Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
260/14.0GAALJ-A.G1
Relator: LAURA MAURÍCIO
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
ÂMBITO DE APLICAÇÃO
ARTºS 521
Nº 1
DO CPP
531º E 447-B. DO CPC
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A taxa sancionatória excecional prevista no artº 447º-B é um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que não visa sancionar erros técnicos, porque esses sempre foram punidos através do pagamento de custas, além das consequências que tivessem no desfecho das questões.

II) Apresentando o arguido a defesa de uma perspetiva dos factos diversa daquela que a decisão final acolheu, como sucede in casu, tal não implica utilização abusiva do processo, nem implica manobra dilatória, pelo que nada permite concluir que o arguido/recorrente tenha, com a junção aos autos do requerimento/peça processual (objeto de indeferimento e de taxação), visado desígnios alheios à realização da justiça material e, por isso, não se mostra justificada a aplicação da taxa sancionatória excecional.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório

No âmbito dos autos com o NUIPC nº260/14.0GAALJ foi, em 10.01.2018, proferido o seguinte despacho:

“O arguido António foi condenado nos presentes autos por sentença (fls. 64-74), pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.°, n.° 1, e 69.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano.
Na mesma sentença foi consignada a advertência expressa de que o arguido deveria entregar a carta de condução no Tribunal ou no posto policial mais próximo no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo art.° 348.° do Código Penal.

A sentença transitou em julgado em 2015/09/14 (fls. 93).
Por requerimento entrado nos autos em 2015/10/05 (fls. 95-97) o arguido procedeu à entrega nos autos da carta de condução.
Por ofício datado de 2016/04/12 (fls. 103) a GNR veio comunicar aos autos que o arguido foi surpreendido a conduzir veículo automóvel em 2016/03/26 por brigada de fiscalização, tendo-se colocado em fuga.

O arguido procedeu ao levantamento da carta de condução apreendida nos autos em 2016/10/07 (fls. 108).
Foi determinada a junção aos autos do CRC atualizado do arguido (111-114v).

Ordenou-se ainda a consulta das bases de dados do IMT. Autuados os resultados ali apresentados (fls. 116) constatou-se que o arguido havia requerido 2. via da carta de condução emitida em 2015/10/07, tendo-se posteriormente confirmado o motivo da emissão da mesma como tendo sido “extravio” da carta em 2015/09/30 (fls. 127).

Devidamente notificado para justificar o motivo da não entrega nos autos da carta de condução emitida em 2015/10/07, o arguido apresentou requerimento nos autos em 2018/01/04 (fls. 130-133), sustentando que se encontrava a trabalhar em Espanha durante o mês de setembro de 2015, tendo regressado a Portugal em 2015/10/01, altura em que deu conta de que tinha perdido a carta de condução, pelo que solicitou a emissão de 2ª via da mesma no IMT de Vila Real, tendo a sua mãe achado a carta “perdida” no bolso de umas calças suas, que então entregou ao Tribunal por via do requerimento supra aludido.

Mais sustenta que depois de receber a 2.ª via do IMT ficou convencido de que não teria que proceder à entrega daquela em virtude de o Tribunal já ter a anterior “perdida” e existir cruzamento de dados com as autoridades de trânsito e o IMT, sublinhado que nunca utilizou a carta de condução emitida como 2º via nem conduziu veículo.

Termina peticionando que se releve a não entrega da 2ª via da carta de condução emitida em 2015/10/07, indicando a sua mãe como testemunha da sua versão dos factos, disponibilizando-se para indicar mais.

Aberta vista, pelo Ministério Público foi promovido que se considere como não cumprida a pena acessória aplicada ao arguido nos autos, uma vez que a emissão de um novo titulo de condução determina a revogação automática do anterior emitido e entregue nos autos, tendo, com exceção de dois dias, o arguido tido sempre na sua posse a única carta de condução válida, bem como a notificação do arguido para no prazo de 10 dias juntar aos autos a carta de condução para cumprimento da pena acessória.

Importa apreciar.

Dispõe o art.° 69.°, n.° 3, do Código Penal que “no prazo de 70 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrará apreendido no processo”.

O art.° 500.°, n.° 2, do Código de Processo Penal estatui igualmente que “no prato de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, que a remete àquele, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo”.

O arguido foi condenado nos presentes autos pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.°, n.° 1, e 69.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano, tendo sido expressamente advertido da obrigação ínsita aos normativos supra citados, sob pena de prática de um crime de desobediência.

O arguido entregou a carta de condução nos autos em 2015/10/05, tendo obtido 2. ª via da mesma posteriormente junto do IMT, que a emitiu em 2015/10/07, apenas dois dias depois da entrega do título no Tribunal pelo arguido.

Nos termos do art.° 2.°, n.° 2, do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (Decreto- Lei n.° 138/2012, de 5 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 37/2014, de 14 de março), “a emissão de um título de condução pelo IMT, I.P., determina a revogação automática do título anteriormente emitido com o mesmo número”.

Daqui resulta que com a emissão em 2015/10/07 pelo IMT de 2.ª via da carta de condução a carta entregue pelo arguido no Tribunal foi automaticamente revogada.

Conforme vem sendo entendimento jurisprudencial, o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir, quando a carta de condução não se encontra apreendida nos autos quando do trânsito em julgado da sentença condenatória, apenas se inicia com a entrega voluntária ou com a apreensão do título que habilita à condução (cfr. AcTRP de 2016/12/15, proc. n.° 583/15.OPPPRT- A.P1, in www.dgsi.pt/).

Assumindo o Tribunal este entendimento, temos que apenas se encontrou apreendido nos presentes autos título de condução valido titulado pelo arguido durante dois dias, entre o ato de entrega nos autos da carta de condução ainda válida à data pelo arguido (2015/10/05) e a data em que esta foi automaticamente revogada por emissão de 2. ª via da mesma (2015/10/07).

Ou seja, o arguido apenas cumpriu a pena acessória de 1 ano de proibição e conduzir veículos a motor durante 2 dias.
Pelo que é entendimento do Tribunal que o arguido deverá entregar a carta de condução nos presentes autos no prazo de 10 dias, sob pena da prática de um crime de desobediência, nos termos do disposto no art.° 348.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
Sendo irrelevante ao entendimento supra propugnado a justificação apresentada pelo arguido nos autos.

Com efeito, importa sublinhar que o teor do requerimento do arguido apresentado nos autos em 2018/01/04 (fls. 130-133), desdobrado num aranzel pejado de inanidades e galimatias, constitui um insulto à inteligência do julgador, ora signatário, sendo de tal forma inverosímil que deverá — como será — devidamente sancionado.
É óbvio aos olhos do Tribunal que o arguido nunca perdeu a carta de condução, como a sua mãe não encontrou a carta “perdida” no bolso das suas calças de modo algum, sendo igualmente límpido que o arguido tenta abusivamente enganar o Tribunal sobre as suas reais intenções ao solicitar a emissão de 2ª via da carta de condução “perdida” (aspas propositadas).

Aliás, nem se entende a alegação do arguido (portador do 6.° ano de escolaridade, apenas, conforme resulta do teor da sentença condenatória proferida nos autos) de que tinha conhecimento da complexa rede de cruzamento de informações entre Tribunal-Autoridades Policiais-IIVÍT para justificar a sua omissão de comunicação aos autos do pedido de 2ª via da carta de condução, uma vez que, caso efetivamente a conhecesse, saberia bem que ao Tribunal seria muito fácil conhecer o seu comportamento, ora sob apreço, assim certamente o evitando.

Esta vem sendo, de resto, a tónica recente por parte dos arguidos condenados em sanções acessórias de proibição de conduzir veículos a motor nesta circunscrição judicial: entregam a carta de condução nos autos e, posteriormente, obtêm 2ª via da mesma julgando, por isso, que se habilitam a conduzir impunemente.

Sucede que o requerimento do arguido nos autos não se encontra apenas eivado de justificações saloias, mentindo o arguido descaradamente ao afirmar que nunca conduziu durante o período de suposto cumprimento da pena acessória.

Conforme sinteticamente proclamava George Washington, “it is better to offir no excuse than a bad one” (trad.: “é preferível não oferecer nenhuma desculpa do que oferecer uma má”).

É que, conforme resulta do teor do CRC do arguido junto aos autos, o mesmo foi condenado pela prática, em 2016/03/26, e por sentença transitada em julgado em 2017/01/25 (cfr. fis. 116v) pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punível pelo art.° 353 do Código Penal.

Condenação que sucedeu na sequência de fuga do arguido a fiscalização de trânsito efectuada pela GNR em 2016/03/26 e sinalizada nos autos (fls. 103).

Tudo isto não obstante a expressa advertência constante da sentença de que incorreria na prática deste tipo de crime caso conduzisse durante o período de proibição imposto pela pena acessória aplicada nestes autos.

Aliás, o comportamento do arguido de desrespeito à Lei e aos Tribunais é notório, decorrendo do CRC supra referido a condenação, na presente data, pela prática de nada mais, nada menos, do que quatro crimes de natureza estradal.

Por tudo o exposto, o Tribunal abdicará de ouvir a testemunha arrolada pelo arguido (sua mãe), por manifestamente inócua para o caso sub judice, assim se evitando também um mais do que provável novo procedimento criminal por crime de falsidade de testemunho, previsto e punível pelo art.° 360.° do Código Penal.
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Estatui o art.° 531.° do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi art° 4.° do Código de Processo Penal que:

“Por decisão fundamentada do juiz pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.

Taxa sancionatória a qual deverá ser fixada entre 2UC e 15UC (art.° 10.° do Regulamento das Custas Processuais).
Observam Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro que “a norma visa combater os abusos e a litigância frívola que não constituam má fé processual. A aplicação da taxa sancionatória aqui prevista está dependente do preenchimento de dois requisitos de verificação cumulativa:

- ser a pretensão manifestamente improcedente;
- não ter aparte agido com a prudência ou diligência devidas”

Como mais amplamente explica Salvador da Costa 2 , “o segmento normativo fundamental desta solução legislativa está na manifesta improcedência das aludidas pretensões processuais, alicerçada em censura ético-jurídica na sua formulação. Deve, pois, tratar-se de pretensões manifestamente improcedentes em que se não vislumbra algum interesse razoável de formulação, que só foram formuladas por défice de prudência ou diligência média, ou seja, com falta do mínimo de diligência que teria permitido facilmente ao seu autor dar-se conta da falta de fundamento do que requereu” [sublinhado nosso].

Reportando-nos ao iter processual supra referido, temos que o arguido se encontrava obrigado à entrega nos autos de carta de condução, tendo procedido à entrega de carta de condução que posteriormente, por ato seu (pedido de 2.° via da mesma junto do IMT) foi automaticamente revogada, furtando-se, assim, ao cumprimento da pena acessória em que foi condenado nos autos.

Porém, apresentou requerimento nos autos em 2018/01/04 (fls. 130-133) no qual expõe argumentário que bem sabe ser inverosímil, falso e absolutamente impassível de fundar a sua pretensão (justificar o cumprimento da pena acessória em que foi condenado).
Mais: fê-lo quando está devidamente representada por causídica, o que agrava ainda mais a sua posição processual, pois que a perceção da falta de fundamento do seu pedido deveria ser ainda superior.

Os Tribunais devem ser chamados a apreciar e decidir questões com relevância no objecto controvertido dos autos, sendo censurável do ponto de vista ético-jurídico que as partes suscitem a apreciação de contendas inúteis, vazias ou manifestamente improcedentes, como é o caso.

Neste sentido, deverá o arguido ser sancionado com taxa sancionatória excecional que se deverá fixar em 3UC (artigos 531.° do Código de Processo Civil, e 27.° do Regulamento das Custas Processuais) 3 .
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Atento o supra exposto, e o quadro legal referido, decido:

a) Determinar a entrega nos autos pelo arguido, no prazo de 10 dias, da carta de condução de que seja titular, válida, sob pena de prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo art.° 348.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal;
b) Condenar o arguido em taxa sancionatória excecional de 3UC.
Notifique.”
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Inconformado com tal decisão na parte em que foi condenado em taxa sancionatória excecional de 3UC, recorreu o arguido extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

- O arguido foi notificado em 13/12/2017 para justificar o motivo da não entrega da carta de condução, o que fez em 04/01/2018.
- Instado para que apresentasse uma justificação, o arguido assim fez.
-Justificou-se dizendo que havia perdido a carta de condução e que por isso pediu 2ª via. Que após a entrega da carta de condução à ordem do tribunal e da emissão da segunda via da carta de condução, a mãe do arguido a havia encontrado. Que nunca utilizou a carta de condução.
- Fundamenta o magistrado judicial, ao passo que profere emaranhado tal de presumidas considerações, desrespeitosas, deselegantes e insidiosas, dirigidas não só ao arguido mas igualmente à sua Defensora, que aquele apresentou aos autos um requerimento «desdobrado num aranzel pejado de inanidades e galimatias, constitui um insulto à inteligência do julgador (..J, sendo de tal forma inverosímil que deverá — como será — devidamente sancionado.»
- E continua dizendo: «É ÓBVIO (maiúsculas nossas) aos olhos do tribunal que o arguido nunca perdeu a carta de condução, como a sua mãe não encontrou a carta perdida no bolso das suas calças de modo algum, sendo igualmente límpido que o arguido tenta abusivamente enganar o Tribunal sobre as suas reais intenções ao solicitar a emissão de 2 via da carta de condução “perdida” (aspas propositadas).»
-Esqueceu-se o douto tribunal a quo de observar a presunção de inocência e da salvaguarda do princípio in dubio pro reo. Bem pelo contrário, o tribunal desvirtuou a verdade contada pelo arguido, presumindo e insinuando em todas as linhas do despacho de que se recorre, que este mais não é do que um mentiroso.
- Acontece que a livre apreciação não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, por isso lhe impõe a lei que extraia das provas (no caso não se vislumbra sequer ter havido uma!!) um convencimento lógico e motivado, avaliadas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência. É que,
-Parece lógico e razoável que se fosse intenção do arguido utilizar a carta obtida em 2ª via, o teria feito, evitando desta forma, a condenação por crime de violação de imposições, proibições ou interdições (vide Processo n. 86/16.1T9ALJ).
-Assim devia ser valorado o comportamento do arguido, quanto mais não seja, por se presumir a sua inocência.... Ainda assim, o tribunal optou por apelidar o arguido de mentiroso — daqueles bem saloios de trazer pela aldeia....
-O arguido limitou-se a dar a sua versão dos factos. Justificou-se respondendo a uma solicitação do tribunal. Foi colaborante com o tribunal — como devem ser os sujeitos processuais — e recebeu como resposta uma condenação ao pagamento de uma taxa sancionatória no valor de 3 UC.
- Assim se promovendo a aplicação de “julgamentos” sumários, trazendo-nos reminiscências de lamentáveis outroras.
- Salvo melhor opinião, até a fundamentação jurídica carece de outro enquadramento, pois que mal andou o tribunal ao censurar ética e juridicamente que as «partes suscitem a apreciação de contendas inúteis, vazias ou manifestamente improcedentes, como é o caso.»
-Na verdade foi o tribunal que solicitou uma resposta ao arguido, que se justificou dentro dos ditames da sua honestidade, com respeito pelo tribunal e pelo julgador, exercendo o seu direito à defesa, pois que, no seu entender já havia entregado a carta ao tribunal e cumprido a sanção acessória de inibição de condução.
-O arguido limitou-se a contar a sua versão dos factos e a defender-se, dentro do que considera ser a sua liberdade de “acção” no âmbito do processo penal sem que, com tal postura, pudesse ser prejudicado.
- Mas se não pode o arguido ser prejudicado por se remeter ao silêncio, também não poderá ser sancionado por contar a sua verdade ao Tribunal e correr risco de ser condenado em taxa sancionatória excepcional, nos termos do artigo 531 do C.P.C
Ora,
-Falta desde logo, qualquer fundamentação de facto e de direito ao surpreendente despacho de que se recorre, pois que, se com o artigo 53l do C.P.C. se pretende sancionar o mau cumprimento do dever de cooperação e diligência das partes, penalizando o uso indevido do processo com expedientes meramente dilatórios.
- Caberá sempre ao julgador salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual e sancionar, somente, o que está para lá dessa defesa.
Pelo que, devem as questões processuais ser despidas de qualquer interesse atendível na prática do acto: manifestamente improcedentes ou dilatórias -o que não foi o caso.

Pelo que,
Termos em que nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência a taxa sancionatória em que foi condenado ser dada sem efeito, absolvendo-se o arguido do seu pagamento, por ser de inteira JUSTIÇA!
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Por decisão de 5 de fevereiro de 2018 o despacho recorrido foi sustentado, foi admitido o recurso e fixado o respetivo regime de subida e efeito, considerando-se não ser o Ministério Público sujeito processual afetado com a interposição do recurso, e determinada a remessa dos autos a este Tribunal da Relação.
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No Tribunal da Relação a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apôs visto.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência.
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Cumpre decidir

Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr.Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

No caso sub judice a questão suscitada pelo recorrente e que, ora, cumpre apreciar, traduz-se em saber se deve a taxa sancionatória em que o arguido foi condenado ser dada sem efeito.
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Apreciando
Nos termos do disposto no artigo 521.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “à prática de quaisquer atos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional”.
Estabelece, por seu turno, o artigo 531.º do Código de Processo Civil, que tem por epígrafe ”Taxa sancionatória excecional”, que, por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.
Este preceito corresponde, com alterações, ao artigo 447.º-B do Código de Processo Civil anterior, o qual foi aditado pelo Dec. Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e tinha a seguinte redação:

“Artigo 447.º-B
Taxa sancionatória excepcional
Por decisão fundamentada do juiz, e em casos excepcionais, pode ser aplicada uma taxa sancionatória aos requerimentos, recursos, reclamações, pedidos de rectificação, reforma ou de esclarecimento quando estes, sendo considerados manifestamente improcedentes:
a) Sejam resultado exclusivo da falta de prudência ou diligência da parte, não visem discutir o mérito da causa e se revelem meramente dilatórios; ou
b) Visando discutir também o mérito da causa, sejam manifestamente improcedentes por força da inexistência de jurisprudência em sentido contrário e resultem exclusivamente da falta de diligência e prudência da parte.”
Trata-se de “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados”, atribuindo-se ao juiz do processo o poder-dever de, nestas situações, “fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa” (cfr. preâmbulo do Dec. Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).

Vejamos:

Nos termos do disposto no art.20º da Constituição da República Portuguesa o direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitui um direito fundamental, implicando o mau uso desse direito uma utilização abusiva do processo, sancionável, visando tal sanção reprimir o uso doloso por parte do sujeito processual que o perverte visando desígnios alheios à realização da justiça criminal.
Fazer uma utilização abusiva do processo penal mais não é, em substância, do que fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal.

E a figura não visa sancionar erros técnicos, porque esses sempre foram punidos através do pagamento de custas, além, naturalmente, das consequências que tivessem no desfecho das questões.
Ora, o arguido/recorrente, devidamente notificado para justificar o motivo da não entrega nos autos da carta de condução emitida em 2015/10/07, apresentou requerimento nos autos em 2018/01/04 (fls. 130-133), e foi por via do teor desse requerimento, que foi indeferido, que ao mesmo foi aplicada a taxa sancionatória excecional. Todavia, a defesa de uma perspetiva dos factos diversa daquela que a decisão final acolheu, não implica utilização abusiva do processo, nem implica qualquer manobra dilatória, pelo que nada permite concluir que o arguido/recorrente tenha, com a apresentação de tal requerimento/peça processual, visado desígnios alheios à realização da justiça criminal.
Termos em que se conclui que o recorrente, com a apresentação de tal peça processual o fez em obediência/cumprimento a notificação que lhe foi efetuada para o efeito, não evidenciando qualquer propósito de praticar um ato que sabia não lhe ser permitido e assim entorpecer o andamento normal do processo, não se mostrando justificada a aplicação da taxa sancionatória excecional.
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Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido António, dando-se sem efeito a taxa sancionatória excecional em que foi condenado.
- Sem tributação.
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Elaborado e revisto pela primeira signatária
Guimarães, 9 de abril de 2018

Laura Goulart Maurício
Alda Tomé Casimiro