Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
580/14.3TBFAF-A.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) O administrador judicial tem diferentes competências no âmbito do processo de insolvência e no de revitalização, sendo o âmbito de atuação diverso, as finalidades dos processos diferentes e, como tal, as atribuições, igualmente, diferentes;
2) O processo de revitalização é um procedimento em que há uma limitada intervenção judicial, em contraste com o processo de insolvência, em que tal atuação é mais significativa;
3) No processo de revitalização, atenta a sua natureza e o respetivo regime legal, no despacho de nomeação do administrador provisório, o juiz não tem de especificar os atos que não podem ser praticados pelo devedor sem a aprovação do administrador judicial provisório, nem indicar serem eles genericamente todos os que envolvam a alienação ou a oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) “T…, SA” veio instaurar processo especial de revitalização requerendo se declare o início do processo de revitalização da requerente, seguindo os autos os subsequentes termos até final, requerendo ainda que se profira o despacho a que alude a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE, nomeando o Sr. Dr. M…, para o cargo de Administrador Judicial Provisório.
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B) Foi proferido o despacho de fls. 126 a 127, do seguinte teor:
Por se verificarem os pressupostos processuais de que depende, admito, liminarmente, o processo especial de revitalização da sociedade T…, S.A. (artigos 17º-A, nºs 1 e 2, 17º-B, 17º-C, nºs 1, 2 e 3, als. a) e b), do CIRE, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril).
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Para administrador judicial provisório, nomeio o Sr. Dr. M…, a quem assiste os direitos contidos no artigo 33º nº 3, do CIRE, ficando vedado à devedora, sem expressa autorização do administrador judicial provisório nomeado, a prática de quaisquer atos que envolvam a alienação ou oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa, os quais se terão por ineficazes (artigo 17º-C nº 3, alínea a), 32º, 33º nº 1 alíneas a) e b) e 81º nº 6 do CIRE).
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Opta-se por relegar para momento posterior a fixação da remuneração a atribuir ao Sr. Administrador Judicial provisório, o qual fica, igualmente, advertido para o disposto nos artigos 58º e 59º do CIRE (artigo 17º-C nº 3, alínea a) e 32º a 34º do CIRE, na indicada redação).
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Notifique o presente despacho à requerente, nos termos do disposto no artigo 37º do CIRE (artigo 17º-C nº 4 do CIRE, na redação indicada), com a advertência de que deverá iniciar o procedimento a que alude o artigo 17º-C nº 1 do CIRE.
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Publicite e registe a presente nomeação de administrador judicial provisório e dos correspondentes poderes, nos termos do disposto nos artigos 37º e 38º do CIRE, com as necessárias adaptações (artigo 34º do CIRE), com a advertência para o contido no artigo 17º-D nº 2 do CIRE, na indicada redação.
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Remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial, registe no registo informático de execuções e na página informática do tribunal e comunique ao Banco de Portugal - artigo 38º nºs 2 alínea a) e 6 alíneas a), b) e c) do C.I.R.E. (ex vi artigo 17º-C nº 4).
Informe todos os processos de cobrança de dívida e de insolvência que corram termos contra a requerente de que os mesmos deverão ser declarados suspensos a partir da publicação do despacho a que se faz referência na alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C (artigo 17º-E, nºs 1 e 6 do CIRE, na indicada redação).
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C) Inconformada com esta decisão, veio a requerente “T…, SA”, a fls. 128 vº, interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (fls. 141).
D) Nas suas alegações, a apelante “T…, SA”, formula as seguintes conclusões:
1ª - Por força do disposto na Resolução Conselho de Ministros 43/11 de 25/10, onde se definiram os Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores, o Processo Especial de Revitalização é um processo marcadamente voluntário, extrajudicial, de autorresponsabilidade do devedor e de reduzida intervenção judicial.
2ª - Estes princípios definidos na Resolução Conselho de Ministros 43/11 de 25/10, vieram a nortear a posterior a Proposta de Lei nº 39/XII (aprovada pelo Governo em 30/12/2011) e subsequente Lei 16/12 de 20/4, decalcada daquela Proposta, que enxertou no CIRE o Processo Especial de Revitalização.
3ª - A par da reduzida intervenção judicial no Processo Especial de Revitalização previu-se igualmente uma reduzida intervenção por parte do Administrador Judicial Provisório nomeado nos autos.
4ª - O Processo Especial de Revitalização afirma-se como uma solução de reestruturação empresarial, onde se privilegia a normal manutenção da atividade da devedora, reservando ao administrador judicial provisório, no que toca ao exercício da atividade do devedor, apenas a função de autorizar a prática de atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161.º do CIRE e não quaisquer outros, por força do disposto nos artigos 17º-C nº 3 e artigo 17º-E nº 2 do CIRE.
5ª - O Processo Especial de Revitalização encontra-se dotado de uma regulamentação autónoma, constante dos artigos 17º-A a 17º-I aditados ao C.I.R.E., e, não obstante, nesta regulamentação própria, se fazer alusão a algumas normas próprias do processo de insolvência e de recuperação de empresas, tais normas devem ser interpretadas com as necessárias adaptações face à especial natureza do Processo de Revitalização, enquanto processo que decorre essencialmente entre o devedor e os seus credores.
6ª - Apesar de na alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C do CIRE, se fazer uma remissão, com as necessárias adaptações, para o disposto nos artigos 32.º a 34.º do CIRE, a propósito da nomeação (note-se: apenas nomeação) do administrador judicial provisório, tal remissão não permite ao julgador, aplicando o artigo 33º do CIRE optar por atribuir ao AJP poderes exclusivos de administração do património do devedor ou poderes de assistência na administração desse património.
7ª - Os artigos 32º a 34º do CIRE dizem respeito à escolha e remuneração do administrador judicial provisório e às competências do administrador judicial provisório no âmbito do processo de insolvência enquanto medida cautelar a aplicar no caso de se verificar um justificado receio da prática de atos de má gestão.
8ª - Em sede de Processo Especial de Revitalização, o julgador, aquando da prolação do despacho a que alude a al. a) do nº 3 do artigo 17º-C, limita-se a nomear um administrador judicial provisório, não lhe atribuindo a lei poderes, nem mesmo por remissão, para definir as competências desse administrador.
9ª - Em sede de Processo Especial de Revitalização, o julgador, aquando da prolação do despacho a que alude a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C, não dispõe sequer de quaisquer elementos ou informações quanto à existência de um justificado receio da prática de atos de má gestão que possa ponderar para efeito dessa atribuição de poderes ao administrador.
10ª - No âmbito do processo especial de revitalização, previu de forma especial no nº 2 do artigo 17º-E as competências do administrador judicial provisório e estas limitam-se à autorização da prática atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161º, o que se adequa à autorresponsabilidade exigível ao devedor e harmoniza-se com os “princípios” que enformam o processo.
11ª - Da conjugação entre a disposição especial prevista no nº 2 do artigo 17º-C e do disposto no nº 2 do artigo 33º, ambos do CIRE, resulta que:
No âmbito do Processo Especial de Revitalização, aquando da nomeação pelo juiz do administrador judicial provisório nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C, deve ser especificado que os atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161º, não podem ser praticados pelo devedor sem a aprovação do administrador judicial provisório - cfr. nº 2 do artigo 17º-C e alínea a) do nº 2 do artigo 33º do CIRE.
12ª - Face ao regime especial previsto no nº 2 do artigo 17º-C do CIRE, afigura-se que, em sede de Processo Especial de Revitalização, não pode o tribunal sujeitar a autorização do administrador judicial provisório a atos que não os previstos no artigo 161º do mesmo diploma.
13ª - O despacho em crise, na parte em que não permite que a devedora possa, sem a aprovação do administrador judicial provisório, praticar quaisquer atos que envolvam a alienação ou a oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa, não é rigoroso e não encontra, sequer, assento na lei.
14ª - Ainda que se considerasse que o Tribunal, em sede de Processo Especial de Revitalização, pode indicar que todos os atos que envolvam a alienação ou a oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa estão sujeitos a autorização prévia do administrador judicial provisório (alínea b) do nº 2 do artigo 33º) ou que não podem ser praticados pelo devedor sem a aprovação do administrador judicial provisório, atos que não se mostram previstos no artigo 161º - o que manifestamente não se concebe - sempre tal decisão dependeria, sob pena de nulidade, da verificação de um justificado receio da prática de atos de má gestão e da devida fundamentação da decisão quanto à proporcionalidade da medida adotada face ao risco verificado, o que, no caso dos autos, manifestamente não sucede.
Termina entendendo dever o presente recurso ser admitido e, em consequência, serem os despachos recorridos revogados na parte em que fixam a competência atribuída nos autos ao administrador judicial provisório nomeado e, bem assim, ser proferida decisão atribuindo somente competência ao administrador judicial provisório para no âmbito do processo especial de revitalização autorizar, ou não, a prática pelo devedor de atos de especial relevo, tal como definidos no sobredito artigo 161º do CIRE.
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Não foi apresentada resposta.
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E) Foram colhidos os vistos legais.
F) A questão a decidir na apelação é a de saber quais os poderes do Administrador Judicial Provisório e, nomeadamente, se neles estão compreendidos os referidos no despacho do tribunal a quo, objeto de recurso.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) Refere-se no Acórdão desta Relação de Guimarães de 04/03/2013, na apelação nº 3695/12.9TBBRG.G1,da 2ª Secção, relatado pelo Desembargador António Santos que, “como decorre dos artigos 17º-A a 17º-I, do CIRE, o processo especial de revitalização [destinando-se ele a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabeleça negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização - cfr. artigo 17º-A], após uma fase inicial de subscrição de um requerimento e/ou declaração escrita (de início de negociações conducentes à revitalização do devedor por meio da aprovação de um plano de recuperação) e da comunicação do início das negociações conducentes à recuperação do devedor ao juiz do tribunal competente para declarar a respetiva insolvência (cfr. artigos 17º-C e 17º-D), segue-se um período de 20 dias [contados da publicação no portal Citius do despacho de nomeação do administrador judicial provisório] para os credores reclamarem os créditos, devendo as reclamações serem remetidas ao administrador judicial provisório, o qual, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.
Apresentada a lista provisória de créditos na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, pode a mesma ser impugnada no prazo de cinco dias úteis (convertendo-se a lista provisória de créditos de imediato em lista definitiva na ausência de impugnações), e, findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem então do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius (cfr. artigo 17º-D, nºs 2 a 5).
De seguida, concluindo-se as negociações (cfr. artigo 17º-F, nº 3), o plano de recuperação considera-se aprovado quando venha ele a reunir a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212º do CIRE para a aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de insolvência [i.e. quórum constitutivo de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e quórum deliberativo de 2/3 de totalidade dos votos emitidos e de mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados], sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista definitiva ou provisória de créditos, no caso de aquela ter sido impugnada.
Por fim, após a votação e aprovação do plano de recuperação, incumbe então ao juiz decidir se deve homologar ou recusar o plano no prazo de dez dias a contar da receção do mesmo (cfr. artigo 17º-F, nº 5 e 6), aplicando-se, para o efeito, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º, sendo que, a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações…
Em suma, dir-se-á que o processo especial de revitalização [inspirado no conhecido “capítulo 11” norte-americano], nascido no âmbito do programa revitalizar criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 3 de Fevereiro, e tendo como desiderato essencial afirmar-se como uma solução de reestruturação empresarial - ou seja, contribuir para a revitalização de empresas economicamente viáveis mas que se encontrem, pelas mais diversas razões, em situação difícil -, não devendo ser encarado como mais um expediente que veio fazer parte do “problema”, ao invés deve antes ser encarado como um efetivo meio que vem acrescentar algo de novo para a “solução”, maxime para a viabilização e/ou recuperação do devedor.
Ou seja, e dito de uma outra forma, com a introdução do PER no CIRE, a satisfação dos direitos dos credores deixou de ocupar o lugar privilegiado que vinha tendo, passando, doravante [manifesto é que com a Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, se alterou o paradigma, passando a integrar o objetivo principal o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação], a recuperação do devedor a consubstanciar, também, um fim atendível no âmbito do CIRE, maxime em sede do PER.
Na verdade, tal como resulta da exposição de motivos da proposta de lei que deu lugar à Lei 16/2012 [Proposta de Lei nº 39/XII, de 30/12/2011, da Presidência do Conselho de Ministros] o principal objetivo da alteração do CIRE visou direcionar este último diploma para a recuperação de empresas devedoras, “privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação”.
E o que dizer relativamente aos poderes do Administrador Judicial Provisório?
O nº 3 alínea a) do artigo 17º-C do CIRE diz que recebida a comunicação do devedor de que pretende dar inícios às negociações conducentes à sua recuperação, o juiz deve nomear, de imediato, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações.
O artigo 32º refere-se à escolha e remuneração do administrador judicial provisório, enquanto que o artigo 33º diz respeito às competências do administrador judicial provisório.
Por sua vez o artigo 34º faz uma remissão para os artigos 37º, 38º, 58º, 59º e 81º nº 6, referindo que os mesmos se aplicam respetivamente e com as necessárias adaptações, à publicidade e ao registo da nomeação do administrador judicial provisório e dos poderes que lhe forem atribuídos, à fiscalização do exercício do cargo e responsabilidade em que possa incorrer e ainda à eficácia dos atos jurídicos celebrados sem a sua intervenção, quando exigível.
A questão que se levanta é a de saber se o administrador judicial tem iguais competências no âmbito do processo de insolvência e no de revitalização e a resposta é que o âmbito de atuação é diverso, as finalidades dos processos são diferentes e, como tal, as atribuições são, igualmente, diferentes.
Importa notar, desde logo, que, no que toca ao processo de revitalização, está em causa a recuperação de empresas devedoras, enquanto que no processo de insolvência visa-se a satisfação dos direitos dos credores, o que, necessariamente implica um diferente tratamento do respetivo regime jurídico, isto é, um âmbito de atuação diferente.
Conforme se referiu, no nº 3 alínea a) do artigo 17º-C do CIRE diz-se que o juiz deve nomear o administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações, isto é, não se trata de fazer uma remissão pura e simples para os referidos artigos, antes se determina que a aplicação dos artigos 32º a 34º do CIRE está condicionada aos fins tutelados pelas normas do processo de revitalização, daí que se estabeleça que a aplicação dos artigos 32º a 34º deva ter em consideração as necessárias adaptações às finalidades do processo de revitalização.
E não pode deixar de se dar alguma razão à apelante quando refere que o processo de revitalização é um procedimento em que há uma limitada intervenção judicial, contrastante com o processo de insolvência, em que tal intervenção é mais significativa.
Como se refere no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 09/12/2013, na apelação nº 1640/13.3TBGMR-A.G1, disponível no endereço www.dgsi.pt, “com a prolação do despacho do juiz a nomear o administrador judicial provisório, de acordo com o nº 2 do artigo 17º-E do CIRE, o devedor fica impedido de praticar atos de especial relevo, tal como se mostram definidos no artigo 161º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório.
Por outro lado, acrescenta o nº 3 do referido artigo 17º-E que «a autorização a que se refere o número anterior deve ser requerida por escrito pelo devedor ao administrador judicial provisório e concedida pela mesma forma».
«A falta de resposta do administrador judicial provisório ao pedido formulado pelo devedor corresponde a declaração de recusa de autorização para a realização do negócio pretendido» - nº 5 do artigo 17º-E.
Decorre, assim, do citado normativo (nº 2 do artº 17º-E) que, em sede de processo especial de revitalização, o devedor apenas fica impedido de praticar atos de especial relevo, tal como se mostram definidos no artigo 161º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório.
O que logicamente conduz à conclusão de que o único dever e competência do administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização é autorizar ou não a prática pelo devedor de atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161º.
É certo que a al. a) do nº 3 do artigo 17º-C, aquando da nomeação do administrador judicial provisório, manda aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 32º a 34º do CIRE.
Mas os artigos 32º a 34º dizem respeito à escolha e remuneração do administrador judicial provisório no âmbito do processo de insolvência enquanto medida cautelar a aplicar no caso de se verificar um justificado receio da prática de atos de má gestão, nos termos do disposto no artigo 31º nºs 1 e 2.
Aquando do despacho a que alude a al. a) do nº 3 do artigo 17º-C, o juiz não tem elementos que lhe permitam um juízo prévio minimamente subsistente quanto ao justificado receio da prática de atos de má gestão.
O despacho em causa é o do seguimento do processo com nomeação do administrador judicial provisório.
O tribunal não faz, todavia, qualquer juízo de valor sobre a situação substantiva do devedor.
E, uma vez verificados os pressupostos processuais, o despacho tem mesmo carácter vinculativo não podendo o juiz deixar de proceder à nomeação (vd. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 151).
O juiz limita-se a nomear um administrador judicial provisório, não lhe atribuindo a lei poderes para definir as competências desse administrador, até porque não dispõe sequer de quaisquer elementos que lhe permitam ponderar para efeito dessa atribuição de poderes ao administrador.
A lei, no âmbito do processo especial de revitalização, previu de forma especial, no nº 2 do artigo 17º-E as competências do administrador judicial provisório.
E estas limitam-se à autorização da prática de atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161º.”
Pensamos que esta interpretação é, salvo o devido respeito e melhor opinião, extremamente redutora, na medida em que, como se viu, limita os poderes de atuação do administrador à autorização da prática de atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161º.
Desde logo há que ter em conta que compete ao administrador judicial elaborar uma lista provisória dos créditos, nos termos do disposto no artigo 17º-D nº 2.
Por outro lado, o devedor está obrigado a prestar toda a informação pertinente aos seus credores e ao administrador judicial provisório, devendo sempre manter atualizada e completa a informação facultada ao administrador judicial provisório e aos credores (nº 6).
No que respeita às negociações encetadas entre o devedor e os seus credores as mesmas regem-se pelos termos convencionados entre todos os intervenientes ou, na falta de acordo, pelas regras definidas pelo administrador judicial provisório nomeado (nº 8), constituindo esta outra das atribuições do administrador.
Acresce que o administrador judicial provisório participa nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, e deve assegurar que as partes não adotam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha daquelas (nº 9).
Compete ainda ao administrador atestar a regularidade formal da aprovação unânime do plano de recuperação conducente à revitalização do credor (artigo 17º-F nº 1 e 4).
É, ainda, atribuição do administrador comunicar ao processo a impossibilidade de alcançar o acordo, nos termos do disposto no artigo 17º-G nº 1, após ouvir o devedor e os credores e emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor (nº 4).
Para além disso, na eventualidade de o devedor pôr termo às negociações, o mesmo terá de comunicar tal pretensão ao administrador (nº 5).
Terá de se ter em conta que a remissão operada pelo artigo 17º-C nº 3 alínea a) para os artigos 32º a 34º nunca poderia ter o significado … de tais normas não serem aplicáveis, como parece resultar da tese acima exposta.
Importa, então tentar apurar quais os elementos das normas referidas que deverão ser aplicáveis, com as devidas adaptações processo especial de revitalização (PER).
Cremos que a aplicabilidade do artigo 32º ao PER não suscitará grandes dúvidas.
Já o artigo 33º terá de ser adaptado ao PER, na medida em que não competirá ao administrador judicial provisório a exclusividade da administração do património do devedor, antes lhe competindo desempenhar as tarefas atrás indicadas.
Por outro lado não se vê que o juiz deva fixar os deveres e as competências do administrador judicial provisório, nos termos do nº 2, dado que o âmbito de atuação deste é diverso, como vimos, sem embargo de poder mencionar que o devedor fica impedido de praticar atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161.º, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório, nos termos do disposto no artigo 17º-E nº 2.
Já quanto ao nº 3 afigura-se-nos que o mesmo poderá ter aplicabilidade ao processo em causa, embora não com o âmbito aí previsto, uma vez que nem todas essas funções correspondem à atividade a desenvolver pelo mesmo, antes devendo ser adaptada a tais finalidades tal como resultam da lei e acima genericamente nos referimos, o mesmo se dizendo quanto ao disposto no artigo 34º.
Do exposto já resulta que relativamente ao despacho proferido a fls. 126, não podia o tribunal a quo estabelecer que ficava vedado à devedora, sem expressa autorização do administrador judicial provisório nomeado, a prática de quaisquer atos que envolvam a alienação ou oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa, os quais se terão por ineficazes, dado que tais atribuições não respeitam ao PER.
Assiste, assim, razão à apelante, pelo que o despacho recorrido terá de ser expurgado da parte em que refere que fica vedado à devedora, sem expressa autorização do administrador judicial provisório nomeado, a prática de quaisquer atos que envolvam a alienação ou oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa, os quais se terão por ineficazes, assim procedendo a apelação e nessa parte se revogando a decisão recorrida.
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D) Em conclusão:
1) O administrador judicial tem diferentes competências no âmbito do processo de insolvência e no de revitalização, sendo o âmbito de atuação diverso, as finalidades dos processos diferentes e, como tal, as atribuições, igualmente, diferentes;
2) O processo de revitalização é um procedimento em que há uma limitada intervenção judicial, em contraste com o processo de insolvência, em que tal intervenção é mais significativa;
3) No processo de revitalização, atenta a sua natureza e o respetivo regime legal, no despacho de nomeação do administrador provisório, o juiz não tem de especificar os atos que não podem ser praticados pelo devedor sem a aprovação do administrador judicial provisório, nem indicar serem eles genericamente todos os que envolvam a alienação ou a oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a douta decisão recorrida na parte em que estabelece que fica vedado à devedora, sem expressa autorização do administrador judicial provisório nomeado, a prática de quaisquer atos que envolvam a alienação ou oneração de quaisquer bens ou a assunção de novas responsabilidades que não sejam indispensáveis à gestão corrente da empresa, os quais se terão por ineficazes.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 10/11/2014
António Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas