando a manutenção da integridade do património familiar.
(…)
Cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou.”.

Como refere Amâncio Ferreira, ob. cit., a pág. 393 “Diversamente do que ocorre com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução. Dependerão assim para o exercício do seu direito do conhecimento que lhes advirá da publicidade que rodear a venda ou da informação que lhe prestar o executado seu familiar, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda.”.

No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in CPC, Anotado, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, a pág. 624 (em anotação ao artigo 913.º do CPC, equivalente ao artigo 843.º do NCPC), quando ali referem que “O titular do direito de remição não é notificado para o exercer. Não é por ele invocável o justo impedimento (…), que implicaria a necessidade de lhe dar conhecimento prévio, tal como ao preferente.”. Ao invés, é a este que terá de se rodear de todas as cautelas e diligência, no sentido de o exercer tempestivamente.

Os familiares do executado, não têm pois de ser notificados para exercer o direito de remição, sendo que os habilitados Maria C., A. P., I. M. e F. M., estão impedidos de exercer o direito de remição, por não serem terceiros na causa, tendo sido colocados, por força da procedência da habilitação, na posição que antes cabia a J. M.. Mas sempre poderiam exercer tal faculdade, os seus cônjuges, pois que estes já são terceiros (posição que o Mmo Juiz da 1ª instância veio a assumir no despacho que admitiu o recurso para este tribunal, datado de 11.07.2018, relativamente a outros bens que não os que estão em causa neste recurso, tendo reconhecido o direito de remição dos cônjuges dos executados).

No requerimento em que suscitam a nulidade por falta de notificação, os apelantes logo anunciaram a sua intenção de exercer o direito de remição relativamente ao bem vendido.

Mas para que os familiares dos executados possam exercer o direito de remição precisam os executados que conhecer qual vai ser o valor da venda e não foi feita a comunicação da 2ª proposta ao seu mandatário. O facto de ter sido feita a alguns deles notificação directamente, não preclude o direito de invocarem a nulidade através do seu mandatário, pois que as notificações às partes são feitas na pessoa dos seus mandatários. As partes recebem as notificações, mas podem nem comunicar tal facto ao seu mandatário, como se referiu já, pois estarão confiantes que ele recebeu igual notificação e que se for preciso praticar algum acto no processo, ele não deixará de o fazer e como em regra não são técnicos do direito, também não sabem que comportamento deverão adotar na sequência da notificação recebida.

Em face da ampla consagração do princípio do contraditório, a inobservância da notificação para a tomada de posições da parte, genericamente prescrita no art. 3º, n.º 3 do CPC, integra a previsão do n.º 1 do art. 195º deste diploma legal. A irregularidade associada à omissão dessa notificação só gera nulidade se for susceptível de influir no exame decisão da causa, ou, no caso do processo executivo, se não influir na realização da penhora, venda ou pagamento – cf. J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 3ª edição, pág. 381.

Ora, a falta de conhecimento da proposta mais vantajosa, que é aquela que é posteriormente aceite por permitir a realização de mais capital, impede os apelantes de tomar posição sobre a mesma e de dar a conhecer a proposta mais vantajosa aos familiares a que alude o artº 845º, nº1 do CPC para exercerem o direito de remição ou de tentar obter uma melhor proposta, superior à oferecida.

Não há obrigação de notificar os familiares para exercerem o direito de remição que o exercerão (ou não) depois de conhecido o valor da venda, o que os apelantes, aliás, não põem em causa, mas não existe essa obrigação porque se considera que o executado lhes dará conhecimento, mas tal implica que este tenha sido notificado do valor da venda para o poder informar, o que não ocorreu. Conhecido o valor das propostas apresentadas, caberá aos familiares do executado a quem este dará conhecimento do seu valor, decidir se exercem ou não o direito de remição. Se entenderem exercer esse direito, terão de dar conhecimento dessa intenção ao solicitador de execução e ao encarregado da venda para que estes os possam informar da data designada para a escritura e assim, puderem exercer o seu direito até ao momento da assinatura do título que documenta a venda (artº 843º, nº 1, alínea b) do CPC).

E assim sendo, como é, a omissão da notificação não pode deixar de ser considerada como geradora de nulidade processual, determinando, consequentemente, a nulidade da venda, pelo que o recurso deve proceder.

Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam directamente absolutamente, mantendo-se os demais, que dele sejam independentes (artº 195º, nº 2 do CPC), razão pela qual só se ordena a anulação da venda e se ordena a notificação da 2ª proposta de aquisição, a qual deverá ser feita na pessoa do Dr. J. D., na qualidade de mandatário de todos os habilitados para os efeitos.

Embora os apelantes aleguem também a falta de notificação em 12.10.2017 da proposta de aquisição da venda relativamente a outro bem imóvel – lote 11 – não alegam quaisquer factos de onde decorra que esta omissão teve qualquer influência no processo de execução. E não o alegaram certamente porque em 21.11.2017, a sra. AE notificou os habilitados para se pronunciarem relativamente à proposta no valor de 150.000,00 apresentada quanto ao prédio descrito na CRP sob o artº ... e inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o nº ... urbano que é o mesmo imóvel e a mesma proposta a que alude a notificação de 12.10.2017, pelo que não há qualquer acto a anular, decorrente da falta de notificação a 12.10.2017.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e consequentemente revogam o despacho recorrido e anulam a venda efectuada em 30.08.2017, ordenando a notificação dos apelantes na pessoa do seu mandatário da 2ª proposta de venda, no montante de 215.000,00.
Custas pela apelada Maria.
Guimarães, 19 de junho de 2019

Helena Gomes Melo
Pedro Alexandre Damião e Cunha
Maria João Marques Pinto Matos


1- Por mero lapso que resulta evidente da própria decisão, o despacho tem a data de 26.03.2017.
2- Consulta do processo principal através do Citius.