Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1/12.6PFGMR.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: PENA DE CURTA DURAÇÃO
EXECUÇÃO
FORMA
CUMPRIMENTO
ACORDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) Tendo o arguido, pela sua conduta, revelado não merecer um anterior juízo de prognose favorável, nada nos autos justifica a aplicação ao arguido de uma pena não detentiva.
II) É que limitar a reacção penal a uma substituição da pena de prisão por multa (artigo 43º nº 1 do Código Penal) ou a uma nova suspensão de execução da pena, ainda que subordinada a deveres ou com regime de prova (artigos 50º a 54º do Código Penal), ou a prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do Código Penal) seria manifestação de falência do sistema penal para protecção dos bens jurídicos e autentico “convite” a reincidência.
III) Todavia, a pena de dez meses de prisão ora aplicada, deverá ser cumprida, de acordo com o artº 45º do Código Penal, uma vez que a prisão aos fins-de-semana corresponde satisfatoriamente às exigências de protecção dos bens jurídicos e de tutela das expectativas da comunidade que o caso concreto evidencia.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Nestes autos de processo comum nº 1/12.6PFGMR do então 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, foi proferida sentença de efectivação de cúmulo jurídico condenando o arguido João A. na pena única de catorze meses de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, pretendendo a revogação da sentença e substituição por nova decisão que lhe permita a prestação de trabalho a favor da comunidade, ou, se assim não for entendido, condene o recorrente em prisão de dez meses, de cumprimento em regime de permanência na habitação.

A magistrada do Ministério Público no Tribunal Judicial de Guimarães apresentou resposta, concluindo que a sentença recorrida deve ser mantida.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Exmº Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos e emitiu fundamentado parecer, concluindo que o recurso do arguido deverá ser julgado procedente, reduzindo-se a pena única para doze meses de prisão, que deve ser substituída por períodos de prisão por dias livres, nos termos do art.º 45.º do Código Penal..

2. O âmbito do recurso e os poderes de cognição deste tribunal da relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

O recorrente não impugna o circunstancialismo de facto subjacente à decisão e a questão a decidir neste recurso relaciona-se unicamente com a escolha e determinação da medida concreta da pena única.

3. Para compreensão e análise da questão a decidir, impõe-se considerar em primeiro lugar a decisão recorrida.

O tribunal considerou que o circunstancialismo de facto a ter em conta para a decisão é o seguinte: (transcrição)

1. O arguido sofreu já as seguintes condenações:

a. - Processo Sumário n.º …, do 2º juízo criminal de Guimarães, por sentença datada de 03.10.2011 e transitada a 02.11.2011, pela prática, em 02.10.2011, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena 120 dias de multa à taxa diária de 5,50, que cumpriu;

b. - Processo Sumário n.º …, do 3º juízo do Tribunal Pequena Instancia criminal do Porto, por sentença de 20.09.2012 e transitada a 10.10.212, pela prática, em 19.09.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de prisão de 8 meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade;

c. - Processo Sumário n.º …, do 1º juízo criminal de Guimarães, por sentença de 23.02.2012 e transitada em julgado a 23.04.2012, pela prática, em 10.02.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de prisão de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano;

d. - Processo Comum n.º …, do 3º juízo criminal de Guimarães, por sentença de 12.09.2013 e transitada em julgado a 14.10.2013, pela prática, em 11.01.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de prisão de 8 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade por 240 horas;

e. - Processo Sumário n.º …, do 3º juízo criminal de Guimarães, por sentença de 29.10.2013 e transitada em julgado a 03.03.2014, pela prática, em 19.10.2013, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de prisão de 6 meses de prisão, substituída por 36 períodos de dias livres (de 36h/cada).

2. No âmbito do Processo Sumário n.º …, do 3º juízo do Tribunal Pequena Instancia criminal do Porto, deu-se como provada a seguinte factualidade:

«No dia 19.09.2012, pelas 06h00, na Rua … (Porto) o arguido conduziu o veículo Opel Corsa de matrícula … sem para tal estar habilitado.

O veículo em causa encontra-se inscrito a favor da mãe do arguido.

O arguido sabia que a sua conduta era ilícita e, não obstante, praticou-a.

O arguido é solteiro, empregado de mesa, trabalhando na Pizza Hut, ganhando 485,00/mês, vive com a mãe e ajuda nas despesas domésticas.

O arguido está a tirar a carta de condução na Escola de Fermentões e já reprovou no exame de Código.»

3. No que diz respeito à pena aplicada, fundamentou-se a mesma nos seguintes termos:

«(…) A multa já este arguido foi condenado em 2011 e em 2012, portanto, neste ano, muito recentemente foi condenado em pena de prisão suspensa, portanto, é completamente descabido aplicar aqui uma pena de multa.

(…) vai ser escolhida pena de prisão.

O arguido é um cidadão que está integrado na comunidade, é um arguido, também, que assume as suas responsabilidades nestes autos. É um arguido que já antes foi condenado por este crime e trata-se igualmente de um crime que é praticado frequentemente.

(…) o arguido não deu provas de saber as regras e sinais de trânsito, antes pelo contrário, a prova que deu é que ainda não sabe as regras e sinais de trânsito porque chumbou no exame de código.

Por isso, e olhando aos termos legais que se podem aplicar neste caso, entendo que a pena deve ser fixada em oito meses.

(…) Está visto que, quer a substituição da pena de prisão por multa, quer a pena suspensa, não tem eficácia neste arguido, porque já antes foram aplicadas e o arguido não deixou de praticar crimes, voltou a pratica-lo, portanto, reincidiu.

A seguir a esta permite a Lei que se aplique a pena de trabalho comunitário.

(…) esta pena de prisão é substituída por duzentas e quarenta horas de trabalho a favor da comunidade (…)»

4. No âmbito do Processo Sumário n.º … do 1º juízo criminal de Guimarães, deu-se como provada a seguinte factualidade:

«1) No dia 10 de Fevereiro de 2012, pelas 23h20m, na Rua … Silvares, Guimarães, o arguido tripulava o automóvel ligeiros de mercadorias marca Opel, matrícula …, sem se encontrar habilitado com carta de condução ou outro título que lhe permitisse conduzir veículos daquela natureza na via pública.---

2) Na altura, o arguido percorreu cerca de 3 km, transportava um passageiro e não foi interveniente em acidente de viação.—

3) O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.---

4) O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe vinham imputados.—

5) Está arrependido.---

6) O arguido sofreu já a seguinte condenação:---

- Por sentença proferida em 03-10-2011, pela prática, em 02-10-2011, de um crime de condução sem habilitação legal, p.e p. pelo art.º 3º, n.ºs 1 e 2, do D.L. 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,50, num total de €660,00 que cumpriu;---

7) O arguido tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade; trabalho como empregado de balcão; é solteiro; aufere o salário mensal de €480,00; vive com a mãe e dois irmãos menores com 1 mês e três anos de idade em casa da mãe; a mãe é …; dá à mãe cerca de €250,00 para as despesas mensais.»

5. A factualidade apurada fundou-se:

«A convicção do tribunal fundou-se na confissão livre, integral e sem reservas do arguido, bem como nas suas declarações quanto à sua situação sócioeconómica e familiar.

Quanto aos antecedentes criminais do arguido, considerou-se o teor do CRC junto a 20 a 21 dos autos.»

6. E, a propósito da pena, escreveu-se que:

«No caso, o arguido já foi condenado por crime da mesma natureza do dos autos.

Não obstante, o arguido voltou a violar o mesmo bem jurídico, três meses após a anterior condenação, o que demonstra que a pena de multa não foi e não é suficiente para evitar a prática de futuros crimes.---

Assim, o tribunal opta pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão. ---

Feita esta opção, impõe-se agora a determinação da medida concreta da pena cuja operação é feita por referência aos critérios de determinação da medida da pena estabelecidos no art.º 71º do C. Penal, ou seja, "em função da culpa do agente e das exigências de prevenção".---

Assim, em desfavor do arguido, temos que agiu com dolo intenso e é portador de antecedentes criminais, e em que são fortes as exigências de prevenção geral.---

A seu favor, milita a ausência de consequências extra-típicas do facto, a confissão dos factos e o arrependimento demonstrado.---

Tudo ponderado, temos por ajustada uma pena de 8 (oito) meses de prisão.—

Chegados a este ponto, há que ajuizar da adequação e necessidade de aplicação de uma pena de substituição.---

Nos termos do disposto no art.º 43º, n.º 1 do C.P., a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano é substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.---

Por outro lado, nos termos do disposto no art.º 50º, n.º1 do C.P., o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição.---

Ainda de acordo com o disposto no art.º 58º, n.º 1 do C.P., se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a 2 anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.—

(…) No caso concreto, como vimos, o arguido é portador de antecedentes criminais, por crime de igual natureza do crime dos autos. Daqui resulta evidente que a substituição da pena de prisão, por multa ou por trabalho a favor da comunidade não será suficiente para dar satisfação às exigências de prevenção, evitando que volte a delinquir. Por outro lado, sob pena de se ver gerado um sentimento de insegurança ou de impunidade, também a comunidade precisa de ver reafirmada a validade e a positividade da norma jurídica violada.---

Porém, e pese embora as fortes exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que se verificam crimes da natureza em causa nos autos e a grande sinistralidade rodoviária que lhes anda associada, considerando a ausência de consequências gravosas, a postura do arguido, em que confessou integralmente e sem reserva os factos, está arrependido, e ponderando também a sua idade jovem e o facto de não ter antecedentes criminais por crime de outra natureza e estar social, familiar e profissionalmente integrado, entendemos que a suspensão da execução da pena de prisão – a censura do facto e a ameaça da execução da pena – serão suficientes para o afastar da prática do crime.---

Opta-se, assim, por suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 1 (um) ano (art.º 50º, n.º 5 do CP).---

Porém, por o julgarmos conveniente e adequado à realização das finalidades da punição e porque tal não representa um sacrifício incomportável para o mesmo, ao abrigo do disposto nos artigos 50º, n.º 2, 51º, n.ºs 1, al. c), e 2, e 52º, n.º 1, al. b), do C.Penal, entendemos ser de subordinar a suspensão da referida pena de prisão ao cumprimento do seguinte dever/regra de conduta, que deverá comprovar nos autos:---

- À obrigação do arguido entregar numa Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) de Guimarães, dentro do prazo de 8 (oito) meses, a contar do trânsito em julgado desta sentença, a quantia de €800,00.---»

7. No âmbito dos presentes autos, Processo Comum n.º …, deu-se como provada a seguinte fatualidade:

«1. No dia 07 de Janeiro de 2012, pelas 0 h e 55 minutos, em Santiago de Candoso, Alameda dos Desportos, Guimarães, o arguido tripulava, sem ser titular de carta de condução, o veiculo ligeiro de passageiro Opel Corsa …;

2. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas em 1., o arguido agiu de vontade livre e consciente, sabendo não estar habilitado para tal e tal lhe era necessário.

3. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

4. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe vinham imputados.

Mais se provou que:

5 - O arguido tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.

6 - O arguido é …, em part-time, auferindo cerca de € 300,00/mês;

7 - É solteiro e tem 22 anos;

8 - O arguido vive com a mãe, que é … e que aufere o salário mínimo nacional, e com dois irmãos, um de 12 anos estudantes e outro de 2 anos de idade;

9 – Vivem em casa arrendada, pagando de renda € 280,00 mensais;

10 – O veículo interveniente nos autos é da mãe do arguido;

11 - O arguido aceitou a prestação de trabalho a favor da comunidade;

12 – O arguido sofreu já as seguintes condenações:

- Processo Sumário n.º …, do 2º juízo criminal de Guimarães, por sentença datada de 03.10.2011 e transitada a 02.11.2011, pela prática, em 02.10.2011, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena 120 dias de multa à taxa diária de 5,50, que cumpriu;

- Processo Sumário n.º …, do 3º juízo do Tribunal Pequena Instancia criminal do Porto, por sentença de 20.09.2012 e transitada a 10.10.212, pela prática, em 19.09.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de prisão de 8 meses de prisão, substituída por 240 horas de trabalho a favor da comunidade;

- Processo Sumário n.º 100/12.4GBGMR, do 1º juízo criminal de Guimarães, por sentença de 23.02.2012 e transitada em julgado a 23.04.2012, pela prática, em 10.02.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, foi condenado na pena de prisão de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.»

8. A fatualidade vinda de transcrever foi, desde logo, admitida pelo arguido, que a confessou de forma livre, voluntária e sem reservas.

9. Na sobredita decisão, propósito da determinação da pena aplicada, sustentou-se que:

«No caso vertente e a nosso ver ser, há a considerar contra o arguido: o já considerável grau da ilicitude do crime, atento os bens jurídicos violados e o tipo de veículo utilizado; as elevadíssimas exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, atendendo à expressão que a criminalidade rodoviária – e em especial a traduzida na condução sob efeito de álcool e na condução sem habilitação legal para o efeito - reveste, em concreto, entre nós e que nos escusamos de detalhar, atento o seu notório conhecimento geral; a elevada intensidade com que praticou os factos ilícitos, atento a circunstância de os ter praticado com dolo direto; as consideráveis exigências de prevenção especial, refletida na persistência da sua atuação, mesmo após a condenação pela prática de idêntica conduta e após a prática de idênticas outras duas condutas; o facto de ter já sido condenado em pena de multa e de prisão, esta, porém, substituída por penas não detentiva, o que denuncia falta de real interiorização dos efeitos intimidatórios pretendidos pelas censuras sofridas por parte do arguido e para que deixasse de praticar novos crimes.

A seu favor, depõem: a ausência de informação que indicie qualquer desintegração familiar e profissional; a circunstância de as duas últimas condenações pela prática de crime idêntico ao que constitui objeto dos presentes autos ter ocorrido depois da prática deste crime, o que é o mesmo que dizer que o arguido só(!) havia sido advertido solenemente uma vez antes da prática do ilícito objeto dos presentes autos; o grau de escolaridade e idade do arguido, que evidenciam alguma falta de imaturidade para compreender rapidamente o real alcance das suas condutas e consequências; a sua pronta admissão dos factos, permitindo, desse modo, a realização de um julgamento célere e simples e a realização imediata da Justiça; e, finalmente, a sua precária situação económica e financeira.

Tendo presente todos estes elementos, afigura-se-nos, assim, justo e adequado fixar para o crime em causa: a pena de 08 (oito) meses de prisão.

Da substituição da pena encontrada:

Chegados a este ponto, há que ajuizar da adequação e necessidade de aplicação de uma pena de substituição.

De acordo com o disposto no art.º 43º do C.P., a pena de prisão aplicada em medida não superior a 01 ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de novos crimes.

Estão aqui em causa necessidades de prevenção, geral e especial.

Como vimos, o arguido é portador de um antecedente criminal face à data em que praticou o crime em apreço neste processo, mas tem já outras duas condenações (posteriores) por crime idêntico. Por outro lado, o bem jurídico que violou no aludido processo em que foi condenado é o mesmo que foi posto em causa neste processo.

E, se é verdade que são elevadas as exigências de prevenção geral, cremos que as expectativas contra-fácticas da comunidade não impõem o cumprimento da pena de prisão efetiva, o mesmo acontecendo com as exigências de prevenção especial, tratando-se o arguido de pessoa familiar e profissional integrado (note-se que na última condenação foi efetuado um juízo de prognose favorável ao arguido no sentido de se lhe aplicar pena de prisão suspensa na sua execução).

Assim e no caso concreto, parece-nos ser o mais adequado e proporcional à culpa e exigências de prevenção que o caso demanda (e a que nos já referimos supra II.B.4 1.ª parte) aplicar ao arguido uma pena de substituição não detentiva da liberdade do arguido, mormente, por prestação de trabalho a favor da comunidade.

Salvo melhor entendimento, consideramos que tal pena é também a mais adequada e eficaz, face à idade jovem do arguido e à necessidade de o fazer compreender que vive em sociedade e que as regras são para serem cumpridas, in casu, querendo conduzir veículos motorizados terá de previamente se habilitar para o efeito.

Tal pena vem prevista no art.º 58.º e sgs. do Código Penal e “A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.” – art.º 58º, n.º 2 do Código Penal.

Ora, de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo legal, a «Cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.»

Assim e em face da necessária aceitação do arguido, opta-se assim por substituir a pena de prisão aplicada por 240 horas (limite máximo legalmente admissível e já não por 540 horas, correspondente à operação aritmética dos 8 meses x 30 dias/mês) de trabalho a favor da comunidade, em Instituição a ser indicada pela DGRSP.»

10. No âmbito do PES 71/13.0PTGMR, deu-se como provada a seguinte factualidade:

«No dia 19 de Outubro de 2013, pelas 03H30, o arguido circulava na Variante da Estrada Nacional 106, nesta comarca de Guimarães, via pública, conduzindo o veículo ligeiro de mercadorias de marca Opel Corsa com a matrícula …, sem que possuísse carta de condução ou outro documento que legalmente a habilitasse a conduzi-lo;

O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que não podia conduzir aquele veículo na via pública sem para tal estar habilitado com título de condução válido e que o seu comportamento era proibido e punido por lei;

O arguido é solteiro, não tem filhos e vive com a mãe;

É empregado de balcão e ganha € 450,00 por mês;

Encontra-se inscrito em escola de condução desde Setembro do corrente ano;

O arguido tem o 9.º ano de escolaridade e já sofreu as seguintes condenações:

- Proc. … – 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pelo crime de condução sem habilitação legal, praticado em 02/10/11, condenado, por decisão de 03/10/11, transitada em 02/11/11, na pena de 120 dias de multa;

- Proc. … – 3.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, pelo crime de condução sem habilitação legal, praticado em 19/09/12, condenado, por decisão de 20/09/12, transitada em 10/10/12, na pena de 8 meses de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade;

- Proc. … – 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pelo crime de condução sem habilitação legal, praticado em 10/02/12, condenado, por decisão de 23/02/12, transitada em 23/04/12, na pena de 8 meses suspensa por 1 ano, com condição;

- Proc. … – 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, pelo crime de condução sem habilitação legal, praticado em 07/01/12, condenado, por decisão de 12/09/13, transitada em 14/10/13, na pena de 8 meses de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade.»

11. A factualidade dada como provada, foi assim respondida tendo em conta o seguinte:

«Para além dos documentos juntos, nomeadamente as certidões juntas na audiência de julgamento e a declaração da escola de condução, fundou-se a convicção do tribunal nas declarações do arguido, que confessou integralmente e sem reservas os factos da acusação, bem como o por si declarado quanto às suas condições pessoais.

Teve-se em conta, ainda, o CRC junto aos autos.»

12. No que respeita à aplicação da pena, fundou-se a mesma nos seguintes termos:

«No caso concreto, tendo em conta os antecedentes criminais do arguido, quatro condenações por crimes de condução sem carta, três delas em pena de prisão, uma suspensa, e duas substituídas por trabalho a favor da comunidade, resulta evidente que tais condenações não impediram que o arguido não voltasse a delinquir e comportar-se conforme ao direito, resultando que as penas aplicadas não satisfizeram as finalidades da punição, pelo que se opta por pena detentiva.

Cumpre, então, atentos os factores a que alude o art.º 71.º do Código Penal, proceder à determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, que terá se fazer, nos termos do referido preceito, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, servindo como factores de doseamento da pena as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham contra ou a favor do agente. Assim, há que atender que o grau de ilicitude do facto é elevado, tendo agido com dolo directo, bem como os seus antecedentes criminais, tendo já sofrido quatro condenações pela prática do mesmo crime, tendo a última sentença sido lida há um mês e transitada apenas 5 dias antes da prática dos presentes factos.

Assim, considera-se adequada a pena de 6 meses de prisão, a qual, atentas as razões já aduzidas entendemos que não pode ser substituída por multa, trabalho, ou mesmo suspensa, já que as condenações anteriores, em que tais penas lhe foram aplicadas não tiveram o condão de fazer com que o arguido arrepiasse caminho e deixasse de persistir na prática de crimes.

Porém, estabelece o art.º 45.º do Código Penal que a pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano, que não deva ser substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade, é cumprida em dias livres, sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Trata-se também aqui de um poder-dever que o tribunal tem de utilizar. Tem em vista esta disposição legal atenuar os efeitos perniciosos de uma curta pena de cumprimento continuado e furtar o delinquente à contaminação do meio prisional e impedir que a privação da liberdade interrompa por completo as suas relações sociais e profissionais. Para além da eficácia intimidativa, tem como vantagem a circunstância de preservar a família do condenado de consequências gravosas, nomeadamente a nível económico.

Ora, tendo em conta a pena de 6 meses de prisão, mostra-se preenchido o pressuposto formal constante do referido art.º 45.º, entendendo-se que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

Mais se provou que:

13. No âmbito do PES 545/12.0PDPRT supra melhor id., a 26.05.2014, o arguido apenas tinha cumprido 21 horas de trabalho a favor da comunidade das 240horas fixadas pela decisão condenatória.

14. No âmbito do PES 100/12.4GBGMR supra melhor id. decidiu-se pela revogação da pena de suspensão da execução da pena de prisão, por despacho entretanto transitado em julgado, nos seguintes termos:

«I. Por decisão datada de 23.02.2012 e transitada a 23.04.2012, o arguido João A. foi condenado em 08 meses de prisão, suspensa na sua execução por 01 ano (e sujeita ao dever de entregar € 800,00 a uma instituição de solidariedade social), por ter praticado a 10.02.2012 um crime de condução de veículo sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º2, do DL 2/98, de 03 de janeiro.

Durante a execução da id. pena de prisão suspensa na sua execução houve noticia da prática, pelo arguido, a 19.09.2012 de um novo crime de condução de veículo sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º2, do DL 2/98, de 03 de janeiro.

Foi solicitada certidão judicial com vista à confirmação de tal notícia, que foi junta e foi extraída do PES 545/12.0PDPRT do 3.º Juizo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, donde se pode confirmar a condenação do arguido pela prática de tal crime e em pena de prisão de 08 meses, substituída pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, que não estava a ser cumprida.

Face a tais elementos, promoveu o Ministério Público a revogação da pena de prisão suspensa na sua execução.

Ouvido, o arguido, através da Il. Defensora, pugnou pela manutenção da pena de prisão suspensa na sua execução, sustentando ser ainda muito jovem, ter praticado todos os ilícitos numa idade também muito jovem, estar arrependido e estar inscrito já numa escola de condução com vista à obtenção de titulo de condução. Juntou exemplar de inscrição a 09.09.2013 em Escola de Condução. Solicitou-se esclarecimentos quanto a essa inscrição, nomeadamente qual a Escola e o número de aulas frequentadas, o que não foi satisfeito.

Através da leitura do crc do arguido atualizado, solicitou-se cópia das decisões condenatórias aí mencionadas.

4. Estabelece o artigo 77º, n.º 1 do Código Penal que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Para a situação de conhecimento superveniente, rege o n.º 1 do artigo 78.º do mesmo compêndio normativo: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”).

Como tem sido salientado na sequência do que escreveu FIGUEIREDO DIAS e igualmente se considerou na sentença recorrida, a determinação da dimensão da pena do concurso há-de resultar essencialmente de uma visão de conjunto dos factos, procurando alcançar uma valoração tão abrangente quanto possível da pessoa do arguido e do seu comportamento. Na avaliação da personalidade – unitária do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura conjunta” As Consequências Jurídicas do Crime, página 291 e 292. Seguimos ainda de muito perto os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2008, na Colectânea, I, pag. 181, de 18 de Junho de 2009, Relator Cons. Santos Carvalho, de 21 de Abril de 2010, Relator Cons. Santos Cabral, de 29 de Abril de 2010, Relator Cons. Santos Carvalho, de 14 de Julho de 2010, Relator Cons. Fernando Fróis e de 16 de Dezembro de 2010, Relator Cons. Henriques Gaspar, de 23 de Fevereiro de 2011, proc. 429/03.2PALGS.S1, Relator Cons. Oliveira Mendes e de 5 de Junho de 2012, proc. 1830/08.0PSSLB.L1.S1, Relator Cons. Maia Costa, acessíveis in www.dgsi.pt.

: serão aqui úteis elementos referentes à conexão dos factos entre si e no circunstancialismo que os antecedeu e acompanhou, a partir da constatação de factores como sejam a diversidade dos bens jurídicos violados, a maior ou menor frequência e perduração no tempo da comissão dos crimes ou uma eventual “dependência” em relação a esses factos.

Também tem sido entendido que um dos critérios fundamentais na fixação da pena única consiste na determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico atingido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os fins e motivos do agente no nos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

Em sede de considerações de prevenção geral, cumprirá valorar a perturbação da paz e segurança dos cidadãos, bem como as exigências de tutela dos bens jurídicos e de defesa do ordenamento jurídico que ressaltam do conjunto dos factos.

De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente por forma a corresponder a exigências de prevenção especial de socialização. Na avaliação da personalidade expressa nos factos, deverão ser ponderados os elementos disponíveis da socialização e inserção do arguido na comunidade, assumindo relevância a consideração dos antecedentes criminais bem como de eventual repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade expressos no conjunto dos factos.

Em todo o caso, a ponderação destes elementos terá de respeitar um limite intransponível: por força do princípio de proibição de dupla valoração, na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas parcelares, sendo seguramente de rejeitar a utilização de elementos ou factores concretos já anteriormente ponderados na individualização da pena.

Na formação da pena única no concurso de crimes, o Supremo Tribunal de Justiça, evidenciando preocupações de justiça relativa e de equidade, tem adoptado maioritariamente um critério segundo o qual a pena conjunta se há-de encontrar, em resultado da apreciação conjunta dos factos e da personalidade do agente, fazendo acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um sexto (por vezes até menos, chegando a um oitavo).

Aplicando agora as considerações expostas no caso vertente:

Haverá que determinar uma pena concreta numa moldura abstracta com um limite mínimo de oito meses e um limite máximo de dois anos de prisão (artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal).

A pluralidade de crimes apresenta como denominador comum a circunstância de todas as situações se referirem unicamente a condução de automóvel sem habilitação legal, concentrando-se os três delitos num período de oito meses (entre 11 de Janeiro e 19 de Setembro de 2012).

Ao que tudo indica, estes elementos representam uma situação de mera pluriocasionalidade, restrita ao mesmo tipo de crime, não sendo viável afirmar uma tendência para a prática de crimes contra a segurança rodoviária.

No comportamento anterior aos factos aqui em apreço impõe-se realçar o cometimento pelo arguido em Outubro de 2011 de um outro crime de condução sem habilitação legal e, entre o comportamento posterior, que decorrido apenas um mês da condenação neste processo 1/12.6PFGMR em pena de prisão substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, logo o arguido foi cometer novo crime de idêntica natureza.

Convirá ainda notar que o arguido beneficia de uma situação de estruturação familiar e de ocupação profissional, sendo de supor que, hoje com outra maturidade, poderá vir a interiorizar de uma vez por todas a necessidade de conformar a sua vida pelas regras do direito e da normal convivência social.

Nesta perspectiva, a pena conjunta, adequada à culpa e correspondendo às exigências de protecção dos bens jurídicos decorrente da apreciação global, há-de permitir uma desejável recuperação e reintegração social.

Sopesando em conjunto as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto, comportamento anterior e posterior e personalidade do arguido, entendemos que o tribunal recorrido sobrevalorizou ligeiramente as circunstâncias de valor agravativo, justificando-se um grau mais intenso na compressão das penas parcelares.

Nestes termos, consideramos justo e equitativo fixar a pena única em dez meses de prisão.

Não se poderá deixar de ter presente que em passado próximo, a aplicação de pena de prestação de trabalho a favor da comunidade ou a suspensão de execução de pena de prisão não lograram evitar que o arguido voltasse a delinquir.

Uma vez que o próprio arguido, pela sua conduta, revelou não merecer um anterior juízo de prognose favorável, limitar a reacção penal a uma substituição da pena de prisão por multa (artigo 43º nº 1 do Código Penal) ou a uma nova suspensão de execução da pena, ainda que subordinada a deveres ou com regime de prova (artigos 50º a 54º do Código Penal), ou a prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do Código Penal) seria manifestação de falência do sistema penal para protecção dos bens jurídicos e autentico “convite” a reincidência.

Nestes termos, nenhuma censura merece a sentença recorrida ao ter negado a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.

Sempre se dirá ainda que tendo em conta todo o comportamento anterior aos factos, o regime de permanência na habitação não seria adequado para fazer sentir ao arguido a imperiosa necessidade de arrepiar caminho e de resistir à “tentação” de conduzir veículos motorizados antes de ter obtido a necessária habilitação para o efeito.

Porém, estas considerações não impõem que a pena aplicada ao arguido deva ser executada de forma contínua.

Isto porque, de acordo com o nº 1 do artigo 45º do Código Penal, “A pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, essa forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, procurando atenuar os efeitos perniciosos de contaminação do meio prisional próprios das penas de curta duração, permitindo uma actividade profissional e a manutenção do relacionamento familiar e social do condenado.

Este regime de cumprimento poderá consentir que o arguido, hoje de 23 anos de idade, possa desenvolver esforços com o objectivo de obter licença de condução para veículos motorizados. Pelo castigo que naturalmente envolve, a prisão aos fins-de-semana corresponde satisfatoriamente às exigências de protecção dos bens jurídicos e de tutela das expectativas da comunidade que o caso concreto evidencia.

Assim, uma vez que deste modo se podem ainda alcançar os efeitos da punição, entende-se que a pena de dez meses de prisão ora aplicada ao arguido deve ser cumprida, de acordo com o artigo 45º do Código Penal, ou seja, em 60 (sessenta) períodos correspondentes a fins de semana, entre as 9 horas de Sábado e as 21 horas de Domingo, cada um deles com a duração de 36 horas, equivalendo cada um a 5 dias de prisão contínua.

5. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, condenam o arguido João A. na pena única de dez meses de prisão, que será cumprida em 60 (sessenta) períodos correspondentes a fins-de-semana seguidos, entre as 9 horas de Sábado e as 21 horas de Domingo.

Sem tributação.

Guimarães, 13 de Abril de 2015