Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1228/18.2T8PTL.G1
Relator: JOSÉ DIAS
Descritores: PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
DIREITO LEGAL DE PREFERÊNCIA
PROVA DA FINALIDADE DA AQUISIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- O princípio do inquisitório tem de ser conjugado com os princípios do dispositivo, da autorresponsabilidade e da igualdade das partes, da preclusão dos direitos processuais destas e o da imparcialidade que norteia a atuação do juiz, decorrendo dessa conjugação que a intervenção do juiz, no âmbito do princípio do inquisitório, apenas pode assumir uma natureza complementar relativamente ao ónus da iniciativa da prova que impende sobre as partes, a que o juiz tem o poder/dever de se socorrer apenas quando, uma vez produzida a prova apresentada pelas partes, se lhe prefigurar objetivamente que a dúvida sobre a ocorrência de determinado facto é suscetível de ser superada mediante a produção de prova complementar.
2- Para que se verifique a exceção do art. 1381º, al. a), parte final do CC ao direito legal de preferência, é necessário que adquirentes e/ou transmitentes do prédio apto à exploração agrícola e/ou florestal aleguem e provem que: a) no momento da aquisição desse prédio, o adquirente adquiriu-o com a intenção de o destinar a fim distinto da exploração agrícola e/ou florestal e b), que na altura dessa aquisição, o fim com que o adquirente adquiriu o prédio era física e legalmente possível.
3- A intenção com que o adquirente adquiriu o prédio pode ser provada através de qualquer elemento de prova legalmente admissível, assumindo especial relevância no apuramento dessa intenção o comportamento de adquirente e transmitente do prédio antes e contemporaneamente à aquisição do prédio e, bem assim, o do adquirente, após essa aquisição.
4- Pelo segundo requisito exige-se a alegação e prova em como, no momento da aquisição do prédio, a finalidade com que este foi adquirido pelo adquirente era física e legalmente possível de ser concretizada, não se exigindo que, na altura dessa aquisição, a entidade administrativa competente para apreciar da viabilidade física e legal dessa concretização já se tenha pronunciado no sentido positivo.
5- Vindo após a aquisição do prédio e após a citação de adquirente e de transmitente para os termos da ação de preferência, o adquirente a requerer junto da entidade administrativa licença para construir no prédio um estaleiro de apoio à construção civil (estaleiro esses já nele construído, logo após a aquisição do prédio) e vindo essa entidade administrativa a licenciar a construção do estaleiro, sem que entre o momento da aquisição do prédio e o do licenciamento do estaleiro ocorra qualquer alteração legislativa, daqui deriva que, no momento da aquisição do prédio, era física e legalmente possível construir nele o estaleiro.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

Relatório

J. P. e mulher, M. S., residentes em …, França, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra A. L. e mulher, A. P., residentes na Rua ..., Lisboa, C. L., residente na Rua ..., Lisboa, e J. B. e mulher, M. M., residentes na Rua … e …, Ponte de Lima, pedindo que se reconheça aos Autores o direito de preferência na compra e venda do prédio descrito no art. 1º, al. c) da petição inicial, substituindo eles, Autores, aos 3ºs Réus, mediante o pagamento do preço, IMT, escritura e registo, no montante global de 707,53 euros, e se ordene o cancelamento do registo a favor dos 3ºs Réus quanto ao mencionado prédio.
Para tanto alegam, em síntese, que por escritura de compra e venda de 20/07/2018, os 1ºs e 2º Réus venderam aos 3ºs Réus 144/688 partes indivisas dos prédios rústicos identificadas nas alíneas a) e b) do art. 1º da petição inicial, pelo preço, respetivamente, de 600,00 euros e 400,00 euros e, bem assim o prédio rústico aí identificado na alínea c) desse art. 1º, este pelo preço de 500,00 euros;
Acontece que os Autores são proprietários do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º … e inscrito na matriz sob o art. …º, que tem uma área de 1.295 m2 e que confina com o prédio rústico identificado no art. 1º, al. c) da p.i., o qual, por sua vez, tem uma área de 602 m2, gozando estes de preferência nessa compra e venda celebrada entre os Réus, cujo projeto não lhes foi comunicado.

Os Réus contestaram defendendo-se por exceção e por impugnação.
Defenderam-se por exceção alegando que o prédio identificado no art. 1º, al. c) da petição inicial e os direitos indivisos dos prédios aí identificados estiveram há venda durante vários anos, ainda em vida do anteproprietário destes, J. A., pai dos 1ºs e 2º Réus, tendo os Autores sido sempre conhecedores da disponibilidade de venda e do preço pretendido por J. A. e nunca tomaram qualquer iniciativa em adquirir esse prédio e, bem assim os direitos indivisos sobre os prédios identificados no art. 1º, als. a) e b) da petição inicial, e sempre souberam que J. A. fazia gosto que o prédio continuasse na família e da vontade deste em o vender à sobrinha M. M. (a 3ª Ré-mulher);
Sabendo do especial carinho que seu pai, J. A., tinha pela sobrinha M. M. e da vontade deste que as suas propriedades continuassem na família, os 1ºs e 2º Réus resolverem tentar cumprir aquela que tinha sido a vontade do seu entretanto falecido pai e estabeleceram um preço especial pelo qual estavam dispostos a ceder à prima M. M. o prédio e os direitos indivisos sobre os outros prédios objeto da escritura pública de compra e venda que veio a ser celebrada;
O negócio foi pensado entre os 1ºs e 2º Réus como um misto de venda, porque implicava o pagamento de um preço simbólico pela prima M. M., e de doação, porque significava prescindirem do valor de mercado do prédio e dos direitos indivisos;
Contactada a prima M. M. e o marido desta (os 3ºs Réus), estes manifestaram interesse em ficar com o prédio e com os direitos indivisos;
Como o 3º Réu-marido andasse à procura de um terreno para instalar um estaleiro para guarda de equipamentos e depósitos de materiais que utiliza na atividade da construção civil, os 3ºs Réus aceitaram ficar com o prédio identificado no art. 1º, al. c) da petição inicial, com o intuito de nele construírem o referido estaleiro, pelo que, no caso, verifica-se a exceção do art. 1381º, al. a) do CC;
Invocaram a exceção do abuso de direito, alegando que os Autores sabem que o prédio esteve à venda durante pelo menos dez anos e nunca manifestaram qualquer interesse em o comprar; sabem que o valor desembolsado pelos 3ºs Réus foi ditado por razões sentimentais e familiares, uma vez que foi feito com o intuito de satisfazer a vontade do falecido pai dos 1ºs e 2º Réus; sabem que esse valor não tem qualquer correspondência com o valor real do prédio e que o destino que os 3ºs Réus pretendem dar àquele não é a agricultura, mas antes a instalação e funcionamento de um estaleiro de apoio à atividade de construção civil a que se dedica o 3º Réu marido, pretendendo os Autores aproveitar-se dessa circunstância para sob o manto de um suposto direito legal de preferência, se apropriarem de uma propriedade, que nunca cuidaram em comprar e pagar um preço que sabem não ter qualquer correspondência com o valor real do imóvel e a cuja fixação presidiram razões sentimentais e familiares, procurando, desta forma, locupletar-se de forma injustificada à custa do património alheio;
Impugnaram parte da facticidade alegada pelos Autores.
Concluem pedindo que a ação seja julgada improcedente.

Os 3ºs Réus deduziram reconvenção, a título subsidiário, para o caso da ação vir a proceder, pedindo a condenação dos Autores-reconvindos a pagar-lhes a quantia total de 6.387,61 euros, correspondente ao valor de mercado do prédio objeto da preferência e todos os custos associados à respetiva transmissão, acrescida de juros e mora, à taxa legal, desde a data da notificação da reconvenção aos Autores reconvindos até integral e efetivo pagamento.

Os Autores reconvindos replicaram, impugnando a facticidade alegada pelos Réus-reconvintes a título de exceção e de reconvenção.
Concluem como na petição inicial e pedindo que se julgue improcedente a reconvenção.

Os Réus reconvintes responderam à réplica, mas essa resposta foi desentranhada dos autos, por ser legalmente inadmissível, por despacho que entretanto transitou em julgado.

Realizou-se audiência prévia, em que se admitiu a reconvenção, fixou-se o valor da ação em 7.095,14 euros, proferiu-se despacho saneador, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada audiência final, proferiu-se sentença julgando a ação totalmente improcedente e absolvendo os Réus do pedido, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolver os réus do peticionado pelos autores.
*
Custas a cargo dos autores”.

Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes conclusões:

A- Os autores, aqui recorrentes, interpõem recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por discordarem da decisão que recaiu sobre a matéria de facto e de direito que determinou a absolvição dos réus.
B- O regime da discordância dos recorrentes inicia-se com o facto de os mesmos perfilharem o entendimento de que os autos contêm na íntegra elementos necessários para a ação ser julgada provada e procedente de acordo com o sistema legal vigente,
C- O que pressupõe que, em sede de recurso, haja uma verdadeira apreciação crítica da decisão a quo que recaiu sobre a matéria de facto e de direito. É este controlo que se pretende fazer pelo presente recurso, com vista a uma decisão de procedência da ação.
D- Expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão da causa, afigura-se como incorretamente julgados a matéria dada como provada nos pontos 7), 10), 11), 12), 16, e a não dada como provada nos pontos a), b), j), pontos que influenciam de forma flagrante o desfecho da ação.
E- Existem nos autos, entre outros, os seguintes meios de prova:
1 – Através de escritura pública de compra e venda celebrada entre os réus (no Cartório Notarial ..., da Notária S. R., exarada de folhas noventa e cinco e seguintes do Livro de notas para escrituras diversas número ... - A - documento junto aos autos a fls. 8 a 10), foram alienados três prédios, NO DIA 20 DE JULHO DE 2018 - como consta no ponto 1) dos factos dados como provados;
2 – Através do contrato de arrendamento referido em 12 dos factos provados que data de 31 DE AGOSTO DE 2018, foi dado de arrendamento o prédio objeto de discussão e relativamente ao qual os autores invocam o direito de preferência;
3 – No documento referido no ponto 16 dos factos dados como provados consta um pedido de Alvará de Licenciamento de Ocupação aprovado a 27 DE MARÇO DE 2019, documento este junto em sede de audiência prévia.
4 – E ainda um documento, de teor de informação técnica, referente a esse pedido 1/19 (referido no ponto 16 dos factos provados), no qual se pode ler que o pedido de licença apenas deu entrada nos serviços municipais no dia 22 DE JANEIRO DE 2019 (um dia depois da apresentação da contestação).
F- Verifica-se na análise destes meios de prova errada apreciação das mesmas. O fim do prédio objeto da preferência tem que se verificar no momento da aquisição. Essa pretensão e motivação têm que se verificar à data da aquisição e, além disso, tem que ser possível no momento da aquisição e, consequentemente, os adquirentes têm de ter consciência e conhecimento disso.
G- Como podemos ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra Proc. 408/15.7T8LMG.C1, de 23/05/2017:
“…
IV – Contudo esta intenção não pode resumir-se a um mero estado subjetivo, devendo poder existir uma possibilidade real, física e legal, desse destino diferente da cultura do prédio verificar-se.

VI – Não tendo os Réus logrado provar que a sua intenção de constituírem uma moradia unifamiliar no prédio em cuja aquisição os Autores pretendem preferir era legalmente admissível no momento em que foi celebrado o respetivo negócio de compra e venda, não se encontra demonstrada a causa impeditiva do direito de preferência prevista no art.º 1381º, 2.ª parte do C. Civil.”.
H- Como provam os documentos juntos aos autos pelos próprios réus, à data da aquisição nenhuma intenção podia existir de destinar a parcela a outro fim que não o cultivo, pela simples questão que nada sabiam sobre essa possibilidade.
I- Não podem elementos pedidos subsequentemente sobre a legalidade física, real e legal provar um estado subjetivo anterior, até porque, tais requisitos de possibilidade têm que se verificar à data da aquisição, só assim podem ser considerados factos idóneos a impedir a constituição do direito de preferência. Não podem elementos pedidos subsequentemente sobre a legalidade física, real e legal provar um estado subjetivo anterior. O que sucede supervenientemente já não releva como facto impeditivo.
J- Nenhum meio de prova sustenta que à data da aquisição, 20 de julho de 2018, os réus tinham em mente destinar o prédio ao estaleiro e que tal seria possível e lícito.
L- Em sede de elemento interno (motivação, vontade, reserva mental) terá o julgador de lançar mão de outros elementos e aqui entendemos que a prova por presunção foi violada – artigos 349º e 351º C. Civil –.
M- Dispõe o art.º 349º do C. Civil que “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.”, podendo as presunções ser legais ou judiciais e de experiência, quando assentam num raciocínio de quem julga.
N- Defendem os recorrentes que atendendo às datas dos elementos documentais juntos (contrato de arrendamento, data do pedido de licença de ocupação, a própria citação para os autos e data da contestação) constituem factos-base da presunção que leva ao facto presumido, isto é, que à data da escritura a 20 de julho de 2018 não existia qualquer intenção de destinar o prédio a um estaleiro, possibilidade legal que até desconheciam.
O- Deste modo, com o devido respeito por entendimento contrário, não restam dúvidas de que houve clara violação do art.º 349º C. Civil pois foram as presunções da experiência e judiciais violadas.
P- Perante o decidido na decisão recorrida, cumpre perguntar que facto (s) probatório (s) conduziu à regra da experiência que, por sua vez, conduziu ao facto presumido?
Isto é, de que a intenção dos réus era a de instalar um estaleiro no prédio no dia 20 de julho de 2018, facto que a lei exige.
Q- Isto quando toda a prova documental leva a uma presunção oposta.
R- A violação das presunções e regras da experiência conduz neste ponto inclusivamente à violação do princípio da livre apreciação da prova, que não se encontra devidamente motivável e objetivável de forma a se fazer perceber – vício de falta de fundamentação que desde já se invoca, artigos 666 n.º nº3 e al. b do art.º 668 –
S- Assim sendo, o ponto número dez dos factos provados deve ser dado como não provado, com as consequências legais.
T- O mesmo se diga relativamente ao facto dado como provado no ponto onze, pois em lado algum provado que os autores sabiam que os terceiros réus adquiriram o prédio para instalar um estaleiro, não sendo isso que, inclusivamente, resultou do depoimento de parte, conforme consta da ata de audiência de julgamento do dia 2 de dezembro de 2019.
U- Tal facto carece de qualquer base probatória não podendo ser dado como provado, nem entendendo os autores como chegou o Tribunal a quo a tal conclusão – vício de falta de fundamentação que desde já se invoca, artigos 666 n.º nº3 e al. b do art.º 668.
V- Destarte, o ponto número onze dos factos provados ser dado como não provado, com as consequências legais.
X- Do mesmo modo, deve dar-se como não provado o ponto sete dos factos dados como provados porquanto, o que ficou provado como consta da ata de audiência de discussão e julgamento, no que concerne ao depoimento de parte dos autores é que, os recorrentes em vida do anterior proprietário, J. M., não se quiseram opor aos interesses dos seus (dos autores) familiares, também estes interessados no prédio, daí não terem nessa altura interesse.
Z- No que respeita aos factos dados como não provados, mais concretamente aos constantes nas alíneas a), b) e j) começaremos por realçar que como afirma a motivação da decisão agora em crise não houve oposição na globalidade dos réus quanto à matéria alegada pelos autores,
AA- Limitando-se os réus única e exclusivamente aceitar a factualidade e, relativamente aos três pontos supra elencados (a, b e j dados como não provados) a impugnar de forma genérica, sucedendo o mesmo relativamente força aos documentos juntos pelos recorrentes.
AB- Em primeiro lugar, como se alcança dos documentos autênticos (escritura compra e venda, cadernetas prediais, certidão de registo comercial e do próprio PDM) juntos aos autos, os prédios dos autores – artigo rústico ... – confinam com o prédios dos réus vendedores e compradores – rústicos artigo ..., ... e ... –.
AC- Em segundo lugar, se os prédios confinam entre si e se foram objeto de uma compra e venda devem e têm réus vendedores e compradores, conhecimento de que o prédio identificado na alínea a) dos factos não provados tem 602 m2 e, consequentemente que o prédio rústico identificado na alínea b) dos factos dados como não provados tem a área de 1295 m2.
AD- O artigo 574º/3 do C. Civil prescreve que “Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento…” pretendendo-se cobrir os casos em que, pela natureza e contexto concretos em que se produzam, se deve entender que a parte do facto deve ter conhecimento, como é notório.
AE- No caso em apreço quer vendedores, quer compradores sabem o que venderam e compraram, sabem com quem confinam os seus bens, sabem áreas, sabem as capacidades dos terrenos, enfim, sabem tudo o que interessa para determinar inclusivamente um preço.
AF- Um facto do qual se deve ter conhecimento não pode ser impugnado de acordo com o formulado pelos réus, é o que resulta da lei.
AG- E ainda que assim não fosse, o que apenas se equaciona por razões de patrocínio, urge referir que no que às plantas topográficas respeita, estas apresentam todos os requisitos necessários e bastantes para valerem só por si pois, antes de mais são documentos técnicos no qual uma entidade credenciada atesta o seu conteúdo, tudo com base em métodos definidos de forma universal e com fiabilidade técnica ao ponto de ser punido quem nos mesmos não reproduzir a verdade, realidade e genuinidade.
AH- Não sendo invocada a sua falsidade os mesmos valem, materialmente e formalmente por si, estando sujeitos ao escrutínio do julgador.
AI- Realce-se ainda que o tema e âmbito da prova deixou de constituir monopólio das partes e, acordo com o art.º 411º CPC, o Julgador tem o dever de realizar oficiosamente as diligências necessárias ao apuramento da verdade, sendo este um poder dever vinculado.
AJ- Este poder ainda é mais premente quando se trata de determinar oficiosamente diligências complementares, necessárias à descoberta da verdade e a boa decisão da causa e isto, independentemente da vontade das partes.
AL- No caso em apreço, perante factos essenciais alegados nos articulados e decisivos para a decisão, acentua-se esse dever vinculado do Julgador se entender não estar devidamente munido da prova bastante para poder decidir.
AM- Não o fazendo além de violar o art.º 411º CPC, padece a decisão de nulidade por omissão de um ato que a lei impõe que se realize, pois a inobservância do inquisitório gera nulidade processual nos termos do art.º 195º n.º 1 CPC – neste sentido Acórdão Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 18884/18.4T8PRT-A.P1, de 21/10/2019.
AN- Admitida a alteração da matéria de facto nos moldes já devidamente explanados e em qualquer caso, é convicção dos recorrentes que o Tribunal de Primeira Instância fez errada interpretação do artigo 1380º C. Civil porquanto assiste direito de preferência aos recorrentes.
AO- Devendo a ação ser julgada totalmente e integralmente procedente.
AP- Pelo exposto, afigura-se-nos que a Sentença recorrida violou, salvo o devido respeito por entendimento contrário, por errada interpretação e aplicação, além do mais, das disposições contantes no 341º, 342º, 349º, 351º, 352º, 362 a 379º, 1380º e 1381º al. a, 2ª parte do Código Civil, artigos 195º, 411º, 574 n.º 3, 607, 615, 666ºn.º 3, 668 al. b) do C.P.C. e art.º 205º C.R.P.,
AQ- Devendo a sentença proferida ser revogada e substituída por decisão que julgue a acção totalmente e integralmente procedente.

Os Réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação e concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:

1 - Da análise dos autos constata-se que os Recorrentes não só não alegaram (e muito menos provaram) todos os pressupostos de que o legislador fez depender o direito potestativo de aquisição previsto no artigo 1380º do Cod. Civil, como os Recorridos fizeram prova da verificação, in casu, da situação excecional prevista na segunda parte da alínea a) do artigo 1381º do Cod. Civil, que consubstancia uma exceção impeditiva do direito de preferência que os Recorrentes, de forma completamente oportunista e reprovável, pretendem exercer através da presente demanda, para desta foram se enriquecerem à custa do património alheio;
2 - Constitui entendimento jurisprudencial que cremos ser uniforme, de que o direito de preferência previsto no artigo 1380º, nº 1 do Cod. Civil, é um direito legal de aquisição que depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) ter sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; (ii) que o preferente seja dono de prédio confinante com o alienado; (iii) que um dos prédios tenha área inferior à unidade de cultura; (iv) que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio confinante;
3 - O ónus de alegação e prova dos requisitos, incluindo o de natureza negativa referido em (iv), de que depende o direito legal de aquisição, recai sobre os Recorrentes, como resulta de forma clara da jurisprudência citada nos itens 9, 10 e 11 supra (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 10-09-2013, proferido no processo 12/07.3TBPNC.C1 e disponível em www.dgsi.pt);
4 - Analisados os presentes autos, constata-se que os Recorrentes não alegaram e, muito menos provaram, que os prédios dos autos tenham sido vendidos a quem não era, a essa data, proprietário de prédio confinante, pelo que, quanto mais não fosse, a omissão de um facto constitutivo do direito legal de aquisição de que se arrogam, teria sempre como consequência a improcedência da presente demanda;
5 - Mas, mesmo que se mostrassem preenchidos todos os referidos pressupostos, o que não se concede nem concebe, ainda assim verifica-se, in casu, a situação excecional prevista na segunda parte da alínea a), do artigo 1381º do Cod. Civil, que consubstancia uma exceção impeditiva do exercício do direito de preferência e que ditaria, igualmente, a improcedência da presente demanda;
6 – Constitui entendimento unanime, de que a doutrina e a jurisprudência citada nos itens 16, 17, 18 e 19 supra são exemplos, que o direito de preferência mencionado no nº 1 do artº. 1380.º do Cod. Civil está excluído quando o prédio “se destine a algum fim que não seja a cultura” – alínea a), segunda parte, do artigo 1381º do Cod. Civil;
7 - Porque da prova produzida (cfr. matéria assente em 10, 11 e 12 dos factos provados) resultou, sem margem para qualquer duvida, que os Recorridos J. B. e mulher adquiriram o prédio objeto de preferência para se servirem dele como estaleiro de apoio à atividade de construção civil, designadamente, para parquear equipamento e depositar materiais utilizados na atividade da construção civil a que se dedica o referido J. B., através da “F. C., Unipessoal, Lda”, da qual é o único sócio e gerente, mostra-se verificada a referida circunstância excecional e, consequentemente, mostra-se excluído o eventual e alegado direito de preferência que os Recorrentes pretendem ver reconhecido, tudo por força do disposto na segunda parte da alínea a) do artigo 1381º do Cod. Civil;
8 - Bem andou a Mmª Juiz “a quo” ao consignar na douta decisão recorrida que:
Do exposto logram os réus demonstrar todos os pressupostos da exceção perentória impeditiva do direito de preferência dos autores prevista no citado artigo 1381º, alínea a), 2ª parte, do Código Civil, assim afastando o direito de preferência dos autores.
Concluímos, por conseguinte, que não gozam os autores do direito de preferência de que se arrogam titulares, pelo que se impõe a improcedência, in totum, da presente ação.
Ante a improcedência da ação, resulta necessariamente prejudicado o alegado abuso de direito dos autores invocado pelos réus, sendo certo que a existência de abuso de direito pressupõe, desde logo, logicamente, a existência do direito alegado, circunstância que, concluímos já, não se verifica nos autos.
Por outro lado, mais resulta prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional formulado pelos réus, na medida em que o mesmo foi deduzido a título subsidiário, ou seja, apenas na hipótese de procedência do peticionado pelos autores ….”
9 - Confrontados com o acerto da douta decisão proferida em primeira instância, os Recorrentes tentam, em total desespero de causa, pôr em causa a matéria de facto apurada no decorrer dos presentes autos, apelando para parte muito restrita da prova produzida (pedido de licenciamento) e olvidando, por completo, grande parte da prova produzida, seja a documental, seja a que resultou do depoimento de parte produzido, seja, finalmente, dos conhecimentos manifestados pelas testemunhas inquiridas na audiência de discussão e julgamento;
10 - Afirmam os Recorrentes que “… não ficou provado em que data é que o terreno foi destinado ao alegado estaleiro …” para, desta forma, tentar questionar as reais intenções dos Recorridos adquirentes, matéria que ficou claramente esclarecida e comprovada através: do contrato de arrendamento celebrado a 31 de agosto de 2018 com a sociedade “F. C., Unipessoal, Lda”, de que o Recorrido J. B. é o único sócio e gerente, o qual tem por objeto o prédio dos autos e tem como finalidade servir de estaleiro para parqueamento de equipamentos e materiais utilizados pela sociedade arrendatária na sua atividade de construção civil, documento que em momento algum foi impugnado ou de qualquer forma posto em causa pelos Recorrentes;
Do depoimento de parte de ambos os Recorrentes de onde resulta que têm perfeito conhecimento do momento a partir do qual o prédio foi destinado ao fim que presidiu à sua compra, ou seja, a partir do verão de 2018 (cfr assentada parcialmente transcrita nos itens 28º e 29º supra), e que puderam constatar quando se deslocaram em férias á sua terra natal em Ponte de Lima;
Da inquirição das testemunhas, incluindo as arroladas pelos Recorrentes, que foram unânimes em situar a utilização do prédio dos autos como estaleiro no verão de 2018, data em que se procedeu à limpeza do terreno, tendo-se para o efeito procedido ao arranque de algumas árvores e videiras completamente envoltas em silvas e se substituiu o solo arável, por um solo consistente e mais adequado ao depósito e trânsito de equipamentos e veículos, composto por saibro e tout-venant,
11 - Não é o licenciamento, como os Recorrentes bem sabem, que define ou indicia a intenção que presidiu à compra, e que os Recorridos compradores cuidaram de demonstrar, de forma inequívoca, logo no verão de 2018 e que ficou sobejamente comprovado em sede de audiência de discussão e julgamento;
12 - À data da aquisição o Recorrido marido sabia, como o Recorrente marido também confessa saber, que o terreno em causa tinha capacidade construtiva, o que o levou a pressupor que também permitia a sua utilização como estaleiro, para depósito de equipamentos e materiais utilizados na construção civil, pois o que permite o mais (construção) também permite e menos (utilização como estaleiro), desconhecendo, no entanto, que a utilização de um terreno para parqueamento de materiais e equipamentos utilizados na construção civil, mesmo desacompanhado de qualquer construção, implicava um licenciamento dessa utilização junto da Câmara Municipal;
13 - Exigência para que só foi alertado pelo advogado signatário quando o procurou para elaboração e apresentação da respetiva contestação, tendo a partir de então diligenciado no sentido de reunir os elementos necessários à instrução do pedido de licenciamento, o que apenas logrou concluir em princípios de 2019, isto não obstante, a sua intenção de utilização ser prévia à aquisição efetuada em julho de 2018 e a utilização efetiva como estaleiro remontar ainda ao verão de 2018;
14 - Veja-se, a este propósito e a título de mero exemplo, o depoimento da testemunha D. C. arrolada pelos Recorrentes, segundo o qual tinha visitado o terreno pela última vez há um ano e tal (o que situa a deslocação no ano de 2018), tendo nessa data constatado que aí funcionava um estaleiro. No mesmo sentido, o depoimento da testemunha J. C. que não teve dúvidas em situar no verão de 2018, a deslocação ao terreno, para aí efetuar a limpeza e colocação de saibro/tout venant no solo;
15 - Depoimentos que estão em perfeita consonância com o contrato de arrendamento celebrado com a empresa F. C. Unipessoal, Lda, e cujos efeitos se iniciaram precisamente no dia 01 de setembro de 2018.
16 – Por fim, importa referir que os Recorrentes também não fizeram qualquer prova (nem sequer alegaram), como lhes competia nos termos pugnados pelo douto Acórdão citado no item 17º supra, e segundo o qual, “Incumbe ao titular do direito de preferência o ónus de provar que a mudança de destino não é legalmente possível, que o destino não pode ser diferente do de cultura.”;
17 - Em face do exposto, torna-se manifesto que carece de todo e qualquer fundamento a pretensão dos Recorrentes, em verem alterada a matéria de facto dada como assente nos pontos nºs 7, 10, 11, 12 e 16 dos factos provados devendo, pelo contrário, manter-se inalterada;
18 - De igual modo, deve naufragar a pretensão dos Recorrentes em ver incluída entre a matéria de facto dada por provado, os factos constantes das alíneas a), b) e j) e que a douta decisão recorrida, muito justamente, considerou como não provada. Sobre a matéria em causa não foi produzida qualquer prova em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo que os documentos para os quais os Recorrentes remetem, para além de serem meras cópias, foram especificamente impugnados pelos Recorridos, pelo que
19 - E mais uma vez, os Recorrentes não cuidaram de produzir a prova que nos termos do disposto no artigo 342º do Cod. Civil estava a seu cargo, não podendo, nesta fase, pretender que o tribunal se substitua às partes no cumprimento desse dever legal;
20 - É, pois, manifesto que a pretensão dos Recorrentes de ver substituída a douta decisão recorrida por outra que declare procedente a ação de preferência intentada e, desta forma se enriquecerem com a aquisição de um prédio que reconhecidamente tem um valor de mercado superior ao que depositaram à ordem dos presentes autos (cfr. item 8º dos factos provados), não poderá deixar de ser desatendida,
21 - Mas que a ser atendida, hipótese que apenas se aventa a título de mera hipótese de raciocínio, sempre implicaria, por parte desse douto Tribunal, o conhecimento das questões que o tribunal recorrido não conheceu (abuso de direito e pedido reconvencional) em consequência da improcedência da demanda intentada, o que à cautela e por mero dever de patrocínio expressamente se requer;
22 - Do exposto facilmente se conclui pela falta de fundamento da argumentação aduzida pelos Recorrentes nas alegações de recurso apresentadas e que, por isso, não pode deixar de ser considerado totalmente improcedente.

TERMOS EM QUE: DEVE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA SER INTEGRALMENTE CONFIRMADA PELA RELAÇÃO, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:
a- se ao julgar não provada a facticidade das alíneas a), b) e j), a 1ª Instância incorreu em violação de regras de direito probatório material, infringindo o disposto no art. 574º, n.ºs 1 a 3 do CPC;
b- se ao concluir pela não prova dessa facticidade e ao não determinar, ao abrigo do princípio do inquisitório e oficiosamente a produção de prova que entendesse necessária ao apuramento da mesma, a 1ª Instância incorreu em nulidade, nos termos do art. 195º, n.º 1 do CPC;
c- se a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à facticidade julgada provada nos pontos 7º, 10º, 11º, 12º e 16º e quanto à julgada não provada nas alíneas a), b) e j) e se uma vez reapreciada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova da facticidade julgada provada nos pontos 7º, 10º e 11º da sentença e, bem assim pela prova da nela julgada como não provada nas alíneas a), b) e j).
A propósito da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes, coloca-se a questão prévia de se saber se estes cumpriram com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, em particular em relação à facticidade julgada provada nos pontos 12º e 16º da sentença sob sindicância;
d- em caso da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes obter provimento, se a sentença recorrida, ao julgar improcedente a ação, não reconhecendo o direito de preferência aos apelantes na compra e venda celebrada entre os apelados em 20/07/2018 em relação ao prédio identificado no ponto 1º, al. c) da facticidade julgada provada, padece de erro de direito.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:

1) Através de escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial ..., da Notária S. R., exarada de folhas noventa e cinco e seguintes do Livro de notas para escrituras diversas número ...-A, em 20 de julho de 2018, A. L., A. P. e C. L. declararam venderam a J. B., casado no regime da comunhão de adquiridos com M. M., pelo preço global de € 1.500,00, os seguintes prédios, sitos na freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima:
a) Pelo preço de 600,00 euros, 144/608 partes indivisas do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...;
b) Pelo preço de 400,00 euros, 144/608 partes indivisas do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...;
c) Pelo preço de 500,00 euros o prédio rústico, composto de leira de lavradio, com ramada e laranjeiras, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... - conforme consta do documento junto aos autos a fls. 8 a 10, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º .../…, o prédio rústico situado em ..., freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, com a área de 375 m2, inscrito na matriz sob o artigo ..., composto por leira de lavradio com ramada e laranjeiras, constando registada a aquisição, por compra, através da AP. 1661 de 2018/07/23, a favor de J. B., casado com M. M., no regime da comunhão de adquiridos, conforme consta dos documentos juntos aos autos a fls.11 a 13, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
3) Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º 2019/..., o prédio rústico situado em Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Ponte de Lima, com a área de 810 m2, inscrito na matriz sob o artigo n.º ..., composto por leira de lavradio com tangerineiras e 100 metros de ramada, constando registada a aquisição, por partilha judicial, através da AP. 332 de 2018/11/05, a favor de J. P., casado com M. S., no regime da comunhão de adquiridos, conforme consta dos documentos juntos aos autos a fls. 11 – verso e 12, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
4) O prédio identificado em 3) confina com o prédio identificado em 1), alínea c), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../... e inscrito na matriz sob o artigo rústico ....
5) O prédio identificado em 3) foi adjudicado ao autor através de partilha, homologada por sentença de 21.11.1979, efetuada no processo de inventário judicial n.º 6/1979, que correu termos no então Tribunal Judicial de Ponte de Lima, 1.ª Secção, instaurado por óbito de sua mãe, M. P..
6) Os prédios identificados em 1) e partes alíquotas estiveram à venda durante, pelo menos, 10 anos, ainda em vida do seu anterior proprietário, J. A., pai dos réus A. L. e C. L., pelo preço de cerca de € 50.000,00.
7) Os autores eram sabedores da disponibilidade de venda acima mencionada em 5), nunca tendo, então, manifestado interesse em adquirir tais prédios.
8) É do conhecimento dos autores que o valor da venda constante da escritura mencionada em 1), relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., é inferior ao valor de mercado desse mesmo prédio.
9) À data da celebração do negócio mencionado 1), a ré M. M. já era comproprietária dos prédios rústicos aí identificados nas alíneas a) e b), inscritos na matriz sob os artigos ... e ....
10) Os réus J. B. e M. M. adquiriram o prédio identificado em 1), alínea c), para aí instalar um estaleiro de apoio à atividade de construção civil, designadamente, para parquear equipamento e depositar materiais de construção utilizados na atividade de construção civil a que se dedica o réu J. B., através da sociedade F. C., Unipessoal, Lda., da qual é único sócio e gerente.
11) Facto que é do conhecimento dos autores.
12) Os réus J. B. e M. M. celebraram com a dita sociedade F. C., Unipessoal, Lda. um acordo escrito denominado “contrato de arrendamento de duração limitada”, datado de 31 de agosto de 2018, através do qual declararam dar de arrendamento àquela sociedade, o prédio identificado em 1), alínea c), pelo prazo de 5 anos e com início no dia 01 de setembro de 2018, cujo objeto se destina ao funcionamento de um estaleiro, para parqueamento de equipamentos e materiais de construção utilizados na atividade de construção civil a que a referida sociedade se dedica.
13) Os autores não são agricultores, encontrando-se emigrados em França onde o autor exerce a sua atividade de empresário da construção.
14) Os réus J. B. e M. M. suportaram o custo dos emolumentos relativos à celebração da escritura no montante de € 240,11.
15) E, ainda, o custo do registo da transmissão do imóvel a seu favor, no montante de € 122,50.
16) O Município de … emitiu Alvará de Licenciamento de Ocupação de Solo n.º 1/19, aprovado por despacho 27.03.2019, em nome dos réus J. B. e M. M., que incide sobre o prédio sito no Lugar de ..., da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../…, com a matriz rústica n.º ..., relativo a ocupação de solo com estaleiro de depósito de materiais e equipamentos (não poluentes) de construção civil.
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provada a facticidade que se segue:

a) O prédio rústico acima identificado em 1), alínea c), tem a área de 602 m2.
b) O prédio rústico identificado em 3) tem a área de 1295 m2.
c) Os réus deram conhecimento prévio aos autores do projeto da venda e das cláusulas do respetivo negócio a que se procedeu em 20 de julho de 2018, através da escritura mencionada em 1).
d) Sabendo do especial carinho que seu pai nutria pela sua sobrinha M. M. e da sua vontade que as suas propriedades continuassem na família, os réus A. L. e C. L. resolveram tentar cumprir aquela que tinha sido a vontade do seu pai.
e) E tendo presente essa vontade, estabelecerem um preço especial pelo qual estavam dispostos a ceder à prima, caso nisso ela tivesse interesse, os prédios que o seu pai era proprietário na freguesia, tendo acordado entre si o valor de € 500,00 para o prédio inscrito na matriz sob o artigo ....
f) Os valores acordados entre irmãos correspondiam a uma espécie de compensação pelos custos em que haviam incorrido por força do processo sucessório (habilitação, registos, deslocações, etc.).
g) Tratavam-se de valores meramente simbólicos ditados por razões sentimentais e familiares e sem qualquer correspondência com o valor real dos imóveis praticado pelo mercado.
h) Os autores sabem que o valor pago pelos réus J. B. e M. M. foi ditado por razões sentimentais e familiares, já que foi feito com o intuito de satisfazer a vontade do pai dos réus A. L. e C. L..
i) O imóvel acima identificado em 1), alínea c), tem um preço de mercado nunca inferior a € 6.000,00.
j) Os prédios rústicos identificados em 1), alíneas a) e b), inscritos na matriz sob os artigos ... e ..., confinam com o prédio aí identificado na alínea c), inscrito na matriz sob o artigo ....
k) O prédio identificado em 3) não se encontra agricultado.
l) Não tendo os autores intenção de destinar à agricultura, o prédio identificado em 1), alínea c).
m) Os réus J. B. e M. M. suportaram os custos com o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, no valor de € 25,00.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

B.1- Violação de regras de direito probatório material – Impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo quanto à facticidade julgada não provada nas alíneas a), b) e j).

A 1ª Instância julgou como não provada a seguinte facticidade:

a) O prédio rústico acima identificado em 1), alínea c), tem a área de 602 m2;
b) O prédio rústico identificado em 3) tem a área de 1295 m2;
j) Os prédios rústicos identificados em 1), alíneas a) e b), inscritos na matriz sob os artigos ... e ..., confinam com o prédio aí identificado na alínea c), inscrito na matriz sob o artigo ...”.

Os apelantes imputam ao tribunal a quo a violação da regra de direito probatório material prevista no n.º 3 do art. 574º do CPC., ao julgar como não prova essa concreta facticidade, argumentando que “não houve oposição na globalidade dos réus quanto à matéria alegada pelos Autores, limitando-se os réus, única e exclusivamente, a aceitar a factualidade e, relativamente aos três pontos supra elencados (a, b e j dados como não provados) a impugnar de forma genérica, sucedendo o mesmo relativamente aos documentos juntos pelos recorrentes”. “Assim, em primeiro lugar, como se alcança dos documentos autênticos (escritura compra e venda, cadernetas prediais, certidão de registo comercial e do próprio PDM) juntos aos autos, os prédios dos autores – artigo rústico ... – confinam com os prédios dos réus vendedores e compradores – rústicos artigo ..., ... e ...; em segundo lugar, se os prédios confinam entre si e se foram objeto de uma compra e venda devem, e têm os mesmos (réus vendedores e compradores), conhecimento de que o prédio identificado na alínea a) dos factos não provados tem 602 m2 e, consequentemente, que o prédio rústico identificado na alínea b) dos factos dados como não provados tem a área de 1295 m2 – é notório”, e continuam argumentando que “no caso em apreço, quer vendedores quer compradores sabem o que venderam e compraram, sabem com quem confinam os seus bens, sabem áreas, sabem as capacidades dos terrenos, enfim, sabem tudo o que interessa para determinar inclusivamente um preço”, e concluem “um facto do qual se deve ter conhecimento não pode ser impugnado de acordo com o formulado pelos réus, tal como resulta da lei; neste sentido se tem pronunciado a doutrina e jurisprudência, pelo que, os factos dados como não provados nas alíneas a), b) e j) têm que ser dados como provados, sob pena de violação expressa da lei vigente no nosso ordenamento jurídico”.
Analisados os enunciados argumentos, diremos que não ignorando os apelantes que as certidões prediais e matriciais, apesar de consubstanciarem documentos autênticos (arts. 362º, 363º, n.ºs 1 e 2, 369º do CC), quando não seja arguida a respetiva falsidade, apenas fazem prova plena dos factos que referem como tendo sido praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora (n.º 1 do art. 371º do CC), ou seja, a força probatória plena inerente a esses documentos somente se estende à circunstância de um determinado interessado em relação aos prédios objeto desses documentos ter declarado perante a entidade documentadora que esses prédios têm uma determinada área, determinados limites e confrontações, que são os que a entidade documentadora inscreveu nessas certidões, mas sem que essa entidade faça qualquer investigação sobre se o que lhe é declarado tem ou não aderência com a verdade ontológica e, por isso, essa força probatória plena inerente a tais documentos não se estende às áreas, limites e confrontações, isto é, à veracidade desses elementos constantes dessas certidões, sequer ignorando o entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência, de acordo com o qual a presunção registral emergente do art. 7º do Cód. Reg. Predial não se estende às áreas, limites e confrontações do prédio constante da respetiva descrição predial (1), pretendem os apelantes que a facticidade constante das identificadas als. a), b) e j) dos factos julgados não provados na sentença sob sindicância, tem de ser julgada provada ao abrigo do princípio do ónus da impugnação especificada previsto no art. 574º, n.ºs 1 a 3 do CPC, nos termos do qual, ao contestar, o réu tem de tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor (n.º 1), sob pena de se considerarem admitidos por acordo os que não forem impugnados, salvo de estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre os mesmos ou se só puderem ser provados por documento escrito (n.º 2), devendo essa consequência jurídica ser também ser aplicada aos factos pessoais ou de que o Réu deva ter conhecimento, quando este declare não saber se estes são ou não verdadeiros (n.º 3).
Com efeito, advogam os apelantes que face ao teor da escritura de compra e venda, cadernetas prediais, certidões do registo predial e do próprio PDM, onde constam as áreas e confrontações dos prédios e porque os réus vendedores e compradores têm necessariamente conhecimento daquilo que respetivamente, venderam e compraram, incluindo das áreas e confrontações dos prédios objeto dessas compras e vendas, os mesmos não podem limitar-se a impugnar genericamente as áreas e confrontações desses prédios objeto das compras e vendas que celebraram, porquanto trata-se de factos pessoais e de que os mesmos devem ter conhecimento.
Assim, pretendem os apelantes que perante a mencionada impugnação genérica feita pelos apelantes em sede de contestação, impõe-se concluir pela prova das áreas e confrontações dos prédios, nos termos do n.º 3 do art. 574º do CPC e, consequentemente, da facticidade constante das alíneas a), b) e j) dos factos julgados não provados pelo tribunal a quo.
Será assim? Cremos que não.
A propósito das áreas e confrontações dos prédios constantes das certidões prediais e matriciais, já nos pronunciamos no sentido de que a força probatória plena que emerge desses documentos autênticos apenas se estende à circunstância de um qualquer interessado em relação ao prédio objeto desses documentos ter declarado perante a entidade documentadora que esse concreto prédio tem determinada área, limites e confrontações, sem que essa entidade documentadora faça qualquer indagação sobre se o que lhe é declarado tem efetiva aderência à realidade ontológica.
Deste modo, como já enunciado, a força probatória plena inerente às certidões prediais e matriciais, enquanto documentos autênticos, não se estenda à veracidade efetiva das áreas, limites e confrontações que constam descritas nesses documentos.
Por sua vez, analisadas as certidões do PDM que foram juntas aos autos pelos apelados, verifica-se que nelas não se encontram representados, de forma evidente, os prédios identificados no art. 1º, als. a), b) e c), objeto da compra e venda celebrada entre os apelados em 20/07/2018, sequer o prédio propriedade dos apelantes, identificado no art. 3º dos factos provados na sentença, pelo que da análise do teor desses documentos autênticos não é possível, com um mínimo de segurança, concluir pela verificação ou não da facticidade constante das alíneas a), b) e j) dos factos não provados na sentença.
Por último, a escritura pública de compra e venda de 20/07/2018, identifica os prédios objeto desse negócio – os identificados nas als. a), b) e c) do art. 1º da petição inicial - por referência ao teor das respetivas descrições prediais e matriciais, pelo que a partir do teor dessa escritura não é possível igualmente extrair qualquer conclusão atinente à referida facticidade das alíneas a), b) e j) dos factos julgados não provados na sentença.
Deste modo, ao concluir pela não prova da facticidade vertida nas alíneas a), b) e j) dos factos julgados não provados na sentença recorrida, é indiscutível que a 1ª Instância não incorreu em qualquer violação de regras de direito probatório material, por desrespeito da força probatória de que gozam as certidões prediais e matriciais relativas a esses concretos prédios a que se reportam as mencionadas alíneas a), b) e j) dos factos não provados na sentença sob sindicância, sequer da inerente ao PDM e à escritura de compra e venda celebrada em 20/07/2018.
Resta verificar se as áreas e confrontações dos prédios objeto de compras e vendas são suscetíveis de serem qualificados como factos pessoais de compradores e vendedores, partes nesses negócios de compra e venda, ou se se trata de factos de que estes devam ter conhecimento.
A propósito do ónus da impugnação especificada, incumbe precisar que até ao DL n.º 329-A/95, para que o efeito cominatório decorrente do incumprimento desse ónus não se produzisse, não bastava que o réu negasse genericamente a realidade dos factos alegados pelo autor, porquanto a impugnação tinha de ser feita especificadamente, isto é, facto por facto, o que era entendido contribuir para o mais fácil apuramento da verdade da situação de facto.
Acontece que diversamente do pretendido pelos apelantes, o legislador do DL n.º 329-A/95, que reviu o CPC, entendeu atenuar o “excessivo rigor formal do ónus da impugnação especificada, sem que, todavia, tal implique que se dispense a parte de tomar posição clara, frontal e concludente sobre a alegação de factos feitas pela parte contrária (…)”. Assim, com a reforma ao CPC de 1995/96, “a impugnação deixou de ter de ser feita facto a facto, individualizadamente, podendo ser genérica” e esse ónus cinge-se, no CPC atualmente vigente, resultante da reforma operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, apenas aos factos essenciais integrativos da causa de pedir em que se funda o pedido deduzido, na petição inicial, pelo Autor (2).
A propósito do n.º 3 do art. 574º do CPC, incumbe precisar que ao estabelecer-se nesse preceito que se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deve ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário, deve entender-se por “facto pessoal ou de que o réu deve ter conhecimento”, não só o praticado pelo próprio réu (contestante) ou com a intervenção deste, “mas também o ato de terceiro perante ele praticado (incluindo a declaração escrita que lhe seja endereçada), ou o mero facto ocorrido na sua presença, e ainda o conhecimento de facto ocorrido na sua ausência (sem prejuízo de este, em si mesmo, não ser um facto pessoal: o réu apenas terá de tomar posição definida sobre o facto do conhecimento). Pretendendo-se com a expressão “de que o réu deva tomar conhecimento”, cobrir os casos em que, pela natureza do facto e pelas circunstâncias concretas em que ele se produziu, o juiz deve entender, segundo o seu prudente arbítrio, usado em conformidade com as regras da experiência, que a parte dele teve conhecimento, tal expressão mais não estabelece do que a presunção de que determinado facto, não consistente em ato praticado pela própria parte, lhe é pessoal, isto é, caiu no âmbito das suas perceções, pelo que, em lugar de exprimir o segundo membro duma dicotomia de conceitos, fundado num dever ético de conhecimento, vem apenas reforçar o conceito de facto pessoal” (3).
Assente nas mencionadas premissas, revertendo ao caso dos autos, compulsada a petição inicial, constata-se que a facticidade constante da alínea a) dos factos não provados na sentença (área de 602 m2 do prédio em cuja compra e venda os apelantes pretendem preferir) foi alegada pelos apelantes no art. 1º, al. c) da petição inicial.
Essa facticidade foi impugnada expressamente pelos apelados, por falsa, no art. 74º da contestação, onde sustentam que “por não corresponder à verdade, vai expressamente impugnado (…) I, al c), a partir de “… Ponte de Lima”.
Logo, dir-se-á que à luz do art. 574º, n.º 1 do atual vigente CPC, os apelados impugnaram expressamente essa concreta facticidade, reputando-a por falsa.
Ainda que essa impugnação seja genérica, a mesma satisfaz o ónus da impugnação especificada previsto no n.º 1 do art. 574º do CPC, conforme resulta do supra expandido.
Destarte, ao concluir pela não prova em como o prédio identificado em 1, alínea c) (prédio objeto da preferência) tenha uma área de 602 m2, é indiscutível que o tribunal a quo não incorreu na violação da regra de direito probatório material prevista no art. 574º, n.ºs 1 a 3 do CPC.
Passando à facticidade da alínea b) dos factos não provados na sentença sob sindicância, em que a 1ª Instância conclui pela não prova em como o prédio rústico propriedade dos apelantes e contiguo àquele em cuja compra e venda estes pretendem preferir, tenha 1295 m2 de área, essa facticidade foi alegada pelos próprios apelantes no art. II da petição inicial.
Por sua vez, no art. 75º da contestação, os apelados impugnaram, por desconhecimento, essa concreta facticidade.
Note-se que a facticidade em análise reporta-se à área do prédio que é propriedade dos próprios apelantes (Autores) e não à área do prédio propriedade dos apelados (Réus) ou que estes adquiriram através da escritura de compra e venda celebrada em 20 de julho de 2018.
Acresce que os apelados não tiveram qualquer intervenção no ato de aquisição desse prédio por parte dos apelantes.
Deste modo, dir-se-á que os apelados, uma vez que não são proprietários do prédio identificado no ponto 3º dos factos provados na sentença (mas sim os próprios apelantes), sequer participaram na aquisição desse prédio por parte dos últimos, apesar desse prédio ser contíguo ao prédio rústico identificado no art. 1º, al. c) objeto da compra e venda celebrada entre os apelados em 20/07/2018 (prédio objeto da preferência a que se reportam os autos), a área daquele prédio propriedade dos apelantes não constitui facto pessoal dos apelados, sequer configura facto de que estes devam ter conhecimento, posto que conforme resulta das regras da experiência comum, frequentes vezes, as áreas que constam das certidões prediais e matriciais dos prédios não têm qualquer aderência com a verdade efetivamente acontecida, os proprietários de prédios vizinhos não têm legitimidade para andar a medir prédios vizinhos dos seus e não é pela mera visualização desses prédios vizinhos que os mesmos conseguem aferir da área concreta de um determinado prédio contíguo ao daquele ou daqueles de que são proprietários.
Destarte, resulta do que se vem dizendo que ao concluir pela não prova da facticidade da alínea b) dos factos não provados na sentença, a 1ª Instância não incorreu em qualquer violação do ónus da impugnação especificada previsto no art. 574º, n.ºs 1 a 3 do CPC.
Resta a facticidade da alínea j), em que a 1ª Instância conclui pela não prova em como os prédios rústicos identificados em 1, alíneas a) e b), inscritos na matriz sob os arts. ...º e ...º, confinam com o prédio aí identificado em c), inscrito na matriz sob o art. ...º.
Trata-se de facticidade que foi alegada pelos apelados nos arts. 27º e 28º da contestação e que os próprios apelantes impugnaram genericamente no art. 1º da réplica, pelo que mal se compreende a alegação destes a propósito do pretenso incumprimento do ónus da impugnação especificada.
Na verdade, a ter ocorrido o incumprimento desse ónus impugnatório, esse incumprimento ocorre da parte dos próprios apelantes a quem, por isso, não assiste sequer legitimidade para virem agora invocar, em sede de recurso, a violação de regras de direito probatório material pelo tribunal a quo, decorrente de um pretenso incumprimento pelos próprios, das regras do ónus da impugnação especificada previstas no art. 574º, n.ºs 1 a 3 do CPC.
Em todo o caso, tendo os próprios apelantes, em sede de réplica, impugnado essa facticidade, ainda que essa impugnação se mostra genérica, a mesma satisfaz o ónus da impugnação especificada previsto no atual art. 574º, n.º 1 do CPC.
Logo, improcede igualmente este fundamento de recurso dos apelantes.
Resulta do que se vem dizendo que ao concluir pela não prova da facticidade julgada não provada nas alíneas a), b) e j) dos factos não provados na sentença, a 1ª Instância não incorreu em qualquer violação da regra de direito probatório material, designadamente, a prevista no art. 574º, n.ºs 1 a 3 do CPC, improcedendo o mencionado fundamento de recurso aduzido pelos apelantes.

B.2- Violação do princípio do inquisitório – nulidade processual.

Advogam os apelantes que ao julgar como não provada a facticidade das alíneas a), b) e j) dos factos não provados na sentença sob sindicância, com o fundamento de que a prova produzida é insuficiente para que pudesse concluir pela prova desses factos, e ao não determinar, ao abrigo do princípio do inquisitório, a produção de prova complementar, a 1ª Instância incorreu na nulidade a que alude o art. 195º, n.º 1 do CPC (a que se reportam todos os dispositivos infra, sem menção em contrário).

Apreciando:
Como é sabido, o princípio do dispositivo, segundo o qual as partes dispõem do processo, cabendo ao juiz controlar a observância das normais processuais e, por fim, proferir a decisão acerca do conflito de interesses que determinou a proposição da ação e, portanto, é aos litigantes que pertence a iniciativa da ação e o impulso necessário ao seu prosseguimento, sendo-lhes igualmente permitido fazê-la terminar (4), continua a ser um dos princípios estruturantes e basilares da lei adjetiva nacional.
Em função desse princípio, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (art. 3º, n.º 1) e impende sobre o autor o ónus de, na petição inicial, delimitar subjetiva (mediante a identificação das partes) e objetivamente (mediante a identificação do pedido e da causa de pedir) a relação jurídica material que submete à apreciação do tribunal (arts. 552º, n.º 1, als. d) e e)), sendo essa relação material e as exceções que venham a ser alegadas pelo réu na contestação, com vista a impedir, extinguir ou modificar o direito que o autor vem exercer contra aquele na petição inicial (arts. 572º, al. c) e 573º) e as eventuais contraexceções que o autor contraponha a essas exceções invocadas pelo réu na contestação (art. 587º, n.º 2 ex vi art. 572º, al. c) do CPC) que constituem o thema decidendum, a que o tribunal e as partes vêem toda a sua atividade instrutória e decisória circunscrita e limitada (arts. 5º, n.º 1, 607º, n.º s 2, 3 e 4,608º, n.º 2, 609º, n.º 1 e 615º, n.º1, als. d) e e)).
Note-se que o princípio do dispositivo desde há muito que se encontra temperado no ordenamento processual civil nacional pelo princípio do inquisitório, que é precisamente o princípio inverso, e que atribui ao juiz um papel mais ativo na condução do processo, tendo com a revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, que é a atualmente vigente e que é a aplicável aos autos, sido dado passos decisivos no sentido de libertar as partes das amarras decorrentes da consideração tradicional do princípio do dispositivo e na incrementação da mitigação entre esse princípio e o do inquisitório, tudo com vista a fomentar a prolação de decisões materialmente justas em detrimento das decisões de forma.
Deste modo é que na vigência do atual CPC, sobre o autor apenas impende o ónus de, na petição inicial, alegar os factos essenciais constitutivos da causa de pedir que elegeu para suportar o pedido (arts. 5º, n.º 1 e 552º, al. d)); sobre o réu apenas impende o ónus de, na contestação, alegar os factos essenciais integrativos das exceções que invoque (art. 5º, n.º 1 e 572º, al. c)) e sobre o autor apenas impende o ónus de, na réplica, na ausência desta, na audiência prévia e, não havendo lugar a ela, no início da audiência final, alegar os factos essenciais integrativos das contraexceções que oponha às exceções invocadas pelo réu na contestação (arts. 5º, n.º 1, 584º, n.º 1, 587º, n.º 2 e 3º, n.º 4), estando, assim, as partes libertas do ónus da alegação dos factos complementares e instrumentais.
Não obstante isso, ou seja, apesar das partes já não terem o ónus da alegação dos factos complementares e dos instrumentais, na sentença, o juiz deve considerar os factos instrumentais (em sede de motivação do julgamento da matéria de facto), desde que o apuramento destes resulte da instrução da causa (al. a), do n.º2 do art. 5º) e deve julgar provados os factos complementares desde que essa prova resulte da instrução da causa e adicionalmente o juiz cumpra quanto aos mesmos o princípio do contraditório (al. b), do n.º 1 do art. 5º do CPC).
Destarte, o princípio do inquisitório que impende sobre o juiz assume particular importância em sede de apuramento de factos complementares e instrumentais.
No entanto, o princípio do inquisitório, que se encontra consagrado no art. 411º, onde se estatui que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, conforme decorre desse preceito, assume plena eficácia na fase da instrução do processo.
Deste modo, apesar do objeto do processo se encontrar, em geral, submetido à disponibilidade das partes e de sobre o autor impender o ónus da alegação dos factos essenciais integrativos da causa de pedir e sobre as partes o ónus da alegação dos factos essenciais integrativos das exceções e contraexceções que invoquem, sem prejuízo dos relevantes poderes inquisitoriais que assistem ao tribunal no apuramento dos factos instrumentais e dos complementares daqueles factos essenciais (alegados), é na fase da instrução do processo que esse princípio assume plena eficácia, ao impor ao tribunal o ónus de realizar ou ordenar, ainda que oficiosamente, todas as diligências probatórias que entenda necessárias ao apuramento do factos essenciais, complementares e instrumentais e que se justifiquem pela necessidade de evitar que, pela falta de prova, a decisão da causa seja imposta pelo non liquet probatório e não pela realidade das coisas averiguadas em juízo (5).
No cumprimento desse princípio, em sede de instrução da causa, assiste ao tribunal o poder/dever de, por sua iniciativa, determinar a prestação de informações pelas partes ou por terceiros necessários à descoberta da verdade material, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados (art. 417º, n.º 1); assiste ainda ao tribunal o poder/dever de requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade (art. 436º); determinar a comparência pessoal de qualquer das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa (art. 452º, n.º 1); ordenar a realização da perícia por mais de um perito (art. 468º, n.º 1, al. a)); ou uma segunda perícia (art. 487º, n.º 2); inspecionar coisas ou pessoas (art. 490º, n.º 1); inquirir testemunhas no local da questão (art. 501º); mandar notificar para depor uma pessoa que não tenha sido oferecida como testemunha, quando no decurso da ação, se venha a apurar que esta tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa (art. 526º, n.º 1); determinar a comparência dos peritos na audiência final, a fim de prestarem os esclarecimentos que lhes sejam solicitados (art. 486º) e, ainda, quando a matéria de facto suscite dificuldades de natureza técnica, cuja solução dependa de conhecimentos especiais que o tribunal não possua, designar técnico para assistir à audiência final e para aí prestar esclarecimentos que se venham a mostrar necessários, podendo o tribunal ouvir esse técnico, em qualquer momento, antes das alegações orais, durantes estas ou depois de findas e, bem assim requisitar, em qualquer estado da causa, os pareceres técnicos que se mostrem indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos (arts. 601º, n.º 1 e 604º, n.º 7).
O cumprimento do princípio do inquisitório que impende sobre o juiz em sede de instrução da causa, não é, reafirma-se, um poder discricionário que lhe assiste, mas um autêntico poder/dever que lhe é legalmente imposto, com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, pretendendo-se que “nenhum facto relevante para a decisão da causa fique por esclarecer” (6).
Na verdade, se quanto aos factos essenciais integrativos da causa de pedir invocada pelo autor na petição inicial e às exceções invocadas pelas partes, o tribunal vê o seu campo de cognição limitado aos factos essenciais que tenham sido alegados pela partes (o mesmo já não se afirmando em relação aos factos complementares e aos instrumentais – art. 5º, n.º 2, als. a) e b) do CPC), já quanto à indagação dos factos essenciais (alegados) e aos complementares e instrumentais, o tribunal não tem de limitar a sua análise aos meios de prova indicados pelas partes, dispondo de amplos poderes inquisitoriais, a que deve recorrer quando percecione que determinada dúvida pode ser superada mediante a realização de diligências probatórias suplementares (7).
Note-se que o princípio do inquisitório, apesar de consubstanciar um poder/dever que impende sobre o tribunal em sede instrutória, não configura a concessão de um direito substantivo de natureza processual que seja conferido as partes e a que o tribunal tenha de corresponder, uma vez que o cumprimento desse poder/dever tem de ser avaliado, delimitado e aplicado tendo em consideração os restantes princípios que continuam vigorantes no CPC, como sejam os princípios do dispositivo, da autorresponsabilidade e da igualdade das partes e da preclusão dos direitos processuais, sem esquecer o dever da imparcialidade do juiz (8), princípios esses aos quais o juiz vê também a sua atividade subordinada e que, por isso, também tem de dar cabal cumprimento, pelo que o cumprimento do princípio do inquisitório tem de ser necessariamente conjugado com aqueles outros princípios norteadores da lei processual civil.
Dir-se-á que da conjugação de todos esses princípios resulta que o juiz tem de exercitar os seus poderes inquisitoriais (que, reafirma-se, são poderes vinculados e nunca discricionários), em sede de instrução da causa, preservando sempre o necessário equilíbrio de interesses que ação pressupõe, critérios de objetividade e uma relação de imparcialidade, do que decorre que “a intervenção oficiosa do juiz” em sede de princípio do inquisitória apenas pode assumir “uma natureza complementar relativamente ao ónus da iniciativa da prova que impende sobre cada uma das partes, não podendo aquele servir para superar, de forma automática, falhas processuais reveladas, designadamente, através da omissão da apresentação do requerimento probatório em devido tempo ou sequer da alteração do rol de testemunhas até ao limite definido pelo art. 598º, n.º 2” (9).
Neste sentido pronuncia-se Lopes do Rego, ao ponderar que “o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobe elas prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste – não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseiros ou indesculpavelmente negligentes das partes” (10).
No mesmo sentido postula Abrantes Geraldes, referindo-se aos poderes inquisitoriais conferidos pelo art. 662º do CPC à Relação, mas cujos argumentos são integralmente transponíveis para a 1ª Instância em sede de cumprimento do princípio do inquisitório a que se encontra adstrita em sede de instrução da causa, sustentando que: “Trata-se de uma diligência que não está circunscrita a depoimentos, podendo incidir sobre quaisquer meios de prova, desde que se revele a existência de dúvida fundada sobre a prova realizada que seja suscetível de sanação mediante a produção de novos meios de prova. (…) não estamos perante um direito potestativo de natureza processual que seja conferido às partes e que à Relação apenas cumpra corresponder, antes deve ser encarado como um poder/dever atribuído à Relação e que esta usará de acordo com critérios de objetividade, quando percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superados mediante a realização de diligências probatórias suplementares. Afinal, a alteração legislativa não modificou as regras de distribuição do ónus da prova que se colhem do direito material, nem aboliu os efeitos que emanam de um sistema em que ainda predomina o princípio do dispositivo (e também o da aquisição processual, nos termos do art. 413º). Igualmente não poderá deixar de ser ponderado que o ónus de proposição de meios de prova se deve materializar também através da sua apresentação em momentos processualmente ajustados, com previsão de efeitos preclusivos que não podem ser ultrapassados só pela livre iniciativa da parte. (…), como critério orientador, pode servir a apreciação critica da atuação que o juiz de 1ª instância teve ou deveria ter tido aquando da realização da audiência final, ponderando casuisticamente a amplitude dos poderes de averiguação que a lei lhe confere (art. 411º) e que podem ser transpostos naqueles circunstâncias para a Relação quando esta se depare com as aludidas dúvidas sérias suscetíveis de serem dirimidas”, trata-se de “uma medida paliativa destinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida (devendo sê-lo) segundo o juízo crítico da Relação” (11).
Revertendo ao caso dos autos, está em causa a facticidade julgada não provada pela 1ª Instância nas alíneas a), b) e j) dos factos não provados na sentença.

Nessas alíneas, como referido, a 1ª Instância conclui pela não prova da seguinte facticidade: “a) O prédio rústico acima identificado em 1), alínea c), tem a área de 602 m2; b) O prédio rústico identificado em 3) tem a área de 1295 m2; j) Os prédios rústicos identificados em 1), alíneas a) e b), inscritos na matriz sob os artigos ... e ..., confinam com o prédio aí identificado na alínea c), inscrito na matriz sob o artigo ...”.

Compulsada a sentença, verifica-se que nela a 1ª Instância justifica/motiva essa não prova nos seguintes termos:
“… os factos insertos em a) a m) resultaram não provados, porquanto não logrou produzir-se prova que, com a necessária objetividade e segurança, se revelasse suscetível de os demonstrar.
No que em particular respeita aos factos descritos em a) e b), cumpre ainda acrescentar que não se revelaram os documentos juntos aos autos pelos autores a fls. 28 a 30 (plantas topográficas), por si só, de forma alguma suficientes para formar neste Tribunal a convicção acerca da demonstração dos factos em apreço, na medida em que, além de terem sido impugnados pelos réus, mais foram os preditos documentos elaborados extrajudicialmente a pedido do autor e apenas com base nas indicações dadas pelo mesmo (conforme se extrai do seu respetivo teor), desconhecendo-se com base em que concretos elementos foram elaborados, sendo certo que não foi produzida qualquer outra prova passível de corroborar o teor dos documentos em questão”.
Vejamos se ao concluir pela não prova da identificada facticidade com a motivação acaba de transcrever, a 1ª Instância incorreu em qualquer violação do princípio do inquisitório que sobre ela impende, com o sentido e o alcance atrás enunciados.
Conforme supra se referiu, a facticidade da alínea a) dos factos julgados não provados na sentença (área do prédio em cuja compra e venda os apelantes pretendem preferir), foi alegada pelos próprios apelantes no art. 1º, al. c) da p.i., e essa área foi impugnada por falsa pelos apelados no art. 74º da contestação.
Já a facticidade julgada não provada na al. b) - área do prédio propriedade pelos apelantes - foi alegada pelos apelantes no art. II da petição inicial e foi impugnada pelos apelados no art. 75º da contestação, por desconhecimento.
Por último, a facticidade da alínea j) dos factos não provados na sentença (contiguidade do prédio em cuja compra e venda os apelantes pretendem preferir, com aqueles cujos direitos indivisos foram também vendidos pelos 1ºs e 2º Réus aos 3ºs Réus (apelados), por escritura pública de compra e venda de 20/07/2018, a que alude o ponto 1º dos factos provados na sentença), foi alegada pelos apelados nos arts. 27º e 28º da contestação e foi impugnada pelos próprios apelantes no art. 1º da réplica, pelo que, reafirma-se, mal se compreende a alegação destes últimos quando sustentam que ao julgar essa facticidade como não provada, o tribunal incorreu em pretensa violação da regra do direito probatório material a que alude o art. 574º, n.ºs 1 a 3 do CPC e que agora sustentem que ao fazer esse julgamento de não provado, a 1ª Instância violou o princípio do inquisitório.
Avançando.
Para prova da área do prédio rústico em cuja compra e venda celebrada entre os 1ºs e o 2º Réus (estes, enquanto vendedores) e os 3ºs Réus (estes, enquanto compradores), em 20/07/2018, os apelantes pretendem preferir (prédio identificado no ponto 1º, al. c) dos factos provados na sentença), área essa que alegam, em sede de petição inicial, ascender a 692 m2, bem como da área do prédio rústico de que são proprietários (prédio identificado no ponto 3º dos factos provados), cuja área alegam naquele mesmo articulado, ascender a 1.295 m2 e, bem assim, da contiguidade desses dois prédios, os apelantes, juntaram em anexo à petição inicial, certidão da Conservatória do Registo Predial em relação a ambos os prédios, a certidão matricial destes, a escritura de compra e venda celebrado entre os apelados em 20/07/2018 e, bem assim duas plantas topográficas, estas identificadas como Docs. 4 e 7 anexas à p.i..
Conforme já enunciado, em sede de contestação, os apelados impugnam, por falso, que o prédio objeto da preferência, tenha a área alegada pelos apelantes de 692 m2, e impugnam, por desconhecimento, que o prédio rústico propriedade dos apelantes, contíguo ao primeiro, tenha uma área de 1.295 m2.
Quanto aos levantamentos topográficos, dir-se-á que estes se encontram datados de agosto de 2018 e nele encontra-se delimitado o prédio rústico que os apelantes pretendem preferir (isto é, o identificado no ponto 1º, al. c) dos factos provados) com uma linha vermelha e a menção de que este terá uma área de 602 m2.
Em relação a esses levantamentos topográficos, os apelados, no art. 76º da contestação, impugnam a respetiva letra, assinatura e teor, alegando expressamente que “desconhece-se igualmente a letra e a assinatura e ou reprodução mecânica dos documentos juntos como doc. nºs 4, 5, 6, 7 e 8 juntos com o referido articulado é verdadeiro, pelo que vão os mesmos impugnados especificadamente nos termos do disposto no artigo 544º do Cód. Proc. Civil”.
Logo, dir-se-á que os apelantes sabiam e não podiam desconhecer, não só que as áreas daqueles dois prédios se encontravam impugnadas pelos apelados, como que estes tinham impugnado os levantamentos topográficos que juntaram aos autos como docs. n.ºs 4 e 7, em anexo à petição inicial, e que, por isso, a prova das áreas desses dois prédios (o daquele em que pretendem preferir – al. c) do ponto 1º dos factos provados - e o contíguo, de que eles, apelantes, são proprietários – ponto 3º dos factos provados) exigia a produção de outros meios de prova.
Os apelantes não desconheciam, sequer podiam (ou podem) desconhecer que a força plena de que beneficiam as certidões prediais e matriciais atinentes a esses dois prédios não se estende à área, limites e confrontações constantes dessas certidões.
Os apelantes também não desconheciam que as áreas, limites e confrontações que constam das certidões prediais e matriciais, frequentes vezes, não têm correspondência com a verdade, como de resto, em função da alegação dos apelantes explanada na petição inicial, será o caso em relação a esses dois prédios.
Com efeito, de acordo com o teor da certidão predial do prédio em cuja compra e venda os apelantes pretendem preferir (prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../…) e na certidão matricial deste (inscrito na matriz rústica sob o art. ...) consta que esse prédio tem uma área de escassos 0,0375 hectares, ou seja, 375m2, e que, por conseguinte, é bem distinta dos 602 m2 de área que os mesmos alegam na petição inicial como sendo a área desse prédio e que é também a que vem mencionada como sendo a área desse prédio nos levantamentos topográficos que juntaram aos autos (levantamentos topográficos esses, impugnados pelos apelados na contestação).
Por sua vez, na certidão predial do prédio rústico propriedade dos apelantes (prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 2019/...) e, bem assim na matricial (inscrito na matriz rústica sob o art. ...º), consta que este tem uma área de escassos de 810m2, ou seja, também ela bem distinta da área de 1.295m2 que alegam na petição inicial.
Acresce que os apelantes não desconheciam, sequer podem desconhecer, que na escritura de compra e venda celebrada entre os apelados em 20/07/2018, os prédios objeto desse negócio (prédios identificados nas als. a), b) e c) do ponto 1º dos factos provados), do qual não faz parte o prédio propriedade dos próprios apelantes (identificado no ponto 3º dos factos provados), são identificados por referência às respetivas descrições prediais e matriciais, pelo que essa escritura nenhuma valia pode ter para efeitos de apuramento da área do prédio em cuja compra e venda pretendem preferir (prédio identificado no ponto 1º, al. c) dos factos provados) e, muito menos, da área do prédio de que eles próprios, apelantes, são proprietários (prédio identificado no ponto 3º dos factos provados), que nem sequer é objeto desse negócio, sequer sobre se os prédios objeto dessa escritura pública de compra e venda são ou não contíguos.
Os apelantes também não desconheciam que nas certidões atinentes aos mapas referentes ao PDM de …, juntas aos autos pelos apelados em 21/01/2019, não se encontram individualizados os mencionados prédios, pelo que da análise desses documentos não é possível extrair, com a mínima segurança necessária, qual a área desses prédios, sequer se os prédios objeto da escritura de compra e venda de 20/07/2018 são ou não contíguos, contiguidade essa que, relembra-se, foi alegada pelos apelados e impugnada pelos próprios apelantes.
Pois bem, sabendo os apelantes, em face do que se vem dizendo, que tinham de fazer a prova das áreas alegadas em relação a esses dois prédios, mediante recurso a outra prova suplementar, que corroborasse ou não a sua alegação, analisada toda a prova documental junta aos autos, verifica-se que, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, do teor das mapas do PDM juntos aos autos pelos apelados e demais prova documental junta aos mesmos, não é possível, com um mínimo de segurança, apurar as áreas desses dois prédios.
Por sua vez, tendo procedido à audição integral dos depoimentos de parte prestados pelos próprios apelantes em audiência final e de toda a prova testemunhal aí produzida, verificamos que ninguém, mas absolutamente ninguém, se pronunciou quanto à área desses dois prédios, não tendo sequer as testemunhas ou os apelantes (em sede de declarações de parte) sido questionadas pelos ilustres mandatários das partes sobre essa concreta facticidade, pelo que naturalmente, não tendo a ilustre mandatária dos apelantes questionado aquelas testemunhas e os apelantes sobre essas áreas dos prédios, apesar destes seus constituintes se encontrarem onerados com essa prova, certamente é porque essas testemunhas e partes desconheciam essas concretas áreas dos prédios uma vez que, caso assim não fosse, certamente que aquela os teria questionado sobre essa matéria, já que nada legitimava a quem quer que fosse, incluindo à Meritíssima Senhora Juiz que presidiu à audiência final, que partisse do pressuposto que na base desse seu silêncio estivesse uma qualquer falta de diligência da ilustre mandatária, designadamente, esquecimento, no cumprimento do mandato que lhe foi conferido pelos apelantes, pelo que naturalmente que a Meritíssima Juiz do tribunal a quo se absteve de questionar as partes e as testemunhas sobre as áreas dos identificados prédios, sem que daqui se possa concluir pela existência de qualquer violação do princípio do inquisitório a que se encontra subordinada.
E não havendo nesse procedimento da Senhora Juiz, em relação aos depoimentos de partes prestados pelos apelantes em audiência final e às testemunhas que aí depuseram, qualquer violação do princípio do inquisitório e não tendo os apelantes, ao longo dos seus depoimentos de parte, sequer as testemunhas que aí depuseram aludido à existência de qualquer terceiro que pudesse esclarecer qual a concreta áreas dos dois prédios (matéria sobre a qual, reafirma-se, não se pronunciaram, sequer foram inquiridas) e não constando dos levantamentos topográficos juntos pelos apelantes, em anexo à petição inicial, o nome do autor desses levantamentos, por forma a que eventualmente pudesse ser convocado perante o tribunal para que pudesse esclarecer com critérios procedeu à identificação e à delimitação do prédio objeto da preferência que consta desses levantamentos e como, consequentemente, chegou à conclusão que esse prédio tem a área que neles indica de 602 m2, naturalmente que não se vislumbra qualquer entorse ao princípio do inquisitório por parte da 1ª Instância, uma vez que não se descortina que concreta diligência ou diligências de prova podia esta realizar com vista ao apuramento das áreas desses dois prédios (prédio objeto da preferência a que se reportam os autos – identificado no ponto 1º, al. c) dos factos provados – e do propriedade dos apelantes – identificado no ponto 3º dos factos provados).
De resto, dir-se-á que ainda dos levantamento topográficos juntos aos autos pelos apelantes, em anexo à petição inicial, constasse o nome do autor desses levantamentos (o que não é o caso), a convocação oficiosa desse autor pelo tribunal para ser questionada quanto àquela concreta facticidade (áreas do prédio em que os apelantes pretendem preferir e daquele que são proprietários), não configuraria, em face do que se vem dizendo, um exercício legitimo do princípio do inquisitório por parte da 1ª Instância, mas antes uma superação da falta de diligência dos apelantes, que não cuidaram, dentro do prazo legal, em arrolar prova testemunhal ou outros elementos de prova tendentes a provar a área desses dois prédios ou em aditar esses meios de prova dentro do prazo legal estipulado para alterar o requerimento de prova que tinham apresentado em sede de petição inicial – na audiência prévia (art. 598º, n.º 1 do CPC) -, com quebra manifesta pelo tribunal a quo dos princípios do dispositivo, da igualdade das partes e da imparcialidade a que se encontra adstrito.
Resta a facticidade julgada não provada na al. c) dos factos não provados na sentença.
Como referido, essa facticidade foi alegada pelos próprios apelados na contestação e foram os apelantes quem a impugnaram no art. 1º da réplica.
Quanto ao prédio identificado no ponto 1º, al. a) dos factos provados (prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../...0505) e na al. b) desse ponto 1º (descrito na mesma Conservatória sob o n.º .../...0505), prédios esses que conjuntamente com o prédio identificado na al. c) desse ponto 1º (prédio que os apelantes pretendem preferir) foram objeto da compra e venda celebrada entre os apelados em 20/07/2018, apenas se encontram juntas aos autos as certidões prediais referentes a esses dois prédios.
Conforme já referido, as áreas, limites e confrontações que constam descritas nas certidões prediais e matriciais, não gozam da força probatória plena inerente a essas certidões.
Acresce que as áreas, limites e confrontações que se encontram descritas nas certidões prediais e matriciais, frequentes vezes, estão incorretas (quer porque nunca estiveram conformes à verdade ontológica, quer porque, fruto de desanexações do prédio entretanto ocorridas, vendas, partilhas, etc., desse mesmo prédio e/ou dos confinantes, apesar de inicialmente estarem conformes à verdade, entretanto deixaram de o estar).
A única testemunha que referiu que esses dois prédios, descritos na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs ... e ... (de que a 3ª Ré mulher, M. M., era já comproprietária à data da celebração, em 20/07/2018, da escritura pública de compra e venda objeto dos autos, de 3/48 partes indivisas desses dois prédios, por partilhas, limitando-se através dessa escritura pública de compra e venda objeto dos autos, os 3ºs Réus a adquirir mais 144/608 indivisos sobre esses prédios, por compra efetuada a A. L. e C. L. – cfr. ap. 1661, de 23/07/201/608) é contiguo ao prédio que os apelantes pretendem preferir (descrito na CRP sob o n.º ... e inscrito na matriz rústica sob o art. ...º), foi J. L., pai da 3ª Ré-mulher, sogro do 3º Réu marido e tio dos 1ºs e 2º Réus, que, a dado momento do seu depoimento, referiu que “os três artigos são todos ligados”.
Ponderando, no entanto, que os apelantes não foram questionados, em sede de declarações de parte, a propósito dessa facticidade, o mesmo acontecendo em relação às restantes testemunhas que depuseram em audiência final e tendo em consideração as relações familiares estreitas que intercedem entre a testemunha J. L. e os Réus, que foram quem, relembra-se, em sede de contestação, afirmaram essa contiguidade entre todos os prédios objeto da compra e venda celebrada entre os apelados em 20/07/2018, contiguidade essa, que relembra-se, foi impugnada pelos apelantes em sede de réplica, não se vê que outra solução não restasse ao tribunal a quo que não fosse concluir que o depoimento testemunhal isolado de J. L. era insuficiente para concluir pela prova dessa contiguidade entre prédios e, bem assim que ao concluir pela não prova dessa facticidade tivesse incorrido na violação do princípio do contraditório, até porque, reafirma-se, foram os ora apelantes quem impugnaram essa contiguidade entre os três prédios objeto da escritura pública de compra e venda de 20/07/2008 e os apelados não cuidaram em carrear para os autos elementos de prova que corroborasse essa sua versão dos factos, sequer questionaram os apelantes e as testemunhas, aquando da sua inquirição em sede de audiência final sobre essa concreta matéria, tendo J. L. afirmado essa contiguidade entre os três prédios objeto da escritura pública de compra e venda de 20/07/2018, quando estava a ser questionado sobre outros factos e quando estava a responder a esses últimos factos.
Resulta do exposto que ao concluir pela não prova da facticidade das alíneas a), b) e j) dos factos não provados na sentença, a 1ª Instância não incorreu em qualquer violação do princípio do dispositivo, improcedendo este fundamento de recurso invocado pelos apelantes.

B.3- Impugnação do julgamento da matéria de facto.

Os apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade julgada provada na sentença recorrida nos pontos 7º, 10º, 11º, 12º e 16º e quanto à nela julgada não provada nas alíneas a), b) e j), pretendendo que uma vez reapreciada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova da facticidade julgada provada nos pontos 7º, 10º e 11º e, bem assim que se conclua pela prova da nela julgada como não provada nas alíneas a), b) e j).

B.3.1- Impugnação do julgamento da matéria de facto quanto à facticidade das alíneas a), b) e j) dos factos julgados não provados.
Quanto à impugnação da facticidade julgada não provada nas alíneas a), b) e j), já nos pronunciamos supra no sentido da improcedência dessa impugnação.
Na verdade, as certidões prediais e matriciais dos prédios juntas aos autos são insuficientes, pelas razões já explanadas, para que se possa concluir pela prova dessa concreta facticidade, além de que o teor dessas certidões prediais e matriciais nem sequer confirmam, no caso, as áreas dos prédios que se deram como não provadas nas identificadas alíneas a) e b) dos factos não provados.
Os levantamentos topográficos juntos aos autos pelos apelantes em anexo à petição inicial, foram impugnados pelos apelados.
A restante prova documental junta aos autos não permite aferir as áreas desses prédios, sequer a contiguidade dos prédios objeto da escritura pública celebrada em 20/07/2018.
Nenhuma testemunha, sequer os apelantes, se pronunciaram, em audiência final, quanto a essas áreas, sequer quanto à contiguidade dos prédios objeto da escritura de compra e venda celebrada entre os apelados em 20/07/2018, com exceção de J. L., pai da 3ª apelada-mulher, genro do 3º apelado marido e tio dos 1ºs e 2º apelados, que afirmou a contiguidade desses prédios, mas que pelas razões já enunciadas, não permite concluir pela prova dessa contiguidade, quando esta foi impugnada pelos próprios apelantes em sede de réplica.
Destarte, improcede a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes relativamente à facticidade julgada não provada nas alíneas a), b) e j) dos factos não provados na sentença sob sindicância, que assim se mantém inalterada.

B.3.2- Impugnação do julgamento da matéria de facto quanto à facticidade dos pontos 7º, 10º, 11º, 12º e 16 dos factos julgados provados na sentença – incumprimento dos ónus impugnatórios quanto aos pontos 12º e 16º.
A propósito da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes quanto à facticidade julgada provada nos pontos 7º, 10º, 11º, 12º e 16º da sentença, coloca-se a questão prévia de se saber se os mesmos cumpriram com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, em particular em relação à facticidade julgada provada nos pontos 12º e 16º.
A esse respeito, incumbe referir que na sequência das alterações legislativas introduzidas ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de julgamento da matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.
Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal da Relação realize um novo julgamento em relação à matéria de facto impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estabelecido no art. 662º, n.º 1 do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, quando estabelece que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (12).
Deste modo é que perante as regras positivas vigentes na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, o Tribunal da Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelo recorrente, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como faz o juiz da primeira instância, embora, nessa tarefa, esteja naturalmente limitada pelos princípios da imediação e da oralidade.
Nesse novo julgamento, como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil) e que, por isso, se encontra subtraída ao princípio da livre apreciação da prova, mas antes a prova tarifada, em que o tribunal tem de julgar a matéria de facto de acordo com as regras de direito probatório material, sem qualquer margem de subjetivismo.
Nessa sua livre apreciação o tribunal da Relação não está condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª Instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo, na formação dessa sua convicção autónoma recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (13).
No entanto, incumbe precisar que apesar da Relação dever efetuar um novo julgamento em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª instância, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar por aquela se transformasse na repetição do efetuado na 1ª Instância, uma vez que conforme se escreve no Preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas apenas “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento”.
Daí que o legislador tenha rodeado o recurso da impugnação do julgamento da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC, com vista a obstar que o julgamento a realizar se transformasse na repetição do antes efetuado em 1ª Instância e evitar recursos genéricos.
É assim que com vista a atingir esses desideratos, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (14), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Depois, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da autorresponsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclama que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento diverso que postula, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.
Na verdade, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivo (15), e como decorrência desse princípio, mas também do contraditório, terá o recorrente de indicar qual a concreta decisão fáctica que se impõe extrair da prova produzida em relação à matéria de facto que impugna, as concretas provas que alicerçam esse julgamento diverso que propugna e as concretas razões pelas quais essa prova em que funda o recurso afasta os fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo para motivar o julgamento de facto que realizou, mas antes impõe o propugnado pelo recorrente.
Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).
Precise-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna. E é entendimento jurisprudencial maioritário que, nas conclusões, o recorrente tem, também, de indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada à matéria de facto que impugna.
Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.
Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (16), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação (segundo a posição maioritária do STJ, nas conclusões), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.
O cumprimento dos referidos ónus, conforme adverte Abrantes Geraldes, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, uma vez que só na medida em que se conhece especificamente o que se encontra impugnado e qual a lógica de raciocínio expandido pelo recorrente na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita o recorrido de todos os elementos que lhe permitam contrariar essa impugnação em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (17).
Como consequência, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação (segundo a posição maioritária do STJ, nas conclusões), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (18).
Esta posição tem sido a que tem sido seguida, de forma praticamente uniforme, pela jurisprudência do STJ, que, como referido, tem sustentado, de forma maioritária, que a decisão que, na perspetiva do apelante, deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto que impugna, deve, também, constar das conclusões (19).
Assente nas mencionadas premissas, compulsadas as alegações de recurso apresentadas pelos apelantes, verificamos que os mesmos cumpriram com os mencionados ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 7º, 10º e 11º, na medida em que indicam, em sede de conclusões, os concretos pontos da matéria de facto que impugnam e a concreta resposta que deve incidir sobre essa facticidade (a de não provada) e, bem assim, em sede de motivação, indicam os concretos fundamentos probatórios que, na sua perspetiva, suportam esse julgamento de não provado que postulam, fazendo uma análise crítica destes.
No entanto, os apelantes já não cumpriram com esses ónus impugnatórios em relação à facticidade julgada provada nos pontos 12º e 16º da sentença, na medida em que, em sede de conclusões (e também, das antecedentes motivações de recurso), limitam-se a afirmar impugnarem a facticidade julgada provada nos pontos 12º e 16º, mas não indicam, quer em sede de conclusões, sequer em sede de motivações de recurso, qual a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve recair sobre a mesma, com o que incumpriram o ónus de impugnação primário enunciado na al. c), do n.º 1 do art. 640º do CPC.
Os apelantes não identificam os concretos meios de prova em que fundam a impugnação do julgamento da matéria de facto julgada provada nesses pontos 12º e 16º, sequer demonstram o porquê desses eventuais meios de prova (não identificados) imporem julgamento diverso do realizado pela 1ª Instância (não identificando, reafirma-se, sequer a resposta que devia recair sobre essa facticidade), com o que igualmente incumpriram o ónus impugnatório primário do julgamento da matéria de facto da al. b), do n.º 1 do art. 640º do CPC.
Precise-se, aliás, que em sede de motivação de recurso e de conclusões os apelantes limitaram-se a afirmar impugnarem o julgamento da matéria de facto julgada provada nos pontos 7º, 10º, 11º, 12º e 16º da sentença, assim como na nela julgada não provada nas alíneas a), b) e j), mas apenas se debruçaram sobre esta última e sobre a facticidade julgada provada nos pontos 7º, 10º e 11º.
Quanto à facticidade julgada provada nos pontos 12º e 16º, com exceção daquela afirmação de que impugnam o julgamento realizado pela 1ª Instância quanto à mesma, os apelantes omitem qualquer outra referência ao longo da motivação e das conclusões de recurso, não cumprindo, pois, os ónus a que se encontram subordinados, previstos nas als. b) e c), do n.º 1 do art. 640º do CPC, o que impõe a rejeição do recurso quanto a essa concreta facticidade.
Nesta conformidade, rejeita-se o presente recurso quanto à impugnação pelos apelantes do julgamento da matéria de facto relativamente à facticidade julgada provada nos pontos 12º e 16º dos factos julgados provados na sentença sob sindicância.

B.3.2.1- Conhecimento dos apelantes que o prédio estava à venda em vida do anteproprietário deste, J. A., e desinteresse dos apelantes em comprá-lo – Ponto 7º dos factos provados na sentença.

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:

6) Os prédios identificados em 1) e partes alíquotas estiveram à venda durante, pelo menos, 10 anos, ainda em vida do seu anterior proprietário, J. A., pai dos réus A. L. e C. L., pelo preço de cerca de € 50.000,00.
7) Os autores eram sabedores da disponibilidade de venda acima mencionada em 6) – não 5), conforme por evidente erro de escrita se escreve na sentença recorrida -, nunca tendo, então, manifestado interesse em adquirir tais prédios”.

E fundamentou este julgamento positivo nos seguintes termos:
“A decisão sobre a matéria de facto teve por base, na sua globalidade, a não oposição dos réus quanto à matéria alegada pelos autores, em conjugação com a análise crítica e global dos documentos juntos aos autos e com a prova por depoimento de parte dos autores e testemunhal produzida em sede de audiência final.
(…)
A demonstração dos factos constantes em 6), 7), 8) e 13) resultou também inequívoca em face da sua assunção pelos autores, em sede de depoimento de parte (cfr. assentadas contantes da ata de fls. 94 a 97)”.
Os apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto constante do mencionado ponto 7º, argumentando que “o que ficou provado como consta da ata de audiência de discussão e julgamento, no que concerne ao depoimento de parte dos autores é que, os recorrentes em vida do anterior proprietário, J. M., não se quiseram opor aos interesses dos seus (dos autores) familiares, também estes interessados no prédio, daí não terem nessa altura interesse. As restantes testemunhas nada acrescentaram sobre este assunto, entendendo-se que inclusivamente a motivação neste ponto é nula, pois indica de forma demasiado vaga e genérica que meios de prova é que estiveram subjacentes a cada ponto dado como provado”.
Antes de mais há que precisar que embora os apelantes aleguem que a fundamentação da matéria de facto é nula, por indicar “de forma demasiado vaga e genérica os meios de prova que estiveram subjacentes a cada ponto dado como provado”, apesar de não reconduzirem essa pretensa nulidade a nenhum dos vícios determinativos de invalidade da sentença que se encontram taxativamente elencados no art. 615º, n.º 1 do CPC, impõe-se referir que caso lhes assistisse razão na referida crítica que assacam à motivação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, não se estaria efetivamente perante nenhum desses vícios determinativos de nulidade da sentença, nomeadamente, por falta de fundamentação (este previsto na al. b), do n.º 1 do art. 615º), mas apenas perante o vício da insuficiente fundamentação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância.
Acontece que esse pretenso vício decorrente de alegadamente o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância não se encontrar suficientemente fundamentado/motivado, não é determinativo da nulidade da sentença recorrida, mas apenas determinaria que o tribunal ad quem, nos termos da al. d), do n.º 1 do art. 662º do CPC, tivesse de remeter os autos à 1ª Instância para que fundamentasse devidamente esse julgamento de facto que realizou, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Porém, com o devido respeito por entendimento contrário, não sufragamos o entendimento que, no caso, ocorra sequer o mencionado vício da insuficiente fundamentação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, posto que se é certo que estamos perante uma fundamentação enxuta, direta e objetiva, a mesma permite perfeitamente a qualquer observador externo médio apreender quais os concretos elementos de prova em que assentou o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e as concretas razões que estiveram subjacente à valoração desses elementos de prova e a concluir pela prova ou não prova da facticidade que estava em julgamento.
Aliás, prova evidente de que assim é, aponta-se a circunstância do teor das alegações de recurso apresentadas pelos apelantes ser bem demonstrativo que estes apreenderam cabalmente os elementos de prova em que a 1ª Instância fundamentou o julgamento da matéria de facto que realizou em relação à matéria de facto que impugnam e, bem assim as concretas razões que subjazem a esse julgamento de facto, tanto assim que sindicam-no e atacam os fundamentos probatórios e as razões invocadas pela 1ª Instância para concluir pela prova ou não prova dessa facticidade que vem por eles impugnada.
Posto isto, no que respeita à facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 7º dos factos provados na sentença, conforme resulta da fundamentação desse julgamento, esse julgamento de provado assentou nos depoimentos prestados pelas testemunhas e na circunstância dessa facticidade ter sido corroborada pelos próprios apelantes em sede de depoimento de parte prestados na audiência final.
Como referido, procedemos à audição integral da prova pessoal produzida em audiência final e verificamos que a testemunha M. I., cunhada dos Autores, confirmou que os prédios objeto da compra e venda efetuada entre os apelados por escritura pública de 20/07/2018, esteve à venda; também a testemunha P. A., primo dos 1ºs e 2º Réus, irmão da 3ª Ré-mulher e cunhado do 3º Réu-marido, referiu que o anteproprietário dos prédios, J. A., teve esses prédios à venda durante vários anos; igualmente, a testemunha L. M., irmão do Autor marido e cunhado da Autora mulher, confirmou que J. A. “queria vender o terreno” e especificou que, inclusivamente, este recorreu a uma imobiliária para proceder a essa venda, chegando mesmo o J. A. a efetuar um “leilão no terreno”, mas não existiam interessados porque este “pedia um valor muito elevado”; também D. C., que conhece os Autores e os 3ºs Réus, por serem naturais da mesma freguesia e que efetuou trabalhos de carpinteiro para os Autores, quer na propriedade destes, sita em Portugal, quer na sita em França, confirmou que esse terreno estava à venda, não porque o depoente tivesse conhecimento direto desse facto, mas porque o Autor-marido lho referiu, dizendo-lhe que “o dono pedia um preço exorbitante”; já a testemunha J. L., pai da 3ª Ré mulher, sogro do 3º Réu marido e tido dos 1ºs e 2º Réus, também confirmou que o J. A. teve os prédios à venda durante cerca de 15 anos, tendo, inclusivamente, colocado neles uma placa publicitando que “o terreno estava à venda”.
Passando ao depoimento de parte prestado pela apelante mulher (Autora) M. S., esta confirmou que o anteproprietário dos prédios (pessoa que afirma não ter chegado a conhecer pessoalmente) tinha aqueles à venda, relatando, inclusivamente, que a própria chegou a ver “no terreno uma placa” publicitando que este estava à venda; afirmou que o seu marido sempre “quis comprar o terreno”, mas não chegou a comprá-lo porque “o J. P. queria muito dinheiro”.
Por sua vez, em sede de depoimento de parte, o Autor-marido confirmou que o J. A. teve “o prédio à venda durante muito tempo, talvez 2 ou 3 anos”, relatando que o J. A. “pedia um valor bastante elevado – pedia 50.000,00 euros” e que “por isso, ele não teve interesse”. Mais referiu que o mesmo “nunca se quis opor a eles”, concretizando, ao seu irmão e cunhado, que também estavam interessados na compra dos prédios”. Pretendeu que com visse que esse seu irmão e cunhado não estavam interessados em comprar os prédios pelo preço que o J. A. pedia (50.000,00 euros), disse-lhes, já depois da morte do J. A., que caso vissem os filhos do J. A. para lhes comunicar que “ele estava interessado”.
Deste modo, resulta do cotejo dos elementos de prova acabados de enunciar que o prédio identificado no ponto 1º, al. c) dos factos provados e os direitos indivisos sobre os prédios identificados no ponto 1º, als. a) e b) dos factos provado, objeto da compra e venda celebrado em 20/07/2018, entre os 1ºs e 2º apelados, enquanto vendedores, e os 3ºs apelados, estes enquanto compradores, estiveram efetivamente à venda pelo anteproprietário desses prédios, J. A., durante vários anos, pelo preço de 50.000,00 euros, o qual, inclusivamente, teve uma placa afixada nos prédios anunciando que estes se encontravam à venda e acabou por recorrer a uma imobiliário para lhe granjear comprador pelo preço que pedia, venda essa que se frustrou porque não exista interessado em comprar-lhe esse prédio e os direitos indivisos pelo mencionado preço de 50.000,00 euros, facticidade essa que se encontra julgada provada no ponto 6º dos factos provados na sentença, que não é impugnado pelos apelantes e que, por isso, se encontra transitada em julgado.
Quanto ao interesse dos apelantes na aquisição do prédio identificado no ponto 1º, al. c) dos factos provados (em cuja compra e venda pretendem agora preferir) e dos direitos indivisos sob os prédios identificados nas alíneas a) e b) desse ponto 1º dos factos provados, e manifestação desse interesse, é facto incontroverso e incontrovertível que os apelantes nunca manifestaram interesse em comprar esse prédio e direitos indivisos, sequer manifestaram esse interesse, quer porque J. A. pedisse um preço (50.000,00 euros) que os apelantes consideravam ser exorbitante pela respetiva venda, quer porque os apelantes tinham conhecimento que o irmão e cunhado do apelante marido também tinha interesse na aquisição desse prédio e direitos indivisos e não pretendiam concorrer com os mesmos nessa aquisição – é isto que foi declarado pelo apelante-marido em sede de depoimento de parte.
É certo que a testemunha L. M. afirma que os apelantes tinham interesse em comprar esses prédios (isto é, o prédio identificado no ponto 1º, al. c) dos factos provados e os direitos indivisos que J. A. tinha sobre os prédios identificados nas alíneas a) e b) desse ponto 1º dos factos provados, objeto daquele compra e venda celebrado entre os apelados em 20/07/2018).
Também, os apelantes afirmaram terem interesse nessa aquisição em sede de depoimentos de parte prestados em audiência final, onde a apelante-mulher afirma que o marido sempre quis comprar os prédios, só não os tendo comprado porque o J. A. “queria muito dinheiro”, indo no mesmo sentido o depoimento de parte do apelante marido, J. P., o qual referiu que sempre quis comprar os prédios, mas que não tinha interesse porque o “J. A. pedia um valor bastante elevado – pedia 50.000,00 euros – e que, por isso, ele não teve interesse” e também porque “nunca se quis opor a eles”, acabando por concretizar que “eles” são o irmão e o cunhado, que também estavam interessados na compra dos prédios e pretendeu, inclusivamente que, “como visse que o irmão e o cunhado não estavam interessados em comprar (o prédio e os direitos indivisos objeto da compra e venda de 20/07/2018) pelos valores”, isto é, pelos 50.000,00 euros, falou ao irmão e ao cunhado que caso “vissem os filhos do J. A., para lhes dizer que ele estava interessado”, o que naturalmente não merece o nosso convencimento à luz das regras da experiência comum, assim como não colheu o da 1ª Instância.
Com efeito, se o apelante marido não estava interessado em criar conflitos com o irmão e o cunhado, pessoas que também estavam interessadas na compra do prédio e dos direitos indivisos, e se aquele, conforme afirma, também não estava interessado em comprar o prédio e os direitos indivisos objeto da compra e venda celebrada entre os apelados em 20/07/2018, pelos 50.000,00 euros que eram pedidos pelo J. A., das duas uma: ou não é verdade que o apelante marido teve semelhante conversa para com o seu o seu irmão e cunhado, a quem pretensamente, já depois da morte do J. A., terá comunicado que caso vissem os filhos do J. A. para lhes comunicar “que ele estava interessado”, dando assim a entender a esse seu irmão e cunhado que estava interessado na compra do prédio e dos direitos indivisos por 50.000,00 euros, que eram pedidos pela venda dos mesmos em vida do J. A., até porque é o próprio apelante marido que afirma que teve essa pretensa conversa com o irmão e cunhado quando viu que estes últimos não estavam “interessados em comprar pelos valores” (isto é, pelos 50.000,00 euros) - mas, concluímos nós, o seu irmão e cunhados estariam naturalmente interessados na compra desse prédio e direitos indivisos por um preço inferior aos apontados 50.000,00 euros, mas nessa hipótese choca-se necessária e frontalmente com a afirmação do próprio apelante marido quando diz que “não tinha interesse” na compra “pelos 50.000,00 euros”, ou então o apelante-marido teve efetivamente essa conversa para com o seu irmão e cunhado, pedindo-lhes que caso “vissem os filhos do J. A. para lhes dizer que ele estava interessado”, dando a entender a esse seu irmão e cunhado que ele estaria interessado em comprar o prédio e os direitos indivisos pelo peço de 50.000,00 euros, quando assim não era, e choca-se necessariamente com a afirmação do próprio apelante marido quando afirma que “ele não se quis opor a eles” – irmão e cunhado -, que “também estavam interessados na compra dos prédios”, isto é, não queria concorrer com aqueles na compra para, evidentemente, não arranjar melindres familiares com os mesmos.
Ora, porque assim é, à luz das regras da experiência comum não colhe a versão dos factos apresentada pelo apelante marido quando pretende ter tido a mencionada conversa para com o seu irmão e cunhado, mas antes, confessando o mesmo que nunca teve interesse em comprar o prédio e os direitos indivisos objeto da compra e venda de 20/07/2018 pelo preço de 50.000,00 euros que era pedido pelo J. A. e porque também não pretendia fazer concorrência ao irmão e ao cunhado na aquisição daqueles, pessoas que tinham interesse em comprar os mesmos (naturalmente, por um preço inferior os referidos 50.000,00 euros), a única a ilação que é possível extrair dos depoimentos de parte e da restante prova produzida, é que nunca os apelantes manifestaram interesse na compra do mencionado prédio e direitos indivisos porque o preço pedido pelo J. A. era elevado e porque ainda que este último aceitasse vender o prédio e aqueles direitos indivisos por preço inferior aos apontados 50.000,00 euros, os apelantes não tinham interesse nessa compra porque (independentemente do seu desejo interno em os adquirir, mas nunca exteriorizado) o irmão e o cunhado do apelante-marido estavam interessados nessa aquisição e os apelantes, independentemente do seu interesse subjetivo e interno, não exteriorizado, não pretendiam concorrer com os mesmos nessa compra, vindo apenas os apelantes a manifestarem esse interesse pela aquisição do prédio e dos direitos indivisos quando tomaram conhecimento que quem os comprou não foi a final o irmão e/ou o cunhado do apelante marido, mas sim os 3ºs Réus, na sequência do telefonema que o 3º Réu marido fez ao apelante marido, comunicando-lhe que pretendia comprar aos apelantes um prédio propriedade destes, acabando por comunicar ao 3º Réu marido que tinha comprado o prédio objeto da preferência e os direitos indivisos, numa altura em que a compra e venda ainda não se encontrava formalizada.
Deste modo, resulta do que se vem dizendo que, longe da prova produzida impor que se conclua pela não prova da facticidade julgada provada no ponto 7º dos factos provados na sentença, a prova da identificada facticidade tem pleno e cabal assento na prova produzida.
Termos em que improcede este fundamento de recurso, mantendo-se inalterada a facticidade julgada provada no ponto 7º dos factos provados na sentença sob sindicância.

B.3.2.2- Intenção com que os 3ºs Réus compraram o prédio e conhecimento dessa intenção pelos apelantes – Pontos 10º e 11º dos factos provados na sentença.

Os apelantes impugnam a facticidade julgada provada nos pontos 10º e 11º da sentença recorrida, aduzindo os seguintes argumentos: a motivação com que os 3ºs Réus adquiriram os prédios tem “que se verificar à data da aquisição e, além disso, tem que ser possível no momento da aquisição e, consequentemente, os adquirentes têm de ter consciência e conhecimento disso”; acontece que “como provam os documentos juntos aos autos pelos próprios réus, à data da aquisição, nenhuma intenção podia existir de destinar a parcela a outro fim que não o cultivo, pela simples questão que nada sabiam sobre essa possibilidade”, não podendo “elementos pedidos subsequentemente sobre a legalidade física, real e legal provar um estado subjetivo anterior, até porque, tais requisitos de possibilidade têm que se verificar à data da aquisição, só assim podem ser considerados factos idóneos a impedir a constituição do direito de preferência”; no caso, “a) a aquisição é de 20 de julho de 2018; b) o contrato de arrendamento de 31 de agosto de 2018 (além de realizado com a sociedade da qual o terceiro réu é gerente) sem saber se o fim indicado – estaleiro – é possível e lícito; c) o pedido de licença apenas em janeiro de 2019 dá entrada na entidade camarária, isto após citação para os presentes autos”, pelo que “como provam os documentos juntos aos autos pelos próprios réus, à data da aquisição nenhuma intenção podia existir de destinar a parcela a outro fim que não o cultivo, pela simples questão que nada sabiam sobre essa possibilidade, não podendo elementos pedidos subsequentemente sobre a legalidade física, real e legal provar um estado subjetivo anterior. O que sucede supervenientemente já não releva como facto impeditivo (…), nenhum meio de prova sustenta que à data da aquisição, 20 de julho de 2018, os réus tinham em mente destinar o prédio ao estaleiro e que tal seria possível. Em sede de elemento interno (motivação, vontade, reserva mental) terá o julgador de lançar mão de outros elementos”.
A partir desses argumentos concluem os apelantes que ao julgar a mencionada facticidade como provada, a 1ª Instância violou o disposto no art.º 349º C. Civil, porquanto “a prova documental leva a uma presunção oposta” a que acresce o facto de “em lado algum, resultar provado que os autores sabiam que os terceiros réus adquiriram o prédio para instalar um estaleiro, não sendo isso que, inclusivamente, resultou do depoimento de parte, conforme consta da ata de audiência de julgamento do dia 2 de dezembro de 2019”.

Está em causa a facticidade julgada provada pela 1ª Instância, em que esta conclui pela prova dos seguintes factos:

“10) Os réus J. B. e M. M. adquiriram o prédio identificado em 1), alínea c), para aí instalar um estaleiro de apoio à atividade de construção civil, designadamente, para parquear equipamento e depositar materiais de construção utilizados na atividade de construção civil a que se dedica o réu J. B., através da sociedade F. C., Unipessoal, Lda., da qual é único sócio e gerente; 11) Facto que é do conhecimento dos autores”; e em que motivou essa prova nos termos que se seguem:

“A decisão sobre a matéria de facto teve por base, na sua globalidade, a não oposição dos réus quanto à matéria alegada pelos autores, em conjugação com a análise crítica e global dos documentos juntos aos autos e com a prova por depoimento de parte dos autores e testemunhal produzida em sede de audiência final.
(…) a decisão do Tribunal quanto aos factos insertos em 10) e 11) teve na sua base o depoimento de parte dos autores, em sede do qual expressamente admitiram tais factos, sem prejuízo de se ter também levado em consideração para a aquisição dos mesmos factos, o teor do documento junto a fls. 53 – verso a 54 (certidão permanente) e os depoimentos das testemunhas D. C., L. M., J. L., P. A., acima já identificados, e J. C., residente em ... e que referiu ter realizado, no verão de 2018 e a pedido do réu J. B., trabalhos de limpeza no terreno objeto destes autos, testemunhas estas que, de forma essencialmente conjugada entre si, confirmaram o concreto destino dado pelos réus J. B. e M. F. ao prédio em questão após a aquisição deste”.
Posto isto, analisados os argumentos impugnatórios aduzidos pelos apelantes em relação à matéria de facto julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 10º e 11º da sentença sob sindicância, prefigura-se-nos que os mesmos confundem o momento em que se têm de encontrar preenchidos os requisitos legais da exceção ao direito de preferência prevista na última parte da al. a) do art. 1381º, com os elementos de prova admissíveis a demonstrar o preenchimento desses requisitos integrativos da exceção.

Vejamos:
É sabido que o art. 1380º, n.º 1 do CC, ao estatuir que os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante, criou a favor de proprietários de prédios confinantes destinados à cultura, em que ambos ou um desses prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura fixada para a região, um direito legal de preferência no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento desses prédios a um terceiro, não proprietário de prédio confinante destinado à cultura.
À criação desse direito legal de preferência presidiram razões de interesse público, quais sejam a necessidade de aumentar a área das explorações agrícolas, com vista a aumentar a respetiva produtividade e consequente rentabilidade, mas também, razões de manutenção da estabilidade ecológica.
A afirmação desse direito legal de preferência de prédios aptos à cultura encontra-se dependente da alegação e prova dos seguintes requisitos legais cumulativos: a) que o preferente seja dono de um prédio confinante com o prédio transmitido; b) que ambos os prédios sejam aptos para a cultura; c) que um dos prédios (o confinante ou o transmitido) tenha uma área inferior à unidade de cultura; d) que qualquer dos proprietários desses prédios pretenda transmitir, por venda ou dação em cumprimento, o seu prédio a um terceiro, que não seja proprietário de prédio confinante destinado à cultura (20).
Também é sabido que esse direito legal de preferência é afastado, entre outras, nas situações enunciadas no art. 1381º, onde se conta a situação do adquirente que adquire o prédio destinado à cultura com o intuito de o destinar a um outro fim, que não a cultura, isto é, a um fim distinto da exploração agrícola ou florestal, mas antes para nele exercer uma atividade industrial ou comercial ou para nele construir (parte final da al. a), do art. 1380º do CC).
Trata-se de um facto impeditivo ao direito de preferência legal que se encontra previsto no art. 1380º, n.º 1 do CC, pelo que nos termos do disposto nos arts. 5º, n.º 1, 572º, al. c), 573º do CPC e 342º, n.º 2 do CC, quando seja instaurada ação de preferência, os Réus (transmitentes e/ou adquirentes do prédio sobre o qual os Autores pretendam exercer o seu pretenso direito legal de preferência sobre o prédio objeto da transmissão) terão não só de alegar os factos essenciais integrativos da exceção ao direito de preferência prevista na al. a) do art. 1381º do CC, como terão de provar esses factos integrativos dessa exceção.
Acresce que é pacífico na doutrina e na jurisprudência que para se verifique o mencionado facto impeditivo ao direito legal de preferência, não basta a alegação e prova pelos réus em como, no momento da aquisição, o adquirente adquiriu o prédio com a intenção de o destinar a um fim distinto da cultura, mas também, é necessário que aleguem e provem que, no momento da aquisição do prédio, a mudança de finalidade deste é física e legalmente possível.
Com efeito, conforme se escreve no acórdão do STJ de 19/02/2013, para efeitos da exceção do art. 1381º, al. a), o Réu (adquirente) “tem de provar não só a intenção de dar ao prédio diferente destino, como a possibilidade legal de concretização desse novo destino”, tendo essa prova de ser feita por referência ao momento da aquisição do prédio, porquanto “não se compreenderia que assim não fosse, uma vez que justificando-se a consagração do direito de preferência no art. 1380º, n.º 1 por razões de interesse público, não podiam essas razões serem contornadas com base em meras intenções declaradas e apenas remotas e hipoteticamente possíveis” (21).
Destarte, resulta do que se vem dizendo que estando-se, no caso do art. 1381º, al. a) do CC, perante um facto impeditivo ao direito legal de preferência, o transmitente e/ou adquirente do prédio onerado com o direito legal de preferência que se queiram prevalecer dessa exceção, não só terão de alegar os factos essenciais constitutivos dessa exceção (art. 5º, n.º 1 do CPC), como os terão de provar (art. 342º, n.º 1 do CC), factos constitutivos esses que se reconduzem à alegação e prova em como, no momento em que adquiriu o prédio destinado a cultura, o adquirente destinava-o a uma finalidade que não a cultura e, bem assim, que no momento dessa aquisição, essa mudança de finalidade do prédio era física e legalmente possível.
Quanto à intenção com que o adquirente adquiriu o prédio, conforme decorre dos arestos infra mencionados na nota 21, mas também do da Relação de Coimbra de 23/05/2017, Proc. 408/15.7T8lMG.C1, que os apelantes invocam na defesa da sua tese, mas que salvo o devido respeito por entendimento contrário, não a sustentam, a prova da mudança da finalidade com que o adquirente adquiriu o prédio, no momento da aquisição, é um facto do foro interno (psicológico) deste, que essa intenção pode ser provada através de qualquer meio de prova legalmente admissível.
No entanto, na indagação dessa intenção interna com que o adquirente adquiriu o prédio, à data da aquisição deste, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, assume especial relevância não só o comportamento de adquirente e transmitente do prédio antes da transmissão, como os comportamentos destes contemporaneamente a essa transmissão, como os por eles adotados, em particular, o adquirente, após essa transmissão, uma vez que esses comportamentos permitem naturalmente aferir da vontade interna com que o adquirente adquiriu o prédio no momento da transmissão.
Que assim é, basta pensar que destinando o adquirente o prédio à construção, é esperável que os transmitentes peçam um preço superior pela venda do prédio do que aquele que pediriam pela respetiva venda, caso o mesmo se destinasse à exploração agrícola ou florestal e que o adquirente se disponha a pagar-lhes esse preço superior; é esperável que transmitente e/ou adquirente indaguem da viabilidade (ou não) de no prédio ser construída (ou não) a edificação que o adquirente pretende nele erigir, quer analisando o PDM, quer pedindo essa informação à Câmara Municipal antes da celebração da escritura de aquisição do prédio; e é esperável que após a aquisição do prédio, o adquirente não o agriculte, mas antes dê início, em data próxima à aquisição, às operações materiais e jurídicas destinadas a concretizar a edificação para que o adquiriu.
Acresce que conforme se escreve naquele aresto da Relação de Coimbra, a intenção com o adquirente adquiriu o prédio, no momento da aquisição deste, “não pode resumir-se a um mero estado subjetivo” mas exige que exista “uma possibilidade real, física e legal, desse destino diferente da cultura do prédio” se verifique no momento da aquisição do prédio.
Daí que, como referido, para que transmitentes e/ou adquirentes do prédio se possam prevalecer do facto impeditivo previsto na última parte da al. a) do art. 1381º ao exercício do direito legal de preferência pelo titular desse direito, não basta àqueles a alegação e prova em como, no momento da aquisição, o adquirente adquiriu o prédio com a intenção de lhe dar um fim, que não a exploração agrícola ou florestal, mas antes outra finalidade, nomeadamente, com o fito de nele erigir um edifício e/ou de nele levar a cabo uma atividade industrial ou comercial, mas ainda é necessário que aleguem e provem que, no momento da aquisição do prédio, era legal e fisicamente possível ao adquirente dar ao prédio a finalidade para que o adquiriu.
Quanto à verificação deste último requisito, conforme se escreve no referido acórdão da Relação de Coimbra, “revela-se suficiente, inexistindo razões que ponham em causa a legalidade da pronúncia administrativa, a demonstração que a entidade administrativa competente para licenciar essa construção a autoriza”.
No entanto, contrariamente ao que parece ser o entendimento dos apelantes nas suas alegações de recurso, daqui não deriva que a prova da verificação desse requisito exija que, no momento da aquisição do prédio, já tenha de existir pronúncia da entidade administrativa competente para autorizar ou licenciar a mudança da finalidade do prédio, no sentido de permitir a mudança deste para a finalidade para que foi adquirido pelo adquirente, sequer é isso que, salvo melhor entendimento, se escreve no mencionado aresto da Relação de Coimbra, mas antes pelo contrário.
Com efeito, nesse aresto, a Relação de Coimbra debruça-se sobre um caso em que o adquirente comprou um prédio destinado a cultura com a finalidade de nele erigir uma casa para a habitação.
A Câmara Municipal apenas autorizou a edificação dessa casa de habitação numa unidade predial, formado por vários prédios, onde se contava o prédio destinado a cultura adquirido pelo adquirente com o fito de nele levar a cabo a edificação da mencionada casa de habitação.
Acontece que se apurou que o prédio destinado a cultura, comprado pelo adquirente com o fito de nele levar a cabo a construção dessa casa de habitação, foi por ele comprado em determinada data e só posteriormente a essa compra e venda, o último adquiriu os restantes prédios em que, conjuntamente com o primeiro, a Câmara Municipal autorizara a edificação da casa de habitação.
Nesse aresto, conclui-se (o que se subscreve integralmente) que à data da aquisição do prédio destinado a cultura, não era legalmente possível ao adquirente nele erigir a casa de habitação para cuja edificação comprara o prédio destinado a cultura, uma vez que só em data posterior a essa aquisição é que aquele veio a adquirir os restantes prédios necessários, de acordo com a Câmara Municipal, à edificação da casa de habitação, sendo nesse sentido (e não com o sentido interpretativo que lhes é emprestado pelos apelantes) que, nesse aresto se escreve que “o que suceda supervenientemente à constituição do direito já não releva para a verificação daquela causa impeditiva, uma vez que o direito (de preferência) já se constitui e integra a esfera jurídica do seu titular”.
Com efeito, para a verificação do mencionado segundo requisito da exceção apenas se exige que, no momento da aquisição do prédio, seja física e legalmente possível ao adquirente do prédio dar-lhe o destino para que o adquirira, e não que já tenha de existir pronúncia por parte da entidade administrativa competente, certificando essa viabilidade legal e física.
Deste modo, nos casos em que, no momento da aquisição do prédio destinado a cultura, o adquirente, designadamente, compre o prédio, com o fito de nele erigir uma edificação, o que releva é que, por referência ao momento da compra e venda do prédio, o mesmo alegue e prove ser física e legalmente possível edificar no prédio a construção que nele pretendia erigir e com cujo fito o comprou.
Note-se que no apuramento desse requisito, assumirá especial relevância a circunstância de posteriormente à aquisição do prédio, o adquirente solicitar a emissão de licença de construção para nele levar a cabo o intento para que adquirira o prédio e da Câmara Municipal a vir a autorizar, quando entre o momento dessa compra e venda e a emissão da licença de construção pela Câmara Municipal não ocorra qualquer alteração legislativa, posto que isso comprova, de per se, que no momento da compra e venda do prédio era, física e legalmente possível ao adquirente do prédio dar-lhe o fim para que o comprara (22).
Esclarecidos estes pontos, passando à análise da impugnação do julgamento da matéria de facto dos pontos 10º e 11º operada pelos apelantes, como já enunciado, procedemos à análise de toda a prova documental junta aos autos e à audição integral da prova pessoal produzida em audiência final.
Constatamos ser um facto que a escritura de compra e venda que teve por objeto o prédio em cuja compra e venda os apelantes pretendem preferir foi celebrada entre os apelados em 20/07/2018.
Também é uma facto que, na data da celebração da dita escritura de compra e venda e desde 27/09/2001, o 3º apelante marido, J. B., era o único sócio e gerente da sociedade “F. C. Unipessoal, Lda.”, sociedade essa que se dedica à construção civil (cfr. teor da certidão da matrícula dessa sociedade, junta em anexo à contestação), atividade essa a que se dedicava (e dedica) o 3º Réu marido, conforme é atestado unanimemente por todas as testemunhas que depuseram em audiência final, incluindo pelos próprios apelantes, em sede de depoimentos de parte.
É igualmente um facto que foi junto aos autos, em anexo à contestação, um contrato de arrendamento celebrado entre a identificada sociedade “F. C. Unipessoal, Lda.” e os aqui 3ºs Réus, datado de 31/08/2018 (ou seja, um mês e 12 dias após a celebração da escritura de compra e venda), em que os últimos declararam arrendar à referida sociedade, pelo prazo de 5 anos, com início em 01/09/2018, o prédio em que os apelantes pretendem preferir, para “funcionamento de um estaleiro, para parqueamento de equipamentos e materiais de construção civil a que se dedica a sociedade”.
É também um facto que a presente ação de preferência foi instaurada pelos apelantes em 23/11/2018 (cfr. petição inicial).
É ainda um facto que conforme teor da certidão junta as autos pelos apelados em 14/01/2020, o 3º Réu marido deu entrada, na Câmara Municipal ..., em 22/01/2019, de um pedido de licenciamento para o prédio em cuja compra e venda os apelantes pretendem preferir, pedido de licenciamento esse sobre o qual incidiu informação técnica nos termos da qual “a parcela de terreno está classificada na Planta de Ordenamento do PDM como aglomerado urbano não abrangido por plano de urbanização, onde, de acordo com o art. 38º do Regulamento do PDM é permitido o uso industrial e de armazenagem, desde que compatível com a atividade residencial. Não há qualquer condicionante associada” e onde se conclui “nestas condições é viável a utilização solicitada”.
Finalmente, na audiência prévia que teve lugar em 03/04/2019, os apelados juntaram aos autos certidão, onde se vê que por despacho de 27/03/2019, foi emitido alvará de licenciamento de ocupação do solo com estaleiro de depósito de materiais e equipamentos (não poluentes) de construção civil, emitido em nome do 3º apelado marido e para o prédio objeto da preferência.
Destarte, dir-se-á que apesar do pedido de licenciamento do estaleiro para o prédio objeto da preferência ter sido requerido junto da Câmara Municipal ... pelo 3º apelado marido já após a celebração da escritura pública em 20/07/2018 e de ter sido apresentado, inclusivamente, já após a citação dos apelados para os termos da presente ação, verificando-se que entre a data da celebração da escritura pública – 20/07/2018 – e a data do despacho de deferimento do pedido licenciamento do estaleiro – 27/03/2019 -, não ocorreu nenhuma alteração do PDM do concelho de Ponte de Lima, daqui deriva necessariamente que à data da aquisição do prédio objeto de preferência, em 20/07/2018, era física e legalmente possível ser instalado no mesmo o estaleiro de construção civil que nele foi efetivamente instalado, tanto assim, que pedido o licenciamento da instalação desse estaleiro no prédio este veio efetivamente a ser licenciado pela Câmara Municipal ... (cfr. ponto 16º dos factos provados na sentença, não impugnado).
Quanto à intenção com que os 3ºs apelados compraram esse prédio aos 1ºs e 2º apelados por escritura de compra e venda de 20/07/2018, como referido, ouvida a prova pessoal produzida em audiência final, confirma-se que a testemunha P. A. referiu que os 3ºs apelados compraram o prédio com a intenção de construírem nele um “estaleiro para a empresa” e que aqueles construíram efetivamente esse estaleiro, tendo lá acondicionada “areia, brita e carros da empresa”; P. A. concretizou que o 3ºs apelados compraram o prédio e que passado cerca de 15 dias/um mês após essa aquisição, começaram a terraplanar o terreno para a construção do dito estaleiro.
Por sua vez, a testemunha D. C. referiu há cerca de “um ano, ano e tal”, por referência à data em que prestou o seu depoimento em audiência final, passou pelo prédio e “viu lá um estaleiro”, tendo constatado que o chão do prédio se encontrava coberto por tout-venant.
Por sua vez, a testemunha J. L. referiu igualmente que no prédio existiam árvores de fruto e oliveiras e que o 3º apelado marido, seu genro, dedica-se à construção civil e que após a compra daquele, arrancou as árvores de fruto existentes no prédio, terraplanou-o, colocou o terreno ao mesmo nível, especificando, “porque tinha necessidade de um estaleiro e construiu lá (no prédio) um estaleiro”.
Também a testemunha J. C., confirmou o depoimento das testemunhas anteriores, referindo que no verão de 2018, a pedido do 3º Réu-marido efetuou trabalhos de limpeza no prédio.
Passando aos depoimentos de parte dos apelantes, verifica-se que ambos os apelantes confirmam que os 3ºs apelados construíram um estaleiro no prédio, referindo a apelante mulher M. S., que os 3ºs apelantes compraram o prédio e instalaram nele um estaleiro, tendo para o efeito coberto o solo do prédio com tout-venant e entubaram um rego de água que existia no mesmo, depositando no prédio aquilo que a mesma denominou de “lixo”, carros e areia.
Pelo mesmo diapasão se pronunciou o apelante marido, J. P., que relatou que após a compra do prédio, o 3º apelante marido arrancou as “latas de vinho”, isto é, as vides existentes no prédio, cobriu o solo do prédio com tout-venant e depositou nele “lixo, carros velhos e óleo”.
Note-se que quer o apelante marido, J. P., quer a apelante mulher M. S. foram concordantes entre si em afirmar que em agosto de 2018 vieram de férias a Portugal, mas enquanto o apelante marido pretendeu que durante o mês de agosto de 2018, os 3ºs apelantes não efetuaram quaisquer obras no prédio tendentes a nele instalar o referido estaleiro, a apelante mulher, M. S., corroborando o depoimento de P. A., foi perentória em referir que em agosto de 2018, o prédio “já tinha tout-venant”.
Destarte, resulta do que se vem dizendo que os 3ºs apelantes compraram o prédio objeto da preferência em 20/07/2018 e logo durante o mês de agosto de 2018 iniciaram as obras de terraplanagem desse prédio, a fim de nele instalaram o estaleiro, tendo para o efeito cortado as árvores e as vides existentes no prédio, entubaram o rego de água que nele existe, terraplanaram-no e colocaram o terreno ao mesmo nível e recobriram o solo com tout-venant, obras essas que já se encontravam realizadas ainda no mês de agosto de 2018, tanto assim que a apelante-mulher M. S. afirma ter visto, nesse mês, o solo do prédio já recoberto com tout-venant.
Ora, o facto dos 3ºs apelantes terem comprado o prédio em 20/07/2018 e logo, de seguida, escasso tempo após essa compra, terem iniciado as referidas obras para a instalação naquele do estaleiro de construção civil, atividade a que se dedicava (e dedica) o 3º apelante marido através da supra identificada sociedade, de que é o único sócio e gerente, ao ponto de ainda durante o mês de agosto de 2018, terem cortado às árvores e as vides existentes no mesmo, terraplanado o terreno, colocando-o ao mesmo nível, entubado o rego de água existente nesse prédio e terem coberto o respetivo terreno com tout-venant, isto é, ficando o estaleiro pronto a receber os materiais de construção civil a serem nele depositados, apenas pode significar, à luz das regras da experiência comum, que quando efetuaram a compra desse prédio em 20/07/2018, os 3ºs apelantes adquiriram-no com o intuito efetivo de nele instalarem o referido estaleiro, tanto assim que escasso tempo após essa aquisição, necessariamente inferior a um mês, iniciaram as obras para a instalação desse estaleiro e concluíram essas obras ainda durante esse mês de agosto de 2018.
Note-se que contrariamente ao pretendido pelos apelantes, o que se acaba de dizer não é minimamente beliscado pelo facto de só em 22/01/2019 o 3º apelante marido ter requerido à Câmara Municipal ... a instalação do estaleiro no prédio, porquanto, conforme resulta das regras da experiência comum, não é inusual, mas antes frequentíssimo (embora ilegal) os interessados efetuarem obras e só no decurso destas ou até no respetivo termo solicitarem, quando o solicitam, o licenciamento às autoridades administrativas competentes dessas obras, conforme sucedeu indiscutivelmente no caso, em que os 3ºs apelados compraram o prédio que os apelantes pretendem preferir em 20/07/2018, com o intuito de nele instalarem o estaleiro de apoio à atividade profissional do 3º Réu-marido, logo após essa aquisição, deram início às obras necessárias à construção do estaleiro, as quais ficaram concluídas ainda durante o mês de agosto de 2018, mas apenas em 22/01/2019 pediram o licenciamento dessas mesmas obras (já há meses efetuadas) à Câmara Municipal.
Quanto aos apelantes, dir-se-á que sabendo os mesmos que o 3º apelante-marido se dedicava à construção civil, perante as obras atrás identificadas que lhes foram dadas ver estarem a ser realizadas no prédio pelos 3ºs apelante, no mês de agosto de 2018 (arranque das árvores e das vides existentes no prédio, terraplanagem do terreno deste, colocando-o ao mesmo nível, entubamento do rego de água nele existente e cobrindo o solo do prédio com tout-venant), a única ilação que os mesmos podiam razoável e legitimamente extrair do descrito comportamento dos 3ºs apelados, à semelhante de qualquer observador externo médio que se visse confrontado com aqueles factos teria forçosamente extraído, é que os últimos tinham comprado o prédio com a intenção de nele instalarem um estaleiro de apoio à atividade de construção civil, atividade essa que os mesmos confessadamente conheciam ser a atividade profissional a que dedicava (e dedica) o 3º apelado marido.
Resulta do que se vem dizendo, que longe da prova produzida impor que se conclua pela não prova da facticidade julgada provada nos pontos 10º e 11º dos factos provados na sentença sob sindicância, essa mesma prova antes impõe que se conclua, tal como julgado pela 1ª Instância, pela prova dessa concreta facticidade.
Termos em que improcede este fundamento de recurso e, em consequência, mantém-se inalterada a facticidade julgada provada nos pontos 10º e 11º.
Resulta do que se vem dizendo, improceder a impugnação do julgamento da matéria de facto impugnada pelos apelantes.

B.4- Mérito – prejudicado.

Tendo improcedido a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes e mantendo-se inalterada a facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância, encontra-se prejudicada a apreciação do erro de direito que os apelantes assacam à decisão recorrida, que não lhes reconheceu o direito de preferência que estes exerceram nos autos.
Com efeito, os erros de direito que os apelantes assacam à decisão de mérito proferida na sentença, ao julgar improcedente o exercício do direito de preferência, depende, em absoluto, do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto que operaram.
Na verdade, compulsadas as alegações e as conclusões de recurso apresentadas pelos apelantes verifica-se que estes apenas sindicam e contestam o apuramento da matéria de facto provada e não provada na sentença que impugnam e apenas no pressuposto de que ocorreu erro de julgamento do tribunal a quo quanto ao apuramento dos factos julgados provados e não provados, pedem que se altere a sentença sob sindicância no sentido da procedência da ação. Ou seja, em caso de improcedência da impugnação do julgamento da matéria de facto que operam, o objeto do recurso interposto pelos apelantes não inclui a matéria de direito, isto é, qualquer sindicância à determinação das normas jurídicas escolhidas e/ou à respetiva interpretação.
Destarte, tendo improcedido, pelos fundamentos acima elencados, a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes, mantendo-se, consequentemente, inalterada a facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância, necessariamente fica prejudicado o conhecimento dos erros de direito que os mesmos imputam à decisão de mérito, o que se declara, nos termos do disposto no art. 608º, n.º 2 do CPC, ex vi art. 663º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
Resulta do exposto improceder a presente apelação, impondo-se confirmar a sentença recorrida.
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Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a presente apelação e, em consequência:
- confirmam a sentença recorrida.
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Custas pelos apelantes (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 05 de novembro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)


1. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág.328; Acs. STJ de 17.06.1997, CJ, t. II, pág. 126 (relator Cardona Ferreira); de 5.07.2001 (relator Pais de Sousa); de 12.01.2006 (relator Duarte Soares); de 28.06.2007 (relator Pereira da Silva); de 15.05.2008 (relator Pereira da Silva); de 19.02.2013 (relator Moreira Alves); de 27.03.2014 (relator Álvaro Rodrigues), e RC de 12.3.2013 (relator: Avelino Gonçalves), todos in base de dados da DGSI, lendo-se neste último que: “As presunções registrais emergentes do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrangem fatores descritivos, como as áreas, limites, confrontações, do seu âmbito exorbitando tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio. Apenas faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância - objecto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos neles definidos (art.º 80º n.º 1 e 2 do Código do Registo Predial). A presunção não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais - com finalidade essencialmente fiscal - numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é susceptível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa”.
2. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pág. 570. No mesmo sentido Acs. STJ. de 14/12/2004, Proc. 04A4044 e RP de 04/12/2016, JTRP000039821, in base de dados da DGSI, a que se referem todos os infra indicados, sem menção em contrário, lendo-se neste último que “o ónus de impugnação especificada, após a Reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, é cumprido se a parte se limita a negar a verdade dos factos articulados, ainda que tal negação seja, meramente, reportada aos artigos da petição inicial onde foram alegados”.
3. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 573. No mesmo sentido Rodrigues Bastos, “Notas ao Código Processo Civil”, 3º vol., pág. 52, onde sustenta que “a posição dubitativa do impugnante só acarretará a admissão da veracidade dos factos, se o facto for pessoal, ou se dele, a ter ocorrido, o impugnante não puder razoavelmente alegar ignorância”.
4. Jorge Augusto Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, 2016, 12ª ed., Almedina, pág. 16.
5. Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex 1997, pág. 322 e 323.
6. Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 323.
7. Ac. STJ. de 18/10/2018, Proc. 1295/11.0TBMCN.P1.S2.
8. Ac. RC. de 12/03/2019, Proc. 141/16.2T8PDL-A.C1; RG. de 20/03/2018, Proc. 14/15.6T8VRL-C.G1, onde se escreve: “Esta amplitude de poderes/deveres não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ele está também a responsabilidade das partes, sobre as quais faz a lei recair alguns ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso mesmo, aquelas têm interesse direto em cumprir. Até porque, no limite, em sede probatória, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o mesmo aproveita (art. 414º). Daí que as partes tenham natural interesse em concorrer ativamente para o processo de instrução da causa. Esse concurso não se encontra desregulado. Pelo contrário. A lei assinala prazos e limites para as partes apresentarem e produzirem os respetivos meios de prova, conferindo àqueles prazos um caráter preclusivo”.
9. Ac. RP. de 21/10/2019, Proc. 18884/18.4T8PRT-A.P1.
10. Lopes do Rego, “Comentário ao Código de Processo Civil”, Almedina, 1999, pág. 425.
11. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 283.
12. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
13. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
14. António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153.
15. António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 228.
16. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
17. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. Ac. RC, de 11.07.2012, Proc. n.º 781/09, in base de dados da DGSI, onde se lê que este “especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor”, constituindo “simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso”. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
18. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
19. Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, todos in base de dados da DGSI.
20. Galvão Telles, “O Direito”, 106º-119º, 1974/1987, pág. 135; Ac. RP. de 19/05/2015, Proc. 1789/13.2TBVCD.P1.
21. Ac. STJ. de 19/02/2013, Proc. 246/05.5TBMCN.G1.G1.S1; RP. de 19/01/2015, Proc. 1789/13.2TBVCD.P1; RG. de 02/02/2017, Proc. 1522/13.9TBGMR.G1, lendo-se neste que “de acordo com a doutrina e a jurisprudência dominantes os Réus rinham que provar, com o apoio em elementos objectivos, não só a intenção de dar ao terreno destino diferente, como a possibilidade legal de concretização desse novo destino. Essa afirmação da admissibilidade legal do novo destino a dar ao terreno tem que ser aferida no momento da aquisição. Essa nova finalidade atribuída pelos Réus adquirentes ao prédio não tem de constar da escritura, podendo ser provada por qualquer meio de prova”.
22. Hipótese esta sobre que se debruçou, a título exemplificativo, o aresto desta Relação de 02/02/2017, Proc. 1522/13.9TBGMR.G1, in base de dados da DGSI, onde, à data da compra do prédio, estava aprovado o PDM, que viabilizava a construção que o comprador pretendia, à data da compra, edificar no prédio, mas em que esse PDM, viabilizador da construção ainda não se encontrava publicado no DR, vindo essa publicação apenas a ocorrer em data posterior à compra e venda do prédio. Nesse aresto discutiu-se se estando esse PDM, à data da compra e venda, aprovado, mas não publicado, se perante essa não publicitação do PDM, se podia (ou não) considerar que, à data da compra e venda, a construção era física e legalmente possível, tendo esta Relação concluído positivamente e, em consequência, julgou verificada a exceção ao direito legal de preferência a que alude o art. 1381º, al. a), última parte, do CC.