Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
41/14.0TAMLG.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: ASSISTENTE
ACUSAÇÃO
LEGITIMIDADE
FALTA DE PROMOÇÃO DO M.º P.º
ARTº 119º
B)
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - Para se verificar se o assistente o crime de difamação agravada (arts.º 180º e 184º C.P.) ou simples, deve ver-se qual o tipo de crime por que o assistente pretendia acusar, independentemente de a acusação estar incorretamente expressa.

2 - Estando em causa o tipo agravado, o crime é semipúblico (art.º 188º/1, a), C.P.), pelo que o assistente não podia acusar, desacompanhado anteriormente do M.P., por falta de legitimidade.

3 - Porém, em tais casos e por estar em causa a nulidade insanável de falta de promoção do processo pelo M.P. (art.º 119º/b, C.P.P.), a decisão deveria ser a de decretar a nulidade do processo desde a notificação ao assistente para acusar e não a de determinar o arquivamento dos autos, o que é de conhecimento oficioso em qualquer fase do processo.

4 - Em tal caso, deve determinar-se a repetição o ato inválido.
Decisão Texto Integral:
Proc.º 41/14.0TAMLG.G1

1 – Relatório

Por decisão proferida em ata, em 19 de Abril de 2 017, decidiu o Tribunal de 1ª instância que o assistente não tinha legitimidade para acusar, no caso dos autos, daí retirando, por essa razão, a extinção do procedimento criminal e também do enxerto cível, este por impossibilidade superveniente da lide.

Inconformados com o decidido, desta decisão recorreram para este Tribunal da Relação, quer o assistente quer o M.P., peças que terminam com as seguintes conclusões:

a) Do recurso do Assistente

1.— A acusação formulada pelo assistente reporta-se unicamente a um crime de difamação tal como o estatui o disposto nos artigos 180°, n° 1 e 183°, n° 1, al. a) e n° 2, do C. Penal;

II. — A factualidade alegada na acusação, como reportando-se à anterior condição do assistente como presidente da Câmara Municipal de X, foi feita como constituindo uma eventual circunstância agravante de caráter geral;

III. - Não pretendeu, por isso, ao invocar esse seu passado, considerá-lo, porque legalmente não tinha qualquer sentido, como circunstância qualificativa do crime de difamação, tal como é previsto no artigo 184° do C. Penal; .

IV. — Se tal fosse a sua intenção teria, como é de lei, previamente, requerido a abertura instrução, pugnando para que o Meritíssimo Juíz de Instrução pronunciasse o arguido por tal crime;

V. — Não o fez porque, tal como o entendeu o Ministério Público, e, posteriormente, o Meritíssimo Juíz de Instrução, e, numa primeira fase, o Meritíssimo Juíz do Processo, em virtude de, na data dos factos, já não exercer quaisquer funções autárquicas, e estes não estarem diretamente relacionados com aquela sua ex-condição, não estavam preenchidos os pressupostos do crime de difamação com a agravação prevista no artigo 184° do C. Penal;

VI. — Aliás se, por absurdo, tivesse querido deduzir acusação por tal crime, teria, tal com o exige, sob pena de nulidade, o disposto no artigo 283°, n° 3, ai. e), do C. P. P., indicado as disposições legais a ele relativas, o que não fez;

VII. — Pelo que terá que considerar-se que a acusação formulada pelo assistente foi-o apenas pelo crime previsto e punido pelo artigo 1800, no i, e 1830, n° 1, ai. a) e n° 2, do C. Penal;

VIII. — O qual tem natureza particular e implica a dedução de acusação por parte do assistente, nos termos do corpo do n°1, do artigo 188°, do C. P. P.;

IX. - Por isso, deveria, com o devido respeito, o Meritíssimo Juiz prosseguir com a realização do julgamento do arguido, de acordo com o teor da acusação;

X. — Não o entendendo assim, pelo douto despacho recorrido, foram violados o disposto nos artigos 180°, n° 1, 183°, 184°, 188°, n° i, todos do C. Penal, e 283°, 284° e 285°, todos do C. P. Penal e demais legislação que doutamente será suprida”;

b) Do Recurso do M.P.

1- O Ministério Púbiico notificou o assistente para deduzir acusação por crime particuiar, interp retou que foi deduzida acusação por crime de natureza particular p. e p. pelas disposições legais que foram elencadas aquando da imputação do crime ao arguido, sendo por esse mesmo crime que o Exmo Sr. Juiz de Instrução Criminal pronunciou o arguido na sequência do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido que também interpretou que lhe foi imputado um crime particular.

2 -O assistente imputou ao arguido, tão só, a “prática do crime previsto e punido pelos artigos 180º/1 e 183°, n°1, al. a) e n°2 , ambos do C. Penal, com as agravantes que resultarem da lei e que vierem a provar-se em sede de audiência de discussão e julgamento”, sendo que, se a agravante que tivesse em mente fosse a constante do artigo 184° do Código Penal, acrescentaria tal artigo ao elenco das normas invocadas como correspondendo ao ilícito cometido, o que não fez.

3- Não se verifica, pois, a ilegitimidade do assistente para o exercício da acção penal.
4 -Assim, ao decidir como decidiu, procedeu o douto despacho recorrido a uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 180°, n.°1, 183°, n.°1, ai. a) e n.°2, 184° e 188°, todos do Código Penal e 283°, n.°3, ai. c) e 285°, ambos do Código de Processo Penal.

Contra-alegou, ainda em 1ª instância, o arguido. Considera que o texto da acusação demonstra que o assistente quis imputar ao arguido, o crime de difamação com publicidade e calúnia, previsto nos arts.º 180º, 183º C.P., mas com a agravante modificativa prevista no art.º 184º C.P. Tal crime tem natureza semi-pública (art.º 188º/1, a), C.P.), pelo que a acusação deveria ter sido pública (art.º 49º C.P.P.). Não o tendo sido, tal como no despacho recorrido, entende que o assistente não tinha legitimidade para acusar. A final, sustenta pois a improcedência integral de ambos os recursos.

neste Tribunal da Relação teve vista no Proc.º o Dignm.º Procurador Geral Adjunto. Defendeu que na imputação feita na acusação particular não consta a agravante prevista no art.º 184º C.P., pelo que está em causa um crime particular, em que o assistente tem legitimidade para acusar. Conclui pois a final, pela procedência quer do recurso interposto pelo assistente, quer do interposto pelo M.P. que, aliás são em sentido idêntico.

Notificado nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o arguido respondeu. Voltou a sustentar o anteriormente referido, sustentando que há uma frase na acusação particular em que se faz expressa referência à agravante prevista no art.º 184º C.P. e que, a final se referem as “agravantes que resultem da lei”, o que não faria sentido caso apenas estivessem em causa as agravantes gerais previstas no art.º 71º C.P., pois estas o Tribunal aplica obrigatoriamente e independentemente de invocação. Conclui pois e de novo, pela improcedência de ambos os recursos – do assistente e do M.P.
Os autos vão ser julgados em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, b), C.P.P.

2 – Fundamentação

Para uma melhor apreciação do caso concreto, transcrever-se-á de seguida a decisão recorrida:

“Segundo a acusação particular proferida nestes autos, o arguido, com a sua conduta, «incorreu, assim, na prática, como autor material, do crime previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, ambos do C. Penal, com as agravantes que resultarem da lei e que vierem a provar-se em sede de audiência de discussão e julgamento».

Muito embora de acordo com o parágrafo acima transcrito não resulte de forma evidente a imputação ao arguido dos crimes de difamação e de publicidade e calúnia na sua forma agravada prevista no art. 184.º do CP, a referida imputação decorre objectivamente do teor do texto da acusação deduzida, de que é exemplo a referência expressa em parágrafos anteriores, nos seguintes termos: «o assistente exerceu durante mais de três décadas as funções de Presidente da Câmara Municipal de X, tendo cessado tais funções em Janeiro de 2014. O envolvimento da sua pessoa na descrita calúnia surge, portanto, por causa do exercício de tais funções públicas (artigo 184.º do C. Penal)».

