Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
385/14.1T8VRL.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
PRECLUSÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: - A existência de um regime processual específico que impõe aos diversos intervenientes no processo especial emergente de acidentes de trabalho um determinado comportamento, a saber, a dedução de todos os pedidos e de todas as questões no momento em que são chamados à tentativa de conciliação realizada pelo Mistério Público, configura exceção dilatória inominada, pelo que extinta a instância com a homologação do acordo, é tal exceção impeditiva da propositura subsequente de ação para efetivação de outros direitos ali não reclamados.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

B. por si e na qualidade de representante legal de sua filha menor C. residente …, Baião, vêm interpor Recurso de Apelação.
Formulam as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho Saneador/Sentença, proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, com data de 24/11/2015, que decidiu: “Em face de todo o exposto, resta decidir pelo indeferimento liminarmente o pedido apresentado pelas autoras, porque legal e processualmente inadmissível.
Custas pelas autoras.”,
2. Tal decisão foi proferida porque perante a factualidade apreciada, o Tribunal entendeu que não era legítimo às autoras peticionarem danos não patrimoniais, pois, no decurso do processo especial emergente de acidente de trabalho não se suscitou a questão de o acidente ter sido devido à violação das regras de segurança no trabalho.
3. Salvaguardando sempre melhor entendimento, não poderão as ora autoras/recorrentes conformarem-se com tal decisão.
4. É referido pelo Sr. Juiz que conforme resulta do nº2 do art. 112 do CPC, que “O interessado que se recuse a tomar posição sobre cada um dos elementos destes factos, estando já habilitado a fazê-lo, é, afinal condenado como litigante de má-fé.”.
5. Referindo-se aos factos referentes à caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, retribuição de sinistrado, entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída se for o caso.
6. As autoras/recorrentes atendendo às circunstâncias do acidente, só muito posteriormente, tomaram conhecimento de factos concretos o que as levou a propor ação emergente de acidente de trabalho, onde requerem a condenação da ré – entidade patronal -, a pagar-lhes, uma indemnização por danos não patrimoniais, pela morte de D., ocorrida no dia 20/10/2014, quando trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da ré entidade patronal.
7. Em nossa modesta opinião, a pretensão das autoras, não se encontra próxima de litigância de má-fé, nem a pretensão destas, é extemporânea.
8. Nada obsta a que a Instancia civil por acidente de trabalho, possa ser reaberta para conhecimento de direitos que, por qualquer razão, não tenham sido apreciados numa ação que já tenha tido lugar em virtude de determinado acidente de trabalho e sobre os quais não haja formação de caso julgado quanto aos mesmos.
9. Na ação, proposta pelas autoras/recorrentes, são discutidos direitos, que não foram conhecidos, apreciados, naquele evento que deu origem aos mesmos, ou seja, na ação emergente de acidente de trabalho, no âmbito da qual e na fase conciliatória foram, por acordo fixadas pensões a favor das autoras a cargo da seguradora, não é agora o que se pede, nem a entidade é a mesma.
10. Aquele processo foi concluído por acordo judicialmente homologado, no qual, a seguradora participante se obrigou a pagar à viúva do sinistrado uma pensão anual e vitalícia, subsídio por morte, despesas de transportes e à filha do sinistrado uma pensão anual e subsídio por morte.
11. Mas, aí, não foi conhecido o especifico direito emergente do acidente de trabalho que as autoras agora pretendem fazer valer – indemnização por danos não patrimoniais -, por violação das regras na segurança no trabalho pela entidade patronal.
12. As autoras/recorrentes deram entrada de uma nova petição inicial para o efeito, à qual foi atribuído o número de processo1716/15.2T8VRL, que correu termos na Secção de Trabalho – J1, da Comarca e da Instancia da qual se recorre, tendo sido ordenado pelo Tribunal a quo, a incorporação de tal petição inicial, nos presentes autos.
13. Porém, tratando-se neste caso de específicos direitos não conhecidos naquele processo, o evento que lhes deu origem é o mesmo, tratando-se assim, de um mero desenvolvimento da ação anterior.
14. O direito de indemnização referido no artigo 18º nº2 da Lei nº100/97, nos termos do qual a responsabilidade do empregador, prevista na mesma lei, em casos de acidente resultantes da falta de observação das regras de segurança higiene e saúde no trabalho não “prejudica a responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral, nem a responsabilidade criminal em que a entidade empregadora, ou seu representante, tenha incorrido.”.
15. O dever de reparação dos danos não patrimoniais, nos termos da lei geral, concretiza-se numa indemnização de danos que não vem especificadamente prevista na Lei nº100/97 mas antes noutras fontes normativas gerais.
16. Independentemente, pois, do evento danoso revestir a natureza de acidente de trabalho, sempre seria de considerar que a sua indemnização não se confunde com as prestações reparatórias especificadamente previstas na LAT.
17. Na presente demanda, as autoras/recorrentes, reclamam uma indemnização por danos não patrimoniais por elas sofridos com a morte do marido/pai respetivamente, alegando a inobservância das regras de segurança no trabalho por parte da entidade patronal.
18. As prestações fixadas na lei dos acidentes de trabalho têm de ser judicialmente reclamadas a contar da data da alta clinica ou da morte do sinistrado, o que foi o caso, mas, a questão que agora se coloca é a de saber se a indemnização por danos morais é uma dessas prestações.
19. À primeira vista dir-se-ia que não, uma vez que, tal indemnização não faz parte do elenco das prestações que integram o conteúdo do direito à reparação, tal como é referido no art. 10º da LAT.
20. Todavia, não será assim, em nossa modesta opinião.
21. A responsabilidade civil da entidade patronal por acidentes de trabalho, não abrange a reparação de todos os danos e assim não é dado que, não assenta na culpa, mas sim, no denominado risco empresarial.
22. Nem todos os danos patrimoniais sofridos pelo sinistrado, ou por seus familiares, são ressarcíeis, com base naquela responsabilidade e o mesmo também acontece em princípio, com os danos não patrimoniais.
23. Como resulta do disposto do art. 10º da LAT, a responsabilidade do empregador restringe-se, em regra, as prestações em espécie e em dinheiro, expressamente referidas naquele artigo, de cujo elenco a indemnização por danos não patrimoniais não faz parte.
24. Contudo, em certas situações a lei dos acidentes do trabalho reconhece o direito a indemnização por danos não patrimoniais, e fá-lo no seu artigo 18º ao regular o direito à reparação quando o acidente tiver ocorrido por culpa da entidade empregadora ou do seu representante ou tiver resultado da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, sendo certo que, em tais casos é determinado o agravamento das prestações e tal agravamento não prejudica a responsabilidade civil por danos morais nem a responsabilidade criminal em que a entidade empregadora ou o seu representante têm incorrido.
25. O que significa que, a lei dos acidentes de trabalho, ressalva a responsabilidade civil por danos não patrimoniais, traduzindo-se assim, num alargamento do conteúdo do direito à reparação previsto no artigo 10º, uma vez que, tal direito passa a incluir a prestação devida por danos não patrimoniais.
26. A presente ação é tempestiva e não extemporânea, pois, a petição inicial em causa foi apresentada em juízo no prazo de um ano após a participação do acidente de trabalho pela seguradora no Tribunal;
27. Independentemente de já ter ocorrido processo especial de acidente de trabalho e tendo sido homologada a conciliação entre as ora autoras e a seguradora responsável, onde foram acordadas a reparação patrimonial, o certo é que, não foi apreciado o direito supra identificado, que ora as autoras/recorrentes reclamam.
28. Na ação agora proposta, de cuja decisão se recorre, apesar, de ser na sequência do mesmo acidente, são discutidos direitos não conhecidos naquele, ou seja, ali não foi conhecido o especifico direito emergente do acidente de trabalho que as autoras/recorrentes agora pretendem fazer valer.
29. Numa perspetivo material trata-se de um mero desenvolvimento da ação anterior.
30. Não deveria ter sido assim, proferido Despacho Saneador/Sentença, mas, deveria sim, ter sido o processo dirigido ao Ministério Publico a fim de ser agendada uma tentativa de conciliação a fim de dar inicio à fase contenciosa e os autos prosseguirem os seus ulteriores termos.
31. Os direitos emergentes de acidente de trabalho têm natureza indisponível, como decorre do art. 34º da Lei nº100/97, e é de conhecimento oficioso.
32. A sentença em causa violou os artigos 10, 18, 34º da lei nº100/97, art. 100º, 108º do CPT.

E., com sede…, contra-alegou em prole da manutenção da decisão.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Exaramos, de seguida, um breve resumo dos autos para melhor compreensão.
B. por si e na qualidade de representante legal da sua filha menor C., consigo residente, vieram peticionar nos autos a condenação empresa “E. Lda.”, na quantia total de €255.000,00 a dividir em partes iguais pelas autoras, a título de indemnização por danos não patrimoniais causados pela morte de D., ocorrida no dia 20/10/2014, quando trabalhava sobre as ordens, direção e fiscalização da ré.
Alegam, em síntese, que são viúva e filha do falecido D. e seus únicos e universais herdeiros. Que o D. era trabalhador da ré, por força da vigência de um contrato de trabalho celebrado validamente entre ambos. Que o referido D. faleceu à data de 20/10/2014, vítima de um acidente de trabalho, quando pelas 16H50 desse dia, prestava serviço no lugar de …, sob as ordens, direção e fiscalização da ré. Que na sequência desse acidente, no dia 24/10/2014, a F. Companhia de Seguros, participou tal acidente, que deu origem ao processo especial emergente de acidente de trabalho que correu termos sob o nº. 385/14.1T8VRL – Instância Central – Trabalho – j2, comarca de Vila Real, que terminou em acordo na fase conciliatória, devidamente homologado. Em tal acordo, a referida seguradora, comprometeu-se a pagar à viúva do sinistrado uma pensão anual e vitalícia de €2.651,47, subsídio de morte, no montante de €2.766,85, um subsídio por despesas de funeral no montante de €1.844,57, e €40,00 a título de despesas de transportes. Igualmente em tal acordo, a referida seguradora comprometeu-se a pagar à filha menor, uma pensão anual e vitalícia no montante de €1.767,65, bem como, o subsídio de morte no montante de €2.766,85. A pensão anual e vitalícia da autora B. foi remida, tendo sido o capital de remição no montante de €31.043,01, que lhe foi entregue à data de 08/06/2014, sendo que, tal pensão foi calculada com base em 30% da retribuição anual do sinistrado, tendo este montante correspondido ao pagamento do capital de remição e juros. E a pensão anual e vitalícia da menor C., foi calculada, com base em 20%, da retribuição anual do sinistrado, enquanto estudar e com aproveitamento, tendo recebido, €3.704,17 – tendo este montante correspondido ao pagamento de, pensões, subsidio de Natal, juros e subsidio por morte -, pagamento este efetuado com data de 21/04/2015. Foi a falta culposa das medidas preventivas de segurança, higiene e medicina no trabalho que deu causa ao acidente em apreço nestes autos, estando preenchidos os pressupostos da previsão do artigo 18º nº 1 da L.A.T., o que obriga a R. a indemniza-las pelos danos não patrimoniais que alegam.
Foi proferido despacho de indeferimento liminar do pedido apresentado pelas autoras.

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Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a QUESTÃO A DECIDIR, extraída das conclusões:
- Independentemente de já ter ocorrido processo especial de acidente de trabalho e tendo sido homologada a conciliação entre as ora autoras e a seguradora responsável, onde foram acordadas a reparação patrimonial, não estão estas impedidas de interpor a presente ação?

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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Como factos e ocorrências processuais relevantes para apreciação da questão temos os seguintes:
1 – Os presentes autos de Acidente de Trabalho tiveram origem na “Participação de Acidente de Trabalho” com data de entrada de 24/10/2014, feita pela F. Seguros, dando conta que o seu cliente “E.Lda.” participou um acidente de trabalho ocorrido no dia 20/10/2014, em …, no qual faleceu o Senhor D..
2 – A entidade empregadora “E., Lda.”, tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida para a “F. Seguros S.A., por contrato de seguros, titulado pela apólice nº…..
3 – O processo emergente de acidente de trabalho foi tramitado na sua fase conciliatória e, na tentativa de conciliação realizada em 09/03/2015 – cfr. auto de fls. 39 a 45 -, na presença do Exmº. Procurador do Ministério Público.
4 – Foi proposto às partes, estando as beneficiárias representadas por mandatário judicial, o seguinte acordo:
“A F. Seguros, S.A., pagará as seguintes quantias:
a) Á beneficiária/viúva – B., a partir de 21-10-2014, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de 2.651,47 (dois mil seiscentos e cinquenta e um euro e quarenta e sete cêntimos), calculada com base em 30% da retribuição anual do sinistrado, e 40% a partir da idade da reforma em conformidade com o disposto no art. 59º, nº.1, al. a) e art. 75º, nº.1, da Lei nº. 1, da Lei nº. 98) a partir de 13/02/2010, até perfazer dezoito 22 ou 25 anos, enquanto estudar e com aproveitamento, em conformidade com o disposto no art. 60º, nº.1 e 2 da Lei 98/2009, de 04/09.
8.838,24 € x 30 % = 2.651,47 €
(a partir da idade da reforma) 8.838,24 € x 40 % = 3.535,30 €

b) Ao beneficiário / filha: C., a partir de 21-10-2014, uma pensão anual no montante de 1.767,65 € (mil setecentos e sessenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos) calculada com base em 20 % da retribuição anual do sinistrado, enquanto estudar e com aproveitamento, em conformidade com o disposto no artº. 60º, nº.1 e 2 da Lei nº. 98/2009, de 4/09.
8.838,24 € x 20 % = 1.767,65 €

c) Aos beneficiários / viúva – B. e filha C. - subsídio de morte no montante de 5.533,70 € (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), nos termos do disposto no art.º 65º, nº 2, al. a), da Lei nº. 98/2009, de 04/09 - LAT.
419,22 € x 1.1 (IAS1) x 12 = 5.533,70 €
½ do subsídio (2.766,85 €) para a viúva/cônjuge
½ do subsídio (2.766,85 €) para a filha
1 (Indexante dos Apoios Sociais)
d) À beneficiária / viúva B. - subsídio por despesas de funeral no montante de 1.844,57€ (mil oitocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), nos termos do disposto no art.º 66º, nº 1 e 2, da Lei nº. 98/2009, de 04/09 - LAT.
419,22 € x 1.1 (IAS1) x 4 = 1.844,57 €
1 (Indexante dos Apoios Sociais)
e) Despesas de transportes, no montante de 40€.

5 – Dada a palavra à beneficiária/viúva – B. por si e em representação da sua filha menor C., foi dito que aceita a proposta de acordo do Ministério Público nos precisos termos em que a mesma se encontra exarada.

6 – Dada a palavra ao representante à legal representante da F. Seguros, S.A., por ele(a) foi dito que:
ACEITA
• os elementos fácticos exarados na proposta de acordo do Ministério Público;
• a existência e caracterização do acidente como de trabalho;
• o nexo de causalidade entre as lesões sofridas;
• O pagamento da quantia de 40€ referente às despesas de deslocações obrigatórias a esta Procuradoria da Instância Central – Trabalho;
• A retribuição transferida de 539,50€ x 14 meses + 116,84 x 11 meses de subsídio de alimentação, e somente estava transferido 475,00€ x 14 meses, aceitando pagar aos beneficiários legais as quantias propostas neste acordo, assim se CONCILIANDO.”

7 – Por decisão de 10/03/2015, foi homologado o referido acordo, nos termos do art. 114º, nº.1, do C.P.T., que transitou em julgado.
8 – Naquela tentativa de conciliação não foi invocada qualquer responsabilidade subjetiva da entidade empregadora relativa ao acidente em causa.
9 – Em 16/10/2015, deram as autoras entrada à petição aqui em apreço, cuja incorporação foi ordenada aos presentes autos, peticionando a condenação da ré/empregadora no pagamento dos danos morais supra referidos, fundamentando esse pedido na violação das regras de segurança por parte da demandada e por esta não ter adotado, como se lhe impunha, a adoção de medidas aptas a evitar esse resultado.


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O DIREITO:

Em discussão está a possibilidade de fazer prosseguir ação especial emergente de acidente de trabalho quando, já tendo corrido processo especial de acidente de trabalho, foi homologada a conciliação entre as ora autoras e a seguradora responsável, onde foi acordada a reparação patrimonial decorrente do acidente.
Defendem as AA. que não estão impedidas de interpor a presente ação, no que são acompanhadas pelo Ministério Público junto desta Relação.
Na decisão recorrida, pelo contrário, entendeu-se indeferir liminarmente a pretensão das AA. por legal e processualmente inadmissível.
Para além da factualidade acima exarada, tida como relevante na decisão recorrida, socorremo-nos ainda do teor do auto de tentativa de conciliação no qual consta ainda:
“Apura-se dos autos que o sinistrado de morte acima referido foi vítima de um acidente de trabalho no dia 20 de Outubro de 2014, pelas 16:50 horas, em…, quando exercia as funções de manobrador de máquinas sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora “E., Lda”, com sede em….
Tal acidente consistiu em “o sinistrado operava uma máquina mini-giratória de rastos e procedia aos trabalhos de remoção de pedras e carregamento de um trator, numa zona de declive, quando terá ocorrido um desprendimento de terras e pedras que provocaram a queda da máquina e sinistrado que nela operava, ficando o sinistrado encarcerado entre a cabine da mini-giratória e o solo”, do qual veio a falecer.
Em consequência desse acidente, resultaram as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia que foram causa direta e adequada da morte, ocorrida em 20-10-2014, conforme consta de fls. 29 a 33 dos autos, bem como dos elementos do inquérito efetuado pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), junto a fls. 22 a 24 verso.
Seguidamente, pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi dada a palavra à beneficiária / Viúva – B., que no uso da mesma, disse que à data do acidente o sinistrado/falecido auferia a remuneração de 539,50 € x 14 meses + 116,84 € x 11 meses de subsídio de alimentação, perfazendo a retribuição anual de 8.838,24 €.
Mais declaram que despenderam a quantia de 40 € em despesas de deslocações obrigatórias a esta Procuradoria da Instância Central - Trabalho, cujo pagamento reclamam.
Declararam ainda que não houve transladação e que suportou as despesas com o funeral do sinistrado, declarando ainda que até esta data não receberam qualquer quantia, a qualquer título, da F. Seguros, S.A.
Com base nestes pressupostos de facto e de direito, o Digno Magistrado o
Ministério Público propôs o seguinte…”
Daqui resulta, pois, a factualidade subjacente à proposta e subsequente aceitação e homologação.
Vejamos!
Tal como escrevemos em acórdão recentemente publicado “a lei processual laboral impõe aos intervenientes no processo especial de acidentes de trabalho um especial dever de, na tentativa de conciliação celebrada na pendência da fase conciliatória, se pronunciarem sobre todas as questões relevantes para o desfecho do processo. E, assim, em presença do acordo proposto pelo Ministério Público, as partes estão obrigadas a pronunciar-se, exprimindo claramente o seu posicionamento acerca do que lhes é proposto – factos e direitos daí emergentes. É o que resulta de quanto se consigna no Artº 112º/1 e 2 do CPT.

Como nota Alberto Leite Ferreira, “com o deflagrar do evento reativa-se, desde logo, a responsabilidade, até então dormente, da entidade patronal e da seguradora. Se assim é está naturalmente indicado que o responsável, sempre que para isso esteja habilitado, tome posição definida e concreta perante aqueles factos, com o que se alcança um duplo objetivo:
1º - Reduz-se o litígio àquelas questões acerca das quais não foi possível obter o acordo das partes, isto é, àqueles pontos que hão-de ser objeto da ação propriamente dita (fase contenciosa) …
2º - Fornece-se ao juiz os elementos necessários à fixação de pensões ou indemnizações provisórias sempre que seja caso disso…” (Código de Processo de Trabalho Anotado, 4ª edição, pg. 528).
O que se diz para o responsável é válido para os beneficiários.
Pode, assim, concluir-se que o auto de tentativa de conciliação delimita o objeto do processo relativamente às questões em apreciação. Tanto que no saneador se consideram assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação (Artº 131º/1-c) do CPT).” (Ac. RG de 3/03/2016, www.dgsi.pt).”
Muito embora ali não se apreciasse a questão que ora nos ocupa, quanto então exarámos dá-nos o mote para apreciação da questão supra elencada.
É nosso entendimento que, efetivamente, associada à reclamação de direitos emergentes de acidente de trabalho está a observância de um especial conjunto de regras de tramitação que impõem deveres às partes intervenientes.
Entre esses deveres encontra-se o de, no processo desencadeado por força da ocorrência do acidente, se suscitarem todas as questões tendentes à apreciação da responsabilidade dele emergente.
Sufragamos, assim, a tese emergente do despacho recorrido, sustentada, aliás, também no Ac. da RP de 8/11/2010, segundo o qual “tendo transitado em julgado a decisão que homologou o acordo obtido na fase conciliatória dos autos de acidente de trabalho entre os beneficiários e a seguradora, assente na responsabilidade objetiva, não podem agora os mesmos beneficiários propor outra ação especial de acidente de trabalho pedindo indemnização por danos morais por responsabilidade subjetiva (culposa) da empregadora, sem que antes tenham obtido a anulação judicial daquele acordo e revisão da decisão homologatória nos termos do art.301º/2 do CPCivil.” (Procº 128/10.9TTVCT, in www.dgsi.pt). No mesmo sentido ainda o Ac. da RP de 21/10/2013, Procº 44/12.0TTVRL, visível no mesmo sítio.
É que ocorre no caso uma especial exceção dilatória inominada que impede que, transitado em julgado o despacho homologatório do acordo, a instância se renove.
Tal como ensina Leite Ferreira, “com o trânsito em julgado do despacho de homologação a instância extingue-se por autocomposição da lide” (Código do Processo de Trabalho Anotado, 4ª ed., pg. 532).
Aliás não faria sentido que a lei vedasse às partes intervenientes no processo a sustentação de teses distintas das suscitadas na fase conciliatória e permitisse a uma dessas partes fazer tábua rasa de todo o regime e vir, após extinção da lide, com uma nova ação contra terceiros ali não chamados.
A natureza dos direitos em presença não é impeditiva desta conclusão na medida em que é a própria lei que permite a celebração de acordo tendo em vista a autocomposição do litígio.
Sustenta o Ministério Público que em contrário da tese que sufragamos decidiram os Ac. da RLx. de 22/11/2000 e 8/05/2008 (aquele publicado na CJ 2000, TV, 163 e este em www.dgsi.pt). Com o devido respeito, nem um, nem outro dos arestos se deteve sobre esta concreta questão, antes tendo discorrido sobre competência material do tribunal de trabalho, o primeiro, e caducidade do direito de ação, o segundo.
Alegam as Apelantes que só muito posteriormente tomaram conhecimento dos factos que as levou a propor a ação.
O encadeado de atos revelado pelo processo não evidencia tal situação, visto que estamos em presença de acidente ocorrido em 20/10/2014, cuja tentativa de conciliação foi levada a cabo em 9/03/2015, homologando-se o acordo em 10/03/2015. A ação, por sua vez, deu entrada em 16/10/2015 sem que as AA. tenham alegado o subsequente conhecimento de algum facto motivador da sua nova posição processual.
Por outro aldo, também não se pode afirmar – como fazem as AA. – que a indemnização que ora reclamam não se confunde com as prestações reparatórias previstas na LAT, com isto parecendo querer cindir os regimes legais aplicáveis e sustentar a possibilidade de distintas ações. É que a eventual indemnização decorrente de acidente de trabalho por violação de regras de segurança encontra acolhimento na LAT, mais propriamente no Artº 18º/1, esclarecendo o Artº 79º/3 a natureza da responsabilidade da seguradora em tais casos (uma responsabilidade própria e já não subsidiária como no regime legal anterior). Mas, mais importante, é que não é o regime substantivo que determina a forma processual.
Ora, no caso concreto, a questão que nos ocupa é claramente e tão só de natureza processual – a existência de um regime processual específico que impõe aos diversos intervenientes um determinado comportamento, a saber, a dedução de todos os pedidos e de todas as questões no momento em que são chamados à tentativa de conciliação realizada pelo Mistério Público. Não é despiciendo lembrar que as AA. estavam patrocinadas por mandatário forense.
A inobservância deste dever faz precludir eventuais direitos que pudessem reclamar.
Nesta medida, improcede a apelação.

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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas pelos Recrtes.
Notifique.

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Elabora-se o seguinte sumário (1):
- A existência de um regime processual específico que impõe aos diversos intervenientes no processo especial emergente de acidentes de trabalho um determinado comportamento, a saber, a dedução de todos os pedidos e de todas as questões no momento em que são chamados à tentativa de conciliação realizada pelo Mistério Público, configura exceção dilatória inominada, pelo que extinta a instância com a homologação do acordo, é tal exceção impeditiva da propositura subsequente de ação para efetivação de outros direitos ali não reclamados.

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MANUELA BENTO FIALHO

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ALDA MARIA DE OLIVEIRA MARTINS

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SÉRGIO ALMEIDA

(1) Da autoria da Relatora