Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5670/18.0T8BRG-A.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
RESCISÃO COM JUSTA CAUSA
DIREITO DE OPOSIÇÃO DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - No caso de Transmissão do estabelecimento comercial e consequente transmissão da posição contratual no contrato de trabalho, o trabalhador que pretenda rescindir com justa causa nos termos da al. d) do nº 2 do artigo 394º do CT, deve, na carta de rescisão, indicar factos concretos que integrem os conceitos de prejuízo sério e/ou a não confiabilidade da politica de organização do trabalho da adquirente.
II - Deve o trabalhador demonstrar quanto ao prejuízo sério, a possibilidade da real ocorrência deste, não bastando um mero receio. Tal possibilidade séria pode resultar, entre outras circunstâncias que possam ocorrer em concreto, da manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil da adquirente.
III - A rescisão pode ainda basear-se na falta de confiança na política de organização de trabalho. A confiabilidade da política de organização de trabalho da adquirente deve ser apreciada não de um ponto de vista subjectivo, mas de um ponto de vista objetivo, com base em factos concretos que a demonstrem, tendo em conta a perspectiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa.
- A informação ao(s) trabalhador quanto às consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, nos termos do nº 2 do artigo 286º do CT, não se perspetivando qualquer alteração relevante ao nível da estrutura e gestão do estabelecimento nem se projetando qualquer medida, basta-se com a indicação de que manterão as condições laborais em vigor, antiguidade, categoria profissional, montantes e condições remuneratórias e eventuais outros benefícios.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

V. M., intentou a presente ação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra;
X – Comércio de Gás e Eletrodomésticos, Ld.ª, e Y – sociedade de Distribuição de Gás, S.A., alegando em síntese que trabalhava para a primeira ré, que esta comunicou que era sua intenção transmitir a sua posição de empregadora para a segunda ré em virtude da transmissão do estabelecimento comercial. Tal comunicação não respeitou os requisitos do artigo 286º do CT. Resolveu o contrato nos termos previstos na al. a) do nº 3 do artigo 394º do CT.
Conclui, pedindo uma indemnização prevista no artigo 396º, 5 do CT e outros direitos.
As rés contestaram referindo o cumprimento dos procedimentos e pugnado pela improcedência. A primeira ré invoca ainda a caducidade do direito de resolução pelo decurso do prazo previsto no artigo 395º, 1 do CT. A segunda ré refere ainda a falta de fundamento legal para a formulação do pedido contra si.
Considerando-se habilitado a decidir de imediato do mérito da causa imediato do mérito da causa, no que respeita ao pedido de declaração da licitude da resolução do contrato de trabalho e consequente condenação da 2ª Ré no pagamento da indemnização no valor de 17.100 € (alínea a) do pedido), bem como ao pedido de condenação no pagamento da remuneração relativa a diuturnidades no montante de 14.842,80 € (alínea d) do pedido) foi proferido saneador sentença decidindo-se:
“ 2.3. Em face do exposto, julgando ilícita a resolução do contrato de trabalho, absolvo as Rés do pedido condenatório no pagamento da quantia de 17.100,00 €, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho.
Vão ainda ambas as RR. absolvidas do pedido de condenação no pagamento de qualquer valor, a título de diuturnidades...”

Inconformado autor interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:

B -Os fundamentos deste recurso prendem-se essencialmente sobre a questão do prejuízo sério, e da confiança na nova entidade patronal.
C- No entendimento do Tribunal a quo os Autores não invocaram factos concretos que pudessem corroborar a sua resolução com justa causa, pois, no seu entendimento, não existe nenhum prejuízo sério, nem sequer factos que demonstram a falta de confiança.
D- Conforme dado como provado enviada comunicação ao Autor, na qualidade de trabalhador da 1ª Ré, que era intenção desta ultima proceder à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, em virtude da transmissão do para a 2ª Ré.
E- A referida comunicação não respeitou os trâmites e requisitos legais previstos no artigo 286.º do Código do Trabalho, uma vez que, não contém a informação clara e precisa acerca dos motivos da transmissão e do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, assim como, as consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e as medidas projetadas em relação a estes.
F- Na verdade, a comunicação feita ao recorrente e as parcas informações dela constante não se compadece com o exigido no n.º 1 do artigo 286.º do Código do Trabalho; nem tão pouco, da possibilidade de deduzir oposição à transmissão, prevista no artigo 286º Código do Trabalho…
G- Acresce que, os trabalhadores não foram informados da possibilidade de designarem, entre eles uma comissão representativa, com vista à consulta prévia à transmissão, prevista no n.º 4 do artigo a questão do “prejuízo sério” e da “confiança” na nova entidade
H - Com efeito, a omissão de uma informação clara, precisa e inequívoca dos contornos da transmissão da posição de empregador no contrato de trabalho, prejudicou o trabalhador de exercer convenientemente e eficazmente os seus direitos;
I- Não nos dá a lei elementos para determinar o que se deve entender por prejuízo sério, competindo, antes, ao julgador precisar o conceito desse prejuízo em cada caso concreto e face aos elementos de facto fornecidos pelos autos, competindo, em situações como a dos autos, ao empregador alegar e provar os factos da não existência desse prejuízo, sem embargo de se terem em conta os factos alegados pelo trabalhador.
J- Não obstante, o Recorrente ter alegado factos … o tribunal considerou ... que não existe prejuízo.
K- Ora, por prejuízo sério deve entender-se não qualquer prejuízo, mas um dano relevante que não tenha pequena importância e que determine uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador.
L- Só a própria mudança de entidade patronal per si, é geradora de desconfiança, se não contiver os elementos que devem constar da comunicação aos trabalhadores, mais desconfiança gera!
M –Se há desconfiança não poderá haver um vínculo laboral, aliás os recorrentes firmaram um contrato com a 1ª ré e não com a segunda ré.
N - Logo esta desconfiança cria e perspetiva um prejuízo real, pois o nevoeiro existente quanto à transmissão faz antever (porque efetivamente não houve um cuidado na comunicação), uma relação laboral dúbia.
O - É necessário que o empregador transmitente coloque ao dispor do trabalhador todas as ferramentas necessárias para que este possa exercer os seus direitos condignamente e para que a sua decisão quanto ao seu futuro, seja uma decisão consciente, ainda para mais tratando-se de um contrato de trabalho.
P- Efetivamente, sendo o contrato de trabalho um contrato intuito personae, o trabalhador deve ter a liberdade de escolher a outra parte da relação contratual (empregador), a quem este se obriga a prestar o seu trabalho, pelo que, o mesmo deve ter sempre uma palavra a dizer numa situação de transmissão da empresa ou estabelecimento.

V – Aqui, os recorrentes invocaram um prejuízo sério que foi veiculado pela falta de informação!!! Falta de informação essa, que nunca foi sanada pelas Rés, como se lhes impunha.

X – O “prejuízo sério” constitui uma realidade demonstrável e sindicável por terceiros, podendo ser apreciada judicialmente; já a “falta de confiança” trata-se de um sentimento ou convicção do trabalhador insuscetível de prova ou contraprova, ficando exclusivamente ao critério do trabalhador a opção por um ou outro fundamento.
Y- A letra da lei é clara o trabalhador pode se opor à transmissão da posição contratual do empregador, isto deriva automaticamente do princípio da liberdade contratual na sua dimensão mais básica.

BB- A oposição do trabalhador implica, assim, a manutenção do contrato com o transmitente. Porém, esta norma deve ser interpretada em conjugação com as normas referentes à cessação do contrato de trabalho, nomeadamente nos casos em que seja impossível para o transmitente continuar a receber a prestação de trabalho, caso em que o contrato caduca caso seja exercido o direito em apreço.
CC- Por outro lado, a Lei nº 14/2018 passou a prever que a transmissão do estabelecimento nos termos do artº 285º constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, caso em que o trabalhador terá direito a uma compensação calculada nos termos do artigo 366º.
DD- Em suma, o trabalhador passa a poder opor-se à transmissão do estabelecimento, fundamentando em prejuízo sério ou falta de confiança na organização do transmissário, podendo optar pela manutenção do contrato com o transmitente, ou pela resolução com justa causa sem prejuízo da aplicação das normas respeitantes à caducidade do contrato. Esta solução legislativa revela uma valorização da autonomia contratual e da dignidade e liberdade do trabalhador
EE- Os Recorrentes tal como supramencionado resolveram com justa causa o contrato de trabalho celebrado com a 1º Ré e cuja posição do empregador se transmitiu para a 2ª Ré, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 394.º do Código do Trabalho;
FF- A motivação da presente resolução prendeu-se com o facto de a transmissão poder causar-lhe prejuízo sério, acresce que, há ainda falta de falta de confiança, pois os Recorrentes desconhecem os contornos e os motivos em que a referida transmissão ocorreu, assim como, as consequências e medidas projetadas para este, por falta de transparência e de informação por parte da 1ª e 2ª Rés, em clara violação do disposto no artigo 286.º do Código do Trabalho,
GG- Concluindo, a factualidade descrita e a motivação apresentada, corroborada documentalmente, constitui legítima justa causa de resolução do contrato nos termos da al. d) do n.º 3 do artigo 394.º do Código do Trabalho.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
O Exmo Procurador deu o seu parecer no sentido da improcedência.
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Colhidos os vistos importa decidir.
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Factualidade:

a) O Autor foi admitido a trabalhar sob a autoridade e direção da 1ª Ré no dia 1 de junho de 1981, através de contrato verbal.
b) O Autor sempre exerceu as funções de distribuidor.
c) Ultimamente auferia a retribuição mensal de 950,00 €.
d) No dia 23 de agosto de 2018 foi enviada ao Autor comunicação, na qualidade de trabalhador da 1ª Ré, que era intenção desta proceder à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, em virtude da transmissão do seu estabelecimento comercial – “X” – para a 2ª Ré.
e) Por contrato de trespasse celebrado entre a “Y” e a “X – Comércio de Gás e Eletrodomésticos, Limitada” – e com efeitos a partir de 1 de outubro de 2018 – a “Y” adquiriu o estabelecimento comercial de comércio de gás situado em Braga, que era, até essa data, propriedade da sociedade “X”.
f) Por carta registada com aviso de receção, datada de 10 de outubro de 2018, o Autor comunicou à 2ª Ré a resolução do seu contrato de trabalho, nos termos constantes da respetiva cópia junta com a petição a fls. 7 verso a 8 verso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Aditado (documental)

- O autor enviou à primeira ré uma missiva do teor do doc. 4 junto com a PI, de 12/8/2018, intitulado “resolução do contrato de trabalho com fundamento na al. e) do nº 2 do artigo 394 e da al. d) do nº 3 do artigo 394º ambos do código do trabalho.

Consta designadamente da mesma:

Venho por este meio em nome do M/constituinte… e em resposta à V/ missiva datada de 23 de agosto de 2018 referir o seguinte:
Primeiramente referir que o meu constituinte pretende resolver o contrato de trabalho…
Os motivos… são os previstos na alínea e) do nº 2 do artigo 394º do C.PT. e da al. d) do nº 3 do artigo 394 do C.T.
Relativamente ao primeiro motivo “lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador”, de referir que: o meu constituinte assume a função de “distribuidor”, o mesmo foi informado que iria ser alterada a sua função, assim como o seu escopo laboral.
Na verdade, a prestação de trabalho depende de uma objetividade tal, que o meu constituinte necessitaria de ter sido contratado para as mesmas, o trabalhador deve exercer uma atividade ou funções correspondentes à categoria para que foi contratado.
Contudo, sem prescindir, e alertando que o M/ Constituinte pretende resolver o seu contrato de trabalho com base no supramencionado, sempre diremos que o mesmo tem direito a rescindir por justa causa nos termos alínea d) do n° 3 do artigo 3940 do C.T. "transmissão da posição do empregador".
Neste sentido, foi o M/ Constituinte informado do Trespasse do Estabelecimento da “A” para a “B”, desta forma constitui fundamento para o despedimento por justa causa este facto comunicado a 23 de agosto de 2018.

A cessação do presente contrato produz efeitos a partir de 01 de outubro de 2018, data da transmissão da posição do empregador.
Em consequência, aguardo o ressarcimento de todos os créditos
devidos.

- A ré respondeu por missiva de 27/8/2018, nos termos do doc. 5 junto com a PI. comunicando não aceitar qualquer dos fundamentos. Consta designadamente da resposta:

Não aceita esta empresa qualquer dos fundamentos indicados nessa comunicação para a resolução do contrato de trabalho com justa causa pois, além de não existir qualquer lesão culposa dos interesses patrimoniais sérios do trabalhador, a comunicação limita-se, quanto ao outro fundamento, a remeter para a al, d), do nº 3 do art. 394º do CT sem concretizar qual a situação prevista no nº 1 do art. 286º-A em que se funda a resolução.
Acresce que, não obstante a lei ter salvaguardado essa hipótese, o trabalhador optou por não exercer tempestivamente o seu direito de oposição previsto no nº 1 do art. 286º-A do CT para se manter dessa forma ao serviço do transmitente.
Não o tendo feito e sendo ineficaz a comunicação a que se responde, a posição de empregador transmitir-se-á para o adquirente do estabelecimento no próximo dia 01.10.2018, tal como previsto, devendo o trabalhador apresentar-se normalmente ao serviço para exercer as suas habituais funções, sob pena de não o fazendo as suas faltas poderem vir a ser consideradas injustificadas e, quando em número suficiente, ser determinado o seu despedimento.
*
- Teor da comunicação de 23/8/2018 referida em d):

Assunto: Trespasse do Estabelecimento da “A” a favor da “B” … Comunicação aos trabalhadores:

Exmo(a) Senhor(a)
Na sua qualidade de Entidade Empregadora de V. Exa., vem a “A” informar para todos os devidos efeitos legais designadamente dos artigos 2850 e seguintes do Código de Trabalho que irá trespassar a favor da “B” o Estabelecimento de sua propriedade destinado ao exercício da a atividade de comércio de gases liquefeitos de petróleo sob a forma de gás propano e butano embalado e de outros gases industriais (“Air Liquide”) que gira sob o nome comercial de…
o referido Estabelecimento inclui todos os equipamentos (incluindo O instalados e/ou existentes na rede de revendedores e/ou clientes …) mobiliário utensílios mercadorias ferramentas matérias-primas stocks veículos automóveis máquinas alvará autorizações e/ou outra licenças necessárias ao exercício da atividade do Estabelecimento e ainda, todo os demais bens móveis em normal estado de conservação e funcionamento totalmente livres de quaisquer ónus ou encargos inerentes e/ou funcionalmente ligados ao exercício da atividade do estabelecimento, e necessários para assegurar o respetivo funcionamento bem como o nome marca, insígnia e logotipo do Estabelecimento….
o trespasse do Estabelecimento será efetuado livre de quaisquer responsabilidades passivos ónus, penhoras e/ou encargos inerentes quer à titularidade quer à exploração do mesmo até à data da outorga da escritura de trespasse. O preço do trespasse será integralmente pago pela “B” no dia e no ato da outorga da escritura de trespasse data a partir da qual a “B” entra na posse do Estabelecimento.
Está projetado que o trespasse se realize por escritura pública a ser outorgada no dia 1 de outubro de 2018.
As consequências jurídicas económicas sociais do trespasse para os trabalhadores da “A” afetos à atividade do referido Estabelecimento consistem fundamentalmente (i) as primeiras na transmissão da titularidade dos contratos de trabalho para a “B” a qual assume a posição jurídica de empregadora nos referidos contratos de trabalho (ii) as económicas na conservação da retribuição auferida pelos trabalhadores …e (iii) as sociais na conservação dos restantes direitos e garantias correspondentes aos contratos individuais de trabalho designadamente categoria profissional antiguidade conteúdo funcional e beneficio sociais adquiridos.
Assim sendo a titularidade do contrato de trabalho que o/a vincula à “A” será automática integralmente transferida para a “B” em 1 de outubro de 2018, passando esta última - para todos os efeitos - a ser a Sua Entidade Empregadora a partir da referida data. Expressamente sublinha que não está projetada nem existe qualquer intenção de reduzir efetivos ou de extinguir postos de trabalho por efeitos deste trespasse.
Naturalmente, serão mantidas todas as condições laborais de V. Exa. atualmente em vigor designadamente a antiguidade categoria profissional, montantes e condições remuneratórias e (eventuais) outros benefícios a que V. Exa. tenha direito por força do seu contrato de trabalho.

- Teor da carta de rescisão referida em f):

Assunto: Resolução do Contrato de Trabalho, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 394º 2 do Código do Trabalho.
Exmos. Senhores,
Por missiva datada de 23 de agosto de 2018, foi comunicado ao aqui signatário “C”, na qualidade de trabalhador da “A”, desde 1 de junho de 1981, que era intenção desta última proceder à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, em virtude da transmissão do seu estabelecimento comerciai - "…" - para V/Ex.as.
Ora, importa ter em consideração que a referida comunicação não respeitou os trâmites e requisitos legais previstos no artigo 286º 2 do Código do Trabalho, não contendo essencialmente a informação acerca dos motivos da transmissão e do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, assim como, as consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e as medidas projetadas em relação a estes.
Na verdade, a declaração que as condições laborais de V. Exo. atualmente em vigor, designadamente a antiguidade, categoria profissional, montantes e condições remuneratórias e (eventuais) outros benefícios o que V. Exo. tenho direito por forço do seu contrato de trabalho" não se compadece com as informações exigidas no n. 1 do artigo 286º 1 do Código do Trabalho, uma vez que tais garantias decorrem da própria lei, designadamente do n. 3 do artigo 285º do mesmo diploma legal.
Por outro lado, acresce que, os trabalhadores também não foram informados da possibilidade de designarem, entre eles, uma comissão representativa, com vista à consulta prévia à transmissão, prevista no n. 4 do artigo 286.2 do Código do Trabalho.
Deste modo, e não obstante a violação dos trâmites e requisitos legais previstos nos n.s 1,2,3,4 ou 8 do já referido artigo 286º 2 do Código do Trabalho constituir contraordenação grave, a verdade é que, a omissão de uma informação clara, precisa e inequívoca dos contornos da transmissão da posição do empregador no contrato de trabalho, prejudicou o trabalhador de exercer o seu direito de oposição (286º-A do Código de Trabalho) eficazmente.
Com efeito, e na sequência da referida comunicação por parte da transmitente “A”, o aqui signatário mediante missiva, datada de 12 de setembro de 2018, manifestou claramente a sua oposição à referida transmissão, declarando ser a sua intenção proceder à resolução do contrato com justa causa, com efeitos a partir de 1 de outubro de 2018, caso a transmissão viesse efetivamente a ocorrer.
Posto Isto, e considerando a última missiva da transmitente, datada de 27 de setembro de 2018, que não aceitando a oposição manifestada pelo trabalhador …, veio confirmar a transmissão definitiva da posição do empregador no seu contrato de trabalho, vem o aqui signatário resolver o contrato de trabalho, celebrado com a empresa “A” e cuja posição do empregador se transmitiu para V/Ex.s, com efeitos desde o dia 1 de outubro de 2018, nos termos do disposto na alínea d) do n. 2 do artigo 394º 2 do Código do Trabalho.
A motivação da presente resolução prende-se com o facto de a transmissão poder causar-lhe prejuízo sério, pois que, o aqui signatário desconhece os contornos e os motivos em que a mesma ocorreu, assim como, as consequências e medidas projetadas para este - por falta de informação por parte da transmitente e adquirente, em clara violação do disposto no artigo 286º 9 do Código do Trabalho - e que, efetivamente, coloca o trabalhador numa posição frágil e de total desconhecimento e insegurança quanto à sua relação laboral, a que o mesmo não está obrigado a sujeitar-se ou sequer assumir os riscos que a mesma pode acarretar.
Ademais, a V/empresa, na qualidade de adquirente do referido estabelecimento comercial, foi criada recentemente, desconhecendo o aqui signatário a sua credibilidade no mercado, a sua própria estabilidade financeira, assim como, a detenção de estabelecimentos comerciais com escopo comercial idêntico, o que também acarreta uma certa desconfiança na sua politica de organização do trabalho.
(…)
***
Conhecendo dos recursos:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
O recorrente sustenta a decisão tomada relativamente à licitude da resolução do contrato.

Vejamos.

Trata-se no caso de uma transmissão do estabelecimento comercial, sendo aplicáveis as regras dos artigos 285º ss do CT.
Na decisão recorrida considerou-se que a carta de rescisão não especifica qualquer facto concreto suscetível de preencher as expressões que constam da comunicação. Não se definem os factos que permitam dar como preenchido o conceito de “prejuízo sério”, nem se descrevem as circunstâncias concretas da empresa da 2ª Ré que pudessem levar à conclusão que não tem credibilidade no mercado, nem usufrui de estabilidade financeira.
É acertada a decisão, o que resulta patente da leitura da comunicação. O recorrente tece diversas considerações para sustentar a sua posição, mas sem razão.
Refere na carta a violação dos trâmites do artigo 286º do CT, referindo a falta de informação acerca dos motivos da transmissão, conteúdo do contrato e consequências jurídicas económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes. Refere que a declaração de que “as condições laborais…designadamente antiguidade, categoria profissional, montantes e condições remuneratórias e (eventuais) outros benefícios” serão mantidos, não se compadece com as informações exigidas no nº 1 do artigo 286º do CT. Refere ainda que os trabalhadores não foram informados da possibilidade de designarem uma comissão representativa. Alude a um prejuízo no exercício do direito de oposição. Refere ter deduzido oposição e invoca “ a transmissão poder causar-lhe prejuízo sério, pois que, o aqui signatário desconhece os contornos e os motivos em que a mesma ocorreu, assim como, as consequências e medidas projetadas para este – por falta de informação por parte da transmitente e adquirente, em clara violação do disposto no artigo 286º do Código do Trabalho – e que, efetivamente, coloca o trabalhador numa posição frágil e de total desconhecimento e insegurança quanto à sua relação laboral, a que o mesmo não está obrigado a sujeitar-se ou sequer assumir os riscos que a mesma pode acarretar.

Refere, “Ademais, a V/empresa, na qualidade de adquirente do referido estabelecimento comercial, foi criada recentemente, desconhecendo o aqui signatário a sua credibilidade no mercado, a sua própria estabilidade financeira, assim como, a detenção de estabelecimentos comerciais com escopo comercial idêntico, o que também acarreta uma certa desconfiança na sua política de organização do trabalho.”
Importa desde logo referir que o autor ao contrário do que alega, nunca deduziu oposição, tendo em resposta à comunicação da intenção de transmissão, não solicitado qualquer esclarecimento, mas enviado carta de rescisão à transmitente.
Quanto aos trâmites, não se concretizam factos que possam integrar qualquer dos motivos de rescisão do contrato, previstos no artigo 394º do CT.
O procedimento tem em vista sobretudo garantir os postos de trabalho e a manutenção do estatuto laboral dos trabalhadores, como resulta dos artigos 286º, 1 do CT (o transmitente e o adquirente devem informar os representantes dos respetivos trabalhadores ou, caso não existam, os próprios trabalhadores, sobre a data e motivos da transmissão, suas consequências jurídicas, económicas e sociais para os trabalhadores e medidas projetadas em relação a estes, bem como sobre o conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente…), e nº 4 do mesmo, (o transmitente e o adquirente devem consultar os representantes dos respetivos trabalhadores, antes da transmissão, com vista à obtenção de um acordo sobre as medidas que pretendam aplicar aos trabalhadores na sequência da transmissão, sem prejuízo das disposições legais e convencionais aplicáveis a tais medidas).

Ora no caso não ocorria qualquer alteração na posição dos trabalhadores, sendo a informação prestada bastante. Não há outra forma de dizer que não ocorre qualquer alteração, senão dizê-lo. Não se percebe, pois, porque entende o recorrente que a referência a que se manteriam todos os direitos não satisfaz as exigências legais. Não tem qualquer sentido a referência à falta de medidas projetadas, pois resulta da comunicação que as não havia, tudo se manteria igual.
Quanto à informação da possibilidade de oposição, não resulta da lei que a comunicação tenha que alertar para tal possibilidade. É um direito que assiste ao trabalhador, não uma prerrogativa de que a empregadora tenha que alertar este. As informações a prestar são as que constam do artigo 286º.
Também não resulta da lei que a empregadora tenha que promover ou alertar para possibilidade de designarem uma comissão representativa. O artigo 286º 1 refere que na falta de representantes são informados os próprios trabalhadores, referindo o nº 6 do mesmo artigo que estes podem designar uma comissão. Em lugar algum se impõe à empregadora o dever de alertar para esta prerrogativa.
Certo que as informações têm também como fim permitir ao trabalhador exercer eventualmente o direito de oposição. Mas esta nunca ocorreu, nem o trabalhador solicitou qualquer esclarecimento relativamente a comunicação efetuada relativa à transmissão.
De todo o modo qualquer eventual falta no procedimento não se integraria na al. d) do nº 2 do artigo 394º do CT invocado pelo recorrente.

Refere este a alínea d) doº 3 do artigo 394º do CT. Refere a alínea:

d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.

Este normativo 286º- A refere:

Direito de oposição do trabalhador
1 - O trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 285.º, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.

Compete ao autor, nos termos do artigo 342º do CC provar os factos que integram a previsão da norma. Assim o impõe desde logo o nº 1 do artigo 395º do CT.

Relativamente a cada uma das situações, aquelas que se invoque, deve demonstrar:

- Quanto ao prejuízo sério, factos concretos de que resulta uma real possibilidade de prejuízo, uma possibilidade séria de prejuízo, não bastando para justificar a resolução do contrato uma mera possibilidade de prejuízo ou receio deste. Tal possibilidade séria pode resultar como refere o normativo, e de entre outras circunstâncias que ocorram em concreto, da manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil da adquirente, devendo ser alegados e demonstrados os factos de que tal se possa concluir.
- Quanto à falta de confiança na política de organização de trabalho, deve invocar e demonstrar factos de que possa resultar num critério objetivo e razoável, tendo em conta a perspetiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa, a não confiabilidade da política de organização de trabalho da adquirente.
Não se trata, pois, no que tange à confiança, como invoca o recorrente, de algo na livre disponibilidade do trabalhador, de algo que não pode ser contestado, de algo dependente do puro arbítrio do trabalhador, sem possibilidade de contraprova. Se assim o tivesse pretendido a lei, bastava conceder ao trabalhador o direito de rescindir pelo simples facto da transmissão, o que não acontece.
Importa não esquecer as regras gerais relativas à cessação do contrato de trabalho com justa causa. A causa invocada deve assumir uma gravidade tal no quadro da relação laboral, quer quanto ao grau de lesão de interesses do trabalhador, quer pela gravidade das suas consequências, que torne inexigível ao trabalhador a manutenção do vínculo, conquanto as exigências sejam aqui menores que as exigidas relativamente a justa causa invocada pela entidade patronal, desde logo pelo facto de que enquanto o empregador dispõe de um leque alargado de sansões a aplicar, o trabalhador não dispõe de formas de reação alternativas, podendo apenas rescindir o contrato, e também pela circunstância de a prestação envolver a “pessoa” do trabalhador. E assim é ainda nas causas objetivas, não decorrentes de comportamentos culposos da empregadora, como a que está em causa nos autos – al. d) do nº 3 do artigo 394º do CT-.

Refere-se com acerto na sentença recorrida:

“É assim patente que a carta de resolução do contrato não especifica qualquer facto concreto suscetível de preencher as expressões que constam da comunicação.
Concretamente, desde logo, não se definem os factos que permitam dar como preenchido o conceito de “prejuízo sério”, nem se descrevem as circunstâncias concretas da empresa da 2ª Ré que pudessem levar à conclusão que não tem credibilidade no mercado, nem usufrui de estabilidade financeira. O Autor apenas manifesta a sua desconfiança naquela empresa, não adiantando qualquer base factual que pudesse gerar tal desconfiança. Na verdade, “a ausência de confiança do trabalhador na “política de organização do trabalho” do adquirente há-de implicar um juízo objetivamente negativo quanto a esta, assente em, v.g., acusações fundadas de desrespeito por direitos e garantias legais dos respetivos trabalhadores, que justifique o temor da sua reiteração.” - JOANA VASCONCELOS, “Sobre a resolução do contrato de trabalho fundada na transmissão para o adquirente da empresa ou do estabelecimento da posição contratual do empregador”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano LIX (XXXII da 2ª Série), nº 1-4, 2018, pág. 138, nota 36.
Usando as palavras do STJ, podemos afirmar que as expressões usadas pelo Autor na carta remetida à Ré “representam afirmações de natureza conclusiva, reproduzindo fórmulas legais, e não afirmações referidas a realidades concretas suscetíveis de serem averiguadas sem o recurso a operações intelectuais de enquadramento normativo” - Acórdão do STJ de 24/02/2010, Proc. nº 934/07.1TTCBR.C1.S1, da 4.ª Secção, publicado in www.dgsi.pt/jstj.
Verifica-se, pois, que, no caso dos autos, ocorreu preterição dos requisitos de natureza procedimental previstos no nº 1 do artigo 395º, o que determina a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador, ainda que por razões meramente formais…”

Consequentemente é de confirmar o decidido.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação confirmando o decidido.
Custas pela recorrente.
7/5/2020
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