Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1218/14.4T8VCT.G1
Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
IMPULSO PROCESSUAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Sendo as partes que conduzem o processo, poderá ser dispensada a exigência da sua audição, sempre que estas, agindo com a diligência devida, devessem, por sua vez, ter-se espontaneamente pronunciado sobre determinada questão, por ser razoável, no plano técnico-jurídico, contar com o conhecimento da mesma ou com determinado enquadramento ou qualificação jurídica.

II- O dever de “gestão processual” conferido ao juiz, designadamente em “dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligência necessárias ao normal prosseguimento da ação”, não eliminou o “princípio da autorresponsabilidade das partes”, sobretudo nos casos em que só estas cabe o ónus de impulsionar o andamento regular do processo (art. 6º, n.º 1, do C. P. Civil).

III- Estando ao dispor do exequente o conhecimento informático de toda a atividade que vem sendo desenvolvida pelo agente de execução, caberá ao mesmo exequente, responsável pelo impulso processual da execução, diligenciar no sentido de promover o andamento célere e eficaz da instância executiva, bem sabendo que a mesma não poderá encontrar-se parada, devido a inércia do exequente, por período superior a seis meses, sob pena de deserção (art. 281º, n.º 5, do C. P. Civil).

IV- A decisão judicial, que culmine com a deserção da instância, importa em si mesma