Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3807/18.9T8VCT.G1
Relator: RAQUEL BATISTA TAVARES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
PROVA PERICIAL
DEPRECIAÇÃO DA PARTE SOBRANTE
ÍNDICE FUNDIÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - A prova pericial tem por fim, em termos gerais, a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial.
II) - No processo de expropriação, sendo a peritagem obrigatória e traduzindo-se a avaliação do bem expropriado num problema essencialmente técnico, o tribunal deve aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, quando não sejam coincidentes, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo Tribunal quando haja unanimidade entre eles, porquanto este é o meio de prova que melhor habilita o julgador a apurar o valor do bem expropriado, com vista à atribuição da justa indemnização.
III) - Em face de laudos divergentes e não possuindo o juiz conhecimentos técnicos justifica-se que considere o laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do tribunal por se dever presumir que as conclusões subscritas por um número maior de peritos, reunindo maior consenso, terão maior aptidão para atingir o objetivo da fixação da justa indemnização ou que os peritos do Tribunal, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objetividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização.”
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é Expropriante Infraestruturas … SA e Expropriada A. R., por deliberação do Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas nº 3268/2018, de 09 de Março de 2018, publicado no D.R., II Série, nº 64, de 02.04.2018 foi declarada a Utilidade Pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela n.º 34, com a área de 341 m2, a destacar do prédio rústico sito no Lugar do ..., ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …º, da referida freguesia, a confrontar do norte com M. L., de sul com domínio público, de nascente com o próprio e do poente com domínio público ferroviário, necessária à execução da obra de Eletrificação do Troço Viana do Castelo/Valença, da Linha do Minho.
A vistoria ad perpetuam rei memoriam foi realizada, por perito permanente nomeado pelo Exmo. Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães (fls. 24 e ss.).
A Expropriante tomou posse administrativa da parcela de terreno e não se tendo logrado obter acordo para a fixação amigável do montante indemnizatório, procedeu-se à arbitragem, tendo os senhores árbitros fixado o valor da justa indemnização em €6.746,68.
A Expropriante procedeu ao depósito da quantia arbitrada e, recebido o processo em tribunal, foi proferido despacho de adjudicação da parcela à Expropriante.
Adjudicada a posse e propriedade da parcela à Expropriante, deduziu a Expropriada pedido de expropriação total, alegando, em síntese, que a parte sobrante do prédio não assegura proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia o prédio na sua totalidade, nem os cómodos assegurados têm interesse económico para a Expropriada.
A Expropriada interpôs, ainda, recurso da decisão arbitral, alegando, a final, que o valor da indemnização deve ser fixado em €73.498,37, considerando o pedido de expropriação total, ou, se for improcedente o pedido de expropriação total, deve ser fixado o valor da indemnização em €51.870,52.
Foi recebido o recurso da Expropriada e notificada, a Entidade Expropriante respondeu ao pedido de expropriação total, alegando, em síntese que à data da VPRM o uso do prédio estava vocacionado ao cultivo agrícola, sendo que a parte sobrante pode continuar vocacionada para o mesmo fim; que, o seu único acesso é feito através de caminho de terra batida desde a estrada municipal e desprovido de qualquer infraestrutura urbanística, com largura de 2,5 m, não permitindo o cruzamento de dois veículos e as infraestruturas urbanísticas encontram-se localizadas a mais de 50 m do prédio.
Interpôs recurso subordinado e respondeu ao recurso interposto pela Expropriada, alegando, em síntese, que o prédio expropriado deve ser classificado como solo apto para outros fins e avaliado em função dos critérios constantes do n.º 3 do artigo 27º do Código das Expropriações; finaliza, pugnando pela fixação da indemnização em valor não superior a €2.291,52, ou caso assim não se entenda em valor não superior a €2.489,30.
A Expropriada respondeu ao recurso subordinado, o qual foi admitido.
Procedeu-se à avaliação prevista na lei.
Os peritos do tribunal e da Expropriada fixaram o valor da justa indemnização no montante de €20.114,13 e o perito da Expropriante pronunciou-se pela fixação da indemnização no montante de €9.688,57.
Ambas as partes apresentaram as alegações finais, concluindo a Expropriada que a indemnização deverá ser fixada em €29.228,85 e a Expropriante que o valor da indemnização deverá ser fixado em €2.630,40, ou, caso assim não se entenda, em €2.291,52.
A Expropriada declarou desistir do incidente de expropriação total.

Foi proferida sentença que decidiu:
“- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Expropriada, fixando-se a indemnização devida em €20.114,13 (vinte mil cento e catorze euros e treze cêntimos), a atualizar, a final, nos termos do disposto no artigo 24º, nº 1 do Código das Expropriações.
- Julgar totalmente improcedente o recurso subordinado interposto pela Entidade Expropriante;
Custas por Expropriante e por Expropriada na proporção do respetivo decaimento, tendo presente o disposto nos artigos 7º, nº 3, por referência à tabela I-A, do Regulamento das Custas Processuais, com as alterações introduzidas pela Lei nº 7/2012, de 13/02.
Registe e notifique”.

Inconformada apelou a Expropriante da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“A - Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Expropriada e totalmente improcedente o recurso interposto pela Entidade Expropriante condenando esta no pagamento do valor indemnizatório de EUR 20.114,13 pela expropriação da parcela nº 34
B - Concluiu a douta sentença recorrida, acompanhando o entendimento dos Srs. Peritos, que o solo da parcela expropriada deve ser classificado como “solo apto para construção” por estar destinado, de acordo com o PDM em vigor, a adquirir as características adequadas para permitir a construção em conformidade com o disposto na al. c) do nº 1 do artº 25º do C.E. – cfr. nº IV da sentença.
