Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
803/18.0T8BCL.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – O decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais (art. 380º do Código de Processo Civil) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

- justificação, por parte do requerente, da qualidade de sócio ou de associado da pessoa coletiva em questão;
- estar em causa uma deliberação societária contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato social;
- poder resultar da execução imediata dessa deliberação a produção de dano apreciável.

II – O requisito do dano apreciável respeita à possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo comum de anulação de deliberação social, de que o processo cautelar de suspensão da deliberação social é dependência, e não o dano que decorre direta e imediatamente da execução da deliberação questionada.

III – Diversamente do que sucede com o requisito da invalidade da deliberação impugnada, o qual se basta com um mero juízo de mera probabilidade, na apreciação do requisito do receio de produção de um dano apreciável exige-se “a prova da certeza ou de uma probabilidade muito forte do mesmo, por efeito da execução da deliberação”.

IV – Não é subsumível ao conceito de dano apreciável para efeitos de suspensão de deliberações social de expulsão de associado duma associação privada sem fins lucrativos o facto de, com essa exclusão, o requerente ficar privado da qualidade de associado e de poder participar no controlo da actividade da associação, porquanto tais danos são inerentes à execução da própria deliberação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

M. G. requereu, no Juízo Local Cível de Barcelos – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, nos termos dos arts. 380º e ss. do Código de Processo Civil, contra Associação Intercultural X.

Para o efeito, e em síntese, alegou que, no dia 14 de fevereiro de 2018, foi notificado de que lhe estava a ser movido um processo disciplinar e, no dia 13 de março de 2018, foi notificado da sua expulsão.

Segundo os Estatutos da Requerida, aprovados na Ata n.º 16, tal pena de expulsão é da competência da direção, através de voto por unanimidade dos membros, sendo que nunca fora convocado para qualquer reunião da direcção e tal deliberação é contrária aos bons costumes.
Conclui pela nulidade da deliberação, provocando esta um dano apreciável quer na esfera jurídica do Requerente, quer na esfera jurídica da Requerida, uma vez que esta fica reduzida a dois associados que têm utilizado a Requerida em benefício pessoal.
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Citada, a Requerida apresentou oposição (cfr. fls. 26 a 32), na qual conclui pela improcedência do procedimento cautelar.

Alegou, em resumo, que a decisão de expulsão não foi impugnada em tempo e que de qualquer forma não se encontram preenchidos os requisitos para o decretamento da providência cautelar requerida.
Diz, ainda, que a ata n.º 16 que procedeu à alteração dos Estatutos não foi sujeita a escritura pública, pelo que o processo disciplinar a que foi sujeito o Requerente foi iniciado e concluído de acordo com os Estatutos em vigor, sendo estes os anteriores aos aprovados na referida ata n.º 16.

Tendo sido em sede de ata n.º 15 que se procedeu à alteração do artigo 13.º a) dos Estatutos e tendo sido realizada de seguida, às 09:30h, a Assembleia que deu lugar à ata n.º 16, esta não podia ter sido daquela forma convocada, pois que a ata n.º 15 e a alteração aí operada ainda não havia sido sujeita a escritura pública, tendo esta só vindo a ocorrer em novembro de 2017.

Por último, e ainda que se considere a validade parcial da ata n.º 16, no que respeita à composição dos órgão sociais, sempre a decisão de expulsão do sócio requerente foi deliberada pela maioria da direcção, nomeadamente pelos sócios Nuno e Patrícia e em cumprimento dos Estatutos em vigor à data do processo disciplinar.
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Procedeu-se à produção de prova (cfr. actas de fls. 120, 121, 127 e 130).
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Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu decisão (cfr. fls. 131 a 137), nos termos da qual decidiu julgar “improcedente, por não provado, o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais tendo por objeto a decisão de expulsão do Requerente M. G. da Requerida Associação”.
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Inconformado com esta decisão dela recorre o requerente M. G., formulando, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (cfr. fls. 149 a 154):

«a) O recurso ora interposto versa sobre a decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais que teve por objecto a decisão de expulsão do ora apelante.
b) O tribunal a quo entendeu que a acta n.º 16 era nula, com base no artigo 220.º do Código Civil.
c) Sucede que uma acta não é uma declaração negocial, pelo que não se poderá aplicar o artigo 220.ºdo Código Civil.
d) Coutinho de Abreu define acta como o registo em documento escrito das deliberações tomadas pelos sócios em assembleia ou por voto escrito, e ainda de outros dados do respectivo procedimento deliberativo (Curso de Direito Comercial, Volume II, 5.ª Edição, p. 448).
e) Assim, a deliberação de alteração estatutária não é nula.
f) Contrariamente ao que conclui o Tribunal a quo, não estamos perante uma questão de invalidade. Estamos, sim, perante uma questão de eficácia. É esse, aliás, o sentido útil do n.º 3 do artigo 168.º do Código Civil: o acto de constituição, os estatutos e as suas alterações não produzem efeitos em relação a terceiro, enquanto não forem publicados.
g) Significa isto que produzem efeitos internamente, em relação aos próprios associados.
h) Assim, (internamente) estavam em vigor os estatutos aprovados na Assembleia Geral que se encontra documentada na acta n.º 16. A mesma assembleia geral que admitiu o ora apelante e que o tornou membro da direcção.
i) A deliberação de exclusão do associado M. G. (e, já agora, do associado M. S.) foi contrária aos estatutos e, como tal, é inválida. Devia ter sido tomada por unanimidade e não o foi.
j) A deliberação de exclusão do associado M. G. provoca-lhe um dano apreciável. Estamos perante uma associação, a qual não tem escopo lucrativo. O dano é, exactamente, o facto de perder a qualidade de associado e, com isso, a sua função de controlo.
k) A deliberação de exclusão do associado M. G. provoca, igualmente, um dano apreciável na requerida, a qual perdeu metade dos associados com tal deliberação (a Associação tinha 4 membros, sendo que dois deles foram expulsos nessa deliberação), o que permitirá aos dois membros restantes (marido e mulher) continuarem a agir à revelia dos estatutos e fazendo perigar a vida da associação.

Assim, deverão V. Exas. revogar a decisão recorrida, alterando-a por outra que dê provimento ao requerido, nomeadamente suspendendo a deliberação social que teve por objecto a decisão de expulsão do associado M. G. da Associação, fazendo dessa maneira a costumada
JUSTIÇA».
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Contra-alegou a requerida Associação Intercultural X (cfr. fls. 157 a 159), pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:

«a) O Tribunal “ a quo” decidiu correctamente, quer de facto, quer de direito;
b) A sentença objecto de recurso não merece qualquer reparo;
c) O Recorrente não tem qualquer razão no seu recurso que deverá ser declarado totalmente improcedente».
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão (cfr. fls. 161).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se estão verificados os pressupostos para o decretamento da providência cautelar especificada de suspensão de deliberações sociais.
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III. Fundamentos de facto

A decisão recorrida deu como (indiciariamente) provados os seguintes factos:

1. O Requerente foi notificado no dia 14 de Fevereiro de 2018, comunicando-lhe a Requerida a instauração de um processo disciplinar.
2. Em carta datada de 16 de Fevereiro de 2018, respondeu o ora Requerente que não poderia ser intenção da Direcção proceder à eliminação e exclusão de sócios desta associação, porquanto a direcção não reuniu para formular qualquer intenção.
3. O Requerente foi notificado no dia 13 de Março de 2018, por carta registada, da sua expulsão enquanto associado da Associação Intercultural X.
4. A decisão de expulsão foi tomada pelos sócios Nuno e Patrícia.
5. Nos Estatutos da Requerida [artigo 10.º] aprovados na ata n.º 16 as penas de admoestação, repreensão, suspensão, eliminação e expulsão são da competência da direcção, através do voto por unanimidade dos seus membros. Também se previa no artigo 15.º, n.º 4 que as operações bancárias acima de 10.000€, requerem a validação de todos os membros da Direção.
6. Em assembleia geral extraordinária da Requerida às 9.30horas do dia 31/8/2017, correspondendo à ata n.º 16 (junta aos autos que se dá por reproduzida), foi, além do mais, admitido como sócio o Requerente M. G. e foram eleitos novos órgãos sociais, tendo aquele sido eleito para o cargo de Secretário da Direcção e para o cargo de Presidente do Conselho Fiscal. Assi, a Direção ficou composta pelo Requerente, pelo Presidente Nuno e pela Tesoureira Patrícia.
7. A Ata n.º 16 nunca foi reduzida a escritura pública, assim como os Estatutos aí aprovados.
8. A Requerida foi constituída por escritura pública de 14 de Maio de 2012.
9. Por escritura pública de 8 de Setembro de 2015 procederam os seus sócios, no seguimento da ata nº 8, resultante da Assembleia Geral do mesmo dia, à aprovação de alteração estatutária, prevendo nomeadamente no artigo 13.º a) que a Assembleia Geral é convocada por editais afixados na sala principal da sede e sempre com antecedência de dez dias.
10. Em 3 de Maio de 2017 foi celebrada nova escritura pública de alteração estatutária, também no seguimento de ata nº 14, relativa à assembleia geral extraordinária, previamente convocada, em que os sócios deliberaram dar os poderes aí conferidos ao sócio nela referida, para poder concretizar a escritura pública de alteração estatutária.
11. Em vinte e dois de Novembro de 2017, foi celebrada a escritura pública relativa à última alteração estatutária da Requerida, através dos poderes conferidos ao sócio nela mencionado para o efeito, no seguimento da assembleia geral extraordinária do dia 31 de Agosto de 2017, realizada às 8.00horas, correspondente à ata nº 15 (junta aos autos que se dá por reproduzida) da Requerida, previamente convocada para o efeito em 20 de Agosto de 2017 (em que os sócios e directores, respectivamente Tesoureiro Fernando Secretária da Direção Ana, renunciaram aos cargos de direcção) e que fixou os estatutos, prevendo os mesmos à data (tendo em conta todas as alterações anteriormente operadas) nomeadamente que:

“Artigo 10.º
As penas de repreensão, suspensão, eliminação e expulsão são da competência da Direcção. (…)

Artigo 13.º
a) A Assembleia Geral é convocada por editais afixados na sala principal da sede e sempre com antecedência de dez dias; (…)
e) A Assembleia Geral extraordinária poderá ser convocada de forma imediata, sem qualquer antecedência, sempre e quando todos os associados estejam presentes e/ou representados e manifestem vontade. (…)

Artigo 15.º
a) Compete à direcção reunir ordinariamente e extraordinariamente sempre que o Presidente a convocar; (…)
f) A Associação obriga-se com a intervenção da assinatura do Presidente.

Artigo 16.º
As deliberações da Direcção serão válidas quando esteja presente a maioria dos seus membros.”
12. A assembleia geral extraordinária das 8.00H do dia 31 de Agosto de 2017, a que corresponde a deliberação constante da ata nº 15, que aprovou os pontos da ordem de trabalhos, deliberou entre os demais, alterar o artigo 13º e) dos Estatutos, passando a permitir que a Assembleia Geral extraordinária, pudesse daí em diante ser também convocada de forma imediata, sem qualquer antecedência, sempre que todos os associados estejam presentes e /ou representados e manifestem essa vontade.
13. Foi igualmente deliberado nessa assembleia geral extraordinária alterar a forma de obrigar a associação, com a alteração do artigo 15º, passando a ser necessário e suficiente a assinatura do Presidente da Direcção para obrigar a Associação.
14. A assembleia extraordinária do dia 31/8/2017 das 9.30h não foi convocada com 10 dias de antecedência.
15. A entrada do Requerente para sócio da Requerida, após a saída do sócio Fernando e Ana, implicava que este juntamente com o outro sócio admitido se obrigassem a substituir estes nas responsabilidades e garantias, solidária e subsidiariamente assumidas pelos sócios sobre a Requerida nas instituições bancárias (fianças, avais e outros)
16. O que não fizeram, pese solicitado várias vezes, quer pelo banco, quer pela Requerida.
17. A Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 2/3/2018 no Cartório Notarial Dr. Luís, foi convocada a pedido do Requerente, em 19/1/2018, cuja convocatória foi comunicada em 31/1/2018 ao Requerente por deferência via email em 31/1/2018, fixada antecipadamente na sede.
18. Da ordem de trabalho constava não só os pontos solicitados pelo Requerente, mas ainda o ponto referente à eliminação e expulsão deste e de outro associado.
19. O Requerente não compareceu e, nessa assembleia geral extraordinária, foi também aprovado esse ponto da ordem de trabalho, por unanimidade, da eliminação/expulsão do requerente, tendo ainda sido ratificado todo o processo disciplinar.
20. E essa deliberação foi comunicada ao requerente por meio de carta remetida no dia 12/3/2018 por CTT e por e mail do dia 20/3/2018
21. O Requerente reside habitualmente na Polónia.
22. A Requerida continua a cumprir o seu objeto social.
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E deu como não indiciariamente provados os seguintes factos:

a) A deliberação referida em 3. provoca um dano apreciável, quer na esfera jurídica do Requerente, quer da Requerida, porquanto ficará reduzida a dois associados que têm utilizado a Requerida em benefício pessoal e próprio.
b) O Requerente nunca foi convocado para qualquer reunião da Direção da Requerida.
c) Desde a expulsão do Requerente que se verifica uma melhoria da acção de intervenção da Requerida.
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IV. Fundamentação de direito.

Da verificação dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar especificada de suspensão de deliberações sociais.

Como refere L.P.Moitinho de Almeida (1), “[p]ara fazer valer o direito de impugnação de deliberações sociais é necessário tempo e como dessa morosidade resulta o risco de as deliberações se irem desde logo executando, portanto criando direitos e obrigações que a anulabilidade que há-de vir a ser decretada não pode praticamente atingir, o legislador, para exconjurar esse periculum in mora, viu-se na necessidade de estabelecer um procedimento cautelar adequado”: a suspensão de deliberações sociais, que está regulada nos arts. 380º a 383º do CPC.

Dispõe o n.º 1 do art. 380º do CPC que se “alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.

Esta providência cautelar permite antecipar certos efeitos jurídicos derivados da sentença declarativa da nulidade ou da anulabilidade da deliberação social, obstando à execução de uma deliberação formal ou substancialmente inválida e a consequente produção de efeitos negativos na esfera jurídica do sócio ou da pessoa coletiva (associação ou sociedade em causa) (2). Dito por outras palavras, o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais tem por objecto a paralisação de uma deliberação cujos actos de execução ainda não se encontram consumados, visando sustar ou impedir a sua prática, prevenindo, assim, danos futuros – este mecanismo processual não é o meio próprio para se declarar a nulidade, a inexistência ou qualquer outra forma de invalidade, matéria que pertence ao domínio da acção principal. Daí que se diga que a providência cautelar de suspensão exerce uma função instrumental relativamente às ações de invalidade de deliberações sociais, pelo que só faz sentido o recurso a este procedimento cautelar quando a situação litigiosa tenha origem numa deliberação cuja execução se pretenda evitar com a alegação dos prejuízos que daí possam decorrer (3).

O decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos (4):

- justificação, por parte do requerente, da qualidade de sócio ou de associado da pessoa coletiva em questão;
- estar em causa uma deliberação societária contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato social;
- poder resultar da execução imediata dessa deliberação a produção de dano apreciável.

O primeiro requisito constitui pressuposto da legitimidade activa e os dois restantes são elementos integrantes da causa de pedir.

Tendo presentes os fundamentos da decisão recorrida que motivaram a improcedência da requerida providência cautelar limitar-nos-emos a tecer umas breves considerações sobre os requisitos atinentes à ilegalidade da deliberação societária e do receio da produção de um dano apreciável.

No que ao primeiro requisito diz respeito, tem-se entendido que a invalidade da deliberação societária que se pretende impugnar corresponde ao “fumus boni iuris” (aparência do direito) da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, na medida em que esta providência será justificada quando se encontre demonstrada, ainda que de forma indiciária, a invalidade da deliberação societária, por violação da lei, dos estatutos ou do contrato social (5).

A este propósito importa ter presente que as deliberações sociais podem ser (6):

- Nulas, quando violarem normas legais ou contratuais subtraídas à disponibilidade dos sócios;
- Anuláveis, quando incidam sobre a vida interna da associação ou sociedade, sobre a sua organização ou sobre a relação entre a sociedade e os sócios.
- Inexistentes, quando sejam simuladas ou destituídas de qualquer elemento essencial à sua existência;

E, quanto às associações, as deliberações que podem ser objeto deste procedimento cautelar específico são as que resultem da falta ou indevida convocação e funcionamento da assembleia geral (art. 172º a 175º do CC), privação do direito de voto (art. 176º do CC) e todas as deliberações que sejam contrárias à lei ou aos estatutos (art. 177º do CC).
As deliberações tomadas com violação dessas regras são anuláveis, nos termos dos arts. 174º, n.º 3, 176º, n.º 2, e 177º do CC, constituindo outras tantas causas de suspensão da eficácia das respetivas deliberações.
A esse respeito, Alexandre Soveral Martins (7) propugna que o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais pode ser utilizado para suspender a execução de deliberações nulas, anuláveis e ineficazes.

No que concerne ao preenchimento do requisito em apreço, Manuel de Andrade e Ferrer Correia (8) entenderam ser necessário um juízo bastante seguro sobre a verificação da irregularidade, não parecendo ser suficiente o fumus boni juris. Para os citados autores, seria necessário que o juiz tivesse chegado «quando não a uma certeza absoluta segundo o seu próprio critério, pelo menos a uma convicção positiva nítida no sentido da irregularidade (…)».

Não é essa, porém, a orientação doutrinária e jurisprudencial maioritária, que sustenta ser suficiente um juízo de probabilidade quanto à invalidade da deliberação societária (9).

No que diz respeito ao requisito do receio de produção de um dano apreciável em consequência da execução da deliberação societária tida por inválida, materializa-se o mesmo no “periculum in mora” que subjaz ao decretamento desta providência a fim de evitar o dano jurídico.

O legislador considerou desnecessário que se evidenciem danos irreparáveis (10) ou de difícil reparação, como sucede no procedimento cautelar comum (art. 362º, n.º 1 do CPC), mas, «ao contrário do que sucede com outros procedimentos, não prescindiu da demonstração, em concreto, de um certo perigo de ocorrência de consequências jurídicas. Ou seja, não dispensou a verificação de danos, nem presumiu a sua existência, antes impôs ao requerente o ónus de convencer o tribunal de que a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação de um “dano apreciável”» (11).
Este dano respeita à possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo comum de anulação de deliberação social, de que o processo cautelar de suspensão da deliberação social é dependência (12), e não o dano que decorre direta e imediatamente da execução da deliberação questionada (13).
A exigência legal de demonstração de que a execução da deliberação pode causar dano apreciável reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir a existência de prejuízos e da correspondente gravidade, não sendo suficiente, para o efeito, a mera alegação de juízos de valor, conjecturas, receios não fundamentados ou conclusões acerca do dano apreciável [por exemplo, o risco de, de forma directa ou indirecta, se criarem situações de benefício ou proveito próprio dalguns administradores ou accionistas, em prejuízo e sem consideração dos interesses comuns dos accionistas enquanto tais e dos credores sociais, é comum a todas as sociedades] (14).

Como é evidente a expressão “dano apreciável” constitui um conceito indeterminado cuja densificação ou preenchimento implica necessariamente a alegação e prova de factos concretos, incisos e concisos de onde possa extrair-se a conclusão de que a execução do deliberado acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, embora sem se confundir com as situações de irrecuperabilidade ou de grave danosidade (15).
Análise e qualificação estas que têm de ser aferidas não apenas em função do valor absoluto do prejuízo mas, outrossim, pela repercussão que ele possa ter na esfera jurídico-patrimonial do requerente.

Por outro lado, o dano não tem que ser necessariamente de natureza patrimonial, podendo ser apenas ou também de natureza não patrimonial, designadamente do produzido pela violação do direito à imagem da empresa ou ao seu bom nome comercial (16).
Não estando, portanto, a suspensão da deliberação delimitada pela patrimonialidade da situação de perigo, o requerente tem, pois, o ónus de convencer o tribunal de que a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação de um dano apreciável na sua esfera jurídica (17).

Diversamente do que sucede com o requisito da invalidade da deliberação impugnada, o qual se basta com um mero juízo de mera probabilidade, na apreciação do requisito do receio de produção de um dano apreciável exige-se “a prova da certeza ou de uma probabilidade muito forte do mesmo, por efeito da execução da deliberação(18).
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2.2. Feitas estas considerações genéricas acerca dos pressupostos que condicionam o deferimento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, vejamos, agora, o caso trazido à nossa apreciação.

Os fundamentos da apelação aduzidos pelo recorrente estruturam-se, resumidamente, nos seguintes termos:

- A acta n.º 16, referente à assembleia geral extraordinária realizada no dia 31/08/2017, não obstante não ter sido sujeita a escritura pública, não enferma de nulidade.
- As deliberações tomadas nessa assembleia, designadamente de alteração estatutária, não são nulas, posto que a verificação do vício formal em causa não se reconduz a uma questão de invalidade, mas sim de eficácia.
- Produzindo as referidas alterações estatutárias efeitos internos, em relação aos próprios associados, a deliberação (da assembleia geral de 2/03/2018) de exclusão do requerente como associado da associação requerida é contrária aos estatutos (pois que devia ter sido tomada por unanimidade dos membros da direção, além de que a convocatória para a assembleia geral não obedeceu à forma prescrita nos estatutos) e, como tal, é inválida.
- Essa deliberação de exclusão de associado provoca-lhe um dano apreciável, em virtude de perder a qualidade de associado e, como tal, a sua função de controlo do modo como são geridos os destinos da associação.
- Essa deliberação de exclusão do associado de igual modo provoca um dano apreciável na própria requerida, uma vez que dela resulta a perda/exclusão de metade dos associados, o que permitirá aos (dois) membros restantes continuarem a agir à revelia dos estatutos e fazendo perigar a vida da associação.
O Código Civil distingue entre associações, fundações e sociedades.
A distinção é formulada no artigo 157.º daquele Código, onde se estabelece que as disposições do capítulo respectivo, com a epígrafe «pessoas colectivas», são aplicáveis às associações e às fundações, mas não às sociedades.
Do mesmo artigo resulta que as associações aqui abrangidas são pessoas coletivas de substrato pessoal que não tenham por fim a obtenção de lucros para distribuir pelos associados.

Na síntese de Pires de Lima e Antunes Varela (19), «[q]uando, a propósito das associações, a lei fala apenas nas que não tenham por fim o lucro económico dos associados, quer precisamente excluir as sociedades, para compreender apenas as associações de fim desinteressado ou altruístico (as associações de beneficência, por ex.), as associações de fim ideal, embora interessado ou egoístico, como sejam as academias literárias ou científicas, as associações desportivas, de recreio, etc., e ainda as associações de fim económico, mas não lucrativo (caso típico de certas cooperativas, das associações de socorros mútuos, das instituições particulares de previdência, etc.)».

Sob a epígrafe “Acto de constituição e estatutos”, prescreve o art. 167.º do CC:

1. O acto de constituição da associação especificará os bens ou serviços com que os associados concorrem para o património social, a denominação, fim e sede da pessoa colectiva, a forma do seu funcionamento, assim como a sua duração, quando a associação se não constitua por tempo indeterminado.
2. Os estatutos podem especificar ainda os direitos e obrigações dos associados, as condições da sua admissão, saída e exclusão, bem como os termos da extinção da pessoa colectiva e consequente devolução do seu património”.

No n.º 1 do citado normativo são indicados os elementos essenciais do contrato de constituição da associação, especificando no n.º 2 elementos acessórios.

Enquanto o n.º 1 desse preceito legal tem natureza imperativa, especificando o que deve constar do acto de constituição da associação [(especificação dos bens ou serviços com que os associados concorrem para o património social, a denominação, fim e sede da pessoa colectiva, a forma do seu funcionamento, a sua duração (quando a mesma seja limitada)], o n.º 2 atribui uma faculdade; indica-se, exemplificativamente, o que pode constar dos estatutos.

O acto constitutivo e os estatutos são as duas peças fundamentais criadoras do substrato da associação, que podem, aliás, reunir-se no mesmo instrumento jurídico.
O primeiro lança as bases da associação; os estatutos fixam a sua regulamentação, traçam o seu regimento» (20).

Segundo o prescrito o art. 168º do CC:

1. O acto de constituição da associação, os estatutos e as suas alterações devem constar de escritura pública, sem prejuízo do disposto em lei especial.
2. O notário, a expensas da associação, promove de imediato a publicação da constituição e dos estatutos, bem como as alterações destes, nos termos legalmente previstos para os actos das sociedades comerciais.
3 - O ato de constituição, os estatutos e as suas alterações não produzem efeitos em relação a terceiros, enquanto não forem publicados nos termos do número anterior”.

O acto de constituição da associação, os estatutos e suas alterações estão, pois, sujeitas a exigências de forma e publicidade.

Devem celebrar-se por escritura pública os actos de constituição de associações, bem como os respectivos estatutos, suas alterações e revogações (art. 168º, n.º 1, do CC e art. 80º, n.º 2, al. g) do Código do Notariado).

O citado art. 168.º do CC, relativo à forma e publicidade do acto de constituição e dos estatutos e as suas alterações estatutárias, comporta uma norma de carácter imperativo, inspirada em razões de interesse e ordem pública, cujo controlo da legalidade compete ao Notário, que intervém na escritura, e ao Ministério Público, a quem tais actos e alterações são oficiosamente comunicadas pelo Notário.
Efetivamente, a exigência de escritura pública é, não apenas uma formalidade “ad probationem”, mas também e essencialmente uma formalidade “ad substantiam”.

Assim, no que ao caso importa, estando em causa as alterações dos estatutos tomadas por deliberação social, em caso de inobservância dessa exigência de forma (escritura pública), verificar-se-á a sanção correspondente ao vício de forma, ou seja, a nulidade (21) (art. 220º C.CC).
Devem, além disso, o acto de constituição e os estatutos ser publicados nos termos legalmente previstos para os actos das sociedades comerciais.

Por força do n.º 3 do citado art. 168º do CC, “apesar de adquirir personalidade jurídica por força direta e imediata do acto de constituição, a existência da associação é inoponível a terceiros enquanto não lhe for dada a publicidade legal(22).

Deste modo, sob pena de ineficácia em relação a terceiros, o acto de constituição e os estatutos devem ser publicados nos termos legalmente previstos para os actos das sociedades comerciais, isto é, em conformidade com o estipulado no art. 167º do Código das Sociedades Comerciais, sendo a publicidade efetivada em sítio na Internet de acesso público, regulado por portaria do Ministro da Justiça.

No caso submetido à nossa apreciação constata-se que, na assembleia geral extraordinária de 31 de agosto de 2017 (acta n.º 16 (23)), foram tomadas diversas deliberações atinentes, entre o mais, a:

- Admissão de novos sócios;
- Eleição dos órgãos sociais para o quinquénio de dois mil e dezassete/dois mil e vinte e dois;
- Deliberar sobre a proposta de alteração e aprovação dos estatutos da Associação.

Com efeito, nessa assembleia geral extraordinária foi, além do mais, admitido como sócio o Requerente M. G. e foram eleitos novos órgãos sociais, tendo aquele sido eleito para o cargo de Secretário da Direcção e para o cargo de Presidente do Conselho Fiscal, pelo que a Direção ficou composta pelo Requerente, pelo Presidente Nuno e pela Tesoureira Patrícia (ponto 6 dos factos provados).

E, relativamente às alterações dos estatutos da Requerida aprovadas nessa mesma assembleia geral extraordinária (acta n.º 16), foi deliberado que as penas de admoestação, repreensão, suspensão, eliminação e expulsão passarão a ser da competência da direcção, através do voto por unanimidade dos seus membros [artigo 10.º dos Estatutos e ponto 5 dos factos provados] e as deliberações da direcção só serão válidas quando forem deliberadas por unanimidade dos seus membros [artigo 16.º dos Estatutos].

Porém, a Acta n.º 16 nunca foi reduzida a escritura pública, mormente a alteração e atualização dos Estatutos aí aprovados (ponto 7 dos factos provados).

Com base nestes factos provados, concluiu o Tribunal recorrido pela verificação, ainda que indiciariamente, da qualidade de sócio do requerente, com base na acta n.º 16 que documenta a assembleia geral extraordinária realizada a 31 de agosto de 2017, rejeitando, com fundamento no art. 174º, n.º 4, do CC (segundo o qual a comparência de todos os associados sanciona quaisquer irregularidades da convocação, desde que nenhum deles se oponha à realização da assembleia), a objeção levantada pela recorrida que propugnava pela nulidade dessa assembleia por não ter sido convocada de acordo com os estatutos então em vigor (anteriores à acta n.º 15).

Sucede que, não obstante a assembleia geral de 2/03/2018 não ter sido convocada de acordo com a alteração dos estatutos aprovada na assembleia geral extraordinária de 31 de agosto de 2017 e a decisão de expulsão de associado não ter sido tomada pela direcção, o Tribunal recorrido entendeu que, uma vez que a acta n.º 16 que formalizava a deliberação da alteração dos estatutos aprovados na assembleia geral extraordinária realizada a 31 de agosto de 2017 não foi sujeita a escritura pública, encontrava-se a mesma ferida de nulidade (arts. 168º, n.º 1 e 220º do CC), pelo que a situação deveria reger-se pelos anteriores estatutos na versão que foi sujeita a escritura pública (ou seja, os previstos na acta n.º 15) (24).
À luz das considerações jurídicas supra expendidas e em face do quadro fáctico apurado, julgamos que a solução firmada na decisão recorrida deverá ser mantida.

Vejamos.

Da conjugação dos citados arts. 167º e 168º do CC resulta que, não sendo obrigatória a inscrição nos estatutos das condições de admissão e de exclusão de associados, estamos perante uma formalidade ad probationem, pelo que a omissão de escritura pública operada pela deliberação da assembleia geral extraordinária de 31 de agosto de 2017 (acta n.º 16) não afeta, nessa parte (da admissão do requerente como sócio), a validade do ato deliberativo, ou seja, não acarreta a nulidade dessa deliberação.

Da conjugação dos citados arts. 167º e 168º do CC resulta que, não sendo obrigatória a inscrição nos estatutos das condições de admissão e de exclusão de associados, estamos perante uma formalidade ad probationem, pelo que a deliberação da assembleia geral extraordinária de 31 de agosto de 2017 (acta n.º 16), na parte relativa à admissão do requerente como sócio da requerida, não se mostra afetada por qualquer vício.
Daí que seja de sufragar o entendimento da 1ª instância no sentido da verificação indiciária da qualidade de sócio do requerente.

Considerando, porém, que as alterações dos estatutos das associações devem constar de escritura pública sob pena de nulidade (arts. 168º, n.º 1 e 220º C.Civil), exigência de forma essa que não foi observada relativamente às deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária de 31 de agosto de 2017, forçoso será concluir pela nulidade das alterações estatutárias aí aprovadas, nomeadamente quanto ao seus artigos 10º e 16º, que preveem que as penas de admoestação, repreensão, suspensão, eliminação e expulsão são da competência da direcção, através do voto por unanimidade dos seus membros e que as deliberações da direcção só serão válidas quando forem deliberadas por unanimidade dos seus membros.

Contrariamente ao propugnado pelo recorrente, a questão atinente à não sujeição a escritura pública das alterações dos estatutos aprovadas nessa assembleia, consubstanciando um vício formal (arts. 168º, n.º 1 e 220º do CC e art. 80º, n.º 2, al. g) do Código do Notariado), reconduz-se a uma questão de (in)validade de tais alterações, e não de mera eficácia.

Haverá, assim, que atender à última alteração estatutária da requerida que foi sujeita a escritura pública (em 22/11/2017), aprovada na assembleia geral extraordinária do dia 31 de Agosto de 2017, correspondente à acta nº 15, da qual consta que as penas de repreensão, suspensão, eliminação e expulsão são da competência da Direcção (artigo 10º), cujas deliberações serão válidas quando esteja presente a maioria dos seus membros. (artigo 16º).

Ora, considerando que a direção era composta pelo presidente, pelo tesoureiro e pelo requerente e tendo a decisão de expulsão do requerente como associado sido tomada por aqueles dois, forçoso será concluir pela observância dos ditames previstos nos arts. 10º e 16º dos Estatutos vigentes, não se descortinando, pois, ainda que perfunctoriamente, como a natureza cautelar da providência impõe, qualquer invalidade na deliberação impugnada, suscetível de nos reconduzir à sua anulabilidade nos termos do art. 177º do CC..

Por outro lado, mostrando-se provado que a convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária do dia 2/03/2018 no Cartório Notarial Dr. Luís, foi comunicada ao Requerente por deferência via email em 31/1/2018 e fixada antecipadamente na sede, igualmente será de concluir que a convocação do associado respeitou o art. 13º dos estatutos em vigor, não se vislumbrando qualquer irregularidade nesse acto capaz de consubstanciar uma anulação das deliberações tomadas na referida Assembleia (art. 177º do CC).
Resumindo, formalmente é válida a deliberação tomada quanto à exclusão do requerente como associado.

Todavia, ainda que se tivesse concluído pela invalidade da deliberação social impugnada – o que se concebe para efeitos meramente argumentativos –, sempre se diria que tal não justificaria, por si só, a suspensão da deliberação, exigindo-se, igualmente, que a execução dessa deliberação seja suscetível de causar um dano apreciável (seja ao requerente ou a própria associação) da providência cautelar.

A esse respeito, em sede do requerimento inicial, limitou-se o requerente a alegar que, determinando a deliberação a exclusão de dois associados, tal deliberação provoca um dano apreciável, quer na esfera jurídica do Requerente, quer da Requerida, não salvaguardando a continuidade de uma entidade que se tem erigido como fonte com utilidade para a comunidade em geral, porquanto ficará reduzida a dois associados que têm utilizado a Requerida em benefício pessoal e próprio.

E, na apelação, diz o recorrente que a deliberação de exclusão do associado provoca-lhe um dano apreciável, porquanto, estando em causa uma associação, a qual não tem escopo lucrativo, o dano materializa-se, precisamente, no facto de perder a qualidade de associado e, com isso, a sua função de controlo da associação, além de que é também fonte de prejuízos apreciáveis para a associação, na medida em que, tendo perdido metade dos associados com tal deliberação, permitirá aos restantes (dois) membros continuarem a agir à revelia dos estatutos e fazendo perigar a vida da associação.
No que à referida matéria alegada concerne, já de si parca ou exígua, não resultou provado que a deliberação provoca um dano apreciável, quer na esfera jurídica do Requerente, quer da Requerida, porquanto ficará reduzida a dois associados que têm utilizado a Requerida em benefício pessoal e próprio (cfr. al. a) dos factos não provados).

E, diga-se, o facto da sua exclusão como associado o afastar definitivamente da requerida, impedindo-o de participar do controlo da actividade da associação, são danos imediata e diretamente decorrentes da própria deliberação e a ela inerentes; logo, não integram o dano apreciável causado diretamente pela demora na decisão da ação de anulação (25).

Por conseguinte, também nesta parte julgamos ser de secundar o juízo formulado na 1ª instância, quando concluiu que, «além do requerente não ter sido muito preciso na alegação dos factos concretos de dano, nem tal é susceptível de concluir tendo em conta os factos de que partimos e tratando-se de uma associação sem fins lucrativos, a verdade é que não resultou provado que os sócios a que ficou reduzida a Associação em causa a [têm] vindo a utilizar em benefício próprio».

Não perdendo de vista que, quanto ao requisito em apreço, se exige uma prova mais consistente, traduzida na probabilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que, com a providência, se pretende evitar, é de concluir que a matéria fáctica provada não permite ao Tribunal concluir pela existência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação em causa.

Em suma, dada a não demonstração da ilegalidade da deliberação impugnada, assim como de que a execução da deliberação é susceptível de causar (ao requerente ou à própria associação) um dano apreciável, é de manter inalterado o juízo de improcedência da providência cautelar requerida
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – O decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais (art. 380º do Código de Processo Civil) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- justificação, por parte do requerente, da qualidade de sócio ou de associado da pessoa coletiva em questão;
- estar em causa uma deliberação societária contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato social;
- poder resultar da execução imediata dessa deliberação a produção de dano apreciável.
II – O requisito do dano apreciável respeita à possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo comum de anulação de deliberação social, de que o processo cautelar de suspensão da deliberação social é dependência, e não o dano que decorre direta e imediatamente da execução da deliberação questionada.
III – Diversamente do que sucede com o requisito da invalidade da deliberação impugnada, o qual se basta com um mero juízo de mera probabilidade, na apreciação do requisito do receio de produção de um dano apreciável exige-se “a prova da certeza ou de uma probabilidade muito forte do mesmo, por efeito da execução da deliberação”.
IV – Não é subsumível ao conceito de dano apreciável para efeitos de suspensão de deliberações social de expulsão de associado duma associação privada sem fins lucrativos o facto de, com essa exclusão, o requerente ficar privado da qualidade de associado e de poder participar no controlo da actividade da associação, porquanto tais danos são inerentes à execução da própria deliberação.
*
V. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 13 de setembro de 2018

Alcides Rodrigues
Joaquim Boavida
Paulo Reis


1. Cfr. Anulação e Suspensão De Deliberações Sociais, 2ª ed. revista, Coimbra Editora, 1990, p. 141.
2. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2001, p. 69, e Marco Filipe Carvalho Gonçalves, in Providência Cautelares, 3ª ed., 2017, Almedina, p. 263
3. Cfr. Abrantes Geraldes, obra citada, p. 71.
4. Diversamente, Alberto dos Reis sustenta que são apenas dois os requisitos da suspensão: a) que a deliberação respetiva seja ilegal [(tomando essa expressão no seu sentido mais amplo, de modo a abranger tanto a deliberação contrária à lei geral, como a que violar os estatutos ou o pacto social (lei especial da sociedade)]; b) que da sua execução imediata possa resultar dano apreciável (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, p. 677). Lopes do Rego sustenta igualmente que são apenas dois os requisitos de que depende o deferimento desta providência cautelar: a qualidade atual de sócio e a ilegalidade da deliberação, suscetível de gerar dano apreciável com a sua execução (cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, p. 365). Por sua vez, Marco Filipe Carvalho Gonçalves (obra citada, p. 264) sustenta que são quatro os requisitos para que seja decretada a providência cautelar em causa, pelo que aos três requisitos supra elencados acrescenta um outro, que se traduz no facto de a deliberação cuja execução se pretende suspender não ter sido já executada. Ficam, por isso, excluídas do âmbito desta providência cautelar as deliberações sociais que já tenham sido executadas, bem como aquelas que se encontrem esvaziadas de conteúdo útil (cfr. para mais desenvolvimentos, L.P.Moitinho de Almeida, obra citada, p. 141, Abrantes Geraldes, obra citada, pp. 74/76, Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, 3ª ed., 2000, p. 181).
5. Cfr. Marco Filipe Carvalho Gonçalves, obra citada, p. 265.
6. Cfr., Joel Timóteo Ramos Pereira, Prontuário de Formulários e Trâmites, Vol. II, Procedimentos e Medidas Cautelares (com incidentes Conexos), Quid Juris, 2002, p. 546.
7. Cfr. Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: Alguns problemas, in ROA, ano 63, vol. I/II, Lisboa, abril 2003, p. 347.
8. Cfr. Suspensão e anulação de deliberações sociais», RDES, 1947, III, p. 329 e ss.
9. Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 25, Alberto dos Reis, obra citada, p. 678, Abrantes Geraldes, obra citada, p. 87, Ac. do STJ de 5/12/2000, CJSTJ, T. III, p. 154, Ac. da RC de 8/11/2011 (relator António Carvalho Martins), in www.dgsi.pt..
10. Segundo o Ac. STJ de 25/06/1998 (relator Lúcio Teixeira), in www.dgsi.pt.. dano apreciável é o dano “visível, de aparente dignidade, estimável”, por contraposição ao dano irreparável, que é o dano incompensável.
11. Cfr. Abrantes Geraldes, obra citada, p. 87.
12. Cfr. Ac. da RL de 10-12-1991 (relator Santos Monteiro), in www.dgsi.pt. e Vasco Lobo Xavier, «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», na Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXII, p. 215.
13. Cfr. Ac. da RE de 9/02/2006, CJ Ano XXXI, T. I/2006, pp. 250/251.
14. Cfr. Ac. da RC de 20/04/2016 (Relator Fonte Ramos), Ac. da RP de 17/12/2008 (relator Carlos Moreira), Ac. da RC de 8/11/2011 (relator António Carvalho Martins) e Ac. RP de 4/05/2000 (relator Norberto Brandão) todos disponíveis in www.dgsi.pt. Segundo o último aresto citado, torna-se «necessário alegar factos integradores do prejuízo invocado, não bastando invocar a mera possibilidade do prejuízo».
15. Cfr. Abrantes Geraldes, obra citada, p. 88.
16. Cfr. Abrantes Geraldes, obra citada, pp. 89/90 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 111.
17. Cfr. Ac. da RE de 9/02/2006, CJ Ano XXXI, T. I/2006, pp. 250/251.
18. Cfr. Ac. do STJ de 5/12/2000, CJSTJ, Ano VIII, T. III, p. 154, in www.dgsi.pt.; Marco Filipe Carvalho Gonçalves, obra citada, p. 272; nas palavras de Alberto dos Reis (obra citada, p. 678), deve exigir-se “a certeza ou, pelo menos, uma probabilidade muito forte de que a execução da deliberação poderá causar danos apreciável”, portanto não bastando - segundo L.P.Moitinho de Almeida, obra citada, p. 146 – “alegação da mera possibilidade de prejuízo cujo volume não possa aquilatar-se”.
19. Cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, p. 161.
20. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, p. 170.
21. Cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, 1986, Coimbra Editora, p. 301.
22. Cfr. Manuel Pita, in Código Civil Anotado (Ana Prata Coord.), volume I, 2017, Almedina, p. 194.
23. Cfr. fls. 17 e 18.
24. Cuja cópia consta de fls. 61 e 62, constando a cópia da escritura e os respetivos estatutos de fls. 53 v.º a 60.
25. Cfr., em sentido similar, Ac. da RE de 9/02/2006, CJ Ano XXXI, T. I/2006, pp. 250/251.