Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1365/17.0T8VCT-C.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA PARTICULAR
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA UNIVERSAL
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
LEGITIMIDADE ACTIVA PARA FORMULAR O PEDIDO DE INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
MEIOS DE OPOSIÇÃO À DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: INTEGRALMENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- O pedido de declaração da insolvência particular está contido no pedido de declaração da insolvência universal do requerido, constituindo um minus em relação ao último, não estando a declaração da insolvência particular dependente de qualquer requerimento, solicitando a convolação do pedido de declaração da insolvência universal do requerido para a declaração da insolvência particular deste;

2- Verificado que o requerido, em processo de insolvência, é proprietário de imóvel sito em Portugal, encontra-se ipso iure assegurada a competência internacional dos tribunais nacionais para conhecer dos autos de insolvência particular instaurados contra esse requerido, na medida em que os tribunais portugueses são os exclusivamente internacionalmente competentes para proceder à apreensão (e eventual venda, em sede de liquidação do ativo) daquele imóvel;

3- O processo de insolvência, tal como o de execução, tem em vista a satisfação do interesse do credor, pelo que insatisfeito o seu crédito, cabe ao credor verificar qual o meio processual adequado para obter a satisfação do seu crédito, designadamente, se lhe é conveniente recorrer à execução ou à ação declarativa da insolvência, encontrando-se, neste último caso, a sua legitimidade ativa condicionada pela necessidade de alegação e prova dos factos-índices de insolvência enunciados no art. 20º, n.º1 do CIRE;

4- Dispõe de capacidade judiciária para instaurar ação de insolvência contra o devedor de contribuições de condomínio em dívida e respetivas penalidades decorrente do não pagamento atempado dessas contribuições, o administrador de condomínio que tenha sido autorizado pela assembleia para “… em caso de necessidade, proceder à cobrança judicial de todas as contribuições em dívida ao condomínio, incluindo as penalizações…”;

5- O CIRE prevê dois mecanismos de reação à sentença de declaração de insolvência: a oposição mediante embargos e o recurso;

6- Os fundamentos daqueles meios de reação são distintos: a oposição mediante embargos encontra-se reservada a razões de facto, sejam factos novos ou novos meios de prova, que não estivessem disponíveis aquando da prolação da sentença declarando a insolvência, ou que já o estando, esta desconsiderou-os. O recurso assenta exclusivamente em razões de direito;

7- Os factos alegados pela apelante e em que sustenta a ausência de legitimidade substantiva do apelado para requerer a insolvência do requerido, já resultavam da prova oferecida pelo representante do requerido nos autos de insolvência, mas foram completamente desconsiderados pela sentença recorrida, pelo que o meio de reação adequado à sentença é a oposição mediante embargos e não o recurso, impondo-se o indeferimento do recurso quanto a este concreto fundamento.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.
Recorrente:- M. M.;
Recorrido- Condomínio Prédio A

Condomínio do Prédio sito no Lugar do Cabedelo – Setor 3, instaurou a presente ação de declaração de insolvência contra M. C., residente na Quinta …, Rua dos … Viana do Castelo, casado mas separado de pessoas e bens com a recorrente M. M., pedindo que se declare a insolvência do requerido.
Para tanto alega, em síntese, que a administradora da requerente, “Mediação Imobiliário X, Lda.” foi eleita em assembleia de condóminos de 10/01/2015;
O requerido é dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pelas letras “BU”, correspondente ao apartamento n.º.., bloco C do prédio urbano sito no …, Avenida do …, Viana do Castelo;
O requerente foi regularmente convocado para as reuniões ordinárias de assembleias de condóminos dos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, assim como para as assembleias extraordinárias realizadas em 25/03/2013 e 15/06/2013;
As deliberações tomadas nessas reuniões foram-lhe comunicadas;
Na assembleia ordinária de 21/01/2017 foi deliberado por todos os condóminos presentes acionar judicialmente o requerido, por forma a cobrar judicialmente todas as contribuições devidas ao condomínio, incluindo penalizações;
Em 31/12/2016, a dívida do requerido ascendia a 23.595,09 euros referente a encargos do condomínio do segundo semestre do ano de 2011, os encargos correntes do condomínio dos anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 e, bem assim ao valor das obras de manutenção da fachada do prédio realizadas no ano de 2013 e penalizações pelo atraso no pagamento daquelas prestações;
O requerido está ainda obrigado a pagar as penalizações pelo atraso do valor das obras realizadas na fachada do prédio, ascendendo, nesta data, as obrigações vencidas à quantia global de 25.657,22 euros;
Conforme consta das inscrições da Conservatória do Registo Predial relativas àquele prédio, o mesmo encontra-se onerado por hipoteca a favor do Banco A, S.A, para garantia do pagamento de todas as obrigações assumidas ou a assumir, até ao limite de valor de capital de 35.000.000$00, juros até 6%, acrescido de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal, além de despesas, garantindo essa hipoteca o montante máximo de 46.900.000$00;
Esse prédio encontra-se onerado com quatro penhoras, sendo uma de 25/01/2011, em que a quantia exequenda ascende a 504.037,44 euros; outra de 16/07/2011, em que a quantia exequenda ascende a 3.682,41 euros; uma terceira de 16/01/2014, em que a quantia exequenda é de 5.056.046,88 euros; e a quarta de 02/09/2014, em que a quantia exequenda é de 4.481,78 euros;
O requerido não possui bens capazes de pagar todos aqueles valores e encontra-se impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

Diligenciou-se pela citação do requerido e na sequência do requerimento oferecido pelo requerente, dispensou-se a audiência daquele e determinou-se a audição da pessoa indicada como sendo representante do mesmo, o qual se pronunciou por escrito, nos termos constantes de fls. 107 verso a 126, opondo-se à dispensa da citação do requerido, sustentando que este vive no Brasil, na direção que indica, desde maio de 2012, onde tem toda a sua vida organizada, facto esse que é do pleno conhecimento de A. R., que é um dos sócios da sociedade administradora de condomínio e se é certo que o requerido não deu cumprimento ao estabelecido no art. 1432º, n.º 1 do Código Civil, transmitiu a sua mudança de residência para o Brasil ao identificado A. R., que escondeu esse facto aos autos;
Invocou a execeção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para declarar a insolvência requerida, sustentando que o requerido não tem residência em Portugal, residindo, desde 23/05/2015, ininterruptamente no Brasil, onde faz toda a sua vida pessoal e profissional, não tendo aquele, desde então, residência ocasional ou de vilegiatura em Portugal, onde não tem quaisquer interesses e onde não se desloca por períodos superiores a duas ou três semanas por razões familiares, ligadas a seus pais ou à necessidade de resolução de assuntos ligados à liquidação do seu património;
Invocou a exceção da falta de personalidade judiciária do requerente, sustentando que este se identifica como “condomínio do prédio sito no lugar do …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo”, quando não existe qualquer prédio constituído em propriedade horizontal com tal designação;
Suscitou a exceção da falta de capacidade judiciária do requerente, sustentando que a deliberação invocada pelo último não específica a duração do mandato e que de acordo com o regulamento interno do condomínio, esse mandato é de dois anos, pelo que terminou em 31/12/2016, quando a presente ação foi instaurada em 24/04/2017 e, portante, quando já se encontrava esgotado o mandato de administrador de condomínio conferido à requerente “Rites – Mediação Imobiliária, Lda.”;
Acresce que conforme resulta da deliberação, os condóminos deliberaram, por unanimidade, que, em caso de necessidade, conferir ao administrador do condomínio poderes para “proceder à cobrança judicial de todas as contribuições devidas ao condomínio, aqui incluindo as penalizações, devidas pelos proprietários das seguintes frações (...)”, quando o pedido de declaração de insolvência não é uma forma de exigência do pagamento de contribuições, sequer representa um modo de proceder à sua cobrança;
Suscitou a nulidade de todas as deliberações que sustentam o invocado crédito, alegando que estas foram tomadas em segunda convocatória, quando de acordo com a convocatória, essa assembleia realizou-se meia hora mais tarde da hora designada para a primeira convocatória, em violação das regras imperativas enunciadas nos arts. 1432º, n.ºs 3 e 4 do Cód. Civil;
Suscitou a nulidades das penalizações por violação dos princípios da razoabilidade, da boa-fé e da proporcionalidade;
Invocou a inexistência da situação de insolvência do requerido, sustentando que apesar deste se encontrar numa situação financeira difícil, tem disponibilidades para pagar a dívida que originou o processo executiva 2227/11.0TBPVZ, chegou a entendimento com os credores quanto à divida que originou o processo executivo 2185/10.9TBPVZ, chegou a entendimento com o Banco Pinto e Sotto Mayor, S.A., quanto ao pagamento da dívida garantida pela hipoteca que onera o imóvel, e pagou as dívidas fiscais.
Finalmente, invocou abuso de processo pelo requerente, sustentando que o representante do requerido, em nome próprio, e enquanto arrendatário da fração “BU”, ofereceu extrajudicialmente a A. R. o pagamento das contribuições correntes e extraordinárias para as despesas do condomínio relativas a essa fração “BU”, o que foi recusado por A. R..

A requerente respondeu, concluindo pela improcedência das exceções invocadas.

Realizou-se audiência final.

Proferiu-se sentença, em que se julgou improcedente por não provada a exceção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer dos autos enquanto processo particular de insolvência, concluiu-se pela improcedência das demais exceções, decidindo-se que “a prova oferecida pelo requerido não foi suficiente para ilidir a presunção verificada e para convencer o tribunal de que o requerido não se encontra numa situação de insolvência”, constando a sentença proferida da seguinte parte decisória:
“Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 294°, do C.I.R.E., o Tribunal decide declarar a insolvência do requerido Manuel Correia de Magalhães, contribuinte fiscal número 189 039 191, com domicílio fiscal conhecido (último domicílio conhecido) na Avenida de Cabedelo, Bloco C, n° 83, 3° Piso 4935-160 Viana do Castelo.
No mais decido:

1- Fixar o domicílio do insolvente na morada acima indicada.
2- Nomear como Administrador de Insolvência João Fernandes de Sousa (lista oficial dos administradores de insolvência);
3- Não nomeio, por ora, comissão de credores aguardando pelo dia da assembleia.
4- Determino que o devedor entregue imediatamente ao administrador de insolvência os documentos referidos no n° 1 do artigo 24° do CIRE.
5- Decreto a apreensão dos elementos da contabilidade da devedora e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos.
6- Fixo em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.
7- Advertem-se os credores que devem comunicar prontamente ao administrador de insolvência as garantias reais de que beneficiem.
8- Não se vislumbra existir nesta fase elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência.
9- Para a realização da reunião da assembleia de credores aludida no artigo 156° do CIRE (assembleia de apreciação do relatório) designo o próximo dia 12 de Setembro de 2017, pelas 10h”.

Inconformada com esta sentença, veio a apelante M. M., na qualidade de credora do insolvente, dela interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões recursórias:

A) A RECORRENTE É CREDORA DO INSOLVENTE NA QUANTIA DE €168.780,00 PELO QUE, NOS TERMOS DO ESTABELECIDO PELO ARTIGO 42.º, N.º 1, DO CIRE, TEM DECLARATÓRIA DA INSOLVÊNCIA.
B) EM PRIMEIRO LUGAR, AO NÃO DECLARAR A INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES E NÃO ABSOLVER O REQUERIDO DA INSTÂNCIA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA OFENDEU O ESTABELECIDO NOS ARTIGOS 7.º E 294.º DO CIRE E NOS ARTIGOS 96.º, N.º 1 E 99.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
C) JÁ HÁ VÁRIOS ANOS O INSOLVENTE TEM A SUA VIDA CENTRADA NO BRASIL, ONDE SE ENCONTRA ESTABELECIDO DE FORMA DEFINITIVA E DURADOURA, MANTENDO COM PORTUGAL APENAS LIGAÇÕES FAMILIARES, CONFORME RESULTA DOS FACTOS PROVADOS 11, 12, 14 E 15.
D) A DOUTA SENTENÇA CONCLUIU PELA COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS NACIONAIS COM FUNDAMENTO NO ESTABELECIDO NO ARTIGO 294.º DO CIRE E, POR CONSEGUINTE, TRATANDO OS PRESENTES AUTOS COMO UM PROCESSO PARTICULAR DE INSOLVÊNCIA.
E) PRIMEIRO, OS PRESENTES AUTOS NÃO FORAM INSTAURADOS NESSA FORMA ESPECIAL, MAS ANTES COMO UM PROCESSO PRINCIPAL E, EM MOMENTO ALGUM, O REQUERENTE SEQUER SOLICITOU A CONVOLAÇÃO PARA ESSA FORMA PROCESSUAL.
F) SEGUNDO, NÃO FORAM ALEGADAS E DEMONSTRADAS PELO REQUERENTE DA INSOLVÊNCIA (E A DOUTA SENTENÇA NÃO O SUBSTITUIU) QUAISQUER RAZÕES QUE PUDESSEM LEVAR A CONCLUIR PELA VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 62.º, ALÍNEA C) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
G) EM SEGUNDO LUGAR, AO NÃO DECLARAR A FALTA DE CAPACIDADE JUDICIÁRIA DO REQUERENTE E NÃO ABSOLVER O REQUERIDO DA INSTÂNCIA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA OFENDEU O ESTABELECIDO NOS ARTIGOS 1436.º, ALÍNEA E) E 1437.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL E NO ARTIGO 15.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
H) A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA ENTENDEU QUE A ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS MANDATOU A ADMINISTRADORA PARA A INSTAURAÇÃO DO PRESENTE PROCEDIMENTO, COM BASE NA DELIBERAÇÃO TOMADA NA ASSEMBLEIA DE 21 DE JANEIRO DE 2017, PLASMADA NA SUA ACTA 33.
I) PORÉM, NO ÂMBITO DOS SEUS PODERES PRÓPRIOS, O ADMINISTRADOR TEM PODERES PARA EXIGIR O PAGAMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PARA AS DESPESAS COMUNS E, EM REFORÇO DESSA COMPETÊNCIA, POSSUI PODERES DELEGADOS PELA ASSEMBLEIA PARA PROCEDER À COBRANÇA JUDICIAL DE TODAS AS CONTRIBUIÇÕES EM DÍVIDAS, USUFRUINDO, PARA ESSE EFEITO, DA NECESSÁRIA LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA E PROCESSUAL.
J) MAS AO CONTRÁRIO DO PROPUGNADO NA DOUTA SENTENÇA, NÃO SE PODE ACEITAR QUE O PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA POSSA SER ENTENDIDO COMO UMA FORMA DE EXIGÊNCIA DO PAGAMENTO DE CONTRIBUIÇÕES OU QUE POSSA REPRESENTAR UM MODO DE PROCEDER À SUA COBRANÇA JUDICIAL, PELO QUE, NA REALIDADE, AQUELE NÃO DISPUNHA DE PODERES PARA REQUERER A DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA DO REQUERIDO.
K) EM TERCEIRO LUGAR, AO CONFERIR LEGIMTIDADE SUBSTANTIVA AO REQUERENTE PARA A PRESENTE INSOLVÊNCIA A DOUTA SENTENÇA OFENDEU O ARTIGO 20.º, N.º 1 DO CIRE E O ARTIGO 1432.º, N.º 3 E 4 DOCÓDIGO CIVIL.
L) AS ASSEMBLEIAS DE CONDÓMINOS NAS QUAIS FORAM APROVADAS TODAS AS COMPARTICIPAÇÕES PARA AS DESPESAS COMUNS E AS PENALIZAÇÕES PELA SUA FALTA DE PONTUAL PAGAMENTO NÃO FUNCIONARAM EM PRIMEIRA CONVOCATÓRIA, MAS APENAS EM SEGUNDA, MEIA HORA DEPOIS DA HORA DESIGNADA, CONFORME MENCIONADO NAS RESPECTIVAS CONVOCATÓRIAS E ESPELHADO PELAS ACTAS RESPECTIVAS, TODAS JUNTAS COM A PETIÇÃO INICIAL, E COMPLETAMENTE DESCONSIDERADAS PELA DOUTA SENTENÇA.
M) AS REGRAS DOS ARTIGOS 1432.º, N.º 3 E 4 DO CÓDIGO CIVIL SÃO DE NATUREZA IMPERATIVA QUE NÃO PODEM SER DERROGADAS SEQUER PELA VONTADE UNÂNIME DOS CONDÓMINOS, E SÃO NO SENTIDO DE QUE A DATA DA PRIMEIRA CONVOCATÓRIA NÃO PODE SER COINCIDENTE COM A DA SEGUNDA, SENDO PROIBIDA A CONVOCAÇÃO DESTA PARA MEIA HORA DEPOIS DAQUELA.
N) TAIS DELIBERAÇÕES, POR TEREM SIDO TOMADAS EM VIOLAÇÃO DE REGRA LEGAL IMPERATIVA SÃO, ASSIM, NULAS – ARTIGOS 294.º E 285.ºDO CÓDIGO CIVIL –, NULIDADE IMPLICA A ANULAÇÃO DE TODOS OS SEUS EFEITOS, É INVOCÁVEL A TODO O TEMPO POR QUALQUER INTERESSADO, É DO CONHECIMENTO OFICIOSO DO TRIBUNAL E TEM EFEITO RETROACTIVO – ARTIGOS 286º E 289º, Nº 1 DAQUELA CODIFICAÇÃO SUBSTANTIVA.
O) PELO QUE, DE FACTO, O REQUERENTE DA INSOLVÊNCIA NÃO É CREDOR DO INSOLVENTE, DADO QUE, EM RIGOR, INEXISTEM AS DÍVIDAS QUE ALEGADAMENTE SUPORTAM O SEU CRÉDITO POR ASSENTAREM EM DELIBERAÇÕES NULAS E DE NENHUM EFEITO, PELO QUE LHE FENECIA A LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA PARA O PRESENTE PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA”.

Foram apresentadas contra-alegações, que constam das seguintes conclusões:

A – Apesar de não se vislumbrar qual a relação entre as alegações e as conclusões apresentadas pela recorrente com o pedido por si formulado, presume-se que a mesma pretende ver revogada a douta decisão recorrida, a qual decretou a insolvência de M. C.;
B – De acordo com os primeiros quatro factos que a douta sentença recorrida deu como não provados, se a atual administradora do recorrido – a sociedade Rites – Mediação Imobiliária, Lda. – e o seu anterior administrador – A. R. – não sabiam, nem sabem, onde residia, e reside, o insolvente M. C., não existiram condições objetivas de fazer referência ao artigo 294º do CIRE na petição inicial;
C – E não cobra qualquer sentido alegar que o recorrido não requereu, em momento algum do processo, a convolução para a “forma processual” prevista no artigo 294º do CIRE, pois, na verdade, só depois de proferida a douta sentença recorrida é que se deu como assente que o insolvente M. C. se encontra “a viver no Brasil (Porto das Dunas, Ceará) desde Maio de 2012”, conforme ponto 11 dos factos provados;
D – Assim, é descabido alegar que o recorrido não alegou e provou a verificação dos requisitos impostos pela alínea c) do artigo 62º do CPC, aplicável ex vi do número 2 do artigo 294º do CIRE;
E – Relativamente à primeira parte prevista na alínea c) do artigo 62º do CPC, o recorrido não pode deixar de concordar com a fundamentação dada a este respeito na douta sentença recorrida, que aqui se transcreve:
“Tendo-se em conta a natureza do único bem conhecido existente no património do requerido (fracção autónoma BU situada em Portugal – Viana do Castelo), o direito invocado pelo requerente, para se tornar efectivo, terá de ser por meio de uma acção proposta em território português.”;
F – Em segundo lugar, se nem o próprio insolvente conseguiu fazer prova do nome da rua e o número da porta onde reside, parece evidente que existe para o recorrido “dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro”, pois a citação seria impossível;
G – Por outro lado, como bem refere a fundamentação da douta sentença recorrida, “Em relação à ordem jurídica portuguesa existem os elementos de conexão pessoal relativos à nacionalidade portuguesa do requerido, local onde se constituiu a obrigação aqui em causa e a conexão real, relativa à fracção sita em Viana do Castelo”, pelo que ter-se-á que considerar que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa existe um elemento ponderoso de conexão, não só pessoal, mas também real;
H – Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para decidir sobre o pedido de insolvência de Manuel Correia de Magalhães, sendo o tribunal a quem foi dirigida a p.i. – Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo – territorialmente competente para decidir, estando reunidas as condições para que o presente processo seja tratado como processo particular de insolvência, nos termos previstos nos artigos 294º e ss. do CIRE;
I- Não existe qualquer razão para absolver o insolvente da instância;
J- A expressão “cobrança judicial”, constante da ata nº 33, referente à assembleia ordinária de condóminos realizada no dia 21 de janeiro de 2017, deve ser interpretada no sentido de nela se incluir o pedido de insolvência de qualquer condómino;
K – As disposições previstas no Código Civil que são referidas pela recorrente – alínea e) do artigo 1436º e número 1 do artigo 1437º - não infirmam minimamente a posição adotada pelo recorrido nesta matéria;
L- Não se pode retirar à administradora do recorrido a legitimidade que lhe confere a alínea a) do número 1 do artigo 20º do CIRE para pedir a insolvência do requerido;
M – Sendo o recorrido credor do insolvente M. C., e existindo “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas”, conforme ficou provado no ponto 6 dos factos provados, tem aquele legitimidade e capacidade para requerer a insolvência deste;
N – A não ser assim, nenhuma vantagem resultaria para o recorrido em instaurar um processo executivo contra o insolvente M. C., tendo por base a deliberação constante da ata nº 33, de 21 de janeiro de 2017, a qual constitui título executivo por força do número 1 do artigo 6º do DL nº 268/94, de 25 de outubro;
O – Aliás, a “cobrança judicial” realizada nesses termos implicaria necessariamente um prejuízo patrimonial para o requerente, dada a existência das penhoras identificadas no ponto 10 dos factos provados, sobre a fração autónoma descrita no ponto 2 dos factos provados, cuja propriedade pertence ao insolvente;
P – A “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” por parte do insolvente só se resolve com a declaração da sua insolvência, pois tendo em consideração as suas avultadas dívidas, está impossibilitado de as satisfazer pontualmente;
Q- Seria até um atrevimento se um qualquer credor do insolvente, no caso a recorrente, pudesse escolher a forma como outro credor deve ou não atuar judicialmente;
R- Tendo em consideração não só a qualidade de credor que o aqui recorrido assume, conjugado com a “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” por parte do insolvente, mas também os poderes latitudinários conferidos pela alínea e) do artigo 1436º do C.C. à administradora do condomínio, não existe falta de capacidade judiciária do recorrido, pelo que não se vislumbra qualquer razão válida para absolver da instância o insolvente;
S- A recorrente M. M. apresentou embargos à sentença que declarou a insolvência de M. C.;
T – O alegado nos artigos 4º a 24º da p.i. dos embargos corresponde à “terceira questão” (legitimidade substantiva da requerente) que a recorrente coloca à apreciação de V. Exas com o presente recurso – a problemática suscitada é exatamente a mesma, com as mesmas alegações de facto e de direito;
U – Ou seja, os fundamentos dos embargos apresentados pela aqui recorrente são os que servem de base ao presente recurso, no ponto da legitimidade substantiva do requerente; V- Motivo pelo qual não poderão V. Exas apreciar as alegações da recorrente quanto à “legitimidade substantiva do requerente”, sob pena da violação do princípio da “irrepetibilidade dos fundamentos”;
W- Na hipótese de assim não se entender, resta ao recorrido alegar o que consta na contestação aos embargos;
X- O recorrido não pode deixar de destacar o que está expresso em todas as convocatórias para as reuniões ordinárias e extraordinárias do condomínio em questão:
“Se, na hora marcada, a Assembleia não tiver quórum, reunirá, com a mesma Ordem de Trabalhos, em segunda convocatória, meia hora mais tarde, desde que esteja representado 25% do capital do Edifício.”;
Y – O insolvente M. C. foi regularmente convocado para todas as assembleias ordinárias e extraordinárias de condóminos que decorreram entre os anos de 2011 a 2017, conforme se pode comprovar pelos registos constantes nos documentos números 4 a 12 juntos à petição inicial dos autos principais, os quais serviram de sustentação para que a douta sentença desse como provado o facto número 3;
Z – Por outro lado, segundo o ponto 4 dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, pode aferir-se que foram comunicadas ao insolvente todas as deliberações tomadas nessas mesmas assembleias;
AA- O insolvente M. C., apesar de ter sido validamente convocado para todas as assembleias ordinárias e extraordinárias de condóminos para nelas poder participar e deliberar, e apesar de lhe terem sido validamente comunicadas todas as deliberações nelas tomadas, não impugnou qualquer uma das atas que foram juntas à petição inicial junta aos autos principais;
AB – O direito de impugnar as deliberações das assembleias de condóminos em crise há muito que caducou;
AC – A recorrente pretende sem qualquer fundamento atendível que as deliberações referentes a todas as reuniões ordinárias e extraordinárias das assembleias de condóminos realizadas nos anos de 2011 a 2017, sejam declaradas nulas;
AD – A recorrente não tem legitimidade para suscitar as questões que agora se discutem, por clara violação do artigo 1433º do C.C.;
AE – Em rigor, pelo teor de todo o artigo 1433º do C.C. afere-se que face a situações de possível desconformidade das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, só podem reagir os condóminos do prédio, o que parece lógico e de fácil compreensão;
AF – A recorrente, não sendo condómina do prédio, não tem legitimidade substantiva para suscitar as questões levantadas no presente recurso;
AG – Não obstante, entende a recorrente que as assembleias ordinárias e extraordinárias de condóminos, ao não terem presentes, na data e hora da primeira convocatória, condóminos que representassem a maioria dos votos representativos do capital investido no prédio, tendo reunido apenas meia hora mais tarde da hora constante da primeira convocatória, tal como tinha sido previamente comunicado a todos os condóminos, incluindo o insolvente M. C., violaram os números 3 e 4 do artigo 1432º do C.C.;
AH – No caso de a assembleia não estar devidamente representada pela maioria dos votos representativos do capital investido no prédio na primeira convocatória, nenhum diploma legislativo impede que a mesma seja realizada apenas meia hora mais tarde, tal como foi previamente comunicado a todos os condóminos em todas as convocatórias para as assembleias ordinárias e extraordinárias dos anos de 2011 a 2017;
AI – A boa-fé que se exige à administração do condomínio entre a data da 1ª convocatória e a eventual data de uma 2ª convocatória, a fim de poderem participar na assembleia os condóminos faltosos na 1ª data, faz sentido quando os condóminos pretendem efetivamente participar na respetiva assembleia;
AJ – Não faz sentido sustentar que o insolvente M. C. queria efetivamente participar nas assembleias de condóminos para nelas deliberar, pois pelo menos desde o ano de 2011 que não participa em nenhuma delas;
AK – Nenhuma das atas das assembleias de condóminos juntas à petição inicial dos autos principais padece de qualquer vício;
AL – É manifesto que o insolvente M. C. se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, encontrando-se, indubitavelmente, na situação de insolvência;
AM – O presente recurso, que apenas manifesta aquilo que se pode chamar a “dor alheia”, não infirma a situação de insolvência do insolvente M. C.;
AN – Destarte, afigura-se inatacável a douta sentença que declarou a insolvência de M. C., porquanto fez correta e judiciosa aplicação da lei aos factos provados”.
*

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal resumem-se ao seguinte:

a- da incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecer dos presentes autos de insolvência, a propósito do que se colocam as seguintes subquestões:
a.1- tendo os presentes autos sido instaurados como autos de insolvência universal se o tribunal a quo podia convolar aquele pedido para insolvência particular sem que tivesse sido apresentado requerimento de convolação nesse sentido pelo apelado;
a.b- se se encontram preenchidos os requisitos de conexão atributivos da competência internacional aos tribunais portugueses para conhecer dos autos de insolvência particular do requerido;
b- da falta de capacidade judiciária do apelado para requerer a insolvência universal e/ou particular do requerido, por:
b.1- o apelado se ter identificado na petição inicial como “condomínio do prédio sito no lugar do Cabedelo, Setor 3, freguesia de Darque, concelho de Viana do Castelo” e assim ter sido reconhecido enquanto parte processual na sentença recorrida, quando se vem a verificar inexistir qualquer prédio constituído em propriedade horizontal com semelhante designação;
b.2- nos termos do disposto nos arts. 1436º, al. a) e 1437º do Cód. Civil, não estar conferido ao apelado, enquanto administrador do condomínio, legitimidade processual para requerer a insolvência do requerido, sequer por semelhante legitimidade lhe ter sido conferida pela assembleia de condóminos;
c- da falta de legitimidade substantiva do apelado para requerer a insolvência do requerido por este não ser devedor de qualquer quantia ao condomínio por alegada invalidade das deliberações que aprovaram aquelas quantias, o que coloca as seguintes sub-questões:
c.1- tendo a apelante deduzido embargos à sentença que declarou a insolvência onde invoca como fundamento de embargos os mesmos fundamentos que agora aduz em sede recursória, se está vedado a este tribunal, em sede de recurso, conhecer deste fundamento sob pena de incorrer em alegada violação do princípio da “irrepetibilidade dos fundamentos”;
c.2- na improcedência da alegação anterior, se as deliberações da assembleia e condóminos que aprovaram as contribuições enfermam de qualquer invalidade e, no caso positivo, se essa alegada invalidade se reconduz à figura da nulidade ou da anulabilidade;
c.3- caso se trate de anulabilidade, se o direito do requerido em invocar a anulabilidade daquelas deliberações se encontra extinto, por caducidade;
c.4- independentemente de se tratar de nulidade ou anulabilidade, se a apelante dispõe de legitimidade para invocar a invalidade dessas deliberações.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida pelo tribunal a quo julgou provados os seguintes factos, os quais não foram impugnados pela apelante, sequer pelo apelado e, consequentemente, se têm como assentes:

A- A administradora da ora requerente, "Mediação Imobiliário X, Lda.", foi eleita em assembleia de condóminos realizada no dia 10 de janeiro de 2015 (ata número trinta e um junta a fls. 13 e 14 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
B- O requerido é dono e legitimo proprietário da fracção autónoma designada pelas letras "BD", correspondente ao apartamento n° .., do bloco C do prédio urbano, sito no Complexo ..., Avenida do ..., Viana do Castelo, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...°, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o número ..., cujo condomínio é administrado pelo requerente (documentos juntos a fls. 20 a 26 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
C- a requerido foi convocado para as reuniões ordinárias de assembleia de condóminos dos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, que ocorreram nos dias 15/01/2011, 14/01/2012, 05/01/2013, 11/01/2014, 10/01/2015, 09/01/2016 e 21/01/2017, respetivamente, assim como para as assembleias extraordinárias de condóminos que se realizaram nos dias 25/05/2013 e 15/06/ 2013;
D- De igual modo, as deliberações tomadas nas reuniões ordinárias e extraordinárias da assembleia de condóminos foram comunicadas ao requerido;
E- Na assembleia ordinária de condóminos realizada no dia 21 de janeiro de 2017 foi deliberado, por todos os condóminos presentes, acionar judicialmente o requerido, por forma a cobrar judicialmente todas as contribuições devidas ao condomínio (ata n" 33 junta aos autos a fls. 74v - 76 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
F- Em 31de dezembro de 2016, a dívida do requerido ascendia ao montante de € 23.595,09 (vinte e três mil quinhentos e noventa e cinco euros e nove cêntimos), passando-se a discriminar todos os valores com referência a cada ano: - € 337,34 de encargos correntes do condomínio do segundo semestre do ano de 2011; - € 723,74 de encargos correntes do condomínio do ano de 2012; - € 723,74 de encargos correntes do condomínio do ano de 2013; - € 723,74 de encargos correntes do condomínio do ano de 2014; - € 724,25 de encargos correntes do condomínio do ano de 2015; - € 724,25 de encargos correntes do condomínio do ano de 2016; - € 2.688,03 referente ao valor das obras, de acordo com a sua permilagem, de manutenção da fachada do prédio realizadas no ano de 2013; - € 1.650,00 de penalização pelo atraso no pagamento dos encargos correntes do condomínio, desde o segundo semestre de 2011 até ao final de 2016, conforme artigo 24° do Regulamento Interno do Condomínio do prédio (documento junto a fls. 84 e seguintes dos autos);¬ € 900,00 de penalização pelo pagamento fora do prazo da primeira 'prestação do valor das obras de manutenção da fachada do prédio; - € 4.800,00 de penalização pelo pagamento fora do prazo da segunda prestação do valor das obras de manutenção da fachada do prédio; - € 4.800,00 de penalização pelo pagamento fora do prazo da terceira prestação do valor das obras de manutenção da fachada do prédio; - € 4.800,00 de penalização pelo pagamento fora do prazo da quarta prestação do valor das obras de manutenção da fachada do prédio, todas estas penalizações foram calculadas à razão de € 100,00 (cem euros) por cada mês de atraso, ou sua fracção, no pagamento das prestações acordadas do valor das obras no prédio, conforme foi deliberado em 15 de Junho de 2013 (ata n" 29);
G- Nos termos do artigo 11°, n° 1, do Regulamento Interno do Condomínio “As despesas do condomínio devem ser pagas durante o mês de janeiro, ou em alternativa 50% no mês de Janeiro e os restantes 50% no mês de julho, ao Administrador em exercício, contra a entrega do respectivo recibo”;
H- Permanece em dívida ao condomínio, por parte do requerido, o valor de € 362,13 (€ 724,25/2) desde o dia 31 de janeiro de 2017;
I- Sobre a fração identificada em 2 dos factos provados (apresentação n° 14 de 04/09/2000) foi constituída uma hipoteca voluntária a favor do Banco A, S.A., para "Garantia do pagamento de todas as obrigações assumidas ou a assumir, até ao limite de: Valor: Capital: 35 000 000$00 -juro anual até 6%, acrescido de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal- Despesas: 1 400 000$00. Montante máximo: 46 900 000$00”;
J- Sobre a aludida fração incidem as seguintes penhoras: - Data da Penhora: 25/01/2011, Processo n° 2185/10.9TBPVZ do Tribunal Judicial - 1° Juízo Competência Cível, da Póvoa de Varzim, Quantia exequenda: € 504.037,44; - Data da Penhora: 16/07/2012 - Processo de execução fiscal número 2348201101068717 Aps. Quantia exequenda: € 3.682,41; - Data da Penhora: 16/01/2014 - Processo executivo n° 2227/11.0TBPVZ - 1 ° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim - Quantia exequenda: € 5.056.046,88; - Data da Penhora: 02/09/2014 - Processo de execução fiscal número 2348201101068717 - Quantia exequenda: € 4.481,78;
K- O requerido encontra-se a viver no Brasil (Porto das Dunas, Ceará) desde maio de 2012;
L- Deslocando-se apenas a Portugal por motivos familiares para tratar dos assuntos que cá deixou;
M- A. R. interveio nas assembleias de condóminos enquanto administrador ou em representação da sociedade "Mediação Imobiliária X, Lda.";
N- O requerido possui autorização de residência permanente desde 23-05-2015 (fls. 151v);
O- Dedica-se à construção civil e à promoção imobiliária;
P- Foi proposto a A. R. o pagamento das contribuições correntes e extraordinárias do condomínio relativas à fracção BU.
R- Foram efetuados pagamentos à autoridade tributária no âmbito dos processos de execução nº 2348201481067860, 2348201201082108, 2348201401144600 e 2348201301069837 nos termos constantes dos documentos juntos a fls. e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Factos não provados:

O nome da Rua e o número da porta onde vive o requerido.
A. R. tinha e tem conhecimento da morada completa do requerido no Brasil.
A sociedade ''Mediação Imobiliária X, Lda." sabia qual a atual residência do requerido.
O requerido transmitiu telefonicamente a A. R. a sua mudança de domicílio.
O requerido, a dado momento, envolveu-se num negócio de promoção imobiliária em Famalicão, como sócio da empresa "Y - Sociedade de Promoção Imobiliária, Lda.", que desenvolvia com mais 3 sócios de nacionalidade espanhola.
Mercê da conjuntura económica da altura, aquele negócio não correu como era desejado, pelo que a sociedade foi forçada a encerrar a sua actividade.
Essa sociedade veio a ser declarada insolvente por Sentença proferida no dia 10 de março de 2011, no âmbito do processo que sob o n° 127/11.3.TYVNG, correu termos pelo então 2° Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia.
Essa sociedade tinha uma dívida de aproximadamente € 5.000.000,00 para com o "Banco B, SA" e, depois, com a sociedade "C. - Consultores de Gestão, SA ", por habilitação desta no lugar daquele.
O requerido, com seus três sócios na referida sociedade, são avalistas dessa dívida, o que originou o processo executivo 2227/11.0TBPVZ do então 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, relevado pela Ap. 1010 de 2014.01.16 da dita fracção ''BU”, a que se alude na petição inicial.
No âmbito do referido processo de insolvência, aquele credor recebeu bens no montante aproximado de €4.000.000,00, pelo que os quatro avalistas apenas são, de facto e neste momento, devedores de cerca de €1.000.000,00.
O requerido tem disponibilidade para pagar a quarta parte que lhe cabe de € 250.000,00, pese embora o credor lhe exigir o pagamento da totalidade daquele montante, atenta a responsabilidade solidária que aceitou.
Com base na compra do dito terreno de Famalicão, o requerido era também devedor a A. D. e outros da quantia de cerca de € 500.000,00, o que originou o processo executivo 2185/10.9TBPVZ do então 1.° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, revelado pela Ap. 981 de 2011.01.25 da dita fracção "BU" a que se alude na petição inicial.
O requerido chegou a entendimento quanto ao pagamento desse crédito com os aí credores, que o cederam a sua mulher, estando esta na disposição de com ele fazer contas apenas quando reúna melhores meios de fortuna e, por conseguinte, de não lhe exigir o seu pagamento imediato.
A Ap. 1631, de 2012.02.08 está hoje cancelada, pela desistência do pedido da acção que titulava.
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B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1- Da incompetência internacional do presente tribunal para conhecer dos autos.
1.1- A apelante insurge-se contra a sentença recorrida por entender que aquela, ao não declarar procedente a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer dos presentes autos de insolvência e ao não absolver o requerido da instância ofendeu o estabelecido nos arts. 7º e 294º do CIRE, 96º, n.º 1 e 99º, nº 1 do Cód. Proc. Civil (doravante CPC).
Como é consabido, a competência internacional “designa a fração do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as ações que tenham elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras. Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado”(1), ou dito por outras palavras, trata-se de “definir os limites de jurisdição do Estado Português, ou seja, quando é que este se arroga o direito e se impõe o dever de exercitar a sua função jurisdicional” (2).
A aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, conforme é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, processasse em função da relação material tal como é configurada (alegada) pelo Autor (3).
Atento este critério, tendo o requerente condomínio apelado, representado pela sua administradora, “Mediação Imobiliário X, Lda.”, com escritório na Praça da … Viana do Castelo, instaurado a presente ação contra M. C., residente na Quinta …, Rua dos … Viana do Castelo, pedindo que se declare a insolvência do requerido, alegando que é devedor ao condomínio da quantia global de 25.657,22 euros, respeitante a prestações ordinárias e extraordinárias de condomínio e respetivas penalizações por não pagamento atempado daquelas prestações respeitantes ao prédio identificado no art. 2º da p.i., de que o requerido é dono e legítimo proprietário, prédio esse sito em Viana do Castelo e que se encontra onerado com uma hipoteca e, bem assim com as quatro penhoras que identifica no art. 17º daquele articulado, não possuindo o requerido outros bens, sequer meios capazes de pagar as quantias garantidas pelas identificadas hipoteca e penhoras, sequer o débito vencido do apelado (cfr. petição de fls. 52 a 57), é manifesto e indiscutível que os tribunais nacionais são internacionalmente competentes para conhecer dos presentes autos, já que em função da relação material controvertida tal como esta é delineada pelo apelado, todos os elementos de conexão relativos às partes e à causa de pedir em que se alicerça aquele pedido ocorrem em território nacional, nenhuma conexão tendo com um estado estrangeiro, pelo que a questão da delimitação da competência internacional dos tribunais portugueses perante tribunais estrangeiros nem sequer se coloca.
A questão que verdadeiramente a apelante pretende suscitar perante este tribunal é a de saber se tendo o apelado instaurado a presente ação peticionando a declaração da insolvência universal do requerido e estando apurado que este reside no Brasil desde maio de 2012, se o tribunal a quo podia convolar, como fez, aquele pedido de declaração de insolvência universal para insolvência particular sem que essa convolação tivesse sido solicitada pelo requerente e se, consequentemente, ao assim decidir, declarando a insolvência particular do requerido, o tribunal a quo acabou por, em violação do disposto no art. 609º, n.º 1 do CPC., condenar em objeto diverso do que vinha pedido pelo apelante e, por último, caso essa questão mereça resposta negativa, se se encontram ou não preenchidos os elementos de conexão atributivos da competência internacional aos tribunais nacionais para conhecer e decretar a insolvência particular daquele requerido.
1.2- Ao lado da insolvência universal, o CIRE veio, de forma inovadora, no seu art. 294º, permitir a instauração, em Portugal, de um processo de insolvência de efeitos limitados, denominada de “processo de insolvência particular”.
O processo de insolvência particular tem por objeto devedores que não tenham em território nacional a sua sede ou domicílio, sequer o centro dos seus principais interesses, permitindo que, nesses casos, se instaure esse tipo de processo de insolvência, o qual apenas abrange os bens do devedor situados em território português e daí a denominação de “insolvência particular”.
Conforme põem em destaque Carvalho Fernandes e João Labareda (4), embora subordinado às particularidades do regime que se encontra enunciado no art. 295º do CIRE, o processo particular de insolvência segue sempre, genericamente, o modelo comum traçado no CIRE para a insolvência universal, não existindo, por conseguinte, um processo especial para a declaração da insolvência particular, mesmo quando se trate de processo secundário, isto é, quando seja instaurado na sequência de um processo principal de insolvência em curso num estado estrangeiro.
O processo de insolvência particular, com aquelas particularidades enunciadas no referido art. 295º (e tratando-se de processo secundário, com as previstas no art. 296º) segue sempre os termos do processo da insolvência fixado no CIRE (insolvência universal), iniciando-se por meio de requerimento introduzido em juízo por quem, em geral, tiver legitimidade para instaurar a ação de insolvência.
Salvaguardando essas particularidades, além do processo de insolvência particular seguir os termos do processo comum fixado no CIRE para a insolvência universal, atento os seus efeitos, os quais, reafirma-se, são restritos aos bens do devedor situados em território nacional, a declaração da insolvência particular configura manifestamente um minus em relação à declaração da insolvência universal, pelo que, em termos de pedido, instaurado processo de insolvência em que vem peticionada a declaração da insolvência universal do requerido, verificado que seja que este não tem em Portugal a sua sede ou domicílio, sequer o centro dos seus principais interesses e não sendo, consequentemente, viável declarar a insolvência universal daquele por ausência dos elementos de conexão que permitam ao tribunal nacional declarar essa insolvência universal, impera concluir que implícito ao pedido de declaração da insolvência universal está o pedido de que, nessa situação, se declare a insolvência particular desse concreto devedor.
É que quem instaura uma ação de insolvência pedindo que se declare a insolvência universal do requerido, à semelhança do Autor que instaura determinada ação judicial contra determinado Réu, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de mil euros, em que necessariamente se tem de entender que, esse pedido, tem implícita a pretensão do Autor em que o demandado seja condenado a pagar-lhe quantia inferior aos peticionados mil euros caso se venha a apurar ser esse o montante do seu direito creditório, implícito e contido no pedido de declaração da insolvência universal está o pedido de declaração da insolvência particular.
Acresce que a declaração da insolvência universal e a declaração da insolvência particular assentam na mesma causa de pedir, a qual seja a impossibilidade do requerido de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo daquele, ou pelas própria circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência deste de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Decorre do exposto que para além de nenhum obstáculo processual se levantar, em termos de forma de processo, no sentido de instaurada ação de insolvência em que se pede a declaração da insolvência universal do requerido, o tribunal declare a insolvência particular deste, também nenhum obstáculo processual se levanta em termos de causa de pedir e de pedido, uma vez que para além de ambos os pedidos assentarem na mesma causa de pedir, o pedido de declaração da insolvência particular está contido implicitamente no pedido de declaração da insolvência universal, tratando-se de um minus em relação ao último.
Neste condicionalismo, instaurada que seja, como é o caso, ação em que o apelado pede que se declare a insolvência universal do requerido, verificado que seja que o tribunal nacional carece de competência internacional para declarar esse pedido, mas que dispõe de competência internacional para declarar a insolvência particular daquele e que se encontram preenchidos os pressupostos substantivos de que depende essa declaração, independentemente de ser ou não deduzido pelo requerente pedido de convolação nesse sentido, o tribunal não só pode, como tem, por imposição legal, de convolar o pedido de declaração da insolvência universal para insolvência particular e declarar essa insolvência particular do requerido, improcedendo os fundamentos de apelação que a este propósito vêm deduzidos pela apelante, onde sufraga o entendimento que essa convolação estaria dependente de pedido de convolação apresentado pelo apelado.
Note-se que, como bem refere o apelado, contrariamente ao que vinha alegado pelo representante do requerido, este não logrou fazer prova em como o apelado, à data da propositura da presente ação de insolvência, tivesse conhecimento de que o requerido residisse no Brasil e que, consequentemente, pudesse ter, ab initio, instaurado ação de insolvência pedindo a declaração particular deste.
Por outro lado, sendo a questão da residência do requerido no Brasil matéria controvertida entre as partes e tendo esse facto apenas sido apurado na sequência da prova que veio a ser produzida em sede de audiência final, é manifesto que o apelado não podia requerer a convolação dos presentes autos de declaração de insolvência universal do requerido para insolvência particular deste antes da prolação daquela sentença.
1.3- Sustenta a apelante que não se verificam os elementos de conexão atributivos da incompetência internacional aos tribunais portugueses para declarar a insolvência particular do requerido, mas, antecipe-se desde já, sem razão.
Na verdade, dispõe o art. 294º, n.º 2 do CIRE, em sede de processo particular de insolvência, que “se o devedor não tiver estabelecimento em Portugal, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação dos requisitos impostos pela alínea d) do n.º 1 do artigo 65º do Código de Processo Civil”.
Extrai-se deste preceito que tendo o devedor estabelecimento em Portugal, está, ipso facto, assegurada a competência internacional dos tribunais nacionais para o processo particular de insolvência.
No entanto, caso o devedor não tenha estabelecimento em Portugal, a competência dos tribunais nacionais para aquele processo depende da verificação dos requisitos enunciados no art. 65º, n.º 1, al. d) – atual art. 62º, n.º 1, al. c) do NCPC (5).
O art. 62º, n.º 1, al. c) do NCPC, atribui por sua vez, competência aos tribunais nacionais, nos casos em que o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Deste modo, nos casos em que o devedor não tenha estabelecimento em Portugal, a competência dos tribunais portugueses para conhecer dos autos de insolvência particular fica dependente da circunstância do direito invocado pelo requerente não se poder tornar efetivo senão por ação intentada em território nacional ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, acrescendo a estes dois pressupostos alternativos o requisito cumulativo da necessidade de entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional se ter de verificar um elemento ponderoso de conexão de ordem pessoal ou real.
A propósito deste último elemento de conexão, importa ter presente que nos termos do disposto no art. 63º, al. d) do CPC, os tribunais portugueses são exclusivamente competentes em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português, pelo que ainda que o processo de insolvência convoque diversos mecanismos que não comungam da natureza executiva, como é o caso da fase declaratória da insolvência, da reclamação, verificação e graduação de créditos ou do incidente de qualificação, porque o mesmo é qualificado pelo art. 1º, n.º 1 do CIRE como um processo de execução universal, é às disposições do processo executivo que, em primeiro recurso, e sempre que necessário, se deve atender (6), de onde decorre que sempre que o requerido seja proprietário de imóveis situados em Portugal, porque a apreensão desses imóveis no âmbito do processo de insolvência e a eventual posterior venda dos mesmos no âmbito da liquidação do ativo aí a efetuar, são da exclusiva competência dos tribunais portugueses, é manifesto que o direito invocado pelo requerente e em que este alicerça a sua legitimidade para requerer a insolvência particular do requerido, apenas se pode tornar efetivo através de processo de insolvência particular a instaurar em Portugal e que entre a ordem jurídica portuguesa e o objeto do litígio se afirma o indispensável elemento ponderoso de conexão real atributivo de competência internacional aos tribunais nacionais para conhecer dos autos de insolvência particular.
No caso presente, cotejada a matéria apurada, provou-se que o requerido reside no Brasil desde 2002, deslocando-se apenas a Portugal por motivos familiares e para tratar dos assuntos que cá deixou (cfr. alíneas K e L da matéria apurada).
Deste modo é no Brasil que o requerido tem o seu domicílio desde 2002 e onde tem o centro dos seus principais interesses.
Não estando apurado que o requerido tenha estabelecimento em Portugal, a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer dos autos de insolvência particular encontra-se condicionada à verificação de um dos elementos de conexão enunciados na al. c) do art. 62º do CPC.
Esses elementos de conexão verificam-se, em várias dimensões, a saber: o direito invocado pelo requerente não pode tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português, posto que sendo o requerido dono e legítimo proprietário do prédio identificado na al. B dos factos apurados, os tribunais nacionais são os exclusivamente competentes para procederem à apreensão e venda desse prédio no âmbito dos autos de insolvência.
Acresce que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa verificam-se outros elementos ponderosos de conexão pessoal, mas também, real atributivos de competência internacional aos tribunais nacionais para conhecer dos autos de insolvência particular do requerido instaurados pelo apelado, ainda que solicitando a declaração da insolvência universal daquele.
Esses elementos de conexão ponderosos residem na circunstância do requerido ter nacionalidade portuguesa (cfr. doc. de fls. 274), do crédito em que o apelante sustenta a sua legitimidade para instaurar a presente ação de insolvência respeitar a contribuições ordinárias e extraordinárias de condomínio em dívida e respetivas penalizações por não pagamento atempado daquelas contribuições propter rem respeitante a prédio de que o requerido é proprietário e que se situa em Portugal, pelo que o facto constitutivo desse crédito do apelado sobre o requerido, constituiu-se em Portugal, além de que, reafirma-se, situando-se aquele prédio em Portugal, os tribunais nacionais são os exclusivamente internacionalmente competentes para proceder à apreensão e eventual venda desse prédio no âmbito dos autos de insolvência.
Decorre do que se vem dizendo, encontrarem-se, no caso, preenchidos vários elementos de conexão atributivos de competência internacional aos tribunais portugueses para conhecer dos autos de insolvência particular do requerido, processo esse que, quanto ao imóvel, tinha, inclusivamente, de ser necessariamente instaurado em Portugal.
Como bem realça o tribunal a quo, neste sentido já se pronunciou esta Relação no seu acórdão de 14/02/2013, Proc. 2399/12.7TBBCL.G1, in base de dados da DGSI, cujas considerações jurídicas e fácticas são inteiramente aplicáveis ao caso em análise, onde se concluiu que “ao caso aplica-se o disposto no art. 294º do CIRE, seguindo os autos a forma de processo particular de insolvência, com as especialidades previstas no art. 295º do CIRE” e que “a não se entender assim, ficaria a apelante (no caso, o apelado) sem poder exercitar o direito que se arroga perante um tribunal, para aí ser apreciado”.
Decorre do exposto e em síntese, nenhuma censura nos merecer a sentença recorrida quando julgou improcedente a exceção da incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecer dos autos e quando convolou o pedido de declaração de insolvência universal do requerido para insolvência particular deste, não obstante nenhum pedido de convolação lhe ter sido apresentado por nenhuma das partes, incluindo pelo apelado.

2- Da falta de capacidade judiciária do apelado para requerer a declaração da insolvência do requerido.

2.1- Mais invoca a apelante a exceção da falta de capacidade judiciária do apelado para instaurar a presente ação requerendo que se declare a insolvência do requerido, sustentando para tanto que o apelado se identificou na petição inicial como o “condomínio do prédio sito no lugar do …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo” e assim foi reconhecido na sentença recorrida enquanto parte processual, quando se vem a verificar que não existe qualquer prédio constituído em regime de propriedade horizontal com semelhante denominação.
Trata-se de uma alegação meramente formal de que se pretende manifestamente aproveitar a apelante num tempo e, consequentemente, a desatempo, em que a lei processual civil erradicou da ordem jurídica processual as decisões de forma em benefício das decisões de fundo, sem prescindir, obviamente, do cumprimento de determinados ónus processuais que impõe às partes e que se destinam, entre outros, a salvaguardar os direitos de defesa do requerido.
No caso, é certo que em sede de petição inicial, o apelado identifica-se como “condomínio do prédio sito no …, freguesia de …, concelho de Viana do Castelo, entidade equiparada a pessoa coletiva número …, representado pela sua administradora “Mediação Imobiliário X, Lda.” …” (cfr. fls. 54), quando se vem a verificar que nenhum prédio constituído em propriedade horizontal existe com semelhante designação.
No entanto, essa designação indevida do condomínio apelado consta das convocatórias e das deliberações que foram juntas aos autos em anexo àquela petição inicial, sem que se vislumbre que o requerido, que foi convocado para essas reuniões ordinárias e extraordinárias da assembleia de condóminos e que foi notificado das deliberações tomadas nessas reuniões (cfr. alíneas C e D da matéria apurada), jamais tenha reagido contra essa designação (incorreta/indevida) do condomínio apelado, invocando perante este, nomeadamente, o seu desconhecimento em relação ao objeto daquelas convocatórias e deliberações, o que é bem demonstrativo que o requerido tem perfeito conhecimento da cabal identificação do condomínio apelado.
Acresce que em anexo à petição inicial de ação de insolvência, para além do condomínio apelado ter junto aquelas convocatórias e deliberações, cujo teor o requerido jamais colocou em crise, aquele apelado juntou aos autos certidão da caderneta predial do prédio constituído em regime de propriedade horizontal (cfr. doc. de fls. 61 a 62), bem como da Conservatória do Registo Predial respeitante ao prédio propriedade daquele (cfr. doc. de fls. 62 verso a 64), documentos esses que permitiram ao requerido, como a qualquer declaratário médio, identificar cabalmente o prédio constituído em propriedade horizontal e, consequentemente, identificar, de forma, também ela, cabal e inequívoca, o condomínio apelado, o que impera a que se conclua que não obstante o condomínio apelado não tenha efetivamente cuidado em se identificar convenientemente em sede de petição inicial, o mesmo juntou aos autos, em anexo a esse articulado, prova documental bastante que permitiu ao requerido cabalmente identificá-lo e salvaguardar integralmente os seus direitos de defesa.
Note-se, de resto, que conforme emerge da simples leitura do teor do articulado apresentado pelo representante do requerido, junto aos autos a fls. 107 a 126, mas também das alegações de recurso apresentadas pela própria apelante, verifica-se que não só o primeiro, mas também a própria apelante, identificou cabal e perfeitamente quem é o aqui condomínio apelado, tendo ambos perfeito e cabal conhecimento da identidade do apelado, inserindo-se a alegação da apelante numa conduta processual que, na sequência da revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, se julgava há muito arredada da ordem jurídica processual nacional.
Desta feita, sem mais considerações, improcede o fundamento de recurso aduzido pela apelante.
2.2- Sustenta a apelante que a falta de capacidade judiciária do requerente radica ainda, na circunstância daquele ter sido mandatado pela assembleia de condóminos para, “em caso de necessidade, proceder à cobrança judicial de todas as contribuições devidas ao condomínio, aqui incluindo as penalizações, devidas pelos proprietários das seguintes frações (…)”, concluindo que compaginando esta deliberação com as normas expressas nos arts. 1436º, al. a) e 1437º do Cód. Civil, no âmbito dos seus poderes de administração, o administrador tem poderes para exigir o pagamento das contribuições para as despesas comuns e, em reforça dessa competência, possui deveres delegados para proceder à cobrança judicial de todas as contribuições em dívida, usufruindo, para esse efeito, da necessária legitimidade substantiva e processual, mas ao contrário do propugnado na sentença recorrida, não se pode aceitar que o pedido de declaração de insolvência possa ser entendido como uma forma de exigência do pagamento de contribuições ou possa representar um modo de proceder à sua cobrança judicial.
Está em causa a apreciação do segmento da decisão recorrida onde se ponderou e escreve o seguinte: “…não restam dúvidas que o requerente é credor do requerido e, por isso, tem legitimidade para requerer a insolvência. Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal com vista à satisfação dos credores (e a cobrança judicial deliberada pelos condóminos destina-se a satisfazer o crédito), entende-se ser aceitável e admissível considerar que a deliberação em causa conferiu os poderes necessários à tomada da presente providência”.
Esclareça-se que no ordenamento jurídico nacional, o condomínio não possui personalidade jurídica própria e autónoma, não sendo dotado de personalidade coletiva, sequer constitui um património autónomo e daí que não seja titular de direitos e obrigações e não goze de personalidade judiciária de que gozaria se tivesse personalidade jurídica (art. 11º, n.º 2 do CPC).
No entanto, com a reforma processual de 1995/1996, foi estendida a personalidade judiciária ao “condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador” (art. 12º, al. e) do CPC.).
A ilação a extrair deste preceito é que a extensão da personalidade judiciária do condomínio e, consequentemente, a suscetibilidade daquele de demandar e ser demandado num pleito judicial se circunscreve ao âmbito dos poderes do administrador.
Quanto aos poderes do administrador, impõe-se atender ao núcleo de funções que este desempenha por direito próprio e aquelas outras situações em que o mesmo desempenha funções mediante prévia autorização da assembleia de condóminos.
O núcleo de funções desempenhadas pelo administrador de condomínio por direito próprio encontra-se elencado no art. 1436º do Cód. Civil (doravante CC) e na demais legislação avulsa complementar, onde se destaca, o poder daquele de cobrar as receitas e efetuar as despesas comuns e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (als. d) e e) daquele art. 1436º).
Quanto a estas funções, trata-se de funções que o administrador do condomínio desempenha por competência própria, não estando dependente de qualquer autorização da assembleia de condóminos, sequer esta pode retirar-lhe ou condicionar-lhe essa sua competência. Consequentemente, nas ações que respeitam às funções que o administrador do condomínio desempenha por competência própria, as mesmas podem ser instauradas pelo administrador do condomínio ou contra este, em representação do condomínio, sem mais, isto é, sem necessidade de prévia autorização da assembleia de condóminos.
Existem, no entanto, um conjunto de matérias que não sendo enquadráveis nas funções específicas do administrador, por não respeitarem à gestão corrente do condomínio, caem no âmbito de competência da assembleia por respeitarem a coisas comuns e em que esta pode autorizar que essas funções sejam exercidas pelo administrador do condomínio. Em relação a estas matérias, o administrador do condomínio apenas poderá exercê-las precedido da necessária autorização da assembleia de condóminos.
Em consonância com o que se acaba de referir, as ações que tenham por objeto matérias que são da competência da assembleia de condóminos, as mesmas apenas podem ser instauradas contra o condomínio, representado pelo seu administrador, ou podem ser por este intentadas enquanto representante do condomínio, mediante prévia autorização da assembleia de condomínio.
A par destas situações, na propriedade horizontal existem outras situações que por exorbitarem não só as funções próprias do administrador, como também a competência da assembleia de condóminos, como é o caso de situações que envolvem o direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fração, a extensão da personalidade judiciária prevista no art. 12º, al. e) do CPC, não se estende a essas situações, pelo que as ações que respeitem a essas situações obrigam a intervenção ativa ou passiva dos condóminos singularmente considerados, porque ultrapassam os estreitos limites em que se admitiu a personalização do condomínio para efeitos processuais (7).
Ao estender a personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações judiciais que se inserem no âmbito dos poderes do administrador, o referido art. 12º, al. e) do CPC tem, assim, única e exclusivamente em vista as ações que contendem com o exercício das funções próprias do administrador, bem como aquelas que, por respeitarem a assuntos que exorbitando a competência daquele, cabem, no entanto, na competência da assembleia de condóminos, esta autorizou-o a representar o condomínio em juízo, seja do lado ativo, seja do lado passivo.
Em consonância com o que se acaba de concluir, dispõe o art. 1437º, n.º 1 do CC, que o administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia de condóminos.
Este normativo mais não faz que concretizar aquele art. 12º, al. e) do CPC., deixando claro que a extensão da personalidade judiciária ao condomínio só respeita a ações que tenham por objeto matérias que o administrador de condomínio exerce por direito próprio e àquelas outras que, embora exorbitem a sua competência, se inserem na competência da assembleia de condomínio e esta autorizou-o a representar o condomínio em juízo, pelo que quanto a ações que tenham por objeto estas concretas matérias, o condomínio dispõe de personalidade judiciária e poderá ser representado em juízo pelo seu administrador do lado ativo ou do lado passivo.
Fora desses casos especiais, todas as demais ações (ou seja, reafirma-se, aquelas que embora caibam na competência da assembleia, esta não concedeu autorização ao administrador para representá-la em juízo, ou aquelas que excedam a própria competência da assembleia), obrigam à intervenção ativa ou passiva dos condóminos singularmente considerados, dado extravasarem os estreitos limites em que se admitiu a personalização do condomínio para efeitos processuais.
Note-se que embora o referido art. 1437º do CC., tenha por epígrafe “legitimidade do administrador”, na verdade o mesmo não versa sobre uma questão de legitimidade processual do administrador, uma vez que essa legitimidade processual tem de ser aferida pelo interesse que o património comum que aquele representa, ou seja, o condomínio, de que é órgão executivo, tenha em demandar ou em contradizer determinada ação judicial, mas do que se trata e se debruça a norma em apreço é apenas sobre a legitimação do administrador para agir em juízo em nome do condomínio, isto é, sobre a capacidade judiciária do administrador para, no âmbito dos poderes próprios ou mandatado pela assembleia de condóminos, representar em juízo o conjunto dos condóminos, que é quem é a parte na acção (8).
Assente nestas premissas, no caso em análise, os créditos vencidos que vêm invocados pelo condomínio apelado, representado pelo seu administrador, respeitam a encargos correntes relativos ao condomínio, encargos referentes a obras e a penalizações.
Quanto aos encargos correntes, o administrador de condomínio dispõe de capacidade judiciária para, em representação do condomínio, por sua exclusiva iniciativa, isto é, independentemente de autorização da assembleia, instaurar ações para cobrança desses encargos contra os condóminos nos termos do disposto no art. 1436º, al. d) do CC.
No que respeita aos encargos referentes a obras realizadas nas partes comuns do prédio, tendo a realização dessas despesas sido previamente aprovadas em sede de assembleia de condóminos, o administrador dispõe igualmente de capacidade judiciária, nos termos da al. e) daquele art. 1436º, para, em representação do condomínio e independentemente de autorização da assembleia, instaurar ação contra os condóminos destinadas a exigir-lhes a sua quota-parte nessas despesas.
Já em relação às penalidades aplicadas aos condóminos pela assembleia de condomínio, a instauração de ação pelo administrador, em representação do condomínio, contra os condóminos com vista à cobrança dessas penalidades, depende de prévia autorização da assembleia para que instaure essas ações.
Tendo, no caso, o administrador de condomínio, em representação deste, instaurado a presente ação de insolvência contra o requerido, com base na assembleia realizada em 21 de janeiro de 2017, onde foi deliberado, por todos os condóminos presentes, que “em caso de necessidade, pode proceder à cobrança judicial de todas as contribuições devidas ao condomínio, aqui se incluindo as penalizações, devidas pelos proprietários das seguintes frações e que abaixo se discriminam (…)”, onde se inclui o requerido, a questão fulcral que é colocada pela apelante consiste em saber se o pedido de declaração de insolvência pode ser entendido como uma forma de exigência do pagamento de contribuições ou possa representar um modo de proceder à sua cobrança judicial.
Realce-se que contrariamente ao que vem propugnado pela apelante, tal como se deixou explanado supra, o administrador do condomínio não necessitava, sequer necessita, de autorização da assembleia de condomínio para, em representação do condomínio, instaurar ação tendente à cobrança das despesas correntes do condomínio, sequer para cobrar as despesas relativas às obras de manutenção da fachada do prédio. O administrador do condomínio apenas necessitava da autorização que lhe foi concedida na assembleia de 21/01/2017, para proceder à cobrança das penalidades aplicadas aos condóminos pelo atraso no pagamento dos encargos correntes do condomínio e do pagamento do valor das obras realizadas nas partes comuns do prédio.
Independentemente dessa questão, fica em aberto saber se o pedido de declaração de insolvência pode ser entendido como uma forma de exigência do pagamento daqueles quantias vencidas e em dívida ou se pode representar um modo de proceder à sua cobrança judicial.
A este propósito, segundo o art. 1º, n.º 1 do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num pano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
Decorre deste preceito que o processo de insolvência, contrariamente ao processo de execução, que tem em vista a satisfação do credor individual, sem prejuízo de no âmbito daquela execução também poderem acabar por ser satisfeitos, designadamente, em sede de reclamação de créditos, interesses de outros credores do executado que não apenas o do exequente (que aliás, pode acabar por ver insatisfeito o seu interesse individual, ou seja, o seu crédito, em detrimento da satisfação dos interesses desses terceiros, caso estes gozem de preferência no pagamento pelo produto dos bens penhorados e alienados no processo de execução), e sem que se olvide que o processo de insolvência convoca diversos mecanismos que não comungam da natureza executiva, é um processo expressamente qualificado por lei como “processo de execução universal”.
Não obstante a natureza de execução universal, conforme vem estatuído expressamente naquele preceito legal e é colocado em evidência por Carvalho Fernandes e João Labareda (9), a única finalidade do mesmo é a satisfação do interesse dos credores do devedor, podendo essa satisfação ser alcançada através de duas alternativas possíveis, a saber: a) ou pela execução das providências definidas num plano de insolvência aprovado no processo; b) ou pela repartição do produto da venda do património do devedor, entretanto alienado em sede de liquidação do ativo.
É certo que como sustenta a apelante, o processo de insolvência não se confunde com uma execução, havendo diferenças essenciais e assinaláveis entre ambos os processos, desde logo quanto aos pressupostos necessários à instauração de ambos os processos e às respetivas consequências jurídicas.
Assim, enquanto para a instauração de determinada ação executiva basta ao exequente ser detentor de um título executivo que lhe reconheça um direito sobre o devedor e o incumprimento voluntário desse crédito por parte do último para que o credor fique legitimado a lançar mão da ação executiva, no processo de insolvência, a verificação desses requisitos, além de não serem indispensáveis (quando se pondera que a legitimidade ativa do requerente do processo de insolvência depende da alegação e prova da sua qualidade de credor em relação ao requerido e de um dos factos-índices enunciados nas várias alíneas do n.º 1 do art. 20º do CIRE, direito de crédito esse que, contudo, não tem de se encontrar explanado num título executivo, tanto assim que, atualmente, constitui jurisprudência consolidada que os titulares de créditos litigiosos dispõem de legitimidade ativa para instaurarem ação de insolvência contra o discutido devedor (10)), são manifestamente insuficientes para conferir legitimidade ativa ao credor para requerer a declaração da insolvência do devedor, sendo ainda necessário que a obrigação incumprida, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (al. b) do art. 20º do CIRE), ou que o credor alegue (e, posteriormente, se prove) a verificação de um dos restantes factos-índices de insolvência do requerido enunciados nas diversas alíneas do art. 20º do CIRE.
Também é certo que no processo de insolvência todo o património do devedor fica à disposição da generalidade dos credores, podendo culminar com a liquidação desse património e a repartição do produto obtido mediante essa liquidação pelos credores, importando, no entanto salientar, que esse é apenas um dos meios que constituem o culminar do processo de insolvência, dado que este pode culminar com a aprovação de um plano de insolvência e a consequente recuperação do devedor insolvente.
É igualmente certo que o processo de insolvência enquanto processo de execução universal, visa a satisfação da generalidade dos credores do devedor, por contraponto ao processo executivo, que visa a satisfação do crédito específico do exequente. Relembra-se, no entanto, que se é certo que o exequente visa a satisfação do seu crédito individual quando instaura a execução, o mesmo pode ver esse seu crédito insatisfeito no âmbito desse processo, em benefício de terceiros credores do executado, caso estes beneficiem de preferência no pagamento pelo produto dos bens penhorados e alienados no âmbito da execução em relação a esse seu crédito.
Independentemente dessas diferenças de regimes, realça-se que em consonância com o expresso no art. 1º, n.º 1 do CIRE, o processo de insolvência tem como única finalidade a satisfação do interesse dos credores do insolvente (11), ancorando-se precisamente a conferência aos credores da faculdade de requerer a insolvência do devedor “no facto de o processo ter por finalidade a satisfação dos interesses deles, seja pela via supletiva da liquidação universal do património do insolvente, seja pela via alternativa da aprovação de um plano de insolvência. Daí que, no melhor sentido que se extrai do n.º 1 do art. 20º, a atribuição de legitimidade ativa aos credores supõe que o processo não se constitua predominantemente como um expediente para atingir fins que não se traduzem, matricialmente, na realização do crédito”.
Resulta do que se vem dizendo, que contrariamente ao pretendido pela apelante, embora o processo de insolvência tenha especificidades próprias que o distinguem do processo de execução, o mesmo, tal como o processo de execução, tem por finalidade a satisfação do crédito incumprido pelo devedor, pelo que incumprido pelo devedor o crédito, cabe ao credor (ou ao seu representante) verificar quais os concretos meios processuais que tem ao seu dispor para obter a satisfação do seu crédito, designadamente, se há-de recorrer à ação executiva ou antes à ação de insolvência, tendo, neste caso, de ter presente que a sua legitimidade ativa para instaurar a ação de insolvência encontra-se fortemente condicionada pela necessidade de alegação e prova dos factos-índices de insolvência do requerido enunciados no art. 20º, n.º 1 do CIRE.
No caso, conforme acima se deixou explanado, o administrador do condomínio não necessitava de autorização da assembleia de condóminos para instaurar ação judicial, em representação do condomínio, para cobrar coercivamente do requerido as contribuições em dívida, mas apenas para proceder à cobrança das penalizações.
A assembleia de condóminos, ao deliberar, em 21/01/2017, conferir poderes ao administrador do condomínio para, “em caso de necessidade, proceder à cobrança judicial de todas as contribuições devidas ao condomínio, aqui se incluindo as penalizações…”, não definiu quais os concretos meios processuais que autorizava o administrador a lançar mão para obter a cobrança judicial do requerido das contribuições e penalizações em dívida, deixando compreensivelmente em aberto à escolha do administrador dos concretos meios processuais que seriam adequados para atingir aquele desiderato, até porque a escolha desses meios processuais estava dependente da concreta situação patrimonial que viesse a ser apurada encontrar-se cada um dos devedores, o que condicionava não só a escolha do meio processual a eleger pelo administrador como meio de atingir aquele desiderato, podendo tornar inútil o recurso a um processo de execução por insuficiência de bens necessários à cobrança coerciva daqueles créditos por essa via, como a própria legitimidade ativa do condomínio para recorrer ao processo de insolvência.
Entre os meios processuais que aquela assembleia autorizou o seu administrador a lançar mão com vista a atingir aquele desiderato inclui-se inegavelmente a instauração de ação contra o requerido solicitando a declaração da insolvência deste, uma vez tendo o processo de insolvência como única finalidade a satisfação dos interesses dos credores do requerido, trata-se de um dos meios processuais aptos a obter a cobrança judicial das contribuições e das penalizações em divida pelo requerido.
Decorre do que se vem dizendo, que nenhuma censura nos merece a douta sentença recorrida quando nela se pondera que “sendo o processo de insolvência um processo de execução universal com vista à satisfação dos credores (e a cobrança judicial deliberada pelos condóminos destina-se a satisfazer o crédito), entende-se ser aceitável e admissível considerar que a deliberação em causa conferiu os poderes necessários à tomada da presente providência”.
3. Como último fundamento de recurso, invoca a apelante a ilegitimidade substantiva do apelado para requerer a insolvência do requerido, sustentando para tanto que este nada deve àquele em virtude das assembleias de condóminos nas quais foram aprovadas todas as comparticipações para as despesas comuns e as penalizações pela sua falta de pontual pagamento, não funcionaram em primeira convocatória, mas apenas em segunda, meia hora depois da hora designada para a primeira assembleia, o que determina a nulidade dessas deliberações, com a consequente inexistência daqueles créditos do apelado sobre o requerido.
Como questão prévia à apreciação deste fundamento impõe-se verificar da bondade da alegação do apelado quando sustenta que tendo a apelante deduzido embargos à sentença que declarou a insolvência do requerido com os mesmos fundamentos que agora aduz em sede de recurso – o que é um facto demonstrado pelo simples confronto desses fundamentos de recurso com a alegação vertida nos embargos à sentença declaratória da insolvência, cujo articulado se encontra junto aos autos a fls. 308 a 312 –, encontra-se vedado ao tribunal conhecer desses fundamentos, em sede de recurso da sentença que declarou a insolvência do requerido, sob pena de incorrer em violação do princípio da “irrepetibilidade dos fundamentos”.
Como resulta dos seus arts. 40º e 42º, o CIRE retomou o sistema de dupla reação à sentença de declaração de insolvência acolhido no Código de Processo Civil e que tinha sido abandonado no âmbito de vigência do Código de Processos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência, cujo art. 129º, n.º 1 previa que a sentença de falência apenas era impugnável mediante embargos, que concentravam todas as razões, fossem de direito ou de facto, que afetassem a sua regularidade e fundamentação.
No âmbito do CIRE regressou-se ao sistema da dupla via de reação: embargos e recurso.
Os legitimados a recorrerem a esses dois mecanismos de reação à sentença declaratória da insolvência, são exatamente os mesmos, conforme resulta do disposto no art. 42º.
No entanto, aqueles meios de reação baseiam-se em fundamentos diferentes.
A oposição mediante embargos encontra-se reservada às razões de facto, traduzidos em factos novos ou novos meios de prova (art. 40º, n.º 2 do CIRE) que não estavam disponíveis aquando da prolação da sentença, ou que já o estando, a sentença não levou em consideração.
O recurso, por sua vez, assenta em razões de direito (art. 42º, n.º 1 do CIRE), “por inadequação da decisão à factualidade apurada ou por má aplicação da lei”.
Corolário do que se acaba de dizer é que os embargos e o recurso devem abster-se de invocar motivos que são próprios do outro meio de reação e, quando não suportados em fundamentos adequados, terão necessariamente indeferidos, assim se afastando o risco de repetição de julgados.
Deste modo se “o recurso é baseado em razões que não lhe cabem, seja porque se alega matéria de facto que o processo já evidencia mas a sentença não levou em conta, há lugar a indeferimento, não podendo o recurso ser convolado em petição de embargos. Só assim não será, quando, tratando-se simplesmente de relevar factos que, apesar de resultarem do processo, a sentença não considerou e o recorrente esteja impedido de embargar” (12).
No caso em análise, conforme vem alegado pela própria apelante, os factos que aquela invoca como fundamento da ausência da legitimidade substantiva do apelado para requerer a insolvência do requerido por este não ser alegadamente devedor de qualquer quantia ao condomínio apelado, por suposta invalidade das deliberações que aprovaram aquelas quantias decorrente da circunstância das assembleias de condóminos nas quais foram aprovadas todas as comparticipações para as despesas comuns e as penalizações pela falta de pontual pagamento dessas contribuições não terem funcionado em primeira convocatória, mas apenas em segunda, meia hora depois da hora designada para a primeira assembleia, já resultavam da prova oferecida pelo requerente da insolvência, mas “foram completamente desconsiderados” pela sentença recorrida (cfr. fls. 13).
Na verdade, compulsada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, verifica-se que a mesma desconsiderou aqueles factos que vem invocados pela apelante não obstante, aquando da prolação daquela sentença, já estivesse disponível prova documental que permitiam ao tribunal considerar essa matéria fáctica na sentença recorrida.
Não tendo, contudo, a sentença recorrida considerado essa factualidade, desconsiderando-a completamente, impera concluir que os fundamentos aduzidos pela apelante em sede de alta de legitimidade substantiva do apelado para requerer a insolvência do requerido, assentam em razões de facto, não consideradas pela sentença sob recurso, pelo que o meio de reação adequado não é o recurso, mas a oposição mediante dedução de embargos à sentença que declarou a insolvência do requerido, embargos esses que, de resto, a apelante deduziu, impondo-se, por conseguinte, indeferir o recurso quanto a este concreto fundamento.
Decorre do exposto, que com exceção do terceiro fundamento de recurso que vem invocado pela apelante, que vai indeferido por ser fundamento de embargos, os restantes fundamentos de recurso improcedem, impondo-se a consequente confirmação da sentença recorrida.

Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em:

I- rejeitar o recurso quanto ao fundamento da invocada ilegitimidade substantiva do apelado para requerer a declaração de insolvência do requerido;
II- no mais, julgar a apelação integralmente improcedente e, em consequência, confirmam a douta decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
*
Guimarães, 19 de outubro de 2017

(Dr. José Alberto Moreira Dias)
(Dr. António José Saúde Barroca Penha)
(Dra. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha)


1. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 198.
2. Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 92.
3. Ac. RG. de 18/12/2006, CJ, 2006, t. 1º, pág. 204.
4. “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 3ª ed., pág. 966.
5. Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit., pág. 964.
6. Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit., pág. 74.
7. Abílio Neto, in “Manual da Propriedade Horizontal”, 4ª ed., Ediforum, págs.751 a 756.
8. Ac. STJ.de 04/10/2007, Proc. 07B1875, in base de dados da DGSI.
9. Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit., pág. 71.
10. Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit., pág. 198.
11. Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit., págs. 71 e 199.
12. Carvalho Fernandes e João Labareda, in ob. cit., págs. 279 e 286; Acs. RC. de 06/12/2016, Proc. 1414/15.7T8ACB-D.C1; 14/02/2012, Proc. 6000/11.8TBLRA-C.C1, in base de dados da DGSI.