Tudo conjugado, conclui-se que, de acordo com a qualificação jurídica constante da acusação particular, o assistente pretendeu imputar ao arguido a prática dos crimes de difamação e de publicidade e calúnia, ambas agravadas em função da qualidade do agente, ao abrigo do art. 184.º do CP.---

Mais se consigna que, em sede de decisão instrutória, foi decidido «pronunciar para julgamento em processo comum e com intervenção do tribunal singular o arguido Joaquim, melhor identificado a fls. 131, pela prática dos factos e com a qualificação jurídica constantes da acusação particular de fls. 156-158».---

Ora, a legitimidade para o exercício da acção penal, enquanto pressuposto processual, constitui uma condição de procedibilidade e da sua verificação ou existência depende a possibilidade de conhecimento do mérito ou fundo da causa. Em matéria de legitimidade para o exercício da acção penal a regra é a de que ela cabe, em princípio, ao Ministério Público, enquanto titular da acção penal, nos termos do art. 48.º do CPP. Daqui decorre, também, que quaisquer outras entidades carecem de legitimidade para, autonomamente e por si só, promoverem o procedimento criminal. As excepções a esta regra são apenas aquelas que, taxativamente, se prevêem na lei, nomeadamente nos arts. 49.º e 50.º do CPP, relativamente aos crimes semi-públicos e particulares. Da conjugação destes normativos podemos concluir que, se no que concerne aos chamados crimes particulares a lei comete aos titulares dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação a legitimidade para o exercício da acção penal, acompanhados ou desacompanhados do Ministério Público, já quanto aos chamados crimes semi-públicos isso não sucede. Quanto a estes, apenas se exige que os titulares do direito de queixa (sob o ponto de vista do direito substantivo), exerçam, oportuna e formalmente esse direito. A legitimidade do Ministério Público para promover os termos ulteriores do processo (incluindo a acusação) fica, assim, assegurada.

Nestes termos, nos crimes semi-públicos, pela própria natureza dos interesses em presença, a legitimidade para deduzir acusação pertence apenas e exclusivamente ao Ministério Público (salvaguardando evidentemente, a faculdade conferida ao assistente pelo art. 284.º, n.º 1 do CPP). Efectivamente, a lei apenas permite a “dedução de acusação por adesão” às entidades que, embora podendo também deduzir acusação, o fazem depois e na total dependência da acusação deduzida por quem tem legitimidade para tanto – é o que acontece em relação ao assistente, relativamente aos crimes públicos e semi-públicos pelos quais o Ministério Público tenha deduzido acusação – art. 284.º do CPP – e também em relação também em relação ao Ministério Público quanto aos crimes particulares – art. 285.º do CPP. Assim como sucede nos casos de crimes particulares, em que não tem o Ministério Público legitimidade para, por sua iniciativa, deduzir acusação, também o assistente não tem legitimidade para, independentemente da iniciativa processual do Ministério Público, introduzir a matéria do crime semi-público em julgamento.---

Descendo aos autos, constata-se que, ainda na fase de inquérito, por despacho de fls. 152 foi ordenado pelo Ministério Público a notificação do assistente para, querendo, dentro do prazo legal, deduzir acusação particular pela prática do crime de difamação previsto e punido pelos art. 180.º, n.º 1 do CP, e de publicidade e calúnia previsto e punido pelo art. 183.º, n.º 1, al. a) do CP, tudo nos termos do art. 188.º, n.º 1, do CP.---

Todavia, na acusação particular deduzida pelo assistente, este entendeu imputar igualmente ao arguido, para além dos crimes previstos no art. 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. a) do CP, a agravação prevista no art. 184.º do CP, por referência à al. l) do do n.º 2 do art. 132.º do mesmo diploma legal. Sucede porém que tais crimes revestem natureza semi-pública, e não particular.

Com efeito, tal como decorre do art. 184.º do CPP, tanto o crime de difamação plasmado no art. 180.º, n.º 1 do CP, como os crimes de publicidade e calúnia plasmados no art. 183.º do CP são agravados se a vítima for uma das pessoas elencadas no art. 132.º, al. l) daquele diploma, no exercício das suas funções ou por causa delas. Nestes termos, de harmonia com o art. 188.º do CP, “o procedimento criminal pelos crimes previstos no presente capítulo (isto é, dos crimes contra a honra) depende de acusação particular”, ressalvando-se, porém, duas excepções, entre as quais os casos previstos no art. 184.º do CP (agravação em função da qualidade do agente), em que o procedimento criminal revestirá natureza semi-pública.---

Compreende-se que assim seja, na medida em que, tal como tem vindo a ser sublinhado pela jurisprudência, a honra só faz sentido dispensar a queixa para prosseguir o procedimento criminal quando é ofendido uma autoridade pública, no exercício dessa autoridade e não quando esse ofendido é o próprio agente cuja honra e consideração são atingidas, relativamente ao qual tem de haver uma manifestação própria e inequívoca de vontade de que pretende o procedimento criminal contra o agente, o que só é alcançado através da queixa – neste sentido, vide Ac. do STJ, de 05.12.2007, disponível em www.dgsi.pt.

Aqui chegados, conclui-se pela falta de legitimidade do assistente para dedução de acusação particular, na medida em que, revestindo aqueles crimes natureza semi-pública, apenas o Ministério Público estaria investido com legitimidade para prosseguir com a acção penal relativamente aos factos descritos na acusação, o que não sucedeu in casu, e que impõe, consequentemente, que seja declarado extinto o procedimento criminal.---

E não se diga esta solução se consubstancia numa restrição desproporcional ao direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da CRP. Com efeito, e na sequência do que foi decidido muito recentemente pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão datado de 08.02.2017, disponível em www.dgsi.pt, sempre competiria ao assistente, perante a posição assumida pelo Ministério Público, e havendo discordância em face da qualificação jurídica enquadrada, uma de duas vias: ou requerer a abertura da instrução tendo em vista a integração dos crimes imputados na forma agravada constante no art. 184.º do CP, ou, ao invés, deduzir acusação particular mas tão-somente pelos crimes de difamação e de publicidade e calúnia, em consonância com a posição assumida pelo Ministério Público. Porém, o assistente não tomou qualquer uma destas opções, tendo deduzido uma acusação particular por crimes que, segundo a sua própria qualificação ou integração jurídica, têm a natureza de crime semi-público.---

Nestes termos, sem acusação prévia do Ministério Público, não pode o assistente deduzir esta concreta acusação, e nem o facto de o Ministério Público ter acompanhado a acusação particular a fls. 165 é susceptível de sanar a ilegitimidade originária do assistente para dedução da acusação particular.---
A ilegitimidade constitui uma questão prévia que obsta à apreciação do mérito da causa, e de que é lícito ao Tribunal conhecer nesta fase, nos termos do art. 338.º, n.º 1 do CPP.---

Em face do exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, decide-se:---

i. Declarar a ilegitimidade do Assistente para promover o presente procedimento criminal contra o arguido Joaquim e julgar extinto, por essa razão, o procedimento criminal instaurado contra este último.---
ii. Declarar extinta a instância cível, por impossibilidade superveniente da lide.---
Custas na vertente criminal pelo assistente, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal.---
Custas na vertente civil a cargo do demandante – arts. 4.º, al. n) a contrario do Regulamento das Custas Processuais e art. 527.º, n.º 1 do CPC ex vi art. 523.º do CPP.---
Desconvoque
Notifique".

2.1. – Questão a Resolver

2.1.1. – No caso dos autos, o crime imputado ao arguido na acusação particular é semi-público ou particular?
2.1.2. – Da Falta de Promoção pelo M.P. – nulidade insanável

2.2. - No caso dos autos, o crime imputado ao arguido na acusação particular é semipúblico ou particular?

Na verdade, é esta a única questão suscitada em ambos os recursos, que se repercute na questão da legitimidade para acusar. Com efeito, o M.P. tem legitimidade para promover a ação penal (art.º 48º C.P.P.), salvo nos casos dos crimes semipúblicos, em que a sua legitimidade está dependente de queixa do ofendido (art.º 49º C.P.P.) e nos crimes particulares, em que é necessário que o ofendido se queixe, se constitua assistente e que deduza acusação particular (art.º 50º C.P.P.).

No caso, o M.P. notificou o assistente para deduzir acusação particular, por entender terem sido recolhidos indícios suficientes da prática, pelo arguido Joaquim, de um crime de difamação p. e p. pelos arts.º 180º/1, 183º/1, a) e n.º 2) e 188º/1, todos do C.P. – fls. 152/155.
Este vem a deduzir acusação particular com dedução de pedido cível, a fls. 146/162.

No que se refere à acusação e na parte da imputação jurídica refere que o arguido terá sido “autor material do crime p. e p. pelos arts.º 180º/1 e 183º/1, a) e n.º 2), ambos do C.P., com as agravantes que resultarem da lei e que vierem a provar-se em sede de audiência de discussão e julgamento”.

Com base nisto, entendeu-se no despacho recorrido estar em causa a agravante modificativa prevista no art.º 184º C.P., que torna o crime semi-público (art.º 188º/1, a), C.P.), pelo que o assistente careceria de legitimidade para deduzir acusação por estar desacompanhado do M.P.

Já para os recorrentes (M.P. e assistente), a referência às agravantes legais seria às agravantes gerais constantes do art.º 71º C.P. e não à agravante modificativa constante do art.º 184º C.P.
Trata-se pois, de uma questão interpretativa do texto da acusação proferida.

Deve, em primeiro lugar referir-se que a técnica usada na referida acusação não foi a mais perfeita, pois nos termos do disposto no art.º 283º/3, c), C.P.P., a acusação deve conter a indicação das disposições legais aplicáveis ao caso, o que não se coaduna com uma referência genérica “às agravantes que resultarem da lei e que vierem a provar-se, em sede de audiência de discussão e julgamento”.

É que esta referência genérica e ambígua põe em causa o princípio do contraditório e não cumpre o citado normativo legal, sendo até duvidoso que pudesse a final, ocorrer condenação pelo tipo agravado. Não é porém isso, o que está em causa. O que se tem e perceber é qual é o tipo de crime efetivamente imputado, pelo assistente, para ver depois se o mesmo tinha legitimidade para o fazer.

Dito de outro modo: é necessário saber qual o tipo de crime que se queria imputar, para depois se verificar se, efetivamente, o assistente tinha legitimidade para tal”.

O referido art.º 184º C.P. prevê uma agravante modificativa dos crimes de injúria e difamação, nomeadamente quando a vítima é uma das pessoas previstas no art.º 132º/2, l), C.P., nas suas funções ou por causa delas. Determina a elevação em metade, dos limites mínimo e máximo da pena. Ou seja, cria um novo tipo, agravado, que como se disse é semipúblico e não particular. Um dos tipos de pessoas previsto no art.º 132º/2, l), C.P. é o dos membros de órgãos das autarquias locais.

Quando estes são visados por um crime de injúria ou difamação, nas suas funções ou por causa delas, está em causa o referido tipo agravado.

O assistente fez constar da acusação que, durante mais de três décadas foi Presidente da Câmara de X, mais referindo expressamente que o “envolvimento da sua pessoa na descrita calúnia surge, portanto, por causa do exercício de tais funções públicas (art.º 184º C.P.)”.

Diz depois que sempre exerceu as suas funções com lealdade e probidade, nunca cometendo uma deslealdade para com os seus munícipes e, mais especificamente, para com os habitantes de C. – freguesia do concelho de X, em que foi Presidente da Câmara.

Ou seja: foi escrita na acusação a base factual da referida agravação, fazendo-se até expressa menção ao mencionado art.º 184º C.P.

Tal como, na queixa que iniciou o processo, o mesmo imputava ao arguido o crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts.º 180º, 182º, 183º, 184º, 188º e 189º C.P., sendo que aliás iniciou a mesma referindo exatamente a sua condição de autarca, por mais de três décadas.

Assim e integrando o que disse na imputação jurídica feita na acusação, com o teor desta e o que consta da queixa, não pode deixar de considerar-se que o assistente pretendia imputar ao arguido o crime agravado, p. e p. pelo art.º 184º C.P.

Até porque e como bem diz o arguido nas suas contra-alegações, é completamente irrelevante que conste da acusação referência às agravantes gerais previstas no art.º 71º C.P., pois que estas são sempre aplicadas pelo Tribunal, independentemente de qualquer invocação.

O facto de o assistente não ter sido tecnicamente correto na acusação, não quer dizer que não fosse este, o tipo de crime que visava imputar. O que é diferente de se discutir se o arguido por ele poderia ser condenado, por incumprido o art.º 283º/3 C.P.P., o que determinava um exercício não pleno, do princípio do contraditório.

O que determina a conclusão de que, sendo este crime semipúblico (art.º 188º/1, a), C.P.), não poderia por ele o assistente acusar o arguido, desacompanhado do M.P. (art.º 49º C.P.P.).
O que determina de facto a conclusão de que, o mesmo não tinha legitimidade para acusar. Reconhecendo tal ilegitimidade, esteve por isso bem, o despacho recorrido.
Não já, quanto às consequências que daí retirou.

2.3. - Da Falta de Promoção pelo M.P. – Nulidade Insanável

Com base na referida ilegitimidade para acusar, decidiu-se no despacho recorrido declarar extintos o procedimento criminal e enxerto cível deduzido, este por impossibilidade superveniente da lide.

Porém, bem vista a questão, está em causa a nulidade insanável prevista no art.º 119º/1, b), C.P.P. – falta de promoção do M.P., nos termos do disposto no art.º 48º C.P.

Ou seja: estando em causa um crime semipúblico e tendo havido queixa, caberia ao M.P. proferir despacho final no Inquérito, acusando ou arquivando (art.º 49º C.P.P.).

O M.P., como se disse, apenas notificou o assistente para deduzir acusação particular (fls. 168/170).

Tal nulidade nunca foi invocada por qualquer dos sujeitos processuais, mas é de conhecimento oficioso em qualquer estado do Proc.º, nos termos do proémio desse mesmo normativo.

Considera-se pois, que mesmo não tendo sido suscitada tal nulidade deve este Tribunal declará-la e mandar repetir o ato inválido e os que dele dependem, em lugar de manter o despacho recorrido, que declara extintos o procedimento criminal e a instância cível – também no sentido da declaração de nulidade e não da extinção do procedimento criminal e entendendo que assim se não contrariam os princípios da autonomia do M.P., nem o princípio do acusatório, os Acórdãos desta Relação de Guimarães de 30/11/2 015, proferido no Proc.º 471/13.5TAGMR.G1, Alcina Ribeiro e de 12/7/2 016, Proc.º 679/14.6GCBRG-B.G1, Lee Ferreira. Aliás, é o que decorre expressamente do disposto no art.º 122º/1 e n.º 2), C.P.P.
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Termos em que,

3 – Decisão

a) se declaram improcedentes, os recursos do M.P. e do assistente António, mas oficiosamente se altera o despacho recorrido, declarando-se agora a nulidade do processado posterior a fls. 151, devendo agora o M.P. proferir despacho final no Inquérito quanto ao crime de difamação agravada com publicidade e calúnia, p. e p. pelos arts.º 180º, 182º, 183º/1, a) e n.º 2, 184º e 188º/1, a), C.P.
b) Custas pelo assistente reccorrente, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 515º/1, b), C.P.P. e 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P.
c) Notifique.

(Pedro Cunha Lopes)
(Fátima Bernardes)