C - Concluíu o Colégio de Peritos que “ … nas atuais circunstâncias, faltam as condições objetivas minimamente exigíveis para assegurar a funcionalidade de qualquer edificação que se pretendesse implantar no terreno …” – cfr. pág. 6 do relatório.
D - Não obstante a inserção do prédio face ao PDM de Viana do Castelo em Zona Urbana de Transição, encontra-se assente que o seu único acesso é feito através de caminho em terra batida desprovido de qualquer infraestrutura urbanística que liga a uma estrada municipal – cfr. nºs 7 e 8 do ponto 3.1. da sentença.
E - Encontra-se assente que o referido caminho não permite o cruzamento de dois carros ou inversão de marcha sem intrusão em prédios confinantes – cfr. nº 9 do ponto 3.1. da sentença.
F - Encontra-se assente que as infra - estruturas urbanísticas se situam localizadas na estrada municipal a cerca de 50m da parcela expropriada – cfr. pág 4 do Auto de Vistoria, pág. 6 do relatório pericial e o nº 10 do ponto 3.1. da sentença.
G - O nº 1 do artº 63º do RPDM de Viana do Castelo (aplicável às referidas zonas urbanas de transição) determina ser condição necessária para que um prédio seja apto para a edificação urbana que “ … seja servido por via pública com infraestruturas mínimas, designadamente eletricidade, abastecimento de água e saneamento …”
H - O nº 2 do artº 63º do RPDM de Viana do Castelo determina que, nos arruamentos existentes, devem ser salvaguardadas as boas condições de acessibilidade de veículos e peões “ … impondo-se, se for necessário, a sua beneficiação, nomeadamente no que refere (…) à melhoria da faixa de rodagem, à criação ou reconstrução de passeios e à criação de áreas de estacionamento …”.
I - In casu resulta verificado que tais requisitos não se verificam porque o único acesso à parcela expropriada consta de um caminho em terra batida sem qualquer infraestrutura urbanística
J - In casu resulta verificado que tais requisitos não se verificam porque a parcela expropriada não dispõe de qualquer infraestrutura urbanística
L - In casu resulta verificado que tais requisitos não se verificam porque a parcela expropriada situa-se em zona non aedificandi (por se encontrar contígua à linha de caminho de ferro) não possuindo, em consequência, qualquer capacidade construtiva dentro da referida faixa de proteção
M - Errou a sentença recorrida na classificação do solo da parcela expropriada que deve ser considerado como “solo para outros fins”.
N - O Colégio maioritário de Peritos (Peritos do Tribunal e da Expropriada) aplicou um índice fundiário de 10% e o Perito da Expropriante aplicou um índice fundiário de 7,5% - cfr. págs. 8 e 9 do relatório – tendo a sentença aderido ao laudo maioritário – cfr. ponto IV da sentença
O - Na fixação do índice fundiário não se poderá olvidar que a parcela expropriada é confinante com a linha de caminho de ferro
P - Na fixação do índice fundiário não se poderá olvidar que tal contiguidade implica um acréscimo da poluição sonora e perda da qualidade ambiental, paisagística e de sossego do local
Q - Na fixação do índice fundiário não se poderá olvidar que a parcela expropriada recebe o ruído sonoro da EN13
R - Na fixação do índice fundiário não se poderá olvidar que a parcela expropriada está distante em relação aos escassos equipamentos e serviços existentes
S - Na fixação do índice fundiário não se poderá olvidar que a parcela expropriada não dispõe de qualquer infra – estrutura urbanística – cfr. pág. 9 do relatório
T - O que justifica a aplicação do índice fundiário de 7,5% que deve ser considerado para efeitos de fixação do quantum indemnizatório.
U - O Colégio Pericial entendeu não se justificar qualquer agravamento do custo de construção determinado dado que, para a concretização da operação urbanística, apenas se exigia a infraestruturação do caminho de acesso – cfr. págs. 9 e 10 do relatório.
V - Atentas as características da parcela expropriada impunha-se a aplicação de um fator corretivo de depreciação e inexistência de risco e do esforço inerente à atividade construtiva no seu limite máximo de 15% do valor da avaliação – cfr. nºs 8 a 10 do artº 26º do C.E.
X - O relatório pericial maioritário (Srs. Peritos do Tribunal e da Expropriada) entendeu que, atentas as restrições decorrentes do ato expropriativo pela zona non aedificandi ao domínio público e a obrigação de garantir os afastemtnos previstos no artº 68º do Regulamento do PDM de Viana do Castelo, uma futura edificação só poderia ter uma largura média aproximada de 3m concluindo pela inviabilização de construção na parcela sobrante e, em consequência, pela fixação de um valor indemnizatório de EUR 11.954,50 – cfr. págs. 11 a 14 e 19 do relatório.
Z - A sentença limitou-se a aderir a este entendimento afirmando que “ … o relatório pericial está devidamente fundamentado, não havendo razões para considerar que o juízo técnico subjacente padece de erro manifesto …” – cfr. ponto IV da sentença.
AA - À data de vistoria ad perpetuam rei memoriam o uso do prédio estava, exclusivamente, vocacionado ao cultivo agrícola com vinha em ramada permitindo concluir que a parcela sobrante pode continuar vocacionada para tal cultivo agrícola à semelhança do que se verifica nos terrenos limítrofes – cfr. resposta dos Árbitros ao quesito 2º da Expropriante quanto à utilização estritamente agrícola do prédio e da parcela à data da DUP - pág. 13 do Acórdão Arbitral.
BB - Não merece censura o Laudo Arbitral ao considerar que não fica inviabilizada a possibilidade de construção na parcela sobrante mas, apenas, que tal capacidade fica proporcionalmente diminuída por via da presente expropriação concluindo que o prédio mantém proporcionalmente a mesma capacidade construtiva e de emparcelamento com os prédios vizinhos não sofrendo qualquer desvalorização – cfr. pág. 12 do Acórdão
CC - Mesmo que assim não se entenda, considerando a posição da parcela sobrante relativamente à área de jurisdição ferroviária (que já existia à data da DUP), a área de construção admitida pelo PDM seria proporcionalmente inferior obtendo-se uma área de edificação de 255m2 manifestamente suficiente para, num aproveitamento económico normal, construir uma moradia unifamiliar isolada.
DD - Não se podendo concluir pela depreciação da parcela sobrante por esta não implicar diminuição da área total edificável – cfr. entendimento do Sr. Perito da Expropriante a fls. 20 do relatório.
EE - Questão diversa resulta da panóplia de soluções arquitetónicas adotadas para a construção a edificar que “ … limitariam a utilização da fachada nascente para a abertura de vãos de compartimentos habitáveis (…) que tal situação poderá traduzir-se numa depreciação da ordem dos 20% …” justificando o valor de depreciação atribuído de EUR 2.323,90 - cfr. entendimento do Sr. Perito da Expropriante a fls. 20 e 21 do relatório.
FF - A sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artºs 24º, 25º e 26º do C.E.”

Pugna a Recorrente pela procedência do recurso e consequentemente pela revogação da sentença recorrida quanto ao quantum indemnizatório fixado e fixar-se a justa indemnização devida pela expropriação da parcela n.º 34 em valor não superior a €2.489,30 ou, caso assim não se entenda, em valor não superior a €9,688,57.
A Expropriada apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:

1 – Saber se o solo deve ser classificado como solo apto para construção;
2 – Saber qual o índice aplicável em cumprimento do disposto no n.º 6 do artigo 26º do Código das Expropriações;
3 – Saber se devem aplicar-se os números 8 e 9 do artigo 26º do Código das Expropriações;
4 – Saber se se verifica desvalorização da parte sobrante.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:
1. Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Infraestruturas nº 3268/2018, de 09 de Março de 2018, publicado no D.R., II Série, nº 64, de 02.04.2018 foi declarada a Utilidade Pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela nº 34, com a área de 341 m2, a destacar do prédio rústico sito no Lugar do ..., ..., freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …º, da referida freguesia, a confrontar do norte com M. L., de sul com domínio público, de nascente com o próprio e do poente com domínio público ferroviário, necessária à execução da obra de Eletrificação do Troço Viana do Castelo/Valença, da Linha do Minho.
2. O prédio rústico de que faz parte a parcela expropriada possui a área total de 1191 m2.
3. A parcela expropriada encontra-se afeta ao cultivo agrícola, com vinha em ramada ao longo dos muros de vedação.
4. Tem uma configuração aproximadamente retangular e topografia plana.
5. Desenvolve-se do lado nascente da Linha do Minho, com largura média de 8 m, localizada na parte poente do prédio confinante com a linha férrea.
6. À data da DUP estava inserida em zona “non aedificandi” por se encontrar à margem da linha férrea.
7. O acesso à parcela é feito através de um caminho em terra batida, localizado a sul, e que lhe dá acesso, no sentido nascente/poente, desde a estrada municipal, situada a cerca de 50 m da parcela, pavimentada a betuminoso.
8. O caminho de acesso à parcela tem cerca de 2,5 m de largura, sem qualquer infraestrutura.
9. Não permite o cruzamento de duas viaturas nem a inversão de marcha sem intrusão dos prédios confinantes.
10. É na estrada municipal suprarreferida que se localizam as redes de abastecimento de água, eletricidade, em baixa tensão, de drenagem de águas pluviais e de telefone mais próximas da parcela.
11. A parcela situa-se em zona com ocupação agrícola, compreendida entre a EN 13 e o núcleo urbano de ....
12. Dista da EN 13 85 m.
13. Encontra-se vedada com muros em pedra solta, a norte com 9,5 metros de comprimento e 1,20 de altura, a poente com 41,40 m de comprimento e 1,20 de altura, a sul com 10,5 m de comprimento e 1,40 m de altura, com comprimento total de 61,40 m e espessura de 0,40 metros.
14. À da data da DUP, na parcela expropriada existia uma ramada no seu limite poente, com 14 pés de vinha em plena produção, com idade entre os 2 e 20 anos.
15. A vinha era apoiada em 8 esteios de pedra e travessos em madeira, com arames. 16. Em todo o prédio onde se insere a parcela existiam 51 pés de vinha em plena produção, com idade entre os 2 e 20 anos.
17. A envolvente à parcela apresenta características rurais, nela predominando terreno com aptidão agrícola, mas rodeada dos núcleos urbanos de ..., ... e ….
18. As edificações/construções (casas de habitação) mais próximas da parcela, distam da mesma 65 metros, predominando a construção de moradias unifamiliares de 1 ou 2 pisos.
19. Tais edificações/construções dispõem de acesso rodoviário (Estrada Municipal), com pavimentação em betuminoso, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de saneamento com coletor em serviço, rede de drenagem de águas pluviais, rede de distribuição de águas pluviais, rede de distribuição de energia elétrica e rede telefónica.
20. A parcela expropriada dispõe de rede de abastecimento domiciliário de água a cerca de 65m.
21. A parcela expropriada dispõe de rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão a cerca de 60 m.
22. Dispõe de rede de drenagem de águas pluviais a cerca de 30 metros. 23. Dispõe de rede telefónica a cerca de 65 metros.
24. Dispõe de rede de saneamento, com coletor, a cerca de 100 m.
25. Dista cerca de 1.100 da praia de Forte de ....
26. A parcela expropriada dispõe de equipamentos públicos e de serviços (correios, sede da junta de freguesia, estação de comboios, campo de jogos, posto médico, centro social e cultural, gasolineira, etc.) a 750/1250 metros.
27. A parcela expropriada localiza-se em zona despoluída, com boa exposição solar, boa qualidade ambiental e beleza panorâmica, com exceção do ruído causado pela passagem dos comboios na linha férrea com a qual confina a poente.
28. A parcela encontra-se inserida em “Solo Urbano – Solo Urbanizado – Zona de Construção de Transição”, de acordo com o Plano Diretor Municipal de Viana do Castelo, aviso nº 4754/2017, publicado no DR II Série, nº 84, de 02/05/2017.
29. O índice de construção previsto é de 0,30 e o índice volumétrico de construção máximo é de 0,90 m3/m2 e a cércea máxima admitida é de 2 pisos.
30. A parcela sobrante situa-se a nascente da parcela expropriada e possui a área de 850 m2.
31. Com a expropriação a parcela sobrante fica com uma configuração alongada, com uma largura média de 18 m, tendo do lado poente uma zona “non aedificandi” de 10 m de largura dada a confrontação com a linha férrea, e do lado nascente uma faixa de 5 metros de largura correspondente ao afastamento definido do prédio confinante, resultando uma largura média para implantação de construção de 3 m (variável entre cerca de 1,5 e 5,0 m).
32. O custo dos trabalhos de reposição do muro a poente (limite com a linha férrea) estima-se em € 2.064,00.
33. O valor dos muros em pedra existentes na parcela expropriada é de €2.273,40.
***
3.2. O DIREITO

Está em causa nos presentes autos determinar qual o valor da justa indemnização pela expropriação da parcela n.º 34, sendo que, para o efeito, a Recorrente/Expropriante não impugna a matéria de facto fixada na sentença recorrida, mas apenas os critérios que foram considerados na fixação da indemnização.
Nos termos do artigo 1º do Código das Expropriações (Lei n.º 169/99 de 18 de setembro, sendo que daqui adiante será a este diploma que nos referimos) os bens imóveis podem ser expropriados por causa de utilidade pública mediante o pagamento de uma justa indemnização; esta visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação medida pelo valor do bem expropriado tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública.
Tal com se afirma na sentença recorrida o próprio conceito constitucional de justa indemnização leva implicada a ideia da proibição de uma indemnização meramente simbólica, do respeito pelo princípio da igualdade de encargos e da consideração do interesse público da expropriação.
O n.º 1 do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito de propriedade privada (“a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”) e o n.º 2 estabelece que a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
Conforme já escreveu o Tribunal Constitucional “a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efetivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. (...) Há-que observar um princípio de igualdade e proporcionalidade – um princípio de justiça em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 243/2001, publicado no Diário da República n.º 153/2001, Série II de 04/07/2001, páginas 11119 - 11121).
Como salienta Fernando Alves Correia (As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, 1992, p. 129), o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respetivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda, permitindo-lhe, assim, com o mesmo montante, adquirir, se quiser, outro bem idêntico ou semelhante e assegurando-lhe a inalterabilidade do ativo da sua situação patrimonial pela substituição daquele bem pelo respetivo valor equivalente, proporcionando-lhe dinheiro suficiente para assegurar a adequada substituição do bem de que foi privado e prevenindo com isso a violação do princípio da igualdade dos particulares perante os encargos públicos e da imparcialidade da atuação da Administração perante os bens particulares.
A indemnização para ser justa terá de corresponder ao valor normal que no mercado atingem os bens equivalentes ao bem expropriado (v. Meneses Cordeiro e Teixeira de Sousa, Expropriação por Utilidade Pública, Parecer na CJ Ano XV, Tomo V, p. 22 a 30), sendo este critério do valor real em condições normais de mercado que melhor assegura o princípio constitucional da justa indemnização (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2008 de 31/07/2008, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2012, Processo nº. 5253/04.2TBVNG, disponível em www.dgsi.pt).
Os critérios destinados a fixar a justa indemnização devem respeitar os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas pois, como é consabido “o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) desdobra-se, por sua vez, em dois planos, o da igualdade no plano das relações internas e ao nível das relações externas. O primeiro não autoriza que particulares posicionados numa situação idêntica recebam indemnizações substantivamente diversas, impondo critérios uniformes de determinação da indemnização. O segundo está virado para a dimensão da igualdade perante os encargos públicos, ao determinar a admissibilidade de o direito de propriedade privada ser sacrificado por exigências de interesse público, não podendo permitir que o particular afetado não seja compensado de forma justa, sob pena de a sua posição jurídica ser tratada de forma discriminatória, obstando, por essa via, a um tratamento desigual entre expropriados e não expropriados. (…) Paralelamente, o princípio da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2 da CRP) obriga, como atrás se salientou, a que o sacrifício imposto ao expropriado seja adequado ao interesse público em presença – concretizando, são de excluir indemnizações irrisórias ou excessivas” (Francisco Calvão/Fernando Jorge Silva, Código das Expropriações – Anotações adaptadas ao Novo Código de Processo Civil, novembro de 2013, Coimbra Editora, p. 171 e 172).
Desta forma, na fixação da indemnização terá de se recorrer ao critério do valor real, corrente ou de mercado do bem expropriado, sob pena de a indemnização se traduzir num verdadeiro confisco.
Conforme resulta do artigo 23º do Código das Expropriações “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”
Por isso, na fixação da justa indemnização não são considerados quaisquer fatores, circunstâncias ou situações criadas com o propósito de aumentar o valor da indemnização e o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor (cfr. artigo 23º n.ºs 2, 3 e 5 do Código das Expropriações).
O montante da indemnização, segundo prescreve o artigo 24º n.º 1 do Código das Expropriações, calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
E, para efeito do cálculo da indemnização o artigo 25º nº. 1 do Código das Expropriações classifica os solos em: “solo apto para construção” e “solo para outros fins”.

O n.º 2 do mesmo preceito prevê que seja considerado solo apto para construção:
a) o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) o que apenas dispõe de parte das infraestruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) o que está destinado de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas em a) e o que não estando abrangido pelas alíneas anteriores possui, todavia alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública desde que o processo respetivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o n.º 5 do artigo 10º.
Por outro lado, considera-se solo apto para outros fins o que não é abrangido pelo estatuído anteriormente.
O tribunal a quo, partindo de tais considerandos e entendendo ainda que o tribunal deve aderir à posição assumida pelos peritos do tribunal por ser a que, em princípio, oferece maiores garantias de independência, julgou totalmente improcedente o recurso subordinado interposto pela Expropriante e, julgando parcialmente procedente o recurso da Expropriada, fixou a indemnização devida em €20.114,13, a atualizar nos termos do disposto no artigo 24º do Código das Expropriações, partindo da classificação do solo como apto para construção, considerando um índice fundiário de 10% e a desvalorização da parte sobrante.
É contra este entendimento que se insurge a Recorrente, sustentando que o solo da parcela expropriada foi erradamente classificado como apto para construção, que o índice fundiário a aplicar deve ser de 7,5% conforme considerado pelo perito por si indicado, que erradamente não foi feita aplicação dos n.ºs 8 e 9 do artigo 26º e que inexiste depreciação da área sobrante.
Vejamos então se lhe assiste razão.
*
a) Da classificação do solo da parcela expropriada

Tal como já referimos na sentença recorrida o solo da parcela expropriada foi classificado na sentença recorrida como apto para construção.
Relativamente à classificação do solo constatamos que todos os subscritores do laudo de arbitragem e todos os peritos que subscreveram o relatório pericial foram unânimes em classificar o solo como apto para construção por força do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 25º do Código das Expropriações.
A questão que aqui se suscita é efetivamente se o solo da parcela expropriada é enquadrável na alínea c) do n.º 2 do artigo 25º, ou seja, se o solo está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a) (acesso rodoviário e rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir).
Importa, por isso, desde logo, analisar os instrumentos de planeamento e gestão do território existentes, designadamente o plano diretor municipal (PDM), a reserva agrícola nacional (RAN) e a reserva ecológica nacional (REN) de forma a poder classificar o solo expropriado.
Segundo Salvador da Costa (Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Almedina, p. 167), na alínea c) estão contemplados “solos que não dispõem de acesso rodoviário, de rede de abastecimento de água, energia elétrica e de saneamento, mas que, face ao disposto em algum instrumento de gestão territorial, estão destinados a adquirir aquelas infraestruturas”.
Assim, os planos municipais de ordenamento do território, mostram-se essenciais ao estabelecerem “no quadro definido pelos instrumentos de gestão territorial cuja eficácia condicione o respetivo conteúdo, os parâmetros de ocupação e de utilização do solo adequados à concretização do modelo de desenvolvimento urbano adotado” (Acórdão desta Relação de Guimarães de 02/05/2019, Processo n.º 2707/17.4T8BCL.G1, Relator Desembargador Joaquim Boavida, disponível em www.dgsi.pt).
Importa, por isso, apurar o que se mostra previsto no plano diretor municipal relativamente ao terreno expropriado.
In casu, conforme resulta da factualidade provada a parcela encontra-se inserida em “Solo Urbano – Solo Urbanizado – Zona de Construção de Transição”, de acordo com o Plano Diretor Municipal de Viana do Castelo.
É certo que consta da factualidade provada que o acesso à parcela é feito através de um caminho em terra batida, localizado a sul, e que lhe dá acesso, no sentido nascente/poente, desde a estrada municipal, situada a cerca de 50 m da parcela, pavimentada a betuminoso e que esse caminho de acesso não tem qualquer infraestrutura, sendo na estrada municipal que se localizam as redes de abastecimento de água, eletricidade, em baixa tensão, de drenagem de águas pluviais e de telefone mais próximas da parcela.
Mas, como esclarecem unanimemente os senhores peritos, o terreno está, por natureza, integrado no perímetro urbano e destinado à urbanização e/ou edificação “concomitantemente com a necessária infraestruturação do atual caminho de acesso ao prédio”, e, por isso, a adquirir mediante infraestruturação as características descritas na alínea a) do n.º 2 do referido artigo 25º, esclarecendo que a tal não obsta o preceituado no artigo 63º do Regulamento do PDM pois este, para que o prédio seja apto para a edificação urbana, exige que seja servido por infraestruturas (n.º 1) impondo a sua beneficiação nos termos do seu n.º 2, mas não exige que esteja já servido por infraestruturas, mas que venha a estar; tal como afirmam os Peritos o potencial de construção do prédio existe e decorre da sua inserção em “Solo Urbano – Solo Urbanizado – Zona de Construção de Transição”, estando “apto para nele se implantar uma construção com a beneficiação e infraestruturação do atual acesso.”
Acresce que o próprio artigo 84º do referido Regulamento, conforme indicam os senhores peritos, e que se refere às “Zonas de Construção de Transição” carateriza-as no seu n.º 1 como apresentando-se pouco infraestruturadas e por uma ocupação de baixa densidade, considerando no seu n.º 2 dever ser privilegiada a adoção de medidas individuais e a cargo dos interessados no que se refere à implementação de sistemas coletivos de saneamento ou de melhoramentos ao nível da rede viária e acessos.
Do exposto decorre que segundo o critério plasmado na referida alínea c) do n.º 2 do artigo 25º entendemos que o terreno expropriado, para efeito do cálculo da indemnização devida pela expropriação, deve ser classificado como solo apto para construção conforme foi considerado unanimemente pelos senhores peritos (e tinha sido já considerado pelos senhores árbitros), e pelo tribunal a quo.
Improcede, por isso, e nesta parte o recurso.
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b) Do índice aplicável em cumprimento do disposto no n.º 6 do artigo 26º do Código das Expropriações e da aplicação do disposto nos números 8 e 9 do mesmo preceito

Sustenta a Recorrente que em cumprimento do disposto no n.º 6 do artigo 26º do Código das Expropriações deve ser aplicado o índice de 7,5% em conformidade com a posição assumida pelo perito por si indicado, o que decorre em seu entender dos seguintes factos:

- a parcela é confinante com a linha de caminho de ferro;
- tal contiguidade implica um acréscimo da poluição sonora e perda da qualidade ambiental, paisagística e de sossego do local;
- a parcela recebe o ruído sonoro da EN13;
- a parcela está distante em relação aos equipamentos e serviços existentes;
- a parcela não dispõe de qualquer infraestrutura urbanística.

Mais sustenta que, atentas as características da parcela expropriada, se impunha a aplicação de um fator corretivo de depreciação e inexistência de risco e do esforço inerente à atividade construtiva no seu limite máximo de 15% do valor da avaliação, nos termos previstos nos n.ºs 8 a 10 do referido artigo 26º.

Nos termos do disposto no n.º 6 deste preceito “[N]um aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
Estabelece ainda o artigo 26º que se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno (n.º 8) e que se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos n.ºs 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas.
Conforme resulta do vertido no relatório pericial os peritos do tribunal e da Expropriada aplicaram um índice fundiário de 10% e o perito da Expropriante aplicou apenas um índice fundiário de 7,5%; por outro lado, os peritos de forma unânime entenderam não se verificarem quaisquer condições especiais e não se justificar qualquer agravamento do custo de construção dado que, para a concretização da área máxima de construção não seria necessária qualquer outra operação urbanística que não a de edificação, de acordo com a tipologia dominante, implicando apenas a infraestruturação do caminho de acesso.
O tribunal a quo concluiu, e bem, que a divergência no valor encontrado pelos peritos por metro quadrado residia apenas no índice fundiário e considerou que a percentagem de 10% aplicada pela maioria se encontra devidamente fundamentada e é adequada à realidade física da parcela a expropriar, encontrando-se acima de metade da percentagem máxima estabelecida de 15%.
Como se afirma no sumário do Acórdão desta Relação de 14/02/2019 (subscrito pela aqui Relatora como Adjunta, Processo n.º 132/11.0TBVRL.G2, Relator Desembargador António Figueiredo de Almeida, disponível em www.dgsi.pt) “4) Existindo laudos divergentes e não possuindo o juiz quaisquer conhecimentos ou elementos concretos que lhe permitam aferir qual deles tem melhor aptidão para alcançar o valor da justa indemnização, justifica-se que considere ou adira ao laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do Tribunal por se dever presumir que as conclusões subscritas por um número maior de peritos, reunindo maior consenso, terão maior aptidão para atingir aquele objetivo ou que os peritos do Tribunal, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objetividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização”; também neste sentido se pode ler no sumário do Acórdão desta Relação de 27/09/2018 (Processo n.º 1792/11.7TBVRL.G1 , relatado pelo aqui 2ª Adjunto Desembargador Afonso Cabral de Andrade, também disponível em www.dgsi.pt) que “1. Nos processos de expropriação a prova pericial assume uma importância central, pois as perguntas a que importa responder exigem conhecimentos técnicos altamente especializados, que o Julgador, por natureza, não domina. 2. Existindo laudos divergentes e não possuindo o juiz conhecimentos técnicos que lhe permitam aferir qual deles é o mais correto, deve aderir ao laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do Tribunal, uma vez que estes, não tendo sido indicados pelas partes, oferecem mais garantias de isenção e imparcialidade”.
De facto, apresentando o processo de expropriação em grande parte um cariz notoriamente técnico, a prova pericial assume-se como particularmente relevante por estarem em causa conhecimentos especializados que o juiz por regra não domina, sendo que, por isso, também não está o julgador em condições de sindicar o juízo científico emitido pelos peritos, a não ser em caso de erro manifesto ou de critério legalmente inadmissível ou desadequado (cfr. neste sentido, entre vários, os Acórdãos desta Relação de 01/06/2017, Processo nº. 1446/09.4TBBCL, Relatora Desembargadora Rita Romeira e de 13/06/2019, Processo n.º 6209/17.0T8GMR.G1, relatado pela Desembargadora Cristina Cerdeira e também subscrito pela aqui Relatora como Adjunta, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Como é consabido a prova pericial tem por fim, em termos gerais, a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial (cfr. artigo 388º do Código Civil); assim, é pressuposto essencial da realização de prova pericial que a perceção e/ou a apreciação de factos assente em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, por envolverem conhecimentos de natureza científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência não detidos por aqueles (v. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, p. 578).
Decorre do disposto nos artigos 389º do Código Civil e 489º do Código de Processo Civil que a prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal, uma vez que “apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente critério dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos” (Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, ob. cit., p. 583).
No entanto, estando em causa a perceção ou apreciação de factos que envolvam conhecimentos especiais que, em regra, o julgador não detém, tais factos assim percecionados e apreciados pelos peritos, possuem o que podemos designar de força probatória especial que decorre do juiz, para se afastar do respetivo parecer pericial, ter de fundamentar a sua posição com recurso a conhecimentos da mesma ordem e natureza que presidiu ao juízo pericial emanados pelos senhores peritos.
Embora se nos afigure ser entendimento uniforme na jurisprudência que também no processo de expropriação a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, tem-se entendido que sendo a perícia obrigatória e o meio de prova que melhor habilita o julgador a apurar o valor do bem expropriado, com vista à atribuição da justa indemnização, pois que a avaliação da parcela conterá, em regra, questões de natureza essencialmente técnicas, o tribunal deve aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, quando não sejam coincidentes, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal quando haja unanimidade entre eles; para além da presumida competência técnica que se lhes reconhece, a posição assumida pelos peritos nomeados pelo tribunal é aquela que, em princípio, oferece maiores garantias de independência, imparcialidade e objetividade, face ao distanciamento que mantêm em relação às partes e aos interesses em litígio (v. os já citados Acórdãos desta Relação e ainda a jurisprudência ai citada, designadamente os Acórdãos da Relação de Coimbra de 15/01/2013, Processo n.º 637/10.0TBSEI, de 14/02/2012, Processo n.º 550/09.3TBVIS e de 14/12/2010, Processo n.º 4714/07.6TBVIS, e da Relação de Lisboa de 31/05/2012, Processo n.º 763/1994 e de 22/11/2012, Processo nº. 2352/08.5TJLSB, também todos acessíveis em www.dgsi.pt ).
Perfilhamos a posição defendida no citado Acórdão desta Relação de 13/06/2019 (Processo n.º 6209/17.0T8GMR.G1), onde se refere que “sem prejuízo da força probatória da perícia ser fixada livremente pelo tribunal – art. 389º do Cód. Civil –, no processo de expropriação a perícia assume uma particular relevância – evidenciada até pela circunstância de se tratar de diligência obrigatória, nos termos do artigo 61º, nº 2 do CE – de tal forma que podemos, seguramente, afirmar que as conclusões apresentadas pelos peritos – unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes – só devem ser afastadas quando se constata que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se nos deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correção”; isto é, ainda que o juiz aprecie livremente as respostas dos peritos, não estando vinculado aos laudos apresentados, e tenha o dever de os analisar criticamente, designadamente verificando se se mostram fundamentados e a sua conformidade com os critérios legais, a verdade é que, no que toca às questões técnicas, o juiz não estará, por regra, habilitado a contrariar as conclusões dos peritos e a formular o seu próprio juízo técnico.
Por isso, em face de laudos divergentes e não possuindo o juiz conhecimentos técnicos justifica-se que considere o laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do tribunal por se dever presumir que “as conclusões subscritas por um número maior de peritos, reunindo maior consenso, terão maior aptidão para atingir aquele objetivo ou que os peritos do Tribunal, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objetividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização.”
Tal não significa, obviamente, uma irrestrita vinculação ao laudo maioritário, ou uma pura adesão acrítica ao mesmo, podendo o tribunal “introduzir-lhe ajustamentos, fazer correções, colmatar falhas ou seguir o laudo ou critérios diferentes, se os tiver por mais justos, de acordo com outros critérios técnicos, objetivamente sustentados, ou com os elementos probatórios que possuir” (v. o citado Acórdão desta Relação de 13/06/2019).
In casu, os peritos de forma unânime e fundamentada entenderam não se verificarem quaisquer condições especiais e não se justificar qualquer agravamento do custo de construção.
Conforme já deixamos expresso o juiz, em regra, só deverá afastar-se do laudo dos peritos, caso verifique que estes se afastaram da aplicação dos critérios legais ou que o laudo padece de erro manifesto ou ainda quando a sua fundamentação é inexistente ou insuficiente, o que, entendemos não ocorrer no caso concreto considerando o teor do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados.
E quanto ao índice fundiário (n.º 6 do artigo 26º) em face da inexistência de laudo unânime e mostrando-se fundamentado o laudo maioritário subscrito pelos peritos do tribunal e da Expropriada afigura-se-nos correta a posição do tribunal a quo que privilegiou o laudo maioritário, o qual se mostra também subscrito pelos peritos do tribunal; não vislumbramos qualquer fundamento para pôr em causa os conhecimentos técnicos dos peritos que subscreveram o laudo maioritário e nem a independência e a objetividade dos peritos do tribunal e, consequentemente, para não considerar o índice que os mesmos aplicaram.
Entendemos, por isso, não merecer censura, nesta parte, a sentença recorrida que deu prevalência ao laudo maioritário, que foi também subscrito pelos peritos do tribunal, improcedendo também aqui o recurso.
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c) Da depreciação da parte sobrante

Por último sustenta a Recorrente não se verificar qualquer depreciação da parte sobrante.
Para o efeito invoca que à data da vistoria ad perpetuam rei memoriam o uso do prédio estava exclusivamente vocacionado ao cultivo agrícola com vinha em ramada permitindo concluir que a parcela sobrante pode continuar vocacionada para tal cultivo agrícola à semelhança do que se verifica nos terrenos limítrofes e que, mesmo que assim não se entenda, considerando a posição da parcela sobrante relativamente à área de jurisdição ferroviária (que já existia à data da DUP), a área de construção admitida pelo PDM seria proporcionalmente inferior obtendo-se uma área de edificação de 255m2 manifestamente suficiente para, num aproveitamento económico normal, construir uma moradia unifamiliar isolada.
Conclui a Expropriante que não merece censura o Laudo Arbitral ao considerar que não fica inviabilizada a possibilidade de construção na parcela sobrante mas, apenas, que tal capacidade fica proporcionalmente diminuída por via da expropriação, concluindo que o prédio mantém proporcionalmente a mesma capacidade construtiva e de emparcelamento com os prédios vizinhos não sofrendo qualquer desvalorização.
O Perito da Expropriante entendeu não se poder concluir pela depreciação da parcela sobrante por esta não implicar diminuição da área total edificável e considerou que “[Q]uestão diferente é a de saber as soluções arquitetónicas para a concretização da área de construção que, em abstrato, o plano permite, são condicionadas pela especificidade da configuração e dimensões da parcela” e que a resposta tem de ser afirmativa na medida em que qualquer uma das diversas soluções urbanísticas “limitariam a utilização da fachada nascente para a abertura de vãos de compartimentos habitáveis” e que tal situação “poderá traduzir-se numa depreciação da ordem dos 20%” atribuindo um valor para a desvalorização da parcela sobrante de €2.323,90.
Já o relatório pericial maioritário, subscrito pelos peritos do tribunal e da Expropriada, entendeu que em face da obrigação de garantir os afastamentos impostos pelo PDM de Viana do Castelo e pela servidão non aedificandi, após a expropriação não será possível a construção de uma moradia unifamiliar independente, o que era possível antes da expropriação e, em consequência, fixaram o valor da desvalorização da parcela sobrante em €11.954,50.
O tribunal a quo considerou ser esta a grande divergência avaliativa entre os peritos da Expropriada e do tribunal e o perito da Expropriada, ainda que todos os peritos reconheçam a existência de desvalorização da parcela sobrante, divergindo, contudo, nos respetivos critérios e valor fixado, e fazendo consignar na sentença recorrida que: “[O] relatório maioritário considerou que a expropriação da parcela e a constituição de uma nova área “non aedificandi” decorrente da servidão administrativa criada pela expropriação, e que corresponde aos 10 metros de afastamento obrigatório da linha férrea (10 metros a partir do limite nascente da parcela expropriada), irá provocar uma redução da área edificável que inviabiliza a construção de uma habitação unifamiliar de tipologia isolada.
Resultou provado que a parcela sobrante situa-se a nascente da parcela expropriada e possui a área de 850 m2. Com a expropriação a parcela sobrante fica com uma configuração alongada, com uma largura média de 18 m, tendo do lado poente uma zona “non aedificandi” de 10 m de largura dada a confrontação com a linha férrea, e do lado nascente uma faixa de 5 metros de largura correspondente ao afastamento definido do prédio confinante, resultando uma largura média para implantação de construção de 3 m (variável entre cerca de 1,5 e 5,0 m).
Antes da expropriação era possível, sem qualquer constrangimento, a construção no prédio de uma moradia unifamiliar independente, o que, com a expropriação, deixou de ser possível dada a necessidade de respeitar os afastamentos aos limites da parte impostos pelo PDM e pela servidão “non aedificandi”.
Assim, afigura-se-nos que o relatório pericial está devidamente fundamentado, não havendo razões para considerar que o juízo técnico subjacente padece de erro manifesto. É de salientar, que dos 5 peritos, só o perito da Entidade Expropriante discordou do critério utilizado”.

No tocante à depreciação da parte sobrante estabelece o artigo 29º do Código das Expropriações que:
“1 - Nas expropriações parciais, os árbitros ou os peritos calculam sempre, separadamente, o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública. 2 - Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada. 3 - Não haverá lugar à avaliação da parte não expropriada, nos termos do n.º 1, quando os árbitros ou os peritos, justificadamente, concluírem que, nesta, pela sua extensão, não ocorrem as circunstâncias a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 2 e o n.º 3 do artigo 3º.”
In casu, estamos perante uma expropriação parcial, ficando uma parcela sobrante, situada a nascente da parcela expropriada, com a área de 850 m2, com uma configuração alongada e uma largura média de 18 m, tendo do lado poente uma zona non aedificandi de 10 m de largura dada a confrontação com a linha férrea, e do lado nascente uma faixa de 5 metros de largura correspondente ao afastamento definido do prédio confinante, resultando uma largura média para implantação de construção de 3 m (variável entre cerca de 1,5 e 5,0 m).
Importa desde já referir que valem aqui todas as considerações já tecidas relativamente à prova pericial, que aqui reiteramos.
Nos presentes autos os peritos do Tribunal e da Expropriada fixaram o valor da desvalorização da parcela sobrante em €11.954,50, considerando que sendo necessário garantir os afastamentos impostos pelo PDM de Viana do Castelo e pela servidão non aedificandi não será possível a construção de uma moradia unifamiliar independente após a expropriação, o que era possível antes da expropriação; já o perito da Expropriada atribuiu um valor para a desvalorização da parcela sobrante de €2.323,90, considerando inexistir diminuição da área total edificável mas entendendo que as diversas soluções arquitetónicas para a concretização da área de construção que, em abstrato, o plano permite, são condicionadas pela especificidade da configuração e dimensões da parcela, o que poderá traduzir-se numa depreciação da ordem dos 20%.
A sentença recorrida privilegiou nesta questão a posição maioritária dos peritos do tribunal e da Expropriada e não vemos, também aqui, razões ou argumentos que nos permitam pronunciar em sentido contrário ao decidido. Os peritos fundamentaram a sua posição e não resultam dos autos elementos que permitam concluir que a mesma padeça de erro manifesto ou aplique critérios legalmente inadmissíveis, e nem que permitam fundamentar o afastamento da posição maioritária subscrita pelos peritos do Tribunal.
Nestes termos, terá de improceder integralmente o recurso de apelação, não se mostrando violadas pelo tribunal a quo nenhuma das disposições invocadas pela Recorrente.
As custas são da responsabilidade da Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil):

I) - A prova pericial tem por fim, em termos gerais, a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial.
II) - No processo de expropriação, sendo a peritagem obrigatória e traduzindo-se a avaliação do bem expropriado num problema essencialmente técnico, o tribunal deve aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, quando não sejam coincidentes, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo Tribunal quando haja unanimidade entre eles, porquanto este é o meio de prova que melhor habilita o julgador a apurar o valor do bem expropriado, com vista à atribuição da justa indemnização.
III) - Em face de laudos divergentes e não possuindo o juiz conhecimentos técnicos justifica-se que considere o laudo maioritário ou ao laudo dos peritos do tribunal por se dever presumir que as conclusões subscritas por um número maior de peritos, reunindo maior consenso, terão maior aptidão para atingir o objetivo da fixação da justa indemnização ou que os peritos do Tribunal, não tendo sido indicados pelas partes e não tendo com elas qualquer ligação, oferecem melhores garantias de isenção e imparcialidade, estando, por isso, em melhores condições de, com objetividade e isenção, determinar o justo valor da indemnização.”
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 16 de dezembro de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto)