Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
681/12.2TBGC-A.G2
Relator: HELENA MELO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
DÍVIDA À SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

.O conhecimento oficioso da prescrição de uma dívida por contribuições de segurança social previsto no artº 175º do CPPT não é reservado aos processos de execução fiscal.

.O prazo prescrição da dívida por contribuições de segurança social é o de 5 anos nos termos do disposto no nº 3 do artº 60º da Lei 4/2007, de 16 de janeiro (Lei que aprova as bases gerais do sistema de segurança social) e não o prazo geral de 20 anos estatuído no artigo 309.°/1 do CC aplicável somente às dívidas de natureza não tributária, pelo que o artº 311º, nº 1 do CC não lhes é aplicável.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

Por apenso aos autos de execução comum que o (…) move contra (…) , veio o Instituto da Segurança Social, IP, reclamar os seguintes créditos:

. a quantia de 1.034,32 relativa a contribuições em dívida relativamente aos meses de julho, setembro e outubro de 2008 e meses de março a maio de 2009; e,
.a quantia de 297,78 relativo a juros de mora sobre as contribuições em dívida, calculados até março de 2017, acrescida dos juros vincendos, até integral pagamento.

Foi proferida sentença que julgou improcedente a reclamação de créditos por entender que a dívida reclamada estava prescrita, sendo a prescrição de conhecimento oficioso.

O reclamante não se conformou e interpôs recurso de apelação, invocando, designadamente a violação do princípio do contraditório” tendo por acórdão deste Tribunal, proferido em 30 de maio de 2018, sido decidido “anular a decisão recorrida, para que seja dado cumprimento ao disposto no artº 3º, nº 3 do CPC, notificando-se o reclamante para se pronunciar sobre a aplicabilidade ao caso do disposto no artº 175º do CPT “.
Após baixa do processo à 1ª instância foi ordenada a notificação do credor reclamante Instituto da Segurança Social, IP para se pronunciar, querendo, “acerca da possível aplicabilidade ao caso concreto do disposto no artº 175º do Código do processo tributário (CPT)”.
O credor reclamante pronunciou-se.
Após, foi proferida nova decisão mantendo na íntegra o despacho de não admissibilidade da reclamação nos exatos termos e pelas razões constantes do despacho judicial de fls 14 v. (fls 98 – 104).

O credor reclamante de novo inconformado, interpôs o presente recurso, tendo terminado as suas alegações do seguinte modo:

1 – O presente recurso, visa a douta sentença de verificação e graduação de créditos, na medida em que conheceu oficiosamente da prescrição da divida à Segurança Social e, julgou prescrito o período de julho, setembro e outubro do ano de 2008 e março, abril e maio do ano de 2009.
2 – O executado encontra-se abrangido pelo Centro Distrital de …, onde está inscrita e enquadrada como trabalhadora independente, com o NISS nº …
3 – O ISS. IP., apresentou reclamação de créditos no valor de € 1.332,10, sendo € 1.034,32 de quantia exequenda e € 297,78 de juros de mora, referente a contribuições devidas pelo executado/reclamado H. S., na qualidade de trabalhador independente; nenhuma das partes impugnou a reclamação de créditos apresentada pelo ISS.IP.
4 – A divida à Segurança Social goza de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral, nos termos dos artigos 204º e 205º, ambos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (adiante CRC).
6 – A regularização da divida à Segurança Social é feita nos termos do artigo 186º nº 1 do CRC, isto é, por pagamento voluntário, no âmbito da execução cível ou no âmbito da execução fiscal.
7 – Com o devido respeito, pela douta decisão a quo, entendemos que o artigo 175º do CPPT, não tem aplicação ao presente processo de execução.
8 – Entendemos que a prescrição da divida à Segurança Social no âmbito do processo de execução cível não é de conhecimento oficioso, antes pelo contrario, segue a regra do artigo 303º do Código Civil, isto é, a prescrição necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita.
9 - A prescrição da divida à Segurança Social só consubstancia uma exceção perentória de conhecimento oficioso no âmbito do processual-tributário, conforme resulta do artigo 175º do CPPT, isto é, quando executada no âmbito da execução fiscal, e pelo Tribunal, caso não o tenha feito o órgão de execução fiscal anteriormente.
10 – Note-se, que o Tribunal a quo, para fazer esta interpretação extensiva do artigo 175º do CPPT, parte sempre da oposição à execução fiscal e nesse sentido legitima a intervenção judicial, que a coberto da oposição, pode e deve conhecer da prescrição.
11 - Acontece que o executado, não deduziu oposição à execução fiscal, nem impugnou a reclamação de créditos, logo, não nos parece, que possa o Tribunal a quo aplicar o artigo 175º do CPPT, sem que tenha havido qualquer oposição ou reação do executado.
12- Mais acrescenta o Tribunal a quo que nada demonstra que o órgão de execução fiscal tenha conhecido ou não da prescrição, no entanto, olvida o Tribunal a quo, que a divida é referente ao período de julho, setembro e outubro do ano de 2008 e março a maio de 2009, logo aquando da citação do executado em execução fiscal, em 03/07/2012 e da reclamação de créditos no processo nº 1500/10.0TBBGC, não tinham decorrido 5 anos.
13 – Por outro lado, há que fazer a distinção entre órgão de execução fiscal, cuja competência pertence às Secções de Processo Executivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP, (adiante, SPE do IGFSS.IP), órgãos criados para esse efeito, nos termos do DL 42/2001, de 9 de fevereiro, e o Instituto da Segurança Social, IP que é o exequente no âmbito do processo de execução fiscal.
14 - Assim, ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo, o ISS.IP não poderia ter conhecido da prescrição oficiosamente nos termos do artigo 175º do CPPT, por não ser sua essa competência.
15 - No processo civil, vigora o princípio do dispositivo e o princípio da preclusão processual, determinando o artigo 303º do Código Civil e o artigo 573º do CPC, que a prescrição carece de ser invocada pela parte a quem dela aproveita e, em momento próprio, com a contestação, como exceção perentória que é, sob pena de ser extemporânea.
16 - Importa distinguir, que o conhecimento da prescrição, opera de modo diferente nas instâncias tributárias/fiscais e nas instâncias cíveis; sendo que, no CPPT vigora a regra de que o conhecimento da prescrição é oficioso, pelo órgão de execução fiscal ou pelo Tribunal, caso o órgão de execução fiscal não o tenha feito.
17 - O artigo 175º do CPPT pressupõe a execução da divida em sede de execução fiscal, e a oposição do executado a essa execução, fazendo remeter os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal, ou seja, a intervenção do Tribunal tem que resultar da tomada de posição do executado, deduzindo oposição com esse motivo ou outro dos que estão elencados no artigo 204º do CPPT, coisa que não aconteceu nos autos.
18 - O executado não deduziu oposição à execução fiscal e não impugnou os créditos reclamados pela Segurança Social nos processos de execução cível.
Pelo que, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo regras de competência em razão da matéria.
19 - Parece-nos, assim, que a interpretação extensiva do Tribunal a quo seria, essa sim, com o devido respeito, materialmente inconstitucional.
20 – O certo é que, que como já referido anteriormente, a divida à Segurança Social pode ser regularizada, nos termos do artº 186º do CRC (Código dos Regimes Contributivos), tando em execução cível como em execução fiscal, naturalmente, de acordo com as regras de processo inerentes a cada jurisdição.
21 - A prescrição é causa extintiva das obrigações civis ou perfeitas e «consiste no instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito quando este se não verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos» (ALMEIDA COSTA in “Direito das Obrigações”, 10ª ed, pp. 1120/21).
22- Dela resulta para o beneficiário que a invoca com êxito, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artº 304º, nº 1, do Código Civil).
23 - Note-se que nenhuma das partes impugnou o crédito do ISS.IP.
24 - De harmonia com o disposto no art.º 303º do CC, o Tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição, carecendo esta, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público. A prescrição extintiva consubstancia, portanto, uma exceção perentória cujo conhecimento oficioso está vedado ao tribunal (cfr., igualmente, os art.ºs. 576º e 579º “a contrario”, do CPC).
25 - Sendo que, caso o Tribunal conheça da prescrição oficiosamente, incorrerá a sentença em nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, por ter, indevidamente, tomado conhecimento da questão da prescrição; não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608º-2), é nula a sentença que o faça.
Pelo exposto, ocorre em excesso de conhecimento a decisão do Tribunal a quo, na medida em que conheceu uma questão não submetida à apreciação do julgador.
26 – É verdade que as dívidas à Segurança Social prescrevem no prazo de cinco anos, por força da Lei 17/2000, de 8 de Agosto, que veio alterar o prazo de prescrição de dez (10) anos, previsto na Lei 28/84, de 14 de Agosto, e no DL 103/80, de 9 de Maio. Regra esta mantida pelas posteriores Leis de Bases da Segurança Social, Lei nº 32/2002, de 20/12 e Lei nº 4/2007, de 16/0 (art. 60º nº 3).
27 - Em matéria de interrupção da prescrição o mesmo art. 63º da Lei 17/2000, no nº 2 estipulava “ a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com o conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente á liquidação ou à cobrança da dívida” redacção mantida na actual Lei de Bases, nº 4 do art.60º da Lei 4/2007, de 16/01.
28 - Dispõe também o art. 325º do Código Civil “ a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido”.
29 – A dívida reclamada foi objecto de execução fiscal, no âmbito do processo nº 0401201200033774, tendo sido remetida citação ao executado, aqui Recorrido, em 03/07/2012, conforme Doc. nº 1 que se encontra junta aos autos
30 – Pese embora, o ISS.IP não tenha prova de que o executado, aqui Recorrido tenha recebido a citação em execução fiscal, o certo é que o Recorrente, não carece desse facto para interromper a prescrição, porquanto, se verifica, que a divida reclamada pelo ISS.IP, não foi impugnada pelo executado no presente processo de execução e também o não foi no processo de execução cível anterior.
31 - O ISS. IP., apresentou reclamação de créditos no âmbito do processo de execução nº 1500/10.0TBBGC, que correu termos pelo extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança, instaurado contra o executado H. S., referente a divida na qualidade de trabalhador independente, e relativa aos períodos de julho, setembro e outubro do ano de 2008 e março a maio do ano de 2009, conforme doc. nº 2 que se encontra junto aos autos.
32 - Crédito, esse, que foi reconhecido e graduado por sentença judicial de 10/10/2012 (verificasse uma pequena diferença apenas nos juros atentas as taxas de juros aplicáveis em cada momento), conforme certidão da sentença que foi junta aos autos em 18/10/2018.
33 - Nos termos do artigo 619º nº 1 do CPC, transitada a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele.
33 - Pelo exposto, e caso se entenda, poder ser aplicado o artº 175º do CPPT ao processo cível, nunca a divida reclamada pode ser declarada prescrita, por ofensa dos efeitos do caso julgado, porquanto, nos termos do artigo 311º nº 1 do Código Civil, quando ocorre o reconhecimento do direito por sentença judicial, o prazo de prescrição a aplicar é o prazo ordinário de 20 anos.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que reconheça e gradue a totalidade dos créditos reclamados pelo ISS.IP.
Não foram oferecidas contra-alegações.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

. se a prescrição de dívida à Segurança Social no âmbito do processo de execução cível não é de conhecimento oficioso, não se aplicando o disposto no artº 175º do CPPT, seguindo-se, pelo contrário, a regra do artigo 303º do Código Civil, isto é, a prescrição necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita; e,
.se a sentença é nula por excesso de pronúncia por o Mmo Juiz a quo ter conhecido da exceção de prescrição sem ter sido invocada.

III – Fundamentação

A situação factual é a supra descrita e ainda os seguintes factos:

. O Instituto da Segurança Social, Instituto Público, veio reclamar, em 06/4/2016, o crédito resultante de contribuições em dívida pelo reclamado e executado H. S., na qualidade de trabalhador independente, relativo aos meses de:

. a) julho, setembro e outubro de 2008; e,
.b)março a maio de 2009.
. A dívida reclamada nestes autos foi objecto de execução fiscal, no âmbito do processo nº 0401201200033774, tendo sido remetida citação ao executado, aqui apelado, em 03.07.2012.
. O ISS,IP apresentou reclamação de créditos no âmbito do processo de execução nº 1500/10.0TBBGC que correu termos pelo extinto 2º juízo do Tribunal Judicial de Bragança, instaurado contra o executado H. S., referente a dívida na qualidade de trabalhador independente, relativa aos períodos de julho, setembro e outubro de 2008 e março a maio do ano de 2009, crédito esse que foi reconhecido e graduado por sentença judicial.

Do conhecimento oficioso da prescrição

Entende o apelante que o artigo 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (aprovado pelo DL 433/99, de 26 de outubro, designado por CPPT) não é aplicável ao processo de execução civil, aplicando-se, antes, e apenas, o disposto no artigo 303º do Código Civil.

Estabelece o citado artigo que “a prescrição ou duplicação da coleta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.” Resulta assim do mencionado preceito legal que o conhecimento da prescrição é oficioso, preceito que se aplica também, em nosso entender, em sede de execução cível. Como se defende no Ac. deste Tribunal da Relação de 12.04.2018, proc. nº 314/14.2T8BGC-A.G1 (1) “mal se compreenderia que se permitisse a reclamação de créditos de natureza fiscal no processo executivo cível e que, ao mesmo tempo, não fossem aplicáveis as regras que para a cobrança de tais créditos, a legislação fiscal estabelece, nomeadamente, em matéria de prescrição.
Com efeito, havendo um princípio que permite às instâncias fiscais, rectius, impõe, o conhecimento oficioso da prescrição, seria de difícil aceitação que já não o permitisse quando tais créditos são reclamados em processo civil, podendo prejudicar ilicitamente a situação do contribuinte (neste mesmo sentido, cfr o Acórdão da Relação do Porto de 03/12/2013, no processo 6007/08.2TBMAI-A.P1,disponível em
www.dgsi.pt).”

Não resulta da lei que a prescrição para que possa ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, o executado/reclamado, tenha de ter deduzido oposição na execução fiscal e na reclamação na execução cível. É que, sendo tal excepção de conhecimento oficioso, não se encontra sujeita ao ónus de alegação e prova pela parte a quem aproveita (art. 264º, nº 2 do CPC). Efetivamente como decorrência da circunstância de ser de conhecimento oficioso, o conhecimento desta exceção não se encontra sujeita aos condicionalismos processuais dessa alegação, maxime à necessidade da sua arguição no articulado inicial de impugnação do crédito ou, apenas se reunidos os correspondentes pressupostos, através de um articulado superveniente, sob pena de não conhecimento e de preclusão (artº 573º, nºs 1 e 2 do CPC).
E sendo, como é, a prescrição de conhecimento oficioso, o tribunal a quo não incorreu em excesso de pronúncia ao ter conhecido da mesma, pelo que não enferma a decisão recorrida da nulidade que lhe é apontada pelo apelante.

O apelante veio ainda alegar quando se pronunciou sobre a prescrição que, não obstante ter sido enviada carta para citação do executado para interromper a prescrição, não necessita deste facto para interromper a prescrição porque tendo o crédito aqui reclamado já sido reconhecido por sentença transitada em julgado no processo 1500/10.0TBBGC, o prazo de prescrição passou a ser o de 20 anos, por força do disposto no artº 311º, nº 1 do CC.

Na sentença recorrida, o Mmo Juiz a quo não se pronunciou sobre esta questão que o apelante retoma, em sede do presente recurso.

Será assim:

O prazo ordinário de prescrição é de 20 anos (artº 309º do CC).

Casos há, porém, em que o legislador fixou um prazo mais curto.

Estabelece o artº 311º, nº 1 do CC que o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça ou outro título executivo. Assim, a sentença, ou outro título executivo, transforma a prescrição de curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de 20 anos (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação ao artº 311º). E estatui o nº 2 do artº 311º do CC que quando a sentença ou outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, de curto prazo.
O prazo de prescrição de 20 anos a que o direito fica sujeito por ter sido reconhecido por sentença transitada em julgado (nº 1 do artº 311º do CC), inicia-se com o trânsito em julgado da mesma.
Quando a lei exclui do prazo de prescrição de 20 anos as prestações ainda não devidas, mantendo-se o curto prazo de prescrição de que gozavam, está-se a referir às prestações que não eram devidas à data do trânsito em julgado da sentença. E os juros que se vão vencendo, dia a dia, após o trânsito em julgado da sentença, não podem deixar de se considerar prestações vincendas para o efeito da aplicação do disposto no nº 2 do artº 311º do CC, conforme se decidiu no Ac. do STJ de 12.11.96 (2), “posto que os juros vincendos só vão sendo devidos à medida que o devedor não vá cumprindo”.
A sentença que reconheceu o crédito do apelante no âmbito do processo de execução nº 1500/10.0TBBGC e aqui também reclamado está datada de 04.10.2012 e foi notificada em 10.10.2012.
No entanto, pretendendo o credor reclamante fazer valer-se do prazo ordinário da prescrição e contando este da data do trânsito em julgado da sentença, não cuidou o credor reclamante de fazer prova de que a referida sentença transitou em julgado.
Contudo, ainda que o tivesse demonstrado, não se aplicaria o disposto no artº 311º, nº 1 do CC.

Conforme se defende no recente acórdão do STA de 20.03.2019, proferido no processo 0467/10.9BESNT, existindo normas específicas que regulam in totum os prazos de prescrição e respectivos factos interruptivos e suspensivos, não tem fundamento legal a aplicação supletiva das normas gerais do artº 311º, nº 1 do CC.

O prazo prescrição da dívida é o de 5 anos nos termos do disposto no nº 3 do artº 60º da Lei 4/2007, de 16 de janeiro (Lei que aprova as bases gerais do sistema de segurança social) e não o prazo geral de 20 anos estatuído no artigo 309.°/1 do CC aplicável somente às dívidas de natureza não tributária, pelo que o artº 311º, nº 1 não tem aplicação ao presente caso.

Quanto à interrupção do prazo de prescrição for força da citação no processo de execução, ainda que a apelante o tivesse invocado, o que não se nos afigura, de acordo com a interpretação que fazemos das suas alegações, tendo a mesma sido efectuada por carta registada com AR conforme consta do próprio ofício de notificação, não se mostra junta cópia do AR.

De acordo com o nº 4 do artº 6º da Lei 4/2007 “a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.”

Diligências administrativas, para este efeito, serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide), mas não integrando tal conceito um telefonema efectuado por funcionário da AT ao contribuinte devedor ( cfr. se defende no Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 21.04.2009, proc. 02938/09. Ver ainda Ac. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 07-01-2009, no processo n.º 0835/08).

Não estando demonstrado que foi efectivamente dado conhecimento ao devedor da referida diligência administrativa, pois apenas foi feita prova da mera remessa do ofício no âmbito do processo de execução fiscal, esta não tem o efeito de interromper a prescrição.

Consequentemente deve ser mantido o despacho recorrido, pois que a prescrição é de conhecimento oficioso, não está demonstrada qualquer factualidade que permita concluir pela interrupção da prescrição e não é aplicável às dívidas da segurança social, o disposto no artigo 311º, nº 1 do CC, que não tem aplicação às dívidas tributárias.

Sumário:

.O conhecimento oficioso da prescrição de uma dívida por contribuições de segurança social previsto no artº 175º do CPPT não é reservado aos processos de execução fiscal.
.O prazo prescrição da dívida por contribuições de segurança social é o de 5 anos nos termos do disposto no nº 3 do artº 60º da Lei 4/2007, de 16 de janeiro (Lei que aprova as bases gerais do sistema de segurança social) e não o prazo geral de 20 anos estatuído no artigo 309.°/1 do CC aplicável somente às dívidas de natureza não tributária, pelo que o artº 311º, nº 1 do CC não lhes é aplicável.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 26 de setembro de 2019

Helena Melo
Eduardo Azevedo
Maria João matos


1. Acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os demais acórdãos que venham a ser citados sem indicação da fonte.
2. Relatado por Cardona Ferreira, publicado CJ/STJ, Vol III, p.97. No mesmo sentido o Ac. do TRL de 11.11.93, citado pelo recorrente nas suas alegações e referido por Abílio Neto, Código Civil Anotado, Lisboa: Ediforum, p. 234.