Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1802/14.6TAGMR.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
COACÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - A possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo. Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja, pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP.
II - Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, de uma «liberdade para a objectividade», assente no alto grau de probabilidade do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida, não numa certeza absoluta. Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
III - O tribunal, orientado pela descoberta da verdade material prático-jurídica, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta nem das declarações de uma única testemunha, seja ou não vítima (ofendido), desde que credíveis e coerentes, mas tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas.
IV - A violação do princípio in dubio pro reo só se pode verificar quando o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido, pelo que, não resultando do teor da decisão recorrida, como normalmente sucede, a sua imputação suscita a necessidade de ser demonstrado o erro na apreciação da prova produzida, com vista a evidenciar, no recurso, a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo.
V - No nosso Código Penal o crime de ofensa à integridade física qualificada (art. 145º) está construído, à semelhança do homicídio qualificado (art. 132º), para o qual é feita a remissão, segundo a técnica dos exemplos-padrão, ou seja, depois de configurada a tipicidade da qualificativa (nº 1), faz-se uma indicação meramente exemplificativa de alguns índices que poderão revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que o tipo se refere (nº 2).
VI - O arguido, intencionalmente, atingiu a integridade física do ofendido, utilizando um veículo em aceleração, numa descida, socorrendo-se, pois, de um meio ou instrumento que, nessas concretas circunstâncias, além de dificultar de modo exponencial a defesa da vítima, revelou uma perigosidade muito superior ao normal, marcadamente diverso e excepcional em relação aos meios ou instrumentos mais comuns de agressão. Essa conduta revela insensibilidade e desvenda uma «imagem global do facto agravada», quando confrontada com os procedimentos de agressão comummente adoptados, o que permite concluir que o arguido agiu de uma forma especialmente censurável, ostensivamente contra legem, passível, assim, de uma maior censura jurídico-penal, por fundar um juízo de maior desvalor ético, sustentado pela prevalência, no seu íntimo querer, de uma forma de realização do facto especialmente desvaliosa, pois visou atingir corporalmente uma pessoa dificultando a sua defesa, em razão da enorme supremacia que lhe conferia o veículo automóvel e a especial perigosidade deste.
VII - O preenchimento da tipicidade do crime de coacção agravada, que protege a liberdade de decisão e de acção, exige o uso de um acto de violência ou de ameaça de um mal importante, quer seja de força física, quer seja de força psicológica, de que resulte o constrangimento da vítima a adoptar um determinado comportamento, a praticar ou a omitir determinada acção, que não depende da sua vontade.
VIII - E a ameaça, como meio do crime de coacção, deve revestir os mesmos requisitos do crime de ameaça (art. 153º), ou seja, pressupõe que o agente comine, ao sujeito passivo, um mal futuro, dependente da sua [do agente] vontade assim violando a liberdade de autodeterminação do segundo.
IX - Assim, sendo um crime de resultado, a consumação da coacção pressupõe que a pessoa objecto da acção tenha, efectivamente, sido constrangida a praticar, a omitir ou a tolerar a acção, de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade e que esse constrangimento tenha sido uma consequência directa e necessária da conduta do arguido, pelo que, se a conduta do destinatário da coacção for livremente decidida ou devida ao apelo de terceiros e não consequência ou resultado directo da acção de coacção, não há consumação, mas mera tentativa, no caso de a execução da conduta coagida se chegar a iniciar.
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum singular nº 1802/14.6TAGMR da Instância Local, Secção Criminal de Guimarães, da Comarca de Braga, o arguido F. A. foi julgado e condenado por decisão proferida e depositada a 23/05/2016, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punido pelos arts. 143º, nº 1 e 145º, nsº 1, al. a) e 2, com referência ao art.º 132º, nº 2, al. h), do C. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão e de um crime de coacção agravada, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 22º, 23º, 154º, nº 1 e 2, e 155º, nº 1, alínea a), do C. Penal, na pena de na pena de 3 (três) meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 7 meses de prisão, substituída por 210 dias de multa à taxa diária de € 6 (seis) euros.
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Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões:
«1- Afigura-se ao aqui Recorrente F. A. que carece de fundamento de facto e de direito a douta sentença pela qual foi aquele condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pena de 6 (seis) meses de prisão; um crime de coacção agravado, na forma tentada na pena de 3 meses de prisão; e em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) meses de prisão substituída por 210 dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis) euros.
2- Foi dado como provado, no ponto 1 da douta sentença, que os factos ocorreram no dia 13 de Julho de 2014 pelas 09:00 horas Todavia, e se atentarmos não só aos documentos dos autos, como também ao depoimento do Ofendido, constata-se que os factos ocorreram antes dessa data (atente-se, nomeadamente no relatório de fls 12 e seguintes dos autos, do qual consta a data de 26.06.2014; na participação de acidente, a qual data de 26.06.2014; na declaração/notificação de fls 22, da qual consta a data de 26.06.2014; no auto de interrogatório onde arguido de fls 26 onde se lê no campo “factos imputados” que o arguido é acusado de no dia 26 de junho de 2014; no auto de visionamento e extracção de fotogramas de fls. 30 e 31, onde consta a data de 26.06.2014; relatório final de fls 32; - Cfr., ainda, as declarações do próprio ofendido no que à data dos factos concerne.
3- O Tribunal a quo não efectuou uma criteriosa, cuidada e rigorosa apreciação da prova validamente junta aos autos e produzida em julgamento, condenando o arguido apenas com base no depoimento do Ofendido o e nos elementos que o próprio fez chegar aos autos. Atente-se que o auto de denúncia, o auto de declarações de fls 10, o relatório de fls 12 e seguintes, a participação do acidente e respectivo croqui e a declaração de fls 22 têm por base apenas informações e relatos transmitidos pelo Ofendido àqueles que elaboraram tais documentos, sem qualquer outro suporte fáctico ou testemunhal que os sustente e corrobore e, portanto, que permitisse condenar o aqui recorrente.
4- Encontra-se erradamente e incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada nos pontos 3, 4, 5, 6, 8, 9 e 10 dos factos provados, os quais deveriam ter sido dados como não provados.
5- No ponto 3 dos factos provados foi erradamente dado como provado que “Nessa ocasião, B. J., que exercia as suas funções de segurança do referido espaço comercial e se encontrava a meio da rampa, colocou-se em frente ao automóvel e levantou e fez movimentos com o braço, indicando que não se podia descer, ao mesmo tempo que dizia para o arguido “pare, não pode descer, é sentido proibido e o parque está lotado”.
6- O Ofendido não se encontrava a meio da rampa, mas sim no fundo da rampa, conforme resulta do seu depoimento, gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 29:01m, conforme acta de audiência de julgamento do dia 13 de Maio de 2016 que aqui damos por reproduzidas e integradas para os devidos e legais efeitos.
7- No ponto 4 dos factos provados foi erradamente dado como provado que “4. Então, o arguido acelerou a macha do automóvel na direcção de B. J., só o atingindo de raspão no joelho esquerdo com o pára-choques, em virtude de B. J. se ter prontamente desviado, saltando para o seu lado esquerdo.
8- Refere o Ofendido que quando se encontrava a passar na subida do Parque 1 para o Parque 2, no fundo da rampa, viu a viatura do arguido descer quando esta ainda estava no início da rampa. Todavia, não foi isso que, de facto, sucedeu conforme resulta das declarações do arguido gravadas em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 20:28m, conforme acta de audiência de julgamento do dia 13 de Maio de 2016 que aqui damos por reproduzidas e integradas para os devidos e legais efeitos.
9- Ao contrário do alegado pelo Tribunal a quo, em momento algum o arguido quis atingir - ou atingiu - o ofendido de raspão no seu joelho esquerdo com o pára-choques da sua viatura.
10- O que aconteceu foi que, após o arguido ter descido pela rampa, e quando já estava com a frente do carro no fim da rampa, apareceu o Ofendido que lhe disse que não poderia descer.
11- O arguido já se encontrava com as rodas da frente no parque 1, pelo que, salvo o devido respeito, não fazia qualquer sentido recuar de marcha atrás mas, outrossim, seguir a sua marcha, o que fez, sempre cuidadosamente, conforme resulta das suas declarações gravadas em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 20:28m, conforme acta de audiência de julgamento do dia 13 de Maio de 2016 que aqui damos por reproduzidas e integradas para os devidos e legais efeitos.
12- Acresce que, se o Ofendido estivesse no fundo da rampa e o arguido no início, se este último tivesse acelerado, o Ofendido teria, salvo o devido respeito, mais que tempo para se desviar, até porque, certamente, e de acordo com as regras da experiência comum, a velocidade impregnada pelo arguido teria de ser reduzida, uma vez que vinha de um parque de estacionamento e não conseguiria virar para a rampa e seguir a sua marcha sem previamente moderar a velocidade. Por outro lado, estando o arguido de frente para a viatura, e se tenha alegadamente desviado para o seu lado esquerdo, não se concebe que o mesmo tenha sido atingido no seu joelho esquerdo.
13- Acresce ainda que o Ofendido não soube concretizar minimamente a que velocidade o arguido terá descido a rampa depois de, alegadamente, ter acelerado.
14- No ponto 5 dos factos provados foi erradamente dado como provado que “O arguido parou entretanto o automóvel no fim da rampa e disse a B. J. que “sai da frente senão passo-te por cima”, arrancando de seguida.
15- O arguido não dirigiu esta expressão ao Ofendido, tendo-lhe apenas solicitado que o mesmo saísse da frente - “Saia da frente do automóvel que eu vou estacionar ali”. Todavia, reitere-se, o Tribunal a quo, subvalorizou o depoimento da testemunha e também Ofendido B. J. em detrimento das do arguido – as quais foram objectivas e credíveis conforme se pode constar da audição das mesmas – tendo dado como provado que o mesmo proferiu a expressão acima referida.
16- No ponto 6 dos factos provados foi erradamente dado como provado que “Alguns minutos mais tarde, quando B. J. percorria o parque à procura do arguido, este cruzou-se novamente consigo e disse-lhe “filho da puta. Se fizeres algo à viatura, passo-te por cima. Ia-te passar por cima e volto a fazer”.
17- O arguido não dirigiu esta expressão ao Ofendido. Muito pelo contrário, foi o Ofendido que insultou o arguido, conforme resulta das suas declarações gravadas em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 20:28m, conforme acta de audiência de julgamento do dia 13 de Maio de 2016 que aqui damos por reproduzidas e integradas para os devidos e legais efeitos.
18- Aliás, o próprio Ofendido admite inclusivamente que se exaltou, conforme resulta do seu depoimento, gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 29:01m, conforme acta de audiência de julgamento do dia 13 de Maio de 2016 que aqui damos por reproduzidas e integradas para os devidos e legais efeitos.
19- No ponto 7 dos factos provados foi erradamente dado como provado que “Em consequência da conduta do arguido, B. J. sofreu dor e desconforto.”
20- O arguido não ofendeu o Ofendido na sua integridade física, nunca o tendo atingido com a sua viatura conforme resulta das suas declarações gravadas em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 20:28m, conforme acta de audiência de julgamento do dia 13 de Maio de 2016 que aqui damos por reproduzidas e integradas para os devidos e legais efeitos. Todavia, mais uma vez, o Tribunal fez tábua rasa das declarações do Ofendido, desvalorizando-as completamente sem suportar e fundamentar devidamente essa descredibilidade.
21- No ponto 8 dos factos provados foi erradamente dado como provado que “O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de B. J. com o automóvel.”
22- O arguido não ofendeu o Ofendido na sua integridade física, não tendo molestado o corpo e a saúde do Ofendido com o automóvel.
23- No ponto 9 dos factos provados foi erradamente dado como provado que “O arguido agiu com o propósito de fazer crer a B. J. que o iria novamente agredir com o automóvel, de forma a obrigá-lo a deixar de cumprir as suas funções, o que não conseguiu por motivos estranhos à sua vontade.”
24- Reitere-se que, em momento algum, o arguido atingiu o Ofendido com o seu automóvel, bem como nunca o tentou coagir por forma a que aquele deixasse de cumprir as suas funções, não tendo proferido as expressões que lhe são imputadas pelo Ofendido.
25- No ponto 10 dos factos provados foi erradamente dado como provado que “O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, apesar de saber que o automóvel é um meio particularmente perigoso para lesar a integridade física e que a sua conduta era proibida e punida penalmente”
26- O arguido não praticou os crimes que lhe são imputados.
27- Nos presentes autos estamos perante duas versões antagónicas prestadas pelas duas únicas pessoas com conhecimento directo dos factos.
28- Havendo duas versões díspares, não se concebe por que razão o Tribunal a quo optou pela do Ofendido e, consequentemente, condenou o arguido com base somente nas declarações daquele e nos elementos de prova que este carreou para os autos (nomeadamente o auto de denúncia de fls…, o auto de declarações de fls 10, o relatório de fls 12 e seguintes, a participação do acidente e respectivo croqui e a declaração de fls 22), sem qualquer outro tipo de prova, nomeadamente testemunhal, inequívoca que corroborasse as declarações do Ofendido.
29- O Tribunal considerou credíveis as declarações do Ofendido, subvalorizando as declarações do arguido por considerar as mesmas contraditórias e inverosímeis sem, todavia, alicerçar essa convicção em algum elemento factual concreto, referindo apenas que “tanto dizia que foi em sentido proibido, como dizia que não viu o sinal”.
30- Com base nessa alegada contradição, o Tribunal a quo fez tábua rasa das declarações do arguido, sustentando a condenação do mesmo tão-só e apenas com base no depoimento da única testemunha, e também Ofendido, B. J. e nos elementos que foram carreados para os autos com base, somente, nos relatos e informações que o mesmo transmitiu.
31- Sem prescindir lançar-se mão do princípio in dúbio pro reo quando subsiste no juiz um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, qual será, então, o critério a adoptar perante duas versões verosímeis e credíveis? Terá também, naturalmente, nestes casos, de se decidir em sentido favorável ao arguido.
32- Os elementos probatórios, nomeadamente documentais, constantes dos autos não permitiam ao Tribunal concluir, com rigor e segurança, que o arguido praticou os factos de que vem acusado, visto que a prova testemunhal assenta apenas no depoimento do ofendido – o qual, num primeiro momento, segundo o Tribunal a quo, “se revelou pouco coerente por si e entre si quando conjugado com a demais prova” - e nos elementos que o mesmo levou aos autos, nomeadamente o auto de denúncia, o auto de declarações de fls 10, o relatório de fls 12 e seguintes, a participação do acidente e respectivo croqui e a declaração de fls 22.
33- Estranho é que a terem ocorrido os factos da forma relatada pelo Ofendido, ninguém tenha presenciado os mesmos, nem ninguém tenha sido alertado pela discussão que se terá gerado entre ambos – recorde-se que o Ofendido referiu que se exaltou e que falou mais alto.
34- Salvo o devido respeito, não se concebe que alguém seja condenado com base num único depoimento, in casu, do Ofendido, e nos documentos dos autos que foram elaborados com base em informações que o mesmo transmitiu, desvalorizando os demais elementos de prova, nomeadamente, as declarações do arguido, as quais foram prestadas de forma coerente e credível. As declarações do arguido e o depoimento da testemunha são díspares e diametralmente opostos, pelo que tal facto tinha que ter levado o Tribunal a formular uma dúvida inequívoca, e, por isso, fazer funcionar a favor do arguido o principio do "in dubio pro reo", concedendo-lhe o beneficio da dúvida e da presunção de inocência, absolvendo o arguido da prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada e de coacção agravada na forma tentada.
35- Contudo, para além das declarações do Ofendido e dos outros elementos que o mesmo levou aos autos, nenhum outro meio de prova, nomeadamente, testemunhal, foi produzido que as pudesse infirmar e que pudesse sustentar a versão vertida pelo Tribunal a quo na factualidade dada como provada, nomeadamente nestes pontos 3, 4, 5,6,7,8, 9 e 10.
36- Conforme supra referido, perante a prova validamente produzida em audiência de discussão e julgamento -a qual era manifestamente insuficiente para condenar o recorrente pelos crimes dos autos - deveria o Tribunal a quo ter absolvido o arguido/RECORRENTE. Ao não o fazer, violou, entre outros, os princípios in dubio pro reo e da presunção de inocência.
37- Salvo o devido respeito, e nos termos e pelos fundamentos supra aduzidos na impugnação, particularmente quanto aos factos dados como provados no ponto 4 e 5, e de acordo com os meios de prova ali indicados, não foi produzida prova suficiente que permitisse ao Tribunal a quo, concluir, como concluiu, pela prática pelo aqui recorrente do crime de ofensa à integridade física qualificada.
38- O Tribunal a quo, com o devido respeito, violou os princípios da verdade material e da presunção e inocência e do in dúbio pro reo. Violação essa que aqui se suscita e alega para os devidos e legais efeitos.
39- Não ficou quanto a nós demonstrada a prática dos factos integradores da prática deste crime pelo recorrente e não deveria, nem deverá o arguido ser condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada – ou, até mesmo, de ofensa à integridade física simples - p. e p. pelos artigos 143º nº 1 e 145º nº 1 al. a), ambos do Código Penal.
40- Sem prescindir o Ofendido referir que sentiu dor e desconforto, dos autos não consta nenhum outro elemento – nomeadamente médico - que comprove qualquer agressão. Quanto a este crime verifica-se, para além de um erro notório na apreciação da prova, uma insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como, o que tudo consubstancia a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 410º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, o que se alega para os devidos e legais efeitos.
41- Deverá o recorrente ser absolvido do crime de ofensa à integridade física qualificada em que foi condenado.
42- Não ficou quanto a nós demonstrada a prática de factos integradores deste crime por parte do aqui recorrente F. A. pelo que não deveria o arguido ser condenado pela prática do crime de coacção agravada na forma tentada.
43- Não foi produzida qualquer prova que permitisse ao Tribunal a quo, concluir, como concluiu, pela prática pelo aqui recorrente deste crime, não tendo o aqui recorrente F. A. agido com o propósito de fazer crer ao Ofendido que o iria agredir novamente o Ofendido com o automóvel de forma a obrigá-lo a deixar de cumprir as suas funções. Reitere-se, que o arguido em momento algum agrediu o Ofendido.
44- O Tribunal a quo, com o devido respeito, manifestamente violou os princípios da verdade material e da presunção e inocência e do in dúbio pro reo. Violação eu aqui se suscita e alega para os devidos e legais efeitos.
45- Sem prescindir, e conforme supra se referiu, não ficou quanto a nós demonstrada a prática do dos factos integradores da prática deste crime pelo recorrente, ainda que na forma tentada e, face à ausência dessa prova, não deveria, nem deverá o arguido ser condenado pela prática do crime de coacção agravada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 154º nº 1 e 155º nº 1 al. a), ambos do Código Penal.
46- Acresce que também quanto a este crime verifica-se, para além de um erro notório na apreciação da prova, uma insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, o que tudo consubstancia a nulidade do acórdão nos termos do disposto no artigo 410º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, o que se alega para os devidos e legais efeitos. Deverá o recorrente ser absolvido do crime de coacção agravada na forma tentada em que foi condenado.
47- Nos termos e pelos fundamentos supra referidos e que aqui damos por reproduzidos para todos os efeitos legais, deverá também o aqui F. A. ser absolvido do pagamento de quaisquer custas.
48- Entendeu o Tribunal a quo condenar o arguido pela prática de um crime de coacção agravada na forma tentada na pena de 6 (seis) meses de prisão, uma vez que, e além do mais, alegadamente, “o arguido agiu com consciência da ilicitude da sua conduta, à falta de arrependimento e ainda assim persistiu em praticá-la, à falta de arrependimento demonstrada em audiência de julgamento, e a existência de antecedentes criminais.”
49- Antes de mais, sempre se diga que o arguido não demonstrou arrependimento, precisamente, por não ter praticado o crime em apreço.
50- Quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada, E SEM PRESCINDIR O SUPRA REFERIDO QUANTO À ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO, o Tribunal a quo, quanto muito deveria ter condenado o aqui recorrente pelo crime de ofensas à integridade física simples.
51- Alega o Tribunal a quo que o arguido “agiu com especial censurabilidade, revelando uma atitude especialmente desconforme com os valores do ordenamento jurídico-penal, já que a forma de realização do facto se revela, em concreto, especialmente desvaliosa e criticável.”
52- Porém, sem prescindir um automóvel ser considerado um meio particularmente perigoso, o certo é que, no caso concreto, atentas as circunstâncias em que alegadamente o arguido terá atingido o Ofendido – nomeadamente, a velocidade reduzida a que circularia o veículo, a qual não foi concretizada, –o mesmo não ter provocou qualquer lesão grave no Ofendido, alegadamente tendo-o atingido de raspão, provocando, antes, e segundo o mesmo, “dor e desconforto” momentâneos.
53- Sem prescindir a matéria dada como provada nos pontos 4 e 8 dos factos dados como provados – os quais deveriam ter sido dados como não provados pelas razões que vimos a expender – não resulta da conduta do arguido que o mesmo tenha agido com uma especial censurabilidade ou perversidade tais que permitam qualificar a sua conduta apenas porque circulava num veículo automóvel.
54- Não ficou provada a que velocidade o arguido seguia quando alegadamente terá atingido o Ofendido, nem este último conseguiu concretizar a mesma. Todavia, e segundo as regras da experiência, a velocidade teria de ser reduzida, atenta a curta distância que medeia entre o início e o fim da rampa.
55- Por outro lado, o Ofendido, alegadamente, conseguiu desviar-se atempadamente, o que não teria acontecido se a velocidade a que seguia o veículo do arguido fosse excessiva.
56- Ao contrário do que foi considerado, era importante alegar e demonstrar, entre outros, por que razão concreta aquele deve ser considerado um meio particularmente perigoso, qual forma de utilização concreta do mesmo e qual a distância a que esteve dos visados. Acontece que nada disto ficou alegado e/ou demonstrado.
57- Assim, deveria o Tribunal a quo ter atendido, entre outros, ao grau de ilicitude do facto, ao seu modo de execução, à gravidade das suas consequências, as quais, in casu, foram insignificantes.
58- Ora, atendendo à matéria de facto efectivamente dada como provada – e, bem assim, os antecedentes criminais do arguido, que contam apenas com uma condenação por crime de desobediência - é nosso entendimento que a decisão concretamente proferida não é adequada nem ajustada às concretas exigências de prevenção geral e especial verificadas, revelando-se manifestamente desproporcionada.
59- Pelo exposto, e se não se entender absolver o arguido do crime de ofensa à integridade física qualificada, deverá o mesmo ser condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º nº 1 do Código Penal, numa pena de multa pelo mínimo legal - cfr. artigo 47º nº 1 e nº 2 do Código Penal - atentas, nomeadamente, as suas condições económicas; ou, no limite, em pena de prisão de um mês – cfr. artigo 41º nº 1 do Código Penal -, substituída por multa, assim se fazendo justiça.
60- Ou, quanto muito – o que apenas se refere para mero efeito de raciocínio - ser o arguido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada próximo do mínimo legal, ou seja, na pena de 1 (um) mês de prisão substituída por multa, a fixar pelo mínimo legal.
61- O conteúdo reeducativo das penas consagra, além do aspecto punitivo a reintegração social do delinquente na sociedade. A matriz humanista do nosso direito penal não bloqueia esta realidade, antes a promove.
62- O arguido, como supra se referiu foi condenado na pena de 6 (seis) meses de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada afigurando-se no caso concreto desajustada e desproporcional e contrário aos próprios fins das penas.
63- Entendeu o Tribunal a quo condenar o arguido pela prática de um crime de coacção agravada na forma tentada na pena de 3 (três) meses de prisão, uma vez que, além do mais, alegadamente, “o arguido agiu com consciência da ilicitude da sua conduta, à falta de arrependimento e ainda assim persistiu em praticá-la, à falta de arrependimento demonstrada em audiência de julgamento, e a existência de antecedentes criminais.”
64- Antes de mais, sempre se diga que o arguido não demonstrou arrependimento, precisamente, por não ter praticado o crime em apreço.
65- Sem prescindir tudo quanto supra se expôs no que concerne À ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO DA PRÁTICA DESTE CRIME, é nosso entendimento que, admitindo para mero efeito de raciocínio a prática do mesmo pelo arguido, as expressões alegadamente proferidas pelo arguido “Sai da frente senão passo-te por cima” ou “se fizeres algo à viatura passo-te por cima. Ia-te passar por cima e volto a fazê-lo” não consubstanciam a prática de um crime de coacção agravada na forma tentada mas, quanto muito, um crime de coacção agravada na forma simples, p. e p. pelo artigo 154º do Código Penal.
66- Por outro lado, e sem prescindir o Ofendido referir que levou essa ameaça a sério, o certo é que a justificação que o mesmo dá para tal foi porque o arguido não lhe pediu desculpa, conforme resulta do seu depoimento, gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 29:01m, conforme acta de audiência de julgamento do dia 13 de Maio de 2016 que aqui damos por reproduzidas e integradas para os devidos e legais efeitos.
67- Se não se entender absolver o arguido do crime coacção agravada na forma tentada, deverá o mesmo ser condenado pela prática do crime de coacção na forma tentada, p. e p. pelo artigo 154º nº 1 e nº 2 do Código Penal, numa pena de multa pelo mínimo legal - cfr. artigo 47º nº 1 e nº 2 do Código Penal - atentas, nomeadamente, as suas condições económicas; ou, no limite, em pena de prisão de um mês – cfr. artigo 41º nº 1 do Código Penal -, substituída por multa, assim se fazendo justiça.
68- Ou, quanto muito – o que apenas se refere para mero efeito de raciocínio - ser o arguido condenado pela prática de um crime de cocção agravada na forma tentada na pena de prisão próxima do mínimo legal, ou seja, de 1 (um) mês de prisão substituída por multa, a fixar pelo mínimo legal.
69- O Tribunal condenou o arguido na pena única de 7 meses de prisão substituída por multa de 210 dias à taxa diária de € 6,00 (seis euros) pelos crimes de ofensa à integridade física qualificada e coacção agravada na forma tentada e fê-lo sem ter consideração as concretas necessidades de prevenção geral e especial, e todos os factores e circunstâncias que depunham a favor do arguido e que supra referimos.
70- Todavia, a mesma revela-se manifestamente exagerada e desproporcionada, devendo o arguido, se não se entender ser absolvido, ser condenado nos moldes subsidiariamente acima propostos.
71- Apurou-se inequivocamente que ocorreu uma contenda entre o Ofendido e o arguido, sendo certo que o arguido admitiu que desceu a rampa do G… Shopping pelo sentido proibido.
72- Porém, a prova produzida não permitia ao tribunal apurar o que de facto aconteceu e assim formar a convicção no tribunal de que o arguido actuou da forma descrita na acusação.
73- Reitere-se que, em momento algum, o arguido atingiu ou pretendeu atingir o Ofendido com a sua viatura, bem como em momento algum tentou coagir o mesmo.
74- O Tribunal a quo, pronunciou-se de forma desfavorável ao aqui recorrente quando não havia certeza sobre os factos, não havendo inclusivamente testemunhas que presenciassem os mesmos, nem existindo quaisquer outras provas seguras e inequívocas que corroborassem ou demonstrassem, para além de qualquer dúvida, a prática pelo recorrente F. A. dos factos dados como provados, nomeadamente que este atingiu o Ofendido na sua integridade física e o tentou coagir.
75- Ora, atendendo à matéria de facto efectivamente dada como provada – e, bem assim, os antecedentes criminais do arguido, que contam apenas com uma condenação por crime de desobediência -, é nosso entendimento que a decisão concretamente proferida não é adequada nem ajustada às concretas exigências de prevenção geral e especial verificadas, revelando-se manifestamente desproporcionada.
76- O Tribunal a quo, na dúvida, optou por dar como provados os factos que infra se impugnam, decidindo contra o arguido, valorando as declarações do Ofendido em detrimento das do aqui recorrente, sem prescindir as declarações deste últimos e revelarem credíveis, coerentes e verosímeis.
77- O Tribunal a quo deveria ter proferido uma decisão de absolvição quanto aos crimes pelos quais o arguido F. A. vinha acusado, uma vez que, de forma alguma, racional e logicamente, se poderia ter dado como provada a prática pelo recorrente dos factos integradores do tipo legal desses crimes.
78- Ao Tribunal a quo, foi suficiente para condenar o arguido as da testemunha e Ofendido B. J. e outros elementos documentais baseados em informações e relatos pelo mesmo transmitidas e contadas “à sua maneira” – recorde-se que nenhuma testemunha presenciou ou factos aqui em apreço -, sendo nosso modesto entendimento que tais provas são insuficientes para condenar o aqui arguido. O Tribunal a quo, arbitrariamente, subvalorizou as declarações do arguido, considerando-as contraditórias e inverosímeis.
79- Reitere-se que a versão do Ofendido foi corroborada apenas por outros elementos de prova que o mesmo que fez chegar aos autos, sendo certo que nenhum deles é susceptível de levar à conclusão que o arguido praticou os crimes de ofensa à integridade física qualificada e de coacção agravada na forma tentada.
80- O arguido desceu pelo sentido proibido para ir buscar a sua filha (deficiente motora) e a sua neta. Todavia, o facto de o arguido ter descido pelo sentido proibido, não significa que tivesse praticado os crimes pelos quais vem condenado, nem é revelador de uma personalidade “desafiadora” da autoridade.
81- Sobretudo se tivermos em consideração que, e tal como refere o Ofendido, é normal as pessoas descerem em contramão naquela rampa, conforme resulta do seu depoimento, gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 29:01m, conforme acta de audiência de julgamento do dia 13 de Maio de 2016 que aqui damos por reproduzidas e integradas para os devidos e legais efeitos.
82- Pode ler-se, ainda, na douta sentença que “o arguido não saiu do shopping acompanhado”, pese embora, nas suas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento ter referido que ia buscar a sua neta e a sua filha deficiente.
83- Ora, é perfeitamente perceptível, nas suas declarações, que o arguido levou a sua neta e a sua filha para a parte da frente do shopping porque ficou com medo que o Ofendido pudesse, de certa forma, encetar mais uma discussão consigo e, assim, assustar as suas familiares – conforme resulta das suas declarações gravadas em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 20:28m, conforme acta de audiência de julgamento do dia 13 de Maio de 2016 que aqui damos por reproduzidas e integradas para os devidos e legais efeitos.
84- É ainda referido que “recorrendo a juízos de experiencia comum e do normal acontecer, facilmente se conclui que o arguido vendo a rampa de acesso ao piso 1 fechada, não ficou satisfeito, e isso deveu-se tão só ao facto de ele saber que ia fazer compras ao … (piso 0) e que depois viria carregado, e teria que subir até ao piso 2, o que não queria fazer. Mais perto estaria o piso 1, visto que o piso 0 não tem parque.” Porém, sempre se diga que tal conclusão é manifestamente arbitrária e sem qualquer suporte fáctico que a sustente.
85- Acresce que, se o Ofendido foi atingido pela viatura conduzida pelo arguido e se levou a ameaça alegadamente proferida pelo mesmo a sério, não se entende por que razão não lançou mão dos meios jurídicos disponíveis e ao seu alcance para melhor fazer valer os seus direitos, nomeadamente, através da constituição como assistente e da dedução de pedido de indemnização civil, o que, salvo melhor opinião, demonstra que o alegado “toque de raspão” e a alegada tentativa de coacção não existiu ou, então, não tivera qualquer relevância até para o próprio Ofendido.
86- Ora, compulsada e analisada toda a prova produzida, salvo o devido respeito e melhor opinião, inexiste, nestes autos, qualquer prova segura e inequívoca que permita – como permitiu - dar como provada a factualidade vertida nos supra citados pontos dos factos provados e que aqui se impugnam, mas, outrossim, a prova produzida impunha decisão diversa e que esse factos fossem, tal como descritos, dados como não provados e, consequentemente, fosse o arguido absolvido.
87- Foram violados os artigos 14º, 22º, 23º 40º nº 1 e 2, 41º nº 1, 47º, 70º, 71º nº 1 e 2, 143º nº 1, 145º nº 1 al. a), 154º, 155º nº 1 al. a) todos do Código Penal, e ainda os artigos 127º, 340º, 410º nº 1 al. a) e c) do Código de Processo Penal e artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
Conclui pedindo «que na procedência total do recurso e, por via dele, ser revogada a douta sentença recorrida direito, deverá revogar-se a douta sentença recorrida».

O recurso foi regularmente admitido por despacho proferido a fls. 247.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta à motivação, pugnando pela improcedência do recurso, alegando, em suma, que a prova produzida em audiência e que serviu para formar a convicção do tribunal foi apreciada com razoabilidade e segundo os princípios da livre apreciação da prova, da imediação e oralidade, encontrando-se em consonância com a pormenorizada e lógica motivação. Quanto à medida da pena aplicada ao arguido, considera que a mesma se encontra devidamente fixada de acordo com as circunstâncias e particularidades do caso concreto. E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, sustentando que limitando-se o arguido, infundadamente, a impugnar a matéria de facto, apenas questionando a livre convicção do julgador, deverá a mesma manter-se intangível, à excepção da data da prática dos factos que deve ser modificada em face da prova documental junta aos autos, pois, nada justifica a sua modificação, tanto mais que inexistem provas que imponham decisão diversa da adoptada, sendo descabido reclamar-se, nestas circunstâncias o princípio in dubio pro reo. Por fim, aduz que não sendo sujeita a qualquer reparo a matéria de facto, deverá manter-se a qualificação jurídica, não merecendo qualquer censura a pena aplicada.
Cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP, respondeu o arguido/recorrente.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 402º, 403º e 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as questões, de saber se:
1ª- Foram incorrectamente julgados os pontos 3 a 10 da matéria de facto assente na decisão de 1ª instância, por deficiente apreciação da prova testemunhal produzida em julgamento e por violação do princípio in dubio pro reo;
2ª- A matéria de facto dada como provada é insuficiente para a condenação do recorrente pelos crimes de ofensas corporais agravadas e coacção agravada na forma tentada;
3ª- As medidas das penas aplicadas são excessivas e desproporcionadas.
Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida e respectiva motivação (transcrição):
«1. Em 13 de Julho de 2014, pelas 09h, o arguido deslocava-se com o automóvel, com a matrícula ......, no interior do parque de estacionamento do “…”, sito na Alameda…, em Guimarães.
2. A certa altura, o arguido começou a descer a rampa de acesso ao parque do primeiro piso, em sentido contrário ao estabelecido.
3. Nessa ocasião, B. J., que exercia as suas funções de segurança do referido espaço comercial e se encontrava a meio da rampa, colocou-se em frente ao automóvel e levantou e fez movimentos com o braço, indicando que não se podia descer, ao mesmo tempo que dizia para o arguido “pare, não pode descer, é sentido proibido e o parque está lotado”.
4. Então, o arguido acelerou a macha do automóvel na direcção de B. J., só o atingindo de raspão no joelho esquerdo com o pára-choques, em virtude de B. J. se ter prontamente desviado, saltando para o seu lado esquerdo.
5. O arguido parou entretanto o automóvel no fim da rampa e disse a B. J. que “sai da frente senão passo-te por cima”, arrancando de seguida.
6. Alguns minutos mais tarde, quando B. J. percorria o parque à procura do arguido, este cruzou-se novamente consigo e disse-lhe “filho da puta. Se fizeres algo à viatura, passo-te por cima. Ia-te passar por cima e volto a fazer”.
7. Em consequência da conduta do arguido, B. J. sofreu dor e desconforto.
8. O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de B. J. com o automóvel.
9. O arguido agiu com o propósito de fazer crer a B. J. que o iria novamente agredir com o automóvel, de forma a obrigá-lo a deixar de cumprir as suas funções, o que não conseguiu por motivos estranhos à sua vontade.
10. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, apesar de saber que o automóvel é um meio particularmente perigoso para lesar a integridade física e que a sua conduta era proibida e punida penalmente.
11. O arguido é reformado e aufere €280,00 mensais de reforma mensal, e pratica agricultura de subsistência.
12. Vive com a esposa que é reformada e aufere €280,00 de reforma mensal.
13. Vive, ainda, com uma filha doente (com problemas de mobilidade), reformada que aufere €250,00 de reforma mensal e uma neta menor.
14.Vive em casa própria.
15. Frequentou a escola até à 4ª classe.
16. O arguido tem antecedentes criminais: 1 crime de desobediência, praticado em 31.08.2013, condenado em 23.09.2013, na pena de 60 dias de multa à taxa de €10.00.
***
Factos não provados, com interesse para a decisão:
a. Aquando do aludido em 5), o arguido disse “eu torno a fazer a mesma coisa e passo-te por cima outra vez, não tens o direito de fechar o parque”.
b. Quando do aludido em 6), o arguido disse “não tens o direito de fechar o parque se vir o parque fechado outra vez passo-te por cima”.
c. O arguido agiu com o propósito de fazer crer a B. J. que o iria novamente agredir com o automóvel, de forma a obriga-lo a que não fechasse o acesso ao parque de estacionamento do primeiro piso.
d. O arguido ia buscar ao “…” a sua filha deficiente (em cadeira de rodas) aquando do aludido nos factos provados.
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Fundamentação da matéria de facto:
«O Tribunal formou a sua convicção com base na valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente:
- nos documentos juntos aos autos.
- nas declarações do arguido, o qual em suma, admitiu que quis passar do piso 2 para o piso 1, e como estava fechada a descida, optou por seguir pela rampa em sentido proibido, alegando que ia buscar uma filha deficiente que ali tinha deixado. Não disse ao segurança que tinha que ir buscar a filha deficiente.
Mais admitiu que o ofendido o tentou impedir de descer por tal rampa, gesticulando, dizendo-lhe que não podia passar ali. Todavia, como já estava perto deixou descair o carro até conseguir chegar ao piso 1, não obstante o ofendido estivesse na frente do veículo. Contudo, não bateu com a viatura no ofendido.
Para ir para o parque 1, tinha que sair do … e dar a volta ao quarteirão, o que não quis fazer.
Afinal não viu que na rampa tinha um sinal de sentido proibido.
Entende que os seguranças têm a mania que mandam no país, que são os reis disto.
- nos depoimentos das testemunhas:
- B. J., a qual prestou um depoimento que se revelou pouco coerente por si e entre si e quando conjugado com a demais prova, referindo, em síntese, que estava de serviço como segurança no…, e o parque 1, estava cheio pelo que foi fechada a passagem do 2 para o 1.
Quando ia a subir a rampa, viu o carro do arguido a descer, pelo que lhe deu ordem de paragem, visto estar a descer em sentido proibido, mas ele acelerou mais a viatura e acertou-lhe de raspão na perna esquerda. Ficou com desconforto na perna. Se não se tivesse desviado tinha levado com o carro em cima.
De seguida, o arguido disse-lhe “sai da frente senão passo-te por cima”, e a seguir foi procurar estacionamento.
Depois disse-lhe “Se fizeres algo à viatura, passo-te por cima. Ia-te passar por cima e volto a fazer”. Além de que o insultou de filho da puta e cabrão.
O arguido não tinha como não ver o sinal grande de sentido proibido, e ainda a seta que tem no chão da rampa.
O arguido não lhe disse que tinha que ir buscar uma filha deficiente. E não saiu do shopping acompanhado.
Depois viu nas câmaras que o arguido andava no Continente, no piso 0, o qual não tem estacionamento.
Confirma a data e hora de fls. 19 a 21.
***
Feita esta breve sumula, conclui-se da conjugação da prova produzida, merecem resposta positiva os factos dados como provados.
Vejamos.
O arguido admitiu que teve a contenda com o ofendido, que desceu em sentido proibido (embora mais à frente nas suas declarações tenha dado o dito por não dito), o segurança tentou impedi-lo, mas não obstante estivesse à frente da sua viatura, deixou-a descair até atingir o piso 1, para onde queria ir.
Já o ofendido, corroborou tal factualidade, mas esclareceu que não só o arguido não respeitou a ordem para não descer por ali, como ainda acelerou na sua direcção e até lhe embateu com a viatura na perna.
E, na verdade, esta é a versão verdadeira. É que as declarações do arguido mostraram-se contraditórias e inverosímeis por si e entre si, navegando à vista, não merecendo qualquer credibilidade. Veja-se que tanto dizia que foi em sentido proibido, como dizia que não viu o sinal.
Acresce que na rampa existe, ainda, uma seta, a qual não podia deixar de ver.
Mas mesmo que não tivesse visto, viu e ouviu o segurança a dizer-lhe que não podia descer por ali, mas nada o fez parar, seguindo para onde quis e ali estacionando.
Com efeito, o próprio arguido, durante as suas declarações, mostrou pouco respeito pela profissão de segurança, dizendo que “são os reis”, “são os donos disto”, demonstrando uma linha psicológica desafiadora da autoridade, e assim, das regras impostas.
A corroborar tal entendimento, acresce, ainda, que após ter visto que a rampa de acesso do piso 2 ao 1, estava fechada, em vez de contornar o shopping, decidiu entrar em sentido proibido, impondo a todo custo a sua vontade.
Muito mais credível foi o depoimento da testemunha, que soube dizer com isenção e sinceridade que disse ao arguido que não podia descer, levantando-lhe a mão, e este logo imprimiu mais velocidade ao veículo, embatendo-lhe e após, ainda, lhe disse as expressões ameaçadoras que constam dos factos provados, e o insultou.
E, na verdade, também foi isto que contou ao responsável, no mesmo dia, que anotou tal versão no relatório de fls. 14 a 16 dos autos.
Acresce, ainda, que o ofendido, logo chamou a PSP, e contou o sucedido conforme fls. 19 a 21.
Por tudo isto, a versão do ofendido é verosímil e vai de acordo com a prova produzida e juízos de experiencia comum.
Mas mais, as expressões ameaçadoras por parte do arguido, após ter conseguido descer ao piso 1, vêm corroborar que a sua intenção foi de atropelar, se necessário, o ofendido, advertindo-o que lhe tornava a fazer o mesmo, e que lhe passava por cima, caso voltasse a acontecer situação semelhante.
Já no que concerne aos factos dados como não provados, mereceram resposta negativa, porque não foi feita qualquer prova verosímil da sua ocorrência, nomeadamente que o arguido tenha qualquer filha deficiente em cadeira de rodas (não obstante o relatório social referida que é doente e tem problemas de mobilidade, o certo é que não se apurou o grau), e muito menos que ela estivesse no shopping e menos, ainda, que ele a pretendesse ir buscar ao piso 1. É que ninguém a viu, o arguido não falou dela ao segurança o que seria normal quando apanhado a violar uma regra de trânsito.
Acresce que foi sempre visto sozinho, pela testemunha, incluindo dentro do …, o que é corroborado pela fotografia de fls. 30, onde se vê o arguido a deslocar-se para a sua viatura com sacos de compras em ambas as mãos, e não com a filha e neta.
E com efeito, recorrendo a juízos de experiencia comum e do normal acontecer, facilmente se conclui que o arguido vendo a rampa de acesso ao piso 1 fechada, não ficou satisfeito, e isso deveu-se tão só ao facto de ele saber que ia fazer compras ao … (piso 0) e que depois viria carregado, e teria que subir até ao piso 2, o que não queria fazer. Mais perto estaria o piso 1, visto que o piso 0 não tem parque.
Quanto às alegadas consequências da agressão, foram demonstradas pelo depoimento da testemunha, que soube referir que ficou com dor e desconforto.
Quanto às condições económicas e sociais do arguido relevaram as suas declarações e os documentos juntos aos autos, nomeadamente o relatório social.
No que respeita à existência de antecedentes criminais, tomou-se em consideração o certificado de registo criminal junto aos autos.».
*
1. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias, pelo âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma, com a invocação de erro de julgamento.
A verdadeira pretensão recursiva do arguido/recorrente, apesar de invocar o erro notório, é a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, dizendo, por um lado, que o Tribunal não fez uma criteriosa, cuidada e rigorosa apreciação da prova produzida que se fundamentou unicamente na versão apresentada pelo ofendido, com manifesto interesse no desfecho da causa, impondo assim que os pontos 3 a 10 fossem considerados como não provados. Ainda segundo o recorrente, nunca poderia ter sido dado como provada a data que ficou a constar dos factos, pois os elementos documentais existentes nos autos apontam inequivocamente para uma data diferente, e nunca poderia ter sido dado como provado que o ofendido, no momento dos factos, se encontrava no meio da rampa, pois, este no seu depoimento afirmou expressamente que se encontrava no final da mesma. Assim, em face desse depoimento, tais factos teriam que ser considerados como não provados devendo o tribunal, perante uma dúvida razoável, ter aplicado tout court o principio in dubio pro reo, o que levaria à sua absolvição.
Vejamos, então, se a razão está do seu lado.
Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo ( O legislador pretendeu um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto.). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP ( Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…».). É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., nos sumários dos seus Acs. de 10-01-2007 e 15-10-2008 ( Processos nºs 06P3518 e 08P2894, respectivamente, ambos relatados pelo Conselheiro Henriques Gaspar.).
Nessa senda, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução de facto e entende que deveria ser provada.
Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
Contudo, no âmbito penal, o princípio in dubio pro reo, também invocado pelo recorrente nesta sede, estabelece a imposição de que, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável: exige-se uma pronúncia favorável ao arguido quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Neste conspecto, esse princípio constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos. Ora, como resulta do exposto, a violação desse princípio só se pode verificar quando o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
Normalmente, a imputação de uma alegada violação desse princípio suscita a necessidade de ser demonstrado o erro na apreciação da prova produzida, com vista a evidenciar no recurso a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo.
É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida ( Como dizia Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191.). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» ( Rev. Min. Pub. 19º, 40.).
É por isso que nos casos em que o julgador não logra decidir com segurança com base nas mesmas e permanecendo uma dúvida consistente e razoável não pode desfavorecer a posição do arguido, só lhe restando concluir pela absolvição do mesmo por apelo do princípio in dubio pro reo ( Com efeito, como ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. I, Verbo, 1993, pág. 41, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado». Neste sentido se pronuncia, também, a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como o atestam, v.g., o Ac. da RP, de 21/04/2004, in www.dgsi.pt, no qual se refere: «O princípio “in dubio pro reo” é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ou seja, e dito de outro modo, quando o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal, e porque não pode haver um “non liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido. a favor do arguido é consequente do princípio da presunção de inocência».), pois convém não esquecer que «o arguido beneficia da presunção de inocência: a prova para condenação tem de ser plena (...). Desde que a prova suscite (…) a possibilidade de diferente hipótese que não pode ser afastada, prevalece, por força da lei, a presunção de inocência».
Assim é, porque «a condenação de um inocente afecta muito mais gravemente a justiça, e por isso também o próprio interesse social, do que a não punição de um culpado» ( Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, vol. 2º, 1986, Editora Danúbio, pág. 259.).
E, como é evidente, é segundo esta perspectiva que hão-de ser apreciados os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido levou a efeito para sustentar a sua convicção acerca deles, ou seja, o processo avaliativo que o tribunal levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma errada apreciação da prova produzida. Em suma, neste processo, a violação do invocado princípio deve ser defrontada ou apreciada também nesta vertente da adequação da decisão proferida à prova produzida.
É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que na fundamentação da matéria de facto se hão-de indicar as razões porque se atribui credibilidade a certos meios de prova, incluindo naturalmente os depoimentos prestados, e a explicação das razões porque se não confere essa credibilidade a outras provas que hajam sido produzidas e que apontem em sinal contrário. O que implica, claro está, que todos os meios de prova sejam escrutinados quanto ao seu interesse e ao seu valor. Sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º CPP) é necessário que o processo de formação dessa convicção seja explicado, esclarecendo-se nomeadamente porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos está de acordo com as regras da experiência e, por isso, é credível; é preciso, dar o passo seguinte que consiste exactamente em esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do seu teor com as tais regras da experiência. Tanto mais detalhadamente quanto a decisão esteja em aparente desconformidade com essas regras.
Num sistema como o nosso em que a prova não é tarifada, não podemos olvidar que o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova, não estando inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta, nem das declarações de uma única testemunha ( O provérbio “testis unus testis nullus” não tem, pois, definitiva relevância, apesar de muito ancestral. É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições (Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187).), seja ou não vítima (ofendido), desde que credíveis e coerentes, de maior ou menor idade, as quais, ainda que opostas, em maior ou menor medida, ao depoimento do arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória, se depois de examinadas e valoradas as versões contraditórias apresentadas se considerar verdadeira a contida naquelas declarações, em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso.
Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos ( A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.).

Analisemos, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos da impugnação deduzida.
Para fundamentar essa impugnação, o recorrente remeteu para os depoimentos produzidos em audiência, indicando as respectivas passagens da gravação. Em suma, diz, por um lado, que o Tribunal não deu como inteiramente provado o declarado no depoimento prestado pela testemunha B. J., mas, por outro lado, também defende que o juízo feito pelo tribunal recorrido não poderia ter assentado nesse mesmo depoimento, antes o deveria ter desvalorizado por ser contraditório com o depoimento do próprio arguido/recorrente.
Contudo, sendo de verificação, praticamente, impossível a produção de prova sem discrepâncias ou contradições, ou, mesmo, sem divergência inconciliável, a sua existência não pode impedir o tribunal de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de acordo, como se disse, com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
Após audição dos aludidos depoimentos, incluindo os segmentos não referenciados pelo recorrente, podemos, desde já, adiantar que a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto não merece censura no que a mesma encerra de essencial ou substancial, embora também não se possa afirmar que, por um lado, a formulação da sua motivação prime pela clareza quanto à expressão da convicção formada pelo Senhor Juiz acerca do depoimento do ofendido e (única) testemunha e, por outro, tenha feito uma adequada ponderação de todos os meios de prova produzidos, quanto aos elementos circunstanciais e ao completo alcance da actuação do arguido: é o que sucede na parte em que na enunciação dos factos tidos por assentes se deu como provado que os mesmos ocorreram pelas 9 horas do dia 13 de Julho de 2014, que, no primeiro momento dos factos, B. J. se encontrava a meio da rampa e que, alguns minutos mais tarde, quando este percorria o parque à procura do arguido, este disse-lhe: «filho da puta», «Se fizeres algo à viatura, passo-te por cima. Ia-te passar por cima e volto a fazer».
Concretizando.
Da audição dos depoimentos constantes do mencionado registo audiofónico, constatamos que apenas foram produzidos dois depoimentos em audiência, o do arguido e o do ofendido, ambos, obviamente, com interesses diametralmente opostos, sem que os factos tivessem sido presenciados por qualquer outra testemunha.
O arguido prestou declarações sobre os factos pelos quais se encontrava acusado, admitindo que em dia que não soube precisar, mas seguramente em hora diferente daquela que consta da acusação, porque precisava de ir buscar uma sua filha que tinha dificuldades em se locomover, e verificando que a entrada para o piso onde tinha combinado ir buscá-la se encontrava fechado, prosseguiu a marcha, circulando com muito cuidado; quando já estava quase no final da rampa apareceu a testemunha B. J. tentando impedir-lhe de estacionar o carro; negou que tivesse chegado a embater com o veículo no mencionado B. J., dizendo «nem tocou com uma unha no indivíduo», e que tivesse proferido a expressão «sai da frente senão passo-te por cima».
Por sua vez, o ofendido B. J., embora não se recordando do dia em que aconteceram os factos, mas situando-os pela manhã do dia em que os denunciou, assegurou, coerentemente e de modo lógico, que, quando se encontrava no fundo da rampa do 1º piso, avistou o veículo do arguido, que descia do 2º piso para o 1º piso, passando um sinal de Stop; então, fez-lhe sinais com os braços para lhe indicar que não era possível circular nesse sentido, mas o arguido acelerou mais o veículo na sua direcção, tendo-lhe tocado apenas de raspão na zona do joelho da perna esquerda, porque ele, entretanto, dera um salto, e disse ao depoente «sai da frente senão passo-te por cima»; posteriormente, procurou o veículo do arguido e interpelou este perguntando-lhe se ele tinha a noção do que tinha feito, tendo-lhe o mesmo respondido que voltaria a fazer o mesmo [inicialmente, a testemunha referiu que o arguido lhe dissera «se fazes alguma coisa à viatura faço-te o mesmo», mas, depois, a
cabou por afirmar que não poderia asseverar ter sido essa a expressão exacta proferida por aquele].
A par destes depoimentos encontram-se juntos aos autos cópia de um relatório de ocorrências datado do dia 26/06/2014, referenciando os factos em discussão nos autos e, ainda, o auto de notícia de fls. 3.
Ora, apesar de o depoimento prestado pelo ofendido ter sido, por si só, claro e convincente, o mesmo foi complementado e coadjuvado pelo depoimento do próprio arguido que, embora não assumindo na sua plenitude os factos, acabou por confirmar a sua ocorrência, conferindo àquele, assim, ainda maior consistência de forma. Ambos os enunciados elementos, devidamente ponderados segundo as regras da lógica e da experiência comum, permitem que se retire, sem qualquer dúvida, a conclusão de que o arguido protagonizou a actuação descrita nos factos considerados provados, na sua essencialidade, embora com as rectificações e esclarecimentos que, de seguida, se enunciarão.
Com efeito, tal como defendido pelo arguido/recorrente e pelo Sr. Procurador-Geral Adjunto, os factos não poderiam ter-se verificado no dia e na hora referidos no rol dos factos provados: o arguido e o ofendido não só não souberam indicar o dia e a hora em que os mesmos ocorreram como afirmaram, categoricamente, que não o foi naqueles que constam da acusação, tendo o ofendido declarado que foi no mês de Maio ou Junho de 2014, mas em data anterior ao relatório que se encontra junto aos autos.
Para além disso, subsiste o auto de notícia de fls. 3, datado de 13/7/2014, mas de cujo teor se retira que os factos terão ocorrido cerca de um mês e meio antes dessa data. Por outro lado, o mencionado relatório de ocorrências situa os factos no dia 26/6/2014, contra o afirmado pelo ofendido, que referiu uma data anterior.
Assim, perante o exposto, é incompreensível, que o Sr. Juiz tivesse considerado que os factos ocorreram no dia 13/07/2014, pelas 9 horas, pois apenas temos como adquirido que os mesmos se verificaram em dia e hora não concretamente determinadas do mês de Maio ou Junho mas em data anterior ao dia 26/6/2014.
Também, ao invés do que foi considerado na sentença recorrida, entendemos que os examinados elementos de prova não permitem sustentar a ilação de que naquele circunstancialismo o ofendido se encontrava no meio da rampa por onde o arguido passou a circular.
E o mesmo se deve dizer quando naquela decisão se afirma que, alguns minutos mais tarde, o arguido proferiu a seguinte expressão: «filho da puta. Se fizeres algo à viatura, passo-te por cima. Ia-te passar por cima e volto a fazer». Com efeito, quanto ao primeiro segmento, essa particular circunstância foi negada pelas partes envolvidas, tendo o ofendido afirmado, categoricamente, que se encontrava no fundo da rampa de acesso ao 2º piso. Quanto ao segundo aspecto, tão-somente, nos resta, a declaração do ofendido que, apesar de ter sido insistentemente instado [sobre esta particular questão, o Sr. Juiz perguntou directamente à testemunha se o arguido tinha proferido a dita expressão, tendo a mesma respondido «desculpe mas não me recordo»], não asseverou ter sido essa a expressão exacta proferida pelo arguido, quando o interpelou sobre se ele tinha a noção do que tinha feito, apenas assegurando que este lhe respondeu que voltaria a fazer o mesmo. Como quer que seja, a motivação da decisão da matéria de facto explanada na sentença recorrida é totalmente omissa na enunciação do exame crítico que, eventualmente, possa ter sido feito em relação aos elementos de prova em que o tribunal se ancorou para sedimentar a convicção que o levou a ter como adquirido que o arguido proferiu aquela outra expressão.
Assim sendo, parece-nos incontornável que estamos perante um caso de absoluta ausência de provas que minimamente sustente esses segmentos da decisão sobre a matéria de facto. Por isso, não se mostrando explicado nos meios de prova produzidos o processo de formação da convicção sobre os mesmos, estes não colhem justificação na livre apreciação da prova ou na livre convicção do julgador (art. 127º CPP), pois, como se disse, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis.
Com efeito, os meios de prova produzidos apenas permitem, sem margem para qualquer dúvida, concluir que: nas circunstâncias de lugar descritas na sentença, o arguido começou a descer com o automóvel, de matrícula ...... a rampa de acesso ao parque do primeiro piso, em sentido contrário ao estabelecido e, nessa ocasião, B. J., que exercia as suas funções de segurança do referido espaço comercial, levantou e fez movimentos com o braço, indicando que não se podia descer, ao mesmo tempo que dizia para o arguido “pare, não pode descer, é sentido proibido e o parque está lotado”; então, o arguido acelerou a marcha do automóvel na direcção de B. J., só o atingindo de raspão no joelho esquerdo com o pára-choques, em virtude de este se ter prontamente desviado, saltando para o seu lado esquerdo, tendo o arguido dito a B. J. «sai da frente senão passo-te por cima». Momentos mais tarde, o arguido disse ao B. J. que voltaria a fazer o mesmo quando o este o interpelou sobre o que ele tinha feito.
Assim, impõe-se alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, quanto aos pontos 1 e 3 a 6, de forma a nela fazer constar o seguinte:
«1. Em dia e hora não concretamente apurados do mês de Maio ou Junho de 2014, mas anterior ao dia 26/6, o arguido deslocava-se com o automóvel, com a matrícula ......, no interior do parque de estacionamento do “…Shopping”, sito na Alameda .., em Guimarães.
3. Nessa ocasião, B. J., que exercia as suas funções de segurança do referido espaço comercial e se encontrava no fundo da rampa, colocou-se em frente ao automóvel e levantou e fez movimentos com o braço, indicando que não se podia descer, ao mesmo tempo que dizia para o arguido “pare, não pode descer, é sentido proibido e o parque está lotado”.
4. e 5. Então, o arguido acelerou a marcha do automóvel na direcção de B. J., só o atingindo de raspão no joelho esquerdo com o pára-choques, em virtude de B. J. se ter prontamente desviado, saltando para o seu lado esquerdo, tendo aquele dito a este «sai da frente senão passo-te por cima».
6. Alguns minutos mais tarde, quando B. J. percorria o parque à procura do arguido, este cruzou-se novamente consigo e disse-lhe que voltaria a fazer o mesmo quando aquele o interpelou sobre o que ele tinha feito.
Quanto ao demais, da conjugação dos elementos probatórios ressalta uma imagem lógica do que realmente aconteceu, sem que subsistam dúvidas de que o arguido, naquelas circunstâncias de lugar, cometeu os factos tidos por provados. É o que também resulta da acima transcrita motivação da decisão sobre os factos constantes da sentença recorrida, com que o Senhor Juiz indicou os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção e as razões pelas quais relevaram os meios de prova de que se socorreu e obtiveram credibilidade no seu espírito. Como escreveu nessa motivação, pese embora as apontadas deficiências, para a formação da sua convicção sobre a realidade dos factos ora impugnados, foi determinante o referenciado depoimento do ofendido, que, com apoio na imediação e na oralidade da sua produção, se lhe afigurou ser congruente e credível, à luz das regras da experiência comum.
Ao recorrente assistia, evidentemente, o direito de apresentar a versão que lhe aprouvesse e que tivesse por mais adequada à sua defesa. Porém, o mesmo limitou-se a alegar que não foi feita a prova dos factos em julgamento, sem apontar argumentos ou provas válidas que imporiam uma decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal, à excepção dos aludidos segmentos referentes às circunstâncias temporais e espaciais e à expressão proferida pelo arguido quando o ofendido o interpelou.
Realmente, não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de 1ª instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes é necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, por violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais.
Por fim, dir-se-á que é certo que, se existisse a possibilidade razoável de uma solução alternativa ou de uma explicação racional e plausível diferente, dever-se-ia assentar a decisão na que se mostrasse mais favorável ao arguido, de acordo com o aludido princípio in dubio pro reo. Contudo, o apelo a este princípio, fundamentalmente como corolário da apreciação que o recorrente fez da prova, não colhe no caso em apreço, porquanto não se demonstra que o tribunal de 1ª instância se tivesse defrontado com qualquer dúvida na formação da convicção, contra ele resolvida.
Efectivamente, atentando na motivação da decisão de facto, logo se constata que o Senhor Juiz não ficou em estado de dúvida: fica-se a conhecer o processo de formação da sua convicção, através do enunciado sobre o exame crítico da prova, com a justificação das razões pelas quais foi valorado e tido em consideração essencialmente o depoimento do ofendido, em conjugação com as próprias declarações do arguido, como acima se deixou explicitado.
E, conforme já exposto, a este Tribunal de recurso também não se antolha que se estribe na prova produzida réstia de dúvida sobre a prática pelo arguido de tais factos e, consequentemente, também nós concluímos que, com as referidas ressalvas, foi acertada a avaliação feita em 1ª instância da prova produzida em audiência. Na verdade, todos os aduzidos elementos, conjugados entre si, analisados criticamente, segundo o indicado critério de probabilidade lógica prevalecente, facultam as expostas ilações quanto à matéria em apreço, incompatíveis com o acolhimento do sentido por que pugnou o recorrente quanto aos pontos referidos no recurso. Assim, perante a prova produzida, pensamos que, descontados os pontuais e concretos erros de julgamento indicados, não se detecta qualquer outra patente irrazoabilidade na convicção probatória formada pelo julgador (com imediação).

Por conseguinte, apenas procede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto na parte alterada e improcede no demais.

2.1. A tipicidade do crime de ofensa à integridade física qualificada.
O recurso, para além de ter visado o reexame da matéria de facto, tem ainda como escopo o reexame da matéria de direito limitada à absolvição do recorrente pelos crimes de ofensa à integridade física qualificada e pelo crime de coacção agravado na forma tentada p. e p. respectivamente, pelos arts. 143º, nº 1 e 145º, nsº 1, al. a) e 2, com referência ao art.º 132º, nº 2, al. h), 22º, 23º, 154º, nº 1 e 2, e 155º, nº 1, alínea a), do Código Penal, por que foi condenado.
Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, mas se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido com pena de prisão até quatro anos (cf. arts. 143º e 145º, nº 1 a) do Código Penal).
Nesta matéria, dispõe o artigo 25º, da Constituição que «A integridade moral e física da pessoa é inviolável», o que concede um direito a ninguém ser agredido ou ofendido no corpo ou espírito.
O tipo legal do crime em apreço integra-se no Título I, dedicado aos crimes contra as pessoas e, dentro deste, no Capítulo III, relativo aos crimes contra a integridade física, do Livro II, e tem como ratio a protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.
Pretende-se, com a citada prescrição, proteger a integridade física da pessoa humana, integridade entendida como corporal e psíquica e, por consequência, punir o agente que inflige na vítima «mau trato através do qual [aquela] é prejudicada no seu bem estar físico de forma não insignificante» (ofensa no corpo), ou age de modo a pôr «em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a» (lesão da saúde) ( Paula Ribeiro de Faria, in citado Comentário Conimbricense … I, pp. 202 e ss. Assim, o bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana, englobando o tipo legal um determinado resultado quer através de ofensas no corpo, quer lesando a saúde. Quando se fala em ofensa no corpo, abrange-se o mau trato através do qual o agente é afectado no seu bem-estar físico.).
Com efeito, considerado o princípio da fragmentaridade do direito penal, vertido no art. 18º, nº 2 da Constituição, a ofensa ao corpo ou à saúde prevista na norma do art. 143º, nº 1 deve ser determinada objectivamente e não pode ser insignificante, diminuta ou ligeira ( A este propósito, é de lembrar a lição de F. Dias (Direito Penal - Sumários, Coimbra, 1975, p. 153) sobre uma “cláusula restritiva de inadequação social.”).
Sendo elemento objectivo do tipo de ilícito qualquer ofensa no corpo ou na saúde de outrem, ainda que não cause dor ou sofrimento, o crime de ofensa à integridade física é um crime de resultado, na medida em que supõe tal dano, imputado objectivamente à conduta do agente, cuja consumação depende da verificação da ofensa entendida como efeito e não como acção de ofender. «O tipo legal em análise abrange (…) um determinado resultado que é a lesão do corpo ou saúde de outrem, fazendo-se a imputação objectiva deste resultado à conduta ou à omissão do agente de acordo com as regras gerais» (art. 10) ( Paula Ribeiro de Faria, Ibidem.).
É também um crime de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito, que pode ser uma ofensa no corpo ou uma ofensa na saúde da pessoa visada.
Subjectivamente, para o preenchimento do mesmo crime, é imposto que o agente actue com consciência e vontade de que a sua conduta lesa o corpo ou a saúde de outra pessoa. Tem como elemento subjectivo o dolo, em qualquer das suas modalidades, dolo, que deve ser dirigido à ofensa do corpo ou da saúde de terceiro, sendo irrelevante a motivação do agente ( Portanto, nos termos do art. 14º do CP, é indispensável que o agente, para além de representar aquelas lesões ou resultados, actue com intenção de as conseguir (dolo directo), as preveja como resultado necessário do seu comportamento voluntário (dolo necessário) ou, pelo menos, as admita como consequência possível e, não obstante, prossiga na sua actuação conformando-se com a ocorrência de tal resultado (dolo eventual).).

Resultou provado que, em dia não concretamente apurado, mas anterior a 26/6/2014, o arguido deslocava-se com o automóvel, de matrícula ......, no interior do aludido parque de estacionamento. A certa altura, começou a descer a rampa de acesso ao parque do primeiro piso, em sentido contrário ao estabelecido. Nessa ocasião, B. J., que exercia as suas funções de segurança do referido espaço comercial, encontrava-se no fundo da rampa, colocou-se em frente ao automóvel e indicou ao arguido que não se podia descer, ao mesmo tempo que lhe dizia para «pare, não pode descer, é sentido proibido e o parque está lotado». Então, o arguido acelerou a marcha do automóvel na direcção do corpo de B. J., atingindo-o de raspão no joelho esquerdo com o pára-choques, em virtude de o mesmo se ter prontamente desviado, saltando para o seu lado esquerdo. Perante isto, não restam dúvidas que o arguido praticou factos que se subsumem aos elementos objectivos e subjectivos – estes na modalidade de dolo directo – do citado tipo de ilícito.
De facto, da factualidade apurada extrai-se que o arguido, intencionalmente, atingiu a integridade física do ofendido, pelo que, no caso vertente, dúvidas não restam que a integridade física de outra pessoa foi violada, dolosamente pelo arguido, verificando-se, pois, os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito do citado art. 143º.
Resta apurar se a descrita conduta reveste características tais que a tornem especialmente censurável ou perversa, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2, do artigo 132º do Código Penal, isto, é se o crime de ofensa à integridade física praticado pelo arguido deve ser qualificado nos termos preconizados na decisão recorrida.
São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 132º, nas quais se inclui a de o agente praticar o facto utilizando meio particularmente perigoso. [cf. al. h)]. No Código Penal português o crime de ofensa à integridade física qualificada está construído, à semelhança do homicídio qualificado, para o qual é feita a remissão, segundo a técnica dos exemplos-padrão (“regelbeispieltechnik”): no nº 1 está configurada a tipicidade da qualificativa e no nº 2 faz-se uma indicação meramente exemplificativa de alguns índices que poderão revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que o tipo se refere. É o que resulta do disposto no nº 1 do art. 145º e da remissão que no n.º 2 do mesmo preceito se faz para o art. 132º, nº 2 ( Cumpre salientar, antes de mais, na esteira de Maia Gonçalves (In “Código Penal Português” Anotado e Comentado - 14ª Ed. - 2001 - pp. 444 e ss) que a enumeração das circunstâncias susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade feita no Artº 132º não é taxativa, mas exemplificativa, e que as enunciadas no nº 2 não são elementos do tipo, mas antes elementos da culpa. O que significa que não são de funcionamento automático, bem podendo dar-se o caso de se verificar qualquer das circunstâncias referidas nas várias alíneas, e nem por isso se poder concluir pela especial censurabilidade ou perversidade do agente.
A propósito desta técnica legislativa, salientou Eduardo Correia, na 2.ª sessão da CRCP (Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal (Parte Especial), ed. da AAFDL., Lisboa, 1979, p. 21), que «por um lado as circunstâncias enunciadas no n.º 2 não são elementos do tipo antes elementos da culpa. Portanto não são de funcionamento automático: pode verificar-se qualquer das circunstâncias referidas nas várias alíneas e nem por isso se poder concluir pela especial censurabilidade ou perversidade do agente. Por outro lado, como a enumeração é meramente exemplificativa, outras circunstâncias não escritas são susceptíveis de revelar a censurabilidade e a perversidade pressupostas no n.º 1.».).
Segundo a decisão recorrida, a conduta do arguido integra o exemplo padrão da já referida alíneas h) do nº 2 do art. 132º.
Por especialmente censuráveis deve entender-se as circunstâncias de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores; e por especial perversidade tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade, o que pode reconduzir-se à atitude má, de crasso e primitivo egoísmo do agente ( V. Teresa Serra, in Homicídio qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1990, pág. 63 e 64.
A censurabilidade que constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa e a perversidade que se reporta a uma atitude rejeitável face à personalidade do agente, uma concepção que propicia uma concepção emocional da culpa.).
Ou, no dizer de F. Dias, a especial censurabilidade refere-se a condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas; e a especial perversidade refere-se àquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas ( Citado Comentário …, I p. 29. O legislador adoptou a técnica dos exemplos-padrão, através da qual faz derivar a qualificação «(...) da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrita com recurso a conceitos indeterminados: a ‘especial censurabilidade ou perversidade’ do agente referida no n.º 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no n.º 2.» (Autor cit., ibidem, p. 26).).
Tais elementos são referentes ao tipo de culpa do agente, o que determina que «(...) a [sua] verificação (...) não leva, só por si, ao agravamento da censura penal, sendo indispensável ainda apurar, no caso concreto, se o índice em causa tem a virtualidade de revelar força que justifique tal agravamento (...)» ( V. Leal-Henriques e Simas Santos, in Código citado, 2º vol., p. 39.).
Entendeu o legislador que a agressão perpetrada com meio particularmente perigoso, em razão de qualquer das aludidas circunstâncias, seria susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade.
No entanto, torna-se necessário que a conduta do agente, em concreto, revele uma especial censurabilidade ou perversidade que justifique, pela referida utilização do meio, a maior severidade da punição devida. E, subjectivamente, o juízo de especial censurabilidade só é sustentável se o agente actuar com consciência e vontade de que a sua conduta lesa o corpo ou a saúde de uma pessoa nessa condição de especial vulnerabilidade, ou seja, se o elemento subjectivo, o dolo, também abranger essa condição reveladora da especial censurabilidade ou perversidade.
No caso dos autos, conforme se logrou apurar, a agressão foi levada a cabo com a utilização de um meio ou instrumento – veículo automóvel – que, pelas suas características, além de dificultar de modo exponencial a defesa da vítima, revela uma perigosidade muito superior ao normal, marcadamente diverso e excepcional em relação aos meios ou instrumentos mais comuns de agressão, com aptidão para provocar danos físicos e já de si perigosos ou muito perigosos ( Cf., neste sentido, o Ac. do STJ de 23-02-2012 (p. 123/11.0JAAVR.S1 - Rodrigues da Costa), referenciando também os Acs. do STJ de 02-03-2006, Proc. n.º 472/06 - 5.ª, e de 05-09-2007, Proc. n.º 2430/07 - 3.ª.). Com efeito, o uso do veículo em aceleração, numa descida, dificultou a defesa do ofendido, apenas lhe tendo valido a sua prontidão e destreza para saltar sob pena de mais graves consequências.
Portanto, o arguido utilizou um meio com que colocou o ofendido numa situação de dificuldade exponencial de defesa, conduta que revela insensibilidade e desvenda uma “imagem global do facto agravada” ( Leal-Henriques e Simas Santos, in loc. citado, p. 26.), passível de sustentar um juízo de especial censurabilidade especial censurabilidade, por fundar um juízo de maior desvalor ético, quando confrontada com os procedimentos de agressão comummente adoptados.
E, subjectivamente, também se comprovou que o arguido, ao acelerar a velocidade do automóvel na direcção do corpo do ofendido, actuou com consciência e a vontade de lesar a saúde de uma pessoa, apesar de saber que aquele era um meio particularmente perigoso para lesar a integridade física, ou seja, no caso concreto, o dolo do arguido também abrangeu essa condição de especial vulnerabilidade em que o mesmo colocou o ofendido.
O que permite concluir que o arguido agiu de uma forma especialmente censurável, porquanto adoptou uma conduta ostensivamente contra legem, passível, assim, de uma maior censura jurídico-penal, sustentada pela prevalência, no seu íntimo querer, de uma forma de realização do facto especialmente desvaliosa, pois visou atingir corporalmente uma pessoa dificultando a sua defesa, em razão da enorme supremacia que lhe conferia o veiculo automóvel e da exponencial perigosidade deste.
Assim, nenhuma censura merece a decisão recorrida ao ter concluído que o arguido, com a sua conduta, preencheu todos os elementos objectivos e subjectivos de um crime de ofensas à integridade física qualificada, previsto nos artigos 143º, nº 1 e 145°, nº 1, a) e 132°, n° 2 h).

2.2. A tipicidade do crime de coacção agravada.
Dispõe o art. 154º, nº 1, do C. Penal que «quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa
O bem jurídico protegido por esta incriminação é a liberdade de decisão e de acção, as quais são «como que o lado interno e o lado externo da liberdade de acção» ( Taipa de Carvalho, ibidem, p 354.).
O crime não só abrange as acções que apenas restringem a liberdade de decisão e de acção – as acções de constrangimento em sentido estrito, ou seja a tradicional vis compulsiva –, mas também as acções que afectem os pressupostos psicológico-mentais da liberdade de decisão, isto é a própria capacidade para decidir – como são as hipóteses de coacção mediante hipnose ou intoxicação ( Taipa de Carvalho, ibidem.). Foi o que concluiu o Ac. desta Relação de 30-05-2012 ( P. 264/09.4GAPCR.G1 - Fernando Monterroso.): «Para o preenchimento do crime de coacção não basta que alguém seja impedido de ter determinado comportamento: é, ainda, necessário que a omissão se deva ao uso de violência ou de ameaça de um mal importante. O conceito de violência abrange quer o uso da força física, que tem um efeito corporal, quer a chamada violência psíquica, que é uma pressão anímica exercida sobre a vítima, que anula, ainda que parcialmente, a sua vontade ou que a coloca numa situação de inferioridade que a impede de reagir como quer.».
O tipo objectivo de ilícito consiste em constranger outra pessoa a adoptar um determinado comportamento: praticar uma acção, omitir determinada acção, ou suportar uma acção. Constranger é obrigar alguém a assumir uma conduta que não depende da sua vontade, assim violando a liberdade de autodeterminação do sujeito passivo.
Porém, para o preenchimento do crime de coacção, não basta que alguém seja impedido a ter determinado comportamento, é, ainda, necessário que a omissão se deva ao uso de violência ou de ameaça de um mal importante, o que significa que se trata de um crime de execução vinculada ou de processo típico. Por violência entende-se o acto de força, quer seja físico, quer seja psicológico ( Segundo Leal-Henriques e Simas-Santos (Código Penal, II, Lisboa: Rei dos Livros, 1997, p. 193) a violência pode, assim, apresentar-se sob diversas modalidades: (i)) própria ou física, quando se emprega a forma física, a vis corporalis; (ii)) imprópria, quando se utiliza outro meio, como por exemplo o hipnotismo, a embriaguez; (iii)) directa, quando se exerce sobre a própria vítima (v.g., amordaçando-a); e (iv)) indirecta, quando se exerce sobre uma coisa ou outra pessoa vinculada ao ofendido (v.g., cortando a água ou a luz de uma casa para obrigar o inquilino a sair).).
Relativamente ao conceito de ameaça, como meio do crime de coacção, deve a mesma revestir os mesmos requisitos que são pressuposto do crime de ameaça do art. 153º – ou seja, o conceito pressupõe que o agente comine, ao sujeito passivo, um mal futuro, dependente da sua [do agente] vontade ( Esse mal deve ser importante, entendendo-se como tal aquele que é, nas circunstâncias do caso concreto, susceptível ou adequado a vencer a vontade do ameaçado. Há, portanto, que relacionar a importância ou a gravidade do mal ameaçado com a exigência típica da adequação (imputação objectiva) deste a constranger o ameaçado. Mal adequado é aquele que, tendo em conta as circunstâncias concretas, é susceptível de coarctar a liberdade de decisão ou de acção do ameaçado (cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 1995, p. 608).
Trata-se, assim, de um critério objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevâncias das sub-capacidades do ameaçado) – cfr. Taipa de Carvalho, loc. cit., p. 358.
A propósito do conceito de mal futuro, afirma-se, no Ac. da RP de 25.1.2006 (p. 0544124 - Isabel Pais Martins), que para se ter «por preenchido o tipo objectivo do crime de ameaça, é necessário, desde logo, que o mal ameaçado seja futuro. O mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal» (No mesmo sentido, vide os seguintes arestos, também da RP: Ac. de 27.11.2004, processo n.º 0414654; Ac. de 20.12.2006, processo n.º 0645320; Ac. de 28.11.2007, processo n.º 0712156; Ac. de 28.05.2008, processo n.º 0841544; todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
«[E]sta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex., haverá ameaça, quando alguém afirma “hei-de-te matar”; já se tratará de violência, quando alguém afirma: ”vou-te matar já”. Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa [cf. Art. 22.º-2 c)]» (Taipa de Carvalho, loc. cit., p. 348). «[S]eja qual for a qualidade do mal ameaçado exigida pelo tipo legal, poder-se-á dizer que, após o processo de desmaterialização do conceito de violência – processo este que conduziu a um alargamento deste conceito – a distinção principal entre o conceito de violência e o conceito de ameaça reside na actualidade ou na futuridade do mal» (mesmo autor loc. cit., p. 355 - 356).).
Quanto ao elemento subjectivo, exige-se o dolo, que se basta «com a consciência (representação e conformação) de que a violência que exerce ou a ameaça que faz é susceptível de constranger e com tal se conforme» ( Taipa de Carvalho, ibidem, p 359.).
Por fim, a coacção é um crime de resultado (“constranger outra pessoa a…”). A consumação pressupõe que a pessoa objecto da acção tenha, efectivamente, sido constrangida a praticar a acção, a omitir a acção ou a tolerar a acção, de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade. E que esse constrangimento tenha sido uma consequência directa e necessária da conduta do arguido. Se a conduta (acção, omissão ou tolerância de uma determinada acção) do destinatário da coacção for livremente decidida ou devida ao apelo de terceiros e não consequência ou resultado directo da acção de coacção, não há consumação, mas mera tentativa. «A consumação do crime de coacção basta-se com o simples início da execução da conduta coagida», sendo a tentativa punida nos termos do n.º 2 do art. 154º (o mesmo sucedendo quando está em causa qualquer das circunstâncias que agravam a pena) ( Ibidem.). «A tentativa é uma extensão da incriminação de um determinado tipo de crime. Só se verifica quando o agente inicia a prática dos actos objectivamente necessários para a realização do crime, mas não se produz o resultado por circunstâncias estranhas á vontade do agente (portanto, em que não há desistência ou impedimento voluntário do resultado), subsistindo apenas o perigo de lesão do bem protegido na norma incriminadora.» ( Ac. da RC de 2-10-2013 (p. 141/10.6GBPCV.C1 - Cacilda Sena).).
No caso vertente, a decisão recorrida erigia o crime de coacção na forma tentada que assacou ao arguido – na sequência da comunicação da alteração da qualificação jurídica – por este ter dito ao ofendido «Filho da puta. Se fizeres algo à viatura, passo-te por cima. Ia-te passar por cima e volto a fazer», com o propósito «de fazer crer a B. J. que o iria novamente agredir com o automóvel, de forma a obrigá-lo a deixar de cumprir as suas funções, o que não conseguiu por motivos estranhos à sua vontade».
Assim, em face da decidida alteração quanto à matéria de facto, impõe-se a absolvição do arguido do crime por que foi condenado: perante a factualidade assente, delimitadora do conhecimento deste Tribunal, não se retira da factualidade provada matéria que suporte, suficientemente, o crime de coacção agravada na forma tentada em que a decisão recorrida assentou, como demonstrámos, nem o de qualquer outro ilícito, nomeadamente o crime de ameaças, como veremos.
Aliás, mesmo sem o ora decidido quanto à matéria de facto, a factualidade tida por provada em 1ª instância não preencheria a prática pelo arguido do aludido crime de coacção agravado na forma tentada, pelo qual o mesmo foi condenado.
Efectivamente, caso essa factualidade se tivesse provado, não teríamos qualquer acto de força, de cariz psicológico, desencadeado pelo arguido para constranger o ofendido a adoptar um comportamento ou omitir qualquer acção, que, uma ou outra, apenas não se tivesse concretizado por motivos alheios à sua vontade. Depararíamos, sim, apenas com a cominação do arguido, ao ofendido, de um mal futuro, dependente da sua vontade e, em abstracto, adequada a produzir neste receio e inquietação, ou seja, o arguido, no descrito circunstancialismo, teria ameaçado o ofendido, com a prática de um crime, conduta, em abstracto, idónea a ser subsumida a parte da previsão do arts. 153º, nºs 1 e 155º, nº 1, alínea a) do Código Penal.
Na verdade, não obstante a acima mencionada alteração da qualificação jurídica, de um crime de ameaças para o de coacção tentada, manteve-se então inalterada a imputação quanto o elemento subjectivo do putativo ilícito criminal, com este teor: «o arguido agiu com o propósito de fazer crer a B. J. que o iria novamente agredir com o automóvel, de forma a obrigá-lo a que não fechasse o acesso ao parque de estacionamento do primeiro piso, o que não conseguiu por motivos estranhos à sua vontade».
Contudo, depois do julgamento, apenas ficou a constar da decisão recorrida que o arguido agiu com o propósito já descrito (« …de forma a obrigá-lo a deixar de cumprir as suas funções»), sem que tal suposto facto do foro psicológico encontre conexão alguma, por mínima que seja, com qualquer dos factos objectivos tidos por provados: atendendo a que passou para o elenco dos factos não provados o desiderato principal do arguido – segundo a imputação que lhe era feita, seria o de obrigar o B. C. a que não fechasse o acesso ao parque de estacionamento do primeiro piso –, afinal, a que funções se refere o Senhor Juiz?
Assim, desconhecendo-se o tipo de acção ou omissão que o arguido pretenderia que o B. C. adoptasse, sempre inexistiriam factos suficientes para enquadrar a conduta do arguido no crime de coacção agravada, na forma tentada.
Por outro lado, tendo-se constatado que os elementos objectivos do comportamento do arguido apenas seriam susceptíveis de enquadrarem parte da previsão do crime de ameaças, sempre estaria ausente o elemento subjectivo integrante da tipicidade deste, necessário para a condenação do arguido, falta que não pode agora ser colmatada, porque já se verificava na acusação pública, que definiu e delimitou o objecto do processo, como é pacífico e resulta do entendimento firmado pelo acórdão de fixação de jurisprudência nº 1/2015: «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.».

3. A medida da pena.
O recorrente também se insurge contra a medida da pena que lhe foi aplicada, pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, sustentado que deve ser condenado numa pena de multa fixada no mínimo legal, atentas, nomeadamente as suas condições económicas ou no limite numa pena de prisão de um mês substituída por pena de multa. Vejamos.
Labora o recorrente num manifesto lapso, porque o crime de ofensa à integridade física qualificada pelo qual o mesmo foi condenado é punível com pena de prisão de um mês a quatro anos nos termos do disposto nos arts. 143º e 145º, nº 1, alínea a) do Código Penal, não prevendo a respectiva moldura abstracta a pena alternativa de multa.
O bem jurídico que se visa proteger com esta incriminação é a integridade moral e física alheia, valor fundamental à vida em comunidade e à tranquilidade social sendo sabido que a violação de tal bem jurídico suscita intensa reprovação social.
Para esse efeito, deverá atender-se ao disposto no artigo 40º do Código Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.
Em consonância com o estipulado no nº 1, do art. 71º, do Código Penal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o art. 40º, nº 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena há, assim, que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, nº 2, do Código Penal).
Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.
Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» ( Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» ( Ibidem, p. 575.). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» ( Ibidem, p. 558.).
Em suma, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que «não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa» (cfr. art. 40º, nº 2, do Código Penal).
No caso vertente, resulta da matéria de facto, que o arguido nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados, embateu com o veículo automóvel que conduzia no corpo do ofendido, atingindo-o de raspão no joelho esquerdo com o pára-choques, em virtude de B. J. se ter prontamente desviado, saltando para o seu lado esquerdo, agindo com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde de B. J., bem sabendo que o meio utilizado é particularmente perigoso para lesar a integridade física e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
É, assim, muito acentuada a gravidade objectiva da conduta do arguido, pois que com ela atingiu um valor fundamental à vida em comunidade e à tranquilidade social, como é a integridade física alheia, como acima se disse, fazendo-o com a utilização de um meio particularmente perigoso, dificultando a reacção por parte do ofendido e colocando-o numa situação de especial debilidade. Assim, a violação, por essa sua conduta, do bem jurídico tutelado pelo citado ilícito, revelando a especial censurabilidade tida por idónea para o respectivo enquadramento, suscita intensa reprovação e realça, pois, as exigências de prevenção geral.
Por outro lado, no que respeita às necessidades de prevenção especial positiva ou de ressocialização, há que ponderar as circunstâncias de o arguido, apenas ter sofrido uma condenação, em 23/9/2013, pela prática de um crime de desobediência, se mostrar regularmente integrado do ponto de vista social, a par das suas fracas condições económicas, pois é reformado auferindo uma pensão no montante de apenas € 280 mensais, viver com uma filha doente (com problemas de mobilidade), reformada auferindo € 250 de reforma mensal e com uma neta menor.
Ora, sopesando todos os enunciados factos apurados quanto à pessoa do arguido e as considerações expendidas quanto à intensidade das exigências de prevenção geral, atinentes à necessidade da pena, factores, aliás, que foram devidamente ponderados na decisão recorrida, entendemos que a medida da pena que lhe foi imposta se mostra perfeitamente ajustada e adequado às particularidades do caso.
Neste conspecto, tal factualidade permite concluir que, atenta a natureza dos valores imprescindíveis à vida em comunidade por ele atingidos com a sua actuação e as consequentes exigências de prevenção já salientadas, as sentidas necessidades de prevenção geral, bem como a de procurar que o arguido não volte a delinquir serão satisfeitas com a pena de 6 meses imposta na decisão recorrida.
Conforme impõe o art. 43º do Código Penal, «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes» ( Uma pena de prisão fixada em medida não superior a um ano, para além de poder ser substituída por multa, nos termos dessa norma, também pode ser suspensa na execução (art. 50º) e ainda ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º), desde que se verifiquem os respectivos pressupostos. E, para além destas penas de substituição da prisão, em sentido próprio, porque cumpridas em liberdade, há ainda que contar com penas de substituição detentivas como sucede com o regime de permanência na habitação (art.44º), a prisão por dias livres (art.45º) e a prisão em regime de semidetenção (art.46º). ).
Estamos, assim, perante um poder-dever ou um poder vinculado sempre sujeito a uma devida e criteriosa fundamentação.
No caso vertente, o Sr. Juiz perfilhando o entendimento de que não existem fortes exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais por ofensa a bem jurídico de idêntica natureza e na esteira da política criminal de que as penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador, optou, e bem, por substituir esta pena por multa. Neste ponto, também se impõe fazer tal substituição e, afigurando-se-nos adequada a proporção encontrada em 1ª instância, optamos por fazê-lo por uma pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 6.
*
Decisão:
Pelo exposto, julgando-se o recurso parcialmente procedente, decide-se alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos sobreditos e, por consequência, alterar a decisão recorrida e condenar o arguido F. A. na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arts. 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, al. a) e 2, com referência ao art. 132º, nº 2, al. h), do C. Penal, absolvendo-o da acusação na parte respeitante ao crime tentado de coacção agravada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 154º, nº 1 e 2, e 155º, nº 1, alínea a), do C. Penal.

Sem tributação.
Guimarães, 06/02/2017
Ausenda Gonçalves

Fátima Furtado