Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1625/15.5T8GMR.G1
Relator: PEDRO ALEXANDRE DAMIÃO E CUNHA
Descritores: PROVA DA ASSINATURA
PROVA PERICIAL
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: “I. Sabendo-se que a análise grafológica comporta uma vertente essencialmente técnica, fazendo apelo a conhecimentos especiais, não é suficiente para comprovar a autoria de uma assinatura de um documento particular a mera comparação empírica que o Tribunal realizasse sobre as diversas assinaturas que constam dos documentos juntos aos autos
II- Na verdade, para esse efeito, é necessário que, na inexistência de exame pericial à letra, a supra mencionada semelhança das assinaturas se mostre corroborada por qualquer outro elemento probatório de onde se possa retirar que a pessoa a quem é imputada a autoria da assinatura do documento tenha anuído ao respectivo conteúdo e celebrado o contrato ".
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 1625/15.5T8GMR.G1

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Comarca de Braga – Guimarães-Instância Local- Secção cível– J1

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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente(s):- AA;

Recorrente Subsidiário (subordinado): BB

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Propôs BB, a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC, AA, residente em Guimarães; e DD, em Guimarães, peticionando a condenação solidária de todos no pagamento da quantia de € 10.146,71, a título de capital, cláusula penal, juros de mora vencidos, despesas/comissões de processamento e imposto sobre tais comissões e de imposto de selo e, bem assim, de juros de mora vincendos desde a citação, com fundamento em incumprimento de contrato de mútuo pela 1.ª Ré e que os 2.º e 3.º Réus garantiram por fiança.
Indicaram prova testemunhal e documental.
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Regularmente citados, a 1.ª e 3.º Réus não contestaram.
A 2.ª Ré apresentou contestação, impugnando a existência do negócio e sua vinculação ao mesmo, por não o ter assinado e não lhe ter sido comunicado e explicado os seus termos, bem como não ter beneficiado dos seus efeitos.
Indicou prova testemunhal.
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Os autos foram saneados e delimitados os seus termos (objecto do litígio e temas da prova).
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Nesta fase processual, a Recorrente Subordinada (Subsidiária) veio, desde logo, apresentar Recurso que, em sede das contra-alegações apresentadas, esclareceu pretender que seja atendido como Recurso subordinado (subsidiário).
Esse Recurso foi apresentado do seguinte despacho proferido a fls. 98 e ss. (datado de 4.4.2016):
1. Matéria constante de 1 a 4 do requerimento em referência:
Está-se diante de acção declarativa com valor não superior a metade da alçada da Relação.
O art.º 593.º do CPC não é aplicável ao caso em apreço, mas sim o art.º 597.º do mesmo diploma legal.
Assim, a realização de audiência prévia não é obrigatória, nem a sua não realização carece de despacho fundamentado, pelo que nenhuma omissão se cometeu.
Notifique.
II. Matéria constante de 5 do requerimento em referência:
A não prolação de despacho a fundamentar a não realização de audiência prévia não serve de fundamento legal à sua pretendida realização.
Pelo exposto, indefere-se o requerido com tal fundamento.
III. Matéria constante de 6 do requerimento em referência:
A assinatura aposta no documento que o autor intitulou de “aditamento” e que foi por este introduzido, na sequência de convite do tribunal para documentar o contrato objecto da causa e em litígio nos autos, foi notificado à parte contrária que não o contraditou.
Destarte, não carece de prova nem está em discussão, pelo que não tem nem deve ir para os temas da prova, pelo que não se vislumbra fundamento para reclamação.
IV. Matéria constante de . a 12 do requerimento em referência:
Atento o disposto no art.º 598.º do Código de Processo Civil, querendo e podendo, a parte deverá apresentar requerimento probatório.
Nada a determinar, portanto, nesta sede.
V. Matéria constante de 13. do requerimento em referência:
A alteração e/ou aditamento aos meios de prova inicialmente oferecidos e a reclamação a despacho que identifique o objecto do litígio e enuncie os temas de prova não é fundamento legal para realização de audiência prévia.
Destarte, indefere-se o requerido. “
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De seguida, realizou-se audiência final de julgamento, com observância dos formalismos legais, tendo nela o réu DD junto procuração forense a favor de IIustre Causídico, que participou na mesma.
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Na sequência foi proferida a seguinte sentença:
III. Decisão:
Face ao exposto, julga-se a acção proposta por BB parcialmente procedente e, por via disso, decide-se:
a. condenar os Réus, CC, DD e AA no pagamento, solidário, ao Autor da quantia global de € 8.915,75 (€ 8.474,76 + € 381,28 + € 10,64 + € 49,07), acrescida de juros de mora calculados desde 24.11.2013 e até à propositura da ação, no valor global de € 329,02 (€ 324,89 e de € 4,13) e de juros de mora à taxa de 3%/ano desde o dia 28.08.2015 (data da última citação verificada nos autos) e até efectivo e integral pagamento;
b. absolver os Réus, CC, DD e AA do pagamento dos demais valores peticionados pelo Autor.
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É justamente desta decisão que a Ré/Recorrente AA veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1. Nos presentes autos, está em causa a existência dum contrato de mútuo, alegadamente celebrado entre a Recorrida e a Ré CC., e a constituição de fiança pelo Réu DD e pela ora Recorrente para garantia daquele contrato. Contrato que, supostamente, teria sido incumprido, motivando a Recorrida a intentar a presente acção, peticionando a condenação dos Réus, solidariamente, ao pagamento da quantia de €10.146,71.
2. No que à Recorrente respeita coloca-se a questão genérica da sua responsabilidade perante a Recorrida, o que implica a verificação num primeiro plano da existência e validade do dito contrato de mútuo, e, concluindo-se pela existência e validade do mesmo, a prova do seu cumprimento pela Recorrida, posteriormente, importa aferir de igual modo a existência e validade da fiança que a Recorrida alega ter sido constituída pela Recorrente.
3. In casu, a única prova existente é documental, sendo que, pese embora fosse impugnada pela Recorrente a autenticidade da assinatura do contrato de mútuo junto pela Recorrida e que é a causa de pedir nos presentes autos, não houve produção adicional de prova, nem testemunhal, nem pericial ou de qualquer outro meio.
4. Pelo que a reapreciação da matéria de facto provada, oferece na situação controvertida as especificidades decorrentes da existência de parcos elementos probatórios, assumindo uma função determinante as regras do ónus da prova, sendo o apuramento da distribuição do ónus probatório entre a Recorrida e a Recorrente, de acordo com as normas gerais e especiais in casu aplicáveis, imprescindível para a verificação da suficiência dos elementos probatórios existentes para a fixação das circunstâncias de facto da situação controvertida.
5. Pelo que é essencial determinar as circunstâncias de facto cujo ónus probatório recaia sobre a Recorrida e a consequência da não apresentação por esta de elementos suficientes para os provar.
6. Assim, tendo a situação controvertida sido configurada pela Recorrida como sendo um caso de responsabilidade contratual, alegando a existência dum contrato de mútuo e constituição de fianças que o garantiam, bem como o incumprimento daquele contrato, incumbe-lhe a prova da existência, validade e termos do contrato de mútuo, seu incumprimento, bem como da existência e validade das garantias a ele associadas, dispondo o nº. 1 do artigo 341º.do Código Civil, a regra geral do ónus da prova: “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
7. Atente-se que a prova da existência do contrato de mútuo sendo este um contrato real quod constitutionem, impõe a demonstração da entrega da coisa mutuada, da qual está dependente a eficácia do dito contrato, o que a recorrida não fez.
8. Inexistindo qualquer prova de que as quantias mutadas foram entregues ao suposto mutuário e sendo a prova existente do incumprimento contratual unicamente a dita nota de crédito, ou seja, um documento gerado pela própria Recorrida.
9. Ademais, a Recorrente impugnou expressa e directamente o teor e a assinatura a si atribuída constante do dito contrato de mútuo, impondo-se assim à Recorrida, por força do disposto no nº. 2 do artigo 374º do Código Civil, o ónus da prova da veracidade da mesma.
10. Sendo que a Recorrida nenhuma prova requereu que tenha sido admitida para comprovar a veracidade da assinatura colocada em crise, não logrando provar que a assinatura que atribuiu à Recorrente foi feita pelo seu ponho, concomitantemente, não provando que a Recorrente garantiu o alegado contrato de mútuo através de constituição de fiança.
11. Conforme alegado pela Recorrente na sua Contestação – independentemente dos formalismos ou aparência - encontramo-nos no domínio dos contratos de adesão, sendo notório que os métodos de contratação empregues pelos grandes agentes económicos e especialmente pelas instituições bancárias, como é o caso da Recorrido, são o recurso às cláusulas contratuais gerais, previamente elaboradas, sem negociação individual com a contraparte.
12. Aliás, dúvida houvesse relativamente à qualificação do dito contrato como contrato de adesão, sempre caberia à Recorrida a prova de que o contrato em apreço decorria de uma negociação prévia, conforme resulta da letra do nº. 3 do artigo 1º do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, “O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.”
13. Não tendo a Recorrida em momento algum provado ou tão-pouco alegado estarmos perante contrato celebrado com prévia negociação.
14. Pelo que, perante a alegação do incumprimento dos deveres de comunicação e informação que sobre a Recorrida recaiam, incumbia-lhe a prova do seu cumprimento, conforme melhor resulta do nº. 3 do artigo
5º. Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, dispondo que “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”, o que não foi feito.
15. Certo é que, no que à prova do cumprimento dos deveres de comunicação e informação que sobre a Recorrida impendiam, nada ofereceu a Recorrida aos autos, nada por isso podia ser dado como provado quanto a este ponto.
16. Salvo melhor opinião, cremos que nos presentes autos incumbia à Recorrida o ónus de provar a existência e termos do contrato de mútuo e fianças a ele associadas, bem como do alegado incumprimento contratual, tudo nos termos da regra geral do nº. 1 do artigo 342º. do Código Civil, bem como a veracidade da assinatura atribuída à Recorrente no dito contrato, por força do nº.2 do artigo 374º do Código Civil, e ainda o cumprimento dos deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais, conforme nº. 3 do artigo 5º. Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro.
17. Sendo no entanto indubitável a inexistência de produção de prova sobre a entrega do dinheiro mutuado pela Recorrida, relativamente à veracidade da assinatura atribuída à Recorrente no contrato junto aos autos, bem como no que respeita cumprimento de deveres de comunicação e informação, pelo que a acção deveria sempre ter sido julgada improcedente.
18. Sucede que, a Mmª. Juíza a quo entendeu, ainda assim, dar como provados os factos constantes de 2 a 8 da listagem constante da Sentença e que supra se reproduziu, não tendo considerado outros que cremos que deveriam ser tidos como provados.
19. Decisão com a qual não se pode a Recorrente conformar, considerando que, salvo devido respeito, a apreciação da matéria facto do Tribunal a quo não atentou devidamente aos ónus de prova que incidiam sobre a Recorrida e a fragilidade dos meios de prova existentes nos presentes autos, resultando numa decisão que, perante a dúvida, favoreceu a Recorrida, o que será, em nosso modesto entender, inadmissível, atenta a repartição do ónus de prova prevista na Lei.
20. O artigo 414º do Código de Processo Civil, impõe que “a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita..
21. Tendo a Recorrente impugnado o teor do contrato de mútuo junto pela Recorrida, especialmente no que respeita à suposta constituição por si duma fiança para o garantir, impugnando de igual modo a assinatura que aí lhe é atribuída, põe em crise, por maioria de razão, quaisquer circunstâncias e formalismos associados ou acessórios ao dito contrato, sendo a única causa de pedir o contrato impugnado e a suposta assinatura posta em crise.
22. Tendo a Recorrente impugnado o teor do contrato de mútuo junto aos autos, afirmando desconhecer a sua existência e conteúdo, impugna de igual modo os circunstancialismos acessórios ao dito contrato. Sendo igualmente de relembrar que na hipótese de a assinatura constante do aditamento ter sido feita pelo punho da Recorrente, a sua aposição foi precedida dum total desconhecimento da motivação negocial – aliás, facilmente se entenderá que assim seja considerando a omissão dos deveres de informação e comunicação que impendiam sobre a Recorrida demonstrar e provar ter cumprido.
23. Importa ainda trazer à colação que sobre a Recorrida impendia o ónus da prova da veracidade da assinatura atribuída à Recorrente no contrato de mútuo, o que não fez.
24. Ora, salvo melhor opinião, não pode ser o Tribunal a quo, por meio dum juízo de semelhança, sem a tecnicidade exigível para a obtenção duma conclusão esclarecedora, colmatar a insuficiência dos elementos probatórios, considerando ser válida a assinatura da Recorrente, pese embora inexista prova cabal ou sequer indiciária de que assim seja, sem que o julgador invoque, pelo menos, razões de conhecimento técnico cientifico que lhe permitisse, com um grau de um mínimo de evidencia, dar como assente um facto que para o fazer necessita de conhecimentos técnicos especiais e que não é pela mera comparação de documentos que se pode aferir se uma assinatura é ou não genuína.
25. Pelo que, nos termos daquele artigo 414º do Código processo Civil e não tendo a Recorrida oferecido prova cabal de que o contrato de mútuo foi assinado pela Recorrente, as suas clausulas comunicadas e explicadas, explicando devidamente que se iria constituir fiadora, garantindo o cumprimento do contrato, cremos não deviam ter sido dado como provado os factos que levam à condenação da recorrente no pedido.
26. Ainda atento ao exposto e por maioria de razão, não resultando provada a existência do contrato de mútuo, e ademais sendo o único elemento de prova indicativo do alegado incumprimento a nota de débito junta pela Recorrida como doc. nº 2 à sua petição inicial, documento este elaborado pela própria, não há sequer prova de que a recorrida tenha entregue qualquer quantias.
27. Cabia à Recorrida o ónus da prova do cumprimento dos deveres de comunicação e informação, e não tendo oferecido qualquer elemento indicativo do respectivo cumprimento, ter-se-á de atender ao alegado pela Recorrente, porquanto em momento algum a Recorrida comunicou o que quer que fosse à Recorrente relativamente ao contrato referido nos presentes autos, designadamente, quanto à garantia supostamente constituída pela Recorrida.
28. Verificados os ónus probatórios que impendiam sobre a Recorrida e a parca – mesmo inexistente em relação a determinadas circunstâncias de facto – prova existente, ter-se- á de convir que nos presentes autos existem sérias dúvidas relativamente aos factos alegados pela Recorrida, sendo que nos termos supra explanados tais dúvidas deverão ser resolvidas contra a parte a quem os factos aproveitam, ou seja, a Recorrida.
29. Assim, atendendo-se à reformulação dos factos provados nos termos pelos quais supra se pugna, o que julgamos ser devido, é forçoso concluir pela total improcedência do pedido formulado pela Recorrida, absolvendo-se a Recorrente do pagamento dos valores por aquela peticionados, não resultando provados os factos constitutivos da responsabilidade da Recorrente perante a Recorrida.
30. Refira-se ainda, por mera cautela de patrocínio, que ainda que se considere resultar como provada a existência do contrato de mútuo e seu incumprimento, mais se considerando ser a assinatura aposta no dito contrato da autoria da Recorrente – o que reitere-se, cremos não merecer acolhimento – sempre ter-se-ia de considerar que atenta a omissão do dever de comunicação que sobre a Recorrida impendia, a cláusula constitutiva da fiança, seria excluída, nos termos da alínea a) do artigo 8º. do Decreto- Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, nada podendo ser exigido à Recorrente pela Recorrida.
31. Assim, a douta sentença violou, além do mais, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artº. 342º. nº. 1, 374º. nº.1, 432º. nº.1º., 801º. nº. 1 e 1142º. do Código Civil, artº. 414º. do Código de Processo Civil e nos artº. 1º. nº.1, 5º., 6º. e 8º. alínea a) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
Deve, consequentemente ser revogada em conformidade com as conclusões anteriores...”.
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A Autora apresentou contra-alegações, onde pugnou pela improcedência do Recurso.
Quanto ao recurso subordinado (subsidiário) formulou (tinha formulado) as seguintes conclusões:
“…A. No actual regime processual civil, audiência prévia é tendencialmente obrigatória;
B. Só em casos específicos e devidamente precedidos de despacho fundamentado, sujeito a contraditório, pode o tribunal dispensar a audiência prévia;
C. Nos presentes autos, por um lado, no decurso dos articulados o tribunal a quo, não facultou à autora a possibilidade de exercício do direito ao contraditório, relativamente à matéria de excepção alegada pela ré AA em sede de contestação;
D. Por outro lado, o tribunal a quo procedeu à prolação de despacho saneador e fixação dos temas de prova, sem previamente proferir despacho fundamentado a dispensar a realização de audiência prévia;
E. Sendo que, a autora reclamou oportunamente nos autos a duas supra referidas omissões;
F. Bem como requereu, nos termos do disposto no art. 593.º, nº 3, do CPC, que se afigura aplicável aos presentes autos, a realização de audiência prévia, não só para ser facultado o exercício do direito ao contraditório, como também para ser facultada a possibilidade de apresentação do necessário requerimento probatório a fim de, designadamente, contrariar a alegação produzida pela ré, relativamente à impugnação da autoria da letra e assinatura do documento nº 1, junto com a petição inicial;
G. O tribunal a quo não fez preceder a sua pretensão de adequação formal e/ou agilização processual de qualquer debate prévio, incorrendo em violação do disposto no art. 591.º, al. e), do CPC;
H. O tribunal a quo não assegurou nos autos o exercício do direito ao contraditório quanto às excepções alegadas pela ré na sua contestação, que foi o último articulado admissível nos autos, incorrendo em violação do disposto nos arts. 3.º, nº 3 e 597.º, al. a), do CPC;
I. O tribunal a quo não emitiu qualquer despacho fundamentado, sujeitando-o a debate e/ou a prévia contraditório, no sentido de dispensar a realização de audiência prévia nos presentes autos, quando a realização da mesma se impunha;
J. As opções do tribunal a quo, em termos de tramitação processual, resultaram numa limitação extrema e inadmissível do direito ao contraditório e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, de que deve beneficiar qualquer sujeito processual, deixando um dos sujeitos processuais "de pés e mãos atados";
K. E de que a autora, ora recorrente, tinha, claramente, também direito a beneficiar nos presentes autos;
L. Incorrendo, assim, também, o tribunal a quo, além do mais, numa flagrante violação do disposto no art. 20.º, nº 1, da Constituição;
TERMOS EM QUE, com o douto suprimento omitido, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e revogado o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que:
a) Conceda à autora, ora recorrente, um direito, pleno e sem limitações, a exercer o contraditório relativamente à matéria de facto alegada pela ré na sua contestação e requerer toda a prova que seja considerada pertinente em relação à mesma; ou,
b) Proceda à convocação de audiência prévia, para os efeitos referidos na alínea anterior.…”.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a Recorrente AA coloca as seguintes questões que importa apreciar:
1.- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento:
- tendo em conta a insuficiência de prova produzida, não deveria ter sido dada como provada a factualidade mencionada nos pontos 2 a 8 da fundamentação de facto;
- deveria , por seu lado, ter sido dada como provada a seguinte factualidade:
- A 2.ª Ré desconhecia que lhe estavam a exigir que ficasse responsável por dívidas do marido ou da empresa deste, de contrario não teria aceite ser fiadora.
- A 2.ª Ré não foi informada e esclarecida do conteúdo do negócio efectuado nos autos.
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2. saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pela Recorrente, a presente acção tem de improceder;
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Quanto ao recurso subsidiário, a Recorrente BB coloca ainda a seguinte questão:
- saber se existiu da parte do Tribunal a omissão dos seguintes actos processuais:
a) não facultou à autora a possibilidade de exercício do direito ao contraditório, relativamente à matéria de excepção alegada pela ré AA em sede de contestação;
B) procedeu à prolação de despacho saneador e fixação dos temas de prova, sem previamente proferir despacho fundamentado a dispensar a realização de audiência prévia;
… omissões que resultaram numa limitação extrema e inadmissível do direito ao contraditório e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva por parte da Recorrente e que por isso devem ser sancionadas com a nulidade e consequente revogação do despacho aqui posto em crise e sua substituição por outro que cumpra os aludidos direitos.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“Dos Factos Provados:
Com relevo para a decisão da causa, está provado que:
1. A autora exerce, designadamente, a actividade comercial de instituição de crédito e de sociedade financeira, estando habilitada a exercer todas as operações autorizadas por lei aos bancos.
2. No exercício da sua actividade, em 24-10-2012, a autora celebrou com a 1.ª Ré, CC, um negócio designado de “contrato de mútuo”, através do qual a autora obrigou-se a entregar à 1.ª Ré a quantia de € 10.000,00, mediante crédito na conta de depósitos à ordem de que era titular junto da aqui autora, e a 1.ª Ré obrigou-se a proceder ao respectivo reembolso em 36 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao da celebração do contrato.
3. O negócio referido tinha uma duração inicialmente fixada de 3 anos.
4. Nos termos e âmbito desse negócio, ficou estipulado ainda que:
i. o capital emprestado vencia juros à taxa anual nominal inicial de 8,4840%, calculada, aplicada e revista semestralmente, sendo a taxa anual efectiva, à data da celebração do negócio e por referência à nominal, de 19,0668%.
ii. em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual, a autora teria direito a reclamar uma indemnização, a título de cláusula penal, para além de eventuais juros remuneratórios, no montante que resultasse da aplicação da sobretaxa de 4% ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora.
5. A título de garantia do cumprimento das obrigações decorrentes do referido negócio, os aqui 2.ª e 3º Réus, nele constituíram-se principais e solidários pagadores com a 1.ª Ré, perante a aqui autora, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia.
6. A 1.ª Ré deixou de cumprir as obrigações contratuais que assumiu perante a autora, designadamente no que respeita aos prazos e condições de reembolso do empréstimo efectuado.
7. Estando em falta, desde, pelo menos, 23.11.2013 e de acordo com o negociado, com:
a. a quantia de € 8.474,76, a título de capital;
b. a quantia de € 901,94, a título de juros de mora, computados às taxas de 8,340% entre 24.11.2013 e 23.04.2014, de 8,407% entre 24.04.2014 e 23.10.2014 e de 8,200% entre 24.10.2014 e 27.02.201513;
c. a quantia de € 324,89, a título de cláusula penal pela mora;
d. a quantia de € 381,28, a título de despesas/comissões de processamento de conta;
e. a quantia de € 4,13, a título de juros moratórios sobre despesas/comissões de processamento;
f. a quantia de € 10,64, a título de imposto sobre as despesas/comissões de processamento; e
g. a quantia de € 49,07, a título de imposto de selo.
… tudo, na quantia global de € 10.146,71.
8. A Autora entregou o dinheiro id. nos autos à 1.ª Ré.
9. A 2.ª Ré esteve casada com o 3.º Réu entre 02.03.2002 e 10.02.2015.
10. A 2.ª Ré está separada de facto do 3.º Réu desde, pelo menos, 31.12.2013.
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II.A.2. Dos Factos Não Provados:
Com relevo para a decisão da causa, ficou por demonstrar que:
a. A 2.ª Ré nunca beneficiou ou retirou proveito dos negócios efectuados pelo 3.º Réu, nomeadamente do referido em 2..
b. A 2.ª Ré limitava-se a assinar documentação que lhe fosse apresentada pelo 3.º Réu.
c. A 2.ª Ré desconhecia que lhe estavam a exigir que ficasse responsável por dívidas do marido ou da empresa deste, de contrario não teria aceite ser fiadora.
d. A 2.ª Ré não foi informada e esclarecida do conteúdo do negócio efectuado nos autos.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
Comecemos por apreciar a primeira questão atrás arrolada.
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1. Da impugnação da matéria de facto
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Como decorre dos autos, e da fundamentação da sentença, a matéria de facto aqui questionada foi julgada pelo Tribunal Recorrido com fundamento apenas na prova documental junta aos autos, já que, como bem salienta a Recorrente, não foi produzida prova testemunhal em sede de Audiência Final e, apesar de ter sido questionada a (sua) assinatura do documento nº 1 (contrato de mútuo) junto com a petição inicial por parte da Ré/ Recorrente, não foi também produzida prova pericial sobre essa factualidade (por circunstâncias que aqui não se torna necessário ponderar, mas que contendem com as também questionadas (no caso pela Autora) opções do Tribunal Recorrido na fase do saneamento do processo).
De qualquer forma, não há qualquer dúvida que a Recorrente/Ré cumpriu os ónus que sobre si recaiam para impugnar a matéria de facto, já que, atendendo ao disposto no art. 640º, n.º 1 do CPC, especificou:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- e a decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Como é sabido, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.
Todavia, ao impor ao Recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.
Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pela Recorrente, esclarecer o âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.
Como se referiu, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;.
Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ v. Ac. do Stj de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;.
Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:
a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));.
Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;, está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.
Como é sabido, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348..
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt..
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt..
Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
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Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Ré/ apelante neste segmento de recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.
Conforme já se referiu, importa que o Tribunal se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto, fundada no alegado erro na apreciação da prova, entendendo a Recorrente que, em face da prova produzida, e no que concerne aos factos constantes do ponto 2 a 8 da matéria de facto provada, devem esses factos considerar-se integralmente não provados.
Por outro lado, entende que deveria, por seu lado, ter sido dada como provada a seguinte factualidade:
- A 2.ª Ré desconhecia que lhe estavam a exigir que ficasse responsável por dívidas do marido ou da empresa deste, de contrario não teria aceite ser fiadora.
- A 2.ª Ré não foi informada e esclarecida do conteúdo do negócio efectuado nos autos.
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A Recorrente não concorda com estes pontos da matéria de facto, alegando fundamentalmente o seguinte:
“…nos presentes autos incumbia à Recorrida o ónus de provar a existência e termos do contrato de mútuo e fianças a ele associadas, bem como do alegado incumprimento contratual, tudo nos termos da regra geral do nº. 1 do artigo 342º. do Código Civil, bem como a veracidade da assinatura atribuída à Recorrente no dito contrato, por força do nº.2 do artigo 374º. do Código Civil, e ainda o cumprimento dos deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais, conforme nº. 3 do artigo 5º. Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro.
Sendo no entanto indubitável a inexistência de produção de prova sobre a entrega do dinheiro mutuado pela Recorrida, relativamente à veracidade da assinatura atribuída à Recorrente no contrato junto aos autos, bem como no que respeita cumprimento de deveres de comunicação e informação, pelo que a acção deveria sempre ter sido julgada improcedente.…”.
*
Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:
“(…)
Dito isto, vejamos o caso concreto.
Sumariamente, relevou para a formação da convicção do tribunal a prova documental produzida nos autos, única prova oferecida em juízo, analisada individualmente e de per se outrossim, quando conjugada com a posição que as partes assumiram nos seus articulados e requerimentos e com as regras da experiencia e do senso comum.
(…)
Relativamente à existência e termos clausulados do alegado contrato de mútuo, designadamente quem nele se vinculou e em que termos, tendo presente as regras dispostas nos art.ºs 342.º, n.º1, 373.º, 374.º, 375.º e 376.º do Código Civil, relevou o documento junto pela autora e sob o n.º1, intitulado de “contrato de mútuo” e o documento junto pela autora posteriormente e intitulado de “acordo contrato de mútuo”, cuja autoria e genuinidade, no que concerne à 1.ª e 3.º Réu, não foi contestada, por as assinaturas dos mesmos estarem até reconhecidas presencialmente e nenhum facto ou dúvida quanto a tal reconhecimento foi suscitado ou demonstrado, havendo ainda a menção especial que tal negócio lhes foi lido em voz alta e previamente à subscrição, e, no que concerne à 2.ª Ré, que também consta nele como o tendo assinado, pela análise da assinatura nele aposta e na sua comparação e apreciação com a que consta do documento intitulado de “acordo contrato de mútuo”, que configura um aditamento ao referido contrato, este documento valendo por a sua autoria e genuinidade não terem merecido nem merecerem reparo (note-se que a assinatura da 2.ª Ré, aqui, está reconhecida presencial e não há factos alegados ou resultantes da instrução que permitam duvidar de tal reconhecimento), donde se aferem as semelhanças da caligrafia e, bem assim, donde se afere que a 2.ª Ré subscreveu um documento que faz referência expressa, clara e inequívoca a um outro documento e contrato (cfr. por exemplo, cláusula 6.ª do aditamento, onde consta escrito que «o presente acordo reporta-se exclusivamente ao supracitado contrato de mútuo, celebrado entre a BB e a devedora, em 24.10.2012, mantendo-se em tudo o mais o então convencionado, nomeadamente, no que se refere à fiança prestada pelos segundo e terceira contraentes»).
Acresce, ainda quanto à autoria e genuinidade do documento que serve de base à demonstração da existência e termos do contrato, temos ainda em seu reforço a demais comparação das assinaturas de vários documentos apresentados pelo Autor contendo assinaturas da 2.ª Ré, surgidos na pendência de relações comerciais com o Autor, e nos documentos apresentados pela Ré nos autos, donde se evidencia a semelhança das assinaturas neles apostas com a que foi aposta quer no exemplar do contrato como no aditamento ao mesmo celebrado meses depois, documentos estes que não mereceram reparo (cópia de exemplar de livrança subscrita pela 3.ª Ré, ficha de cliente particular, ficha de inscrição “capitais reforma prazo certo”, ficha para “cartão Repsol” e ficha de admissão de associado”, cópia do seu bilhete de identidade, emitido em 2007 e validade até 2017).
Acresce que, à luz das regras da normalidade e senso comum, é ilógico que a 2.ª Ré tenha subscrito um “aditamento” a um contrato, tendo havido inclusive reconhecimento presencial da sua assinatura, desconhecendo a existência e termos do negócio que “aditava”.
Assim, por tudo isto, sendo a assinatura que confere a escrito particular a paternidade e, consequentemente, a força probatória de documento – in casu, conjunto de declarações escritas -, têm-se a autoria e a genuinidade do documento intitulado de “contrato de mútuo” como atribuída.
Nesse seguimento e quanto ao negócio propriamente dito e seus termos, convenceu-se o tribunal, por um lado, das obrigações emergentes do mesmo, pela análise do documento que o titula que, pela ausência absoluta de referências probatórias que o contradigam e, de contrário, pela presença de referências probatórias que o confirmam – novamente, acordo escrito de aditamento, subscrito pelos réus e, no que releva, com reconhecimento presencial da assinatura da ré -, e, bem assim, pelo referido “acordo” que consistiu num aditamento.
Em adição, destes elementos de prova, conjugados entre si e com o documento “nota de débito”, cuja autoria e genuinidade não foram questionadas e o seu conteúdo impugnado, mas que sai corroborado pelo seu confronto com o “contrato de mútuo” e com o “aditamento”, bem como pela ausência de prova no sentido do cumprimento das obrigações contratuais pelo lado passivo da acção, pode, então, perceber, por um lado, quais as obrigações assumidas pela 1.ª Ré - de restituir outro tanto e da mesma espécie em período pré fixado e de forma faseada, bem como as despesas fiscais e bancárias atinentes à vida do próprio negócio celebrado, outro sim, as obrigações em consequência de mora ou incumprimento da restituição e pagamento de despesas com elas relacionadas – e quais as obrigações assumidas pelos 2.ºe 3.º Réus e que são as mesmas que as da 1.ª Ré, por terem aqueles aceitado ser principais e solidários obrigados, com renúncia à excussão prévia (cfr. de novo, clausula 6.ª do aditamento, onde consta escrito que «o presente acordo reporta-se exclusivamente ao supracitado contrato de mútuo, celebrado entre a BB e a devedora, em 24.10.2012, mantendo-se em tudo o mais o então convencionado, nomeadamente, no que se refere à fiança prestada pelos segundo e terceira contraentes»), tendo-se, nessa medida e pela força da propositura da causa e ausência de prova de cumprimento, percebido que os Réus pessoas singulares não cumpriram àquelas obrigações contratuais até ao momento.
Por conseguinte, tendo presente que a assinatura de um documento particular é um requisito essencial dos documentos particulares (art.º 373º, nº 1, do Código Civil), sendo que as concretas assinaturas alusivas ao documento inicial do contrato e ao seu aditamento se encontram reconhecidas de forma legal, atendendo à ausência absoluta de referências probatórias em sentido contrário, invocando-se ainda o disposto no art.º 376.º do Código Civil (“o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes, faz prova plena quanto às declarações”), na sua conjugação ainda com o documento n.º2, cujo resultado provêm dos documentos referidos anteriormente, pela ausência de prova quanto ao cumprimento de obrigações pelas rés e em apelo às regras da experiência comum e normalidade, a resposta positiva aos factos constantes de 2. a 7..
É, ainda, do documento intitulado de “acordo” e das regras da experiência comum e normalidade que o tribunal extrai com a segurança necessária o facto constante de 8., na medida em que não de todo crível que se tenha feito uma alteração aos termos de um contrato de mútuo com incidência nas obrigações assumidas pelo mutuário e seus garantes quando não tenha havido sequer entrega da quantia referida emprestar pela parte contrária, tão pouco compreensível a aí fixação de dívida, o que pressupõe amortização de algum valor, o que é o mesmo que dizer, que houve restituição parcial de quantia entregue (previamente).
(…)
No que concerne, agora, aos factos não provados, a resposta negativa dada aos mesmos ficou a dever-se à ausência de prova produzida nos autos nesse sentido ou à produção de prova em sentido que os infirma, sendo que sobre o benefício ou proveitos extraídos de negócios em geral ou do negócio id. nos autos em particular pela 2.ª Ré, nenhuma prova foi produzida em audiência, cabendo tal ónus à ré; o mesmo se diga quanto ao alegado desconhecimento da 2.ª Ré sobre o conhecimento e-ou essencialidade da assunção da responsabilidade pelas obrigações do marido ou da empresa deste para aquela, pois que nenhuma prova foi feita nesse sentido cabendo tal ónus à 2.ª Ré (cfr. «é ao interessado na anulação do negócio que incumbe a prova dos factos relativos à essencialidade e ao conhecimento - ou as circunstâncias que originem o dever de conhecer – cfr. Ac. do STJ, de 15.05.2012, disponível em www.dgsi.pt), para além de se estranhar tal alegação, dado o seu grau académico (de nível superior ao 12.º ano – como resulta dos elementos bancários juntos aos autos) e o que, por mais rudimentar, se conhece do que é ser fiador (aquele que garante obrigações de outrem), a tudo acrescendo a própria contradição em que incorre na sua alegação, pois refere que foi participando ao longo do casamento nos negócios, que os assinava a pedido…. Já quanto à ausência de informação e esclarecimento do conteúdo do negócio, por ter sido esta contrariada pela subscrição, quanto mais não seja, quando reconhecida presencialmente, de documento onde se faz alusão a concretas e específicos termos contratuais a alterar e aos demais termos não alterados, de forma clara e objectiva, o que, conjugado com as regras da experiência e da normalidade, não é compatível com a alegação de desconhecimento e falta de esclarecimento das obrigações assumidas, pois torna-se ilógico a realização o ato do “aditamento” (adita-se o quê?) e o fundamento do próprio aditamento evidencia, por sua vez, tal conhecimento e consciência, pois in casu, alterou-se e dilatou-se a obrigação de pagar, de restituir determinada quantia à autora e expressamente mantiveram-se os réus pessoas singulares como garantes, o que não faz sentido sem prévio conhecimento do que existia antes e da consciência do incumprimento desse antes e das obrigações assumidas. Acresce, como já referido, que resulta dos documentos da AT e da ficha de cliente bancária, juntos aos autos e que não merecem reparo, que a 2.ª Ré tem curso superior (superior ao 12.º ano de escolaridade), pelo que não é de todo uma pessoa iletrada e incapaz de compreender e estar informada sobre os actos que pratica ou que lhe pedem para executar, bem como incapaz de perceber e compreender o alcance do termo “fiador”, conhecido pela generalidade das pessoas (cfr. neste sentido, também, Ac. Relação de Guimarães de 14.05.2015, onde se defende que “a cláusula onde se refere que o fiador é solidariamente responsável e principal pagador não reveste especial complexidade, pois que tais expressões resultam compreensíveis para uma pessoa com um grau de instrução médio, incumbindo às executadas alegar e provar ter um nível de instrução que não lhes permitiu entender o texto do contrato”, Proc. n.º 1737/12.7TBVCT-D.G1; também, Ac. do STJ de 24.03.2011, refere que “a presença dos contratos assinados pressupõe que a recorrente os entendeu e, em conformidade com o disposto no artigo 6º do DL 446/85, a exequente apenas teria que informar a outra parte dos aspectos cuja aclaração se justificasse e prestar os esclarecimentos solicitados, antes da assinar”, Proc. nº 1582/07; ambos disponível em www.dgsi.pt.).
Destarte, na falta de outros elementos probatórios em sentidos opostos ao referido, a resposta negativa aos factos constantes de a. a d.. *

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Cumpre decidir.
Conforme decorre do exposto, a Recorrente pretende impugnar a matéria de facto considerada provada nos pontos 2 a 8 da decisão sobre a matéria de facto, invocando na sua argumentação que o Tribunal não ponderou as regras do ónus da prova e o facto de a prova produzida -prova documental- ser insuficiente para formular o juízo fáctico efectuado pelo Tribunal Recorrido.
Da mesma forma, e com os mesmos fundamentos, considera que deveria ter sido dada como provada a factualidade que na decisão foi considerada não provada- als. a) a d) da matéria de facto provada (mais concretamente os seguintes factos:- A 2.ª Ré desconhecia que lhe estavam a exigir que ficasse responsável por dívidas do marido ou da empresa deste, de contrario não teria aceite ser fiadora.- A 2.ª Ré não foi informada e esclarecida do conteúdo do negócio efectuado nos autos).
São, no essencial, dois os fundamentos que a Recorrente apresenta para impugnar a matéria de facto:
- o não cumprimento das regras do ónus da prova;
- a insuficiência da prova documental para comprovar os factos dados como provados.
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Como é consabido, os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, se assim fosse, como refere o Prof. Antunes Varela RLJ, Ano 116, p. 339;, “…se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça”, o que, obviamente, implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.
Destarte, como incontornável se impõe a conclusão de que a prova, enquanto demonstração efectiva, segundo a convicção do juiz, da realidade de um facto “não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)”Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191. .
Tendo bem presente estas considerações, importa verificar, então, se o Tribunal Recorrido na decisão sobre a matéria de facto, atendeu às regras do ónus da prova, averiguando, nomeadamente, se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório.
Ora, em face da fundamentação de facto atrás reproduzida, torna-se evidente que o Tribunal Recorrido ponderou devidamente as regras probatórias aplicáveis ao caso concreto, nomeadamente, aquelas que foram invocadas pela Recorrente.
Na verdade, pode-se até dizer que, neste ponto, não chega a existir divergência entre a Recorrente e a fundamentação do Tribunal Recorrido.
Na verdade, tal como defende a Recorrente, em face da impugnação da assinatura aposta no documento nº 1 pela 2ª Ré, o Tribunal de Primeira Instância considerou que o ónus da prova da sua veracidade incumbia à parte que apresentou o documento (art. 374, nº 2 do CC).
Esta conclusão que o Tribunal Recorrido também defendeu decorre das seguintes considerações legais.
Segundo o disposto no art. 362º do CC diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto, como é o caso de um papel onde se desenharam caracteres da linguagem escrita para expressar declarações de vontade dos respectivos subscritores.
Por seu turno, o documento é autêntico quando foi exarado, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; e é particular em todas as demais situações (cfr. art. 363.º, n.º 2 do CC).
Por outro lado, ainda, os documentos particulares podem ser autenticados, quando se mostrem confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais (cfr. art. 363º, n.º 3 do Cód. Civil).
Uma vez que são diferentes as formas como são exarados e distintos os graus de segurança quanto ao teor do que se faz constar do documento, os documentos têm forças probatórias diferenciadas.
No caso dos documentos autênticos, a força probatória plena está associada ao que foi praticado ou percepcionado pela autoridade ou oficial público que o lavrou.
No caso dos documentos particulares, a força probatória depende da atitude que a parte a quem o documento é imputado toma perante este quando é apresentado em juízo como meio de prova.
Nos termos do artigo 374.º do Cód. Civil a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas, pela parte contra quem o documento é apresentado.
Nestes termos, o art. 376.º estabelece, por sua vez, no n.º 1 que o documento particular cuja autoria seja reconhecida, designadamente porque não foi impugnada, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento. Por seu turno, o n.º 2 do mesmo preceito estipula que os factos compreendidos na declaração se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.
Ora, como se referiu, resulta do art. 374º, n.º 2 do CC que «se a parte contra quem o documento [particular] é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.»
Em suma, como se evidencia do aludido normativo, estando em causa um documento particular, sendo a respectiva assinatura impugnada por este último, incumbe ao apresentante, o ónus de prova da sua veracidadeVide, neste sentido, por todos, A. Varela, P. Lima, in “ Código Civil Anotado “, I volume, pág. 331, J. Gonçalves Sampaio, in “ A Prova por Documentos Particulares “, pág. 166, e Ac. da RP de 10.02.2014 (relator Augusto Carvalho), de 15.11.2011 (relator Márcia Portela), e do STJ de 14.07.2009 (relator: Helder Roque), e de 9.02.2011 (relator: Lopes do Rego), todos in dgsi.pt..
O que, em conclusão, nos conduz à improcedência da argumentação da Recorrente, pois que, conforme decorre expressamente da fundamentação atrás transcrita, esta regra do ónus de prova foi correctamente aplicada pelo tribunal recorrido.
Na verdade, decorre do aludido preceito legal que “apenas se considera estabelecida a autenticidade do documento”:
A- Se a parte contrária reconhecer expressamente a autenticidade (isto é a veracidade da letra e assinatura);
B- Se a parte contrária não fizer qualquer declaração;
C- Ou se a parte contrária declara não saber se o documento é genuíno ou autêntico, mas a autoria do documento lhe é atribuída.
E cabe ao apresentante a prova da sua autenticidade:
A- Se a parte contrária declara que o documento não é genuíno ou autêntico (isto é, se impugna a veracidade da letra ou da assinatura);
B- Se a parte contrária declara não saber se o documento é genuíno ou autêntico, mas a autoria do documento lhe não é imputada.” Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 8/01/87, in B.M.J., 363, pg. 602..
Ora, o Tribunal Recorrido alicerçou a sua convicção positiva relativa à matéria de facto contida nos quesitos 2 a 8, tendo em conta justamente estas regras probatórias, considerando que incumbia ao Autor o ónus da prova da autenticidade da assinatura aposta pela 2ª Ré no contrato de mútuo junto como documento º 1 da petição inicial, já que esta última impugnou expressamente que essa assinatura fosse de sua autoria.
Improcede, pois, esta argumentação da Recorrente.
Aqui chegados, importa entrar no segundo argumento apresentado pela Recorrente, qual seja a da insuficiência dos meios de prova produzidos para conduzir à prova dos factos aqui questionados.
Defende a Recorrente que a prova documental junta aos autos não é suficiente para demonstrar, em termos probatórios, a autenticidade da assinatura por si alegadamente aposta no aludido documento.
Entendeu, no entanto, o Tribunal Recorrido, na extensa fundamentação que apresenta, que sim.
Antes de ponderarmos a argumentação do Tribunal Recorrido, importa aqui fazer um enquadramento geral sobre as exigências probatórias que neste âmbito (da impugnação da assinatura de documento particular) devem ser exigidas.
Em princípio, e de uma forma geral, a prova rainha neste âmbito será a prova pericial, prova essa que, no presente caso concreto, não chegou a ser realizada.
Na verdade, a prova pericial tem por fim a percepção ou a apreciação de factos por serem necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (artigo 388º do CC)- o que nos reporta para o campo da tecnicidade, de um universo onde uma conscienciosa avaliação e escrutínio dos factos pressupõe o domínio de certos conhecimentos de carácter técnico que escapam ao juiz comum.
Significa isso que nesses factos, de tecnicidade específica, é indiscutível o juízo dos peritos? Não significa; e diz a lei que a força probatória das respostas deles é fixada livremente pelo tribunal (artigos 389º do CC e 489º do CPC).
Assim, neste âmbito, é a prova por perícia aquela que precisamente mais vocacionada está para a averiguação dos factos aqui controvertidos; e que assim é, até a própria lei o evidencia ao autonomizar um preceito sobre exame de reconhecimento de letra (v. art. 482º do CPC) no capítulo da prova pericial do código de processo civil V. por ex. o ac. da RP de 11.3.2013 (relator: Luís Lameiras), in Dgsi.pt;.
Sucede que, no caso concreto, como se referiu, esta prova pericial não foi realizada, e nessa medida o Tribunal Recorrido, na fundamentação fáctica que apresentou, teve que se socorrer de outros elementos probatórios, nomeadamente, da prova documental, conjugando os documentos juntos aos autos, e fazendo a sua exegese e análise critica.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se, na ausência de prova pericial e testemunhal (por ex. poderia a assinatura questionada ter sido aposta na presença de alguma testemunha- por ex. funcionário do Banco, aqui Autor), a prova documental junta aos autos é suficiente para demonstrar a autoria da assinatura aposta no documento nº1 da petição inicial- conforme entendeu o Tribunal Recorrido.
Ora, esta questão deve ser resolvida, tendo em consideração o que se acaba de dizer.
Em primeiro lugar, importa referir que, atento o que acima se explicitou quanto à prova pericial, e sabendo-se que a análise grafológica comporta uma vertente essencialmente técnica, fazendo apelo a conhecimentos especiais, não é suficiente para comprovar essa realidade a mera comparação empírica que o Tribunal realizasse sobre as diversas assinaturas que constam dos documentos juntos aos autos (mesmo que estas outras assinaturas não se mostrem impugnadas pela Recorrente).
Na verdade, “…não cabe ao tribunal, empiricamente, proceder ao confronto das assinaturas, pela margem de erro que tal actividade comporta…” v. por exemplo, o ac da Relação do Porto de 15 de Novembro de 2011 (relator: Márcia Portela), in dgsi.pt;.
Com efeito, embora esse possa ser um dos elementos probatórios a ponderar, essa comparação tem que ser corroborada por outros elementos probatórios que possam permitir a conclusão de que essa autoria da assinatura possa ser afirmada.
Assim, “…à demonstração da realidade dos factos controvertidos era necessário que, na inexistência de exame pericial à letra, a supra mencionada semelhança das assinaturas, se mostrasse corroborada por qualquer outro elemento probatório que sustentasse ter a R., pelo menos, anuído ao respectivo conteúdo e celebrado o contrato… v., neste sentido, o ac. da RG de 26.04.2012 (relator: Jorge Teixeira), in Dgsi.pt;.
Ora, foi justamente este o percurso probatório que o Tribunal Recorrido seguiu para poder formar a convicção probatória positiva de que a assinatura aposta no contrato de mútuo podia ser imputada com segurança à aqui Recorrente- pelo menos, com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência- v. o que no inicio se referiu quanto ao grau de fundamentação exigível ao Tribunal.
Na verdade, sem prejuízo da comparação “empírica” das assinaturas da Recorrente disponíveis nos documentos juntos aos autos (que apontam, sem grande esforço, para a conclusão de que a assinatura aqui questionada da 2ª Ré é de sua autoria), o Tribunal Recorrido, dando obediência à aludida actividade de corroboração, desenvolveu um conjunto de argumentos inequivocamente demonstrativos de que tal realidade empírica se mostra corroborada de uma forma inapelável na prova documental junta aos autos.
Assim, o Tribunal Recorrido, fazendo a análise critica e conjugada da prova documental chegou a estas conclusões:
1. pela análise da assinatura nele aposta e na sua comparação e apreciação com a que consta do documento intitulado de “acordo contrato de mútuo”, que configura um aditamento ao referido contrato, este documento valendo por a sua autoria e genuinidade não terem merecido nem merecerem reparo (note-se que a assinatura da 2.ª Ré, aqui, está reconhecida presencialmente e não há factos alegados ou resultantes da instrução que permitam duvidar de tal reconhecimento), donde se aferem as semelhanças da caligrafia e, bem assim, donde se afere que a 2.ª Ré subscreveu um documento que faz referência expressa, clara e inequívoca a um outro documento e contrato (cfr. por exemplo, cláusula 6.ª do aditamento, onde consta escrito que «o presente acordo reporta-se exclusivamente ao supracitado contrato de mútuo, celebrado entre a BB e a devedora, em 24.10.2012, mantendo-se em tudo o mais o então convencionado, nomeadamente, no que se refere à fiança prestada pelos segundo e terceira contraentes»).
2. em reforço dessa conclusão surge a comparação das assinaturas de vários documentos apresentados pelo Autor contendo assinaturas da 2.ª Ré, surgidos na pendência de relações comerciais com o Autor, e as assinaturas constantes dos documentos apresentados pela própria Ré nos autos, donde se evidencia a semelhança das assinaturas neles apostas com a que foi aposta quer no exemplar do contrato como no aditamento ao mesmo celebrado meses depois, documentos estes que não mereceram reparo (cópia de exemplar de livrança subscrita pela Ré, ficha de cliente particular, ficha de inscrição “capitais reforma prazo certo”, ficha para “cartão Repsol” e ficha de admissão de associado”, cópia do seu bilhete de identidade, emitido em 2007 e validade até 2017).
3. à luz das regras da normalidade e senso comum, é ilógico que a 2.ª Ré tenha subscrito um “aditamento” a um contrato, tendo havido inclusive reconhecimento presencial da sua assinatura, desconhecendo a existência e termos do negócio que “aditava”.
Ora, aqui chegados, não se pode deixar de concordar com a fundamentação do Tribunal de Primeira Instância.
Na verdade, se, conforme decorre do exposto, a mera semelhança das assinaturas (que, como se disse, sem grande esforço, pode ser afirmada no caso concreto), tem que ser corroborada por qualquer outro elemento probatório, não pode deixar de se afirmar que a subscrição por parte da Recorrente do aditamento do contrato que constitui o documento junto a fls. 68 e ss. constitui um elemento probatório absolutamente decisivo para se poder concluir, com o grau de probabilidade exigível, que a Recorrente assinou o contrato de mútuo aqui questionado.
Com efeito, conforme decorre expressamente do respectivo teor, nesse aditamento do contrato (celebrado em 8 de Agosto de 2013), inquestionavelmente assinado pela 2ª Ré (com assinatura reconhecida presencialmente- fls. 70), menciona-se o seguinte:
“Entre os contraentes e nas qualidades em que intervêm, é celebrado o presente acordo adicional ao supra identificado contrato de mútuo (contrato de mútuo nº 398-36-000159-6) que se rege pelas seguintes cláusulas:
Cláusula 1ª (capital em divida)
O capital em divida é, na presente data, de 9.112, 87 €…
Cláusula 2ª (carência de capital e juros)
1. Durante o período de 6 (seis) meses… é concedido à parte devedora um período de carência de capital e juros, durante o qual o pagamento das prestações mensais, composta de capital e juros, fica suspenso…
(até nº 5)
(…)
Cláusula 6ª (Acordo)
O presente acordo reporta-se exclusivamente ao supracitado contrato de mútuo celebrado entre a BB e a parte devedora em 24 de Outubro de 2012, mantendo-se em tudo o mais o então convencionado, nomeadamente no que se refere à fiança prestada pelo segundo e terceira contraentes…”
Assim, se alguma dúvida restasse, afigura-se ao presente Tribunal que o teor deste aditamento ao contrato de mútuo inicialmente celebrado- e cuja autoria em relação à Recorrente é inquestionável- afasta totalmente a argumentação da Recorrente, não só quanto à autoria da assinatura do contrato de mútuo inicialmente celebrado, mas também toda argumentação que a Recorrente havia apresentado no sentido de não se encontrar demonstrada a entrega da quantia mutuada (a Recorrente também impugna esta factualidade, o que em face do teor do aditamento ao contrato, configura uma conduta que poderá até cair nos limites da litigância de má-fé- v. conclusões 7, 8 e 17).
Na verdade, decorre do referido aditamento ao contrato, não só a corroboração da autoria da assinatura do contrato de mútuo, mas também que a quantia mutuada foi entregue à mutuária e que esta incumpriu o contrato de mútuo (daí que tenha sido necessário o aditamento ao contrato), como bem sabe a Recorrente, pois que assinou o aditamento do contrato (aliás, com reconhecimento presencial da sua assinatura).
Neste ponto, além destes elementos probatórios, importa ainda assinalar que no que toca ao afirmado incumprimento, tal também se mostra corroborado pelo documento intitulado de “nota de débito”, o qual na ausência de prova no sentido do cumprimento das obrigações contratuais por parte da 1ª Ré (ou das Rés), permite concluir por esse incumprimento contratual.
Não tem, assim, razão a Recorrente quanto à impugnação da matéria de facto que efectua quanto aos pontos 2 a 8 da matéria de facto provada, pois que a decisão sobre a matéria de facto quanto a esses pontos se mostra bem fundamentada, fundamentação essa que se acolhe aqui plenamente.
Improcede, pois, esta parte do Recurso.
Impugna também a Recorrente a matéria de facto considerada como não provada, considerando que devia ter sido dada como provada a seguinte factualidade:
- A 2.ª Ré desconhecia que lhe estavam a exigir que ficasse responsável por dívidas do marido ou da empresa deste, de contrário não teria aceite ser fiadora.
- A 2.ª Ré não foi informada e esclarecida do conteúdo do negócio efectuado nos autos.
Quanto à primeira factualidade, importa dizer que esta factualidade mereceu enquadramento jurídico por parte do Tribunal Recorrido no sentido de afirmar a sua relevância no âmbito da eventual alegação por parte da Recorrente de que teria agido sob erro.
No entanto, como bem refere a decisão de primeira Instância, o ónus de prova da afirmação dos requisitos do erro na declaração (art. 247º do CC) recaía sobre a Recorrente (art. 341, nº 2 do CC) v. Ac. do STJ de 15.05.2012, in dgsi onde se refere que «a parte que errou tem, pois, para obter a anulação do negócio o ónus de demonstrar este duplo requisito: que se não tivesse ocorrido o erro, não o teria celebrado ou não o teria celebrado desse modo, e que a outra parte sabia ou não devia desconhecer que assim era. De outro, se o negócio jurídico pudesse ser anulado por erro sobre uma qualquer qualidade do objecto, que fosse essencial para a parte que errou, mas cuja essencialidade fosse surpreendente ou imprevisível, a contraparte no negócio ficaria injusta e excessivamente desprotegida e daí que o art.º 247º do Cód. Civil imponha à parte que invoca o erro o ónus de alegar e demonstrar que, nas circunstâncias do negócio, a outra parte conhecia, ou não devia ignorar, que o quid sobre o qual o erro incidiu era para ela essencial.»;.
Assim, a factualidade dada como não provada pelo Tribunal Recorrido decorreu justamente do facto de a Ré, não tendo produzido qualquer prova (prescindiu da prova testemunhal que havia arrolado), não ter cumprido esse ónus de prova, soçobrando integralmente na prova do facto que agora insiste pretender ver como provada.
Improcede, pois, esta impugnação da matéria de facto.
Finalmente, importa que o presente Tribunal se pronuncie sobre a segunda factualidade atrás mencionada.
Contendem estes factos dados como não provados com a questão de saber a quem incumbe o dever de comunicação ou do dever de informação das cláusulas dos contratos, quando estas assumam a natureza de cláusulas contratuais gerais, atento o disposto nos arts. 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
Ora, neste âmbito, decorre da citada lei que efectivamente incumbe ao Autor (mutuante) o ónus da prova do cumprimento desses deveres- como mais à frente se irá referir.
Assim, tendo bem presente essa regra probatória, do ponto de vista da ponderação da matéria de facto dada como não provada, importa dizer que, no caso concreto, quanto ao cumprimento desses deveres não se pode deixar de partir das conclusões a que atrás chegamos.
Ou seja, da conclusão de que o Autor logrou demonstrar que a 2ª Ré assinou o contrato de mútuo inicialmente celebrado, celebração do contrato essa que se mostra, por assim dizer, “renovada” pela celebração (e subscrição por parte da 2ª Ré) do aditamento ao contrato de mútuo já referida.
Assim, só por aí se poderia entender que o Autor logrou demonstrar que no que concerne ao contrato de mútuo, cumpriu os aludidos deveres de comunicação e informação exigidos pelo aludido diploma legal.
Na verdade, a afirmação da 2ª Ré de que tais deveres não foram cumpridos não são compatíveis com o facto de aquela surgir no aditamento ao contrato como signatária do mesmo, já que neste aditamento se fazem menções expressas às cláusulas estipuladas no contrato de mútuo, e introduzem-se mesmo alterações significativas no clausulado que inicialmente havia sido acordado entre os contraentes.
Aliás, que isto é assim decorre, de uma forma evidente, do facto de no aditamento ao contrato de mútuo ter ficado expressamente estabelecido que se mantinha “… em tudo o mais o então convencionado, nomeadamente no que se refere à fiança prestada pelo segundo e terceira contraentes…” (cláusula sexta do aditamento ao contrato).
Da conjugação destes elementos probatórios (e contratuais) pode-se, assim concluir que efectivamente a Recorrente, ao subscrever o aditamento ao contrato de mútuo, não só, na altura deu a entender ao Autor que sabia o conteúdo do contrato de mútuo inicialmente celebrado, como pela sua especificidade tinha entendido e compreendido o seu conteúdo, pelo que, se mais não fosse preciso, ao Autor, quando muito seria apenas exigível que prestasse eventuais esclarecimentos que a 2ª Ré lhe solicitasse o que esta nunca efectuou- não foi alegado, nem sequer ficou demonstrado que isso tivesse sucedido.
Nesta conformidade, bem andou o Tribunal Recorrido em considerar como não provada factualidade constante das als. a) a d) da matéria de facto, sendo que, em particular, face ao exposto, não podia, como efectivamente concluiu, dar como provado “A 2.ª Ré não foi informada e esclarecida do conteúdo do negócio efectuado nos autos”.
Improcede, só por aqui, a pretensão da Recorrente.
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Importa, no entanto, acrescentar aqui outra argumentação que não chegou a ser ponderada expressamente pela decisão da primeira instância (julga-se que estará implícita na decisão), e que contende com a afirmação da existência de uma situação de abuso de direito da Recorrente em arguir a alegada falta de comunicação ou de informação do clausulado do contrato de mútuo, caso essa falta de cumprimento desses deveres tivesse ocorrido- o que não se verifica.
Já se referiu que a argumentação da Recorrente partiria do regime das cláusulas contratuais gerais previsto no DL 446/85.
De facto, no seu art. 5º, nº 2 encontra-se estabelecido que a comunicação do conteúdo do contrato deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento.
Nos termos do art. 1º, n.º 1 do DL n.º 446/85 de 25.10, com as alterações decorrentes do DL n.º 220/95 de 31.08 e do DL n.º 249/99 de 7.07 “… as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma. ”.
Trata-se de cláusulas pré-elaboradas pelo proponente, sem prévia negociação individual, dirigidas a um grupo indeterminado de destinatários e que estes se limitam a aceitar (a aderir) sem possibilidade de discutir ou modificar o conteúdo que lhe é proposto.
A questão em apreciação respeita, como se referiu, à comunicação ou informação sobre as cláusulas contratuais gerais incluídas no contrato de mútuo em apreço, imposta pelo art. 5º do DL n.º 446/85.
Com é bom de ver, o exercício efectivo, eficaz, da autonomia privada impõe que a vontade de contratar por banda dos aderentes aos contratos se encontre bem formada, desde logo, com completo conhecimento de todo o clausulado.
É imperioso que os contraentes conheçam com rigor as cláusulas a que se vão vincular. Por isso, devem as mesmas, ainda antes da subscrição ou outorga do contrato, ser dadas a conhecer aos aderentes.
É, no fundo, uma elementar imposição do princípio da boa fé contratual, a impor a comunicação, na íntegra, dos projectos negociais – cfr. art. 227º do CC.
Com efeito, através da consagração de um tal dever de comunicação/informação, visa-se, em última instância, assegurar que o aderente possa ter um conhecimento efectivo das cláusulas antes de subscrever a proposta, pois apesar de estarem pré-formuladas são estipulações negociais, que por isso pressupõem um acordo (esclarecido) de ambas as partes, em particular do aderente.
Neste sentido, refere Ana Prata In “Notas sobre responsabilidade pré-contratual ”, pág. 51, que «Os deveres de informação e de esclarecimento designadamente os relativo ao conteúdo contratual, sua composição e seu significado, assumem particular relevância quando se esteja perante dois sujeitos cujo poder negocial se apresente desequilibrado, revestindo então essas obrigações maior amplitude para aquela das partes que detenha uma posição negocial susceptível de lhe permitir impor à contraparte cláusulas, que esta, em consequência da sua debilidade contratual, não aperceba no seu integral significado ou de que, mais simplesmente, nem sequer tome conhecimento.”
Ora, se assim é para o dever de informação e esclarecimento, por maioria de razão será para a comunicação efectiva de tais cláusulas.
Este dever (pré-contratual) de comunicação mostra-se acolhido expressamente pelo artº 5º, n.º 1 do DL n.º 446/85, ao ali prever que :
“1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
Trata-se de um dever ou encargo que incumbe, portanto, a quem pretenda prevalecer-se das cláusulas.
Daqui que, segundo o citado n.º 3, a respectiva prova pertença ao predisponente de tais cláusulas ou de contratos que delas façam uso.
Ora, quanto às consequências dessa não prova (da aludida comunicação das clausulas contratuais gerais), a lei também não deixa dúvidas ao consignar no art. 8º, al. a)- do DL n.º 446/85 que tais clausulas (não comunicadas) se consideram excluídas dos contratos onde sejam inseridas Vide, neste sentido, F. Gravato Morais, op. cit., pág. 139, Almeno de SÁ, op. cit., pág. 251 e Ana Prata, “ Contratos de Adesão e Clausulas Contratuais Gerais ”, pág. 266..
Ora, com vista a impedir o Autor de fazer valer o seu direito de crédito, veio a Recorrente alegar (que não provar) que o conteúdo do contrato não lhe foi explicado, pelo que, atentos os citados preceitos legais, devia ser decretada a nulidade (parcial) do contrato de mútuo.
Neste quadro, tendo sido alegada a falta de comunicação do clausulado do contrato de mutuo (e à Recorrente apenas incumbiria este ónus de alegação), incumbia, como decorre do exposto, ao Autor/mutuante (parte que elaborou o contrato e de que cujas clausulas se pretende fazer valer) fazer a prova da comunicação das respectivas cláusulas contratuais gerais àquela parte a quem as submeteu - cfr. n.º 3 do citado art. 5º do DL 446/85 -, sob pena de, não logrando fazer essa prova, as mesmas clausulas se terem por excluídas do contrato de crédito – cfr. 8º, al. a) do citado DL..
Aqui chegados, e não tendo a Recorrente logrado convencer o presente Tribunal a alterar a matéria de facto provada, decorre da decisão da matéria de facto que não se pode concluir que o Autor não tenha cumprido o dever de comunicação ou informação que lhe era exigível no contrato (desde logo, porque a Recorrente demonstrou com a subscrição do aditamento ao contrato que bem entendeu e bem estava informada sobre o contrato celebrado).
Sucede que, independentemente desta argumentação derivada da matéria de facto, acresce o facto de, mesmo que não se acolhesse esta fundamentação (que no essencial já tinha sido desenvolvida pelo Tribunal de Primeira Instância), sempre ter-se-ia que ponderar a aplicação no caso concreto do instituto do abuso de direito (art. 334º do CC), no caso, do abuso de direito de invocar a nulidade do contrato com estes fundamentos, o qual é de conhecimento oficioso do Tribunal.
Vejamos.
Segundo o disposto no art. 334º do CC é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O legislador consagrou no aludido normativo um critério objectivo, segundo o qual o abuso de direito se manifesta na oposição à função social do direito, na violação da boa fé e dos bons costumes, sem indagar da consciência ou intenção do agente Vide, neste sentido, P. Lima/, A. Varela, in “ Código Civil Anotado ”, I volume, pág. 298 e I. Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações ”, pág. 13-14..
A boa fé vale aqui como um princípio normativo de conduta, pelo qual todos devem actuar num quadro de honestidade, correcção, probidade e lealdade, de forma a não defraudar as legítimas expectativas e a confiança geradas na outra parte.
Uma das vertentes do aludido abuso de direito consiste no denominado “venire contra factum proprium”.
Tal como vem sendo o ensino da doutrina, a censura do ”venire contra factum proprium” supõe que o titular do direito crie naquele com quem entre em relação uma situação de confiança que veio a frustrar por conduta posterior contrária à que motivou essa confiança. A confiança digna de tutela deve ser objectivamente motivada, sendo, pois, aquela que resulte de uma apreciação objectiva do conjunto dos actos e comportamentos das partes no quadro económico e social em que se desenvolve o processo de constituição e exercício das relações jurídicas entre elas.
Essa confiança deve assim filiar-se em conduta da outra parte que, objectivamente considerada, revele intenção de se vincular a determinado modo de agir futuro, sendo nessa conduta concludente que a contraparte cria expectativas legítimas, nela confiando e investindo, orientando a sua vida em conformidade.
Na verdade, contraria o princípio da boa fé que alguém exerça um direito em contradição com conduta anteriormente assumida, frustrando as legítimas expectativas da outra parte que adquiriu convicção fundada de que aquele não viria a adoptar conduta oposta ou contrária no futuro.
Em suma, no «venire contra factum proprium» deparamos com uma relação especial entre o agente e o confiante, sendo a confiança assim estabelecida nessa relação (atingida por uma conduta que a pretende contrariar) que, por definição, leva à proibição do comportamento contraditório Vide, neste sentido, L. Menezes Leitão, “ Direito das Obrigações ”, I volume, pág. 59, AC RG de 9.04.2015 (relator António Santos), AC RC de 24.02.2015 (relator Henrique Antunes), AC RP de 19.10.2010 (relator Maria Agante), AC RP de 22.02.2005 (relator Henrique Araújo), AC STJ de 16.11.2011(relator Pereira Rodrigues), AC STJ de 31.03.2009 (relator Moreira Camilo) e AC STJ de 7.07.2009 (relator Oliveira Rocha), todos in dgsi.pt ..
No caso em apreço, é patente que, de facto, a conduta assumida pela Recorrente configura uma situação de abuso de direito, nesta modalidade de «venire contra factum proprium», o que implicaria a paralisação do eventual direito à declaração das invalidades por ela suscitadas
Na verdade, sempre se teria que entender que a Recorrente agiria em abuso de direito na medida em que decorre da matéria de facto que subscreveu o aditamento ao contrato de mútuo, sem que tenha levantado a questão que agora constitui um dos fundamentos da sua argumentação.
Assim, em face do que se expõe, tem que se concluir que a sua conduta processual é manifestamente abusiva, nomeadamente, tendo em conta o teor do clausulado do aditamento do contrato de mútuo, onde se fazem referência directas ao clausulado do contrato de mútuo inicialmente celebrado, inclusivamente com alterações a esse clausulado, e onde a Recorrente declara expressamente que se mantinha “…em tudo o mais o então convencionado, nomeadamente no que se refere à fiança prestada pelo segundo e terceira contraentes…”.
Na verdade, desta conduta contratual da Recorrente decorre, desde logo, que nesse momento do aditamento do contrato, a mesma não tinha qualquer dúvida que necessitasse de esclarecimento ou de comunicação por parte do Autor relativamente ao contrato de mútuo inicialmente celebrado.
Em suma, pode-se concluir que a actuação da Recorrente, tendo dado por força da subscrição do aditamento do contrato de mútuo, sinais objectivos de auto vinculação ao inicial contrato de mútuo, fez, como faria a qualquer pessoa agindo de boa fé, que o Autor confiasse e tivesse como adquirida a posição jurídica dele resultante, e orientasse a sua conduta de acordo com essa legítima expectativa, executando o contrato de mútuo (e o aditamento) nos termos que lhe eram exigidos.
Destas considerações, decorre que sempre se poderia concluir também que a invocação tardia da questão formal relativa ao alegado não cumprimento do dever de comunicação ou de informação quanto às cláusulas do originário contrato de mútuo “...fere a legítima e justificada expectativa da apelante de que as mesmas não mais seriam invocadas e constitui claro abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium “v. por exemplo, o AC RP de 15.12.2005 (relator Fernando Baptista), in Dgsi.pt; .
Assim, se mais não fosse, mesmo que não se julgasse improcedente a argumentação da Recorrente, como atrás amplamente se demonstrou, sempre a sua pretensão - mesmo que o Tribunal aceitasse a sua tese da invalidade (parcial) do contrato- ter-se-ia de considerar abusiva nos termos expostos por se tratar da invocação de um direito em claro abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium.” É hoje praticamente unânime o entendimento de que nada obsta a que o financiador se socorra do instituto do abuso do direito para, através dele, se paralisar os efeitos da invocação pelo consumidor da nulidade formal do contrato de crédito ao consumo, sendo v.g. e em rigor “ legitima a pretensão do financiador que sustenta que a arguição da nulidade formal ou procedimental pelo consumidor configura um venire contra factum proprium já que o direito está a ser exercido em contradição com a sua conduta anterior” - Cfr. Fernando de Gravato Morais, in “Os Contratos de Crédito Ao Consumo”, págs. 108 e segs...
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Aqui chegados, pode-se, assim, concluir quanto à presente Impugnação da matéria de facto que, à luz do antes exposto, não se vislumbra qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra.
Aliás, diga-se que, não obstante as críticas que lhe são dirigidas pela ora Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados, um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida, tendo em conta as regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos meios de prova produzidos que foram devidamente valorados pelo Tribunal de Primeira Instância, sendo, portanto, de manter a factualidade provada e não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido, confirmando-se a análise critica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade especificamente impugnada pela Recorrente, tal como, aliás, decorre da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto atrás transcrita.
Em consequência, improcede a apelação nesta parte.
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Finalmente, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pela Recorrente, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.
Ora, ponderando essa questão, é evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, já que aí bem se enquadrou juridicamente a pretensão do Autor.
Na verdade, pode-se aqui manter na íntegra a fundamentação de direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na sentença que proferiu.
Para tanto, basta atentar que a matéria de facto julgada como não provada consubstanciava a factualidade que se encontrava subjacente às excepções deduzidas pela Ré.
Nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongadas considerações, porque se concorda com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, decide-se manter a decisão proferida nos exactos termos que resultam da condenação decretada pelo Tribunal de Primeira Instância.
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Nesta sequência, conclui-se, assim, que a decisão recorrida não violou as normas dos artsº. 342º, nº 1, 374º, nº 1, 432º nº 1, 801º nº 1 e 1142º. do CC, artº 414º do CPC e nos arts. 1º, nº 1, 5º, 6º e 8º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
Improcede, pois, totalmente o Recurso interposto.
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Mostrando-se totalmente improcedente o Recurso principal não tem, assim, o Tribunal que se pronunciar sobre o recurso que o Autor denominou de subordinado, mas que, conforme já se referiu, deduziu apenas em termos subsidiários, pedindo que a sua apreciação só deveria ser efectuada no caso de procedência do Recurso deduzido pela Ré.
Nesta conformidade, atenta a natureza subsidiária expressamente atribuída ao recurso subordinado do Autor, tendo o recurso interposto pela Ré sido julgado improcedente, fica prejudicada a apreciação do Recurso interposto pela Autora.- o que se decide.
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III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pela Ré/Recorrente totalmente improcedente;
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Custas pela Recorrente (artigo 527.º nº 1 do CPC);
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Guimarães, 19 de Janeiro de 2017

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(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)

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(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)

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(Dra. Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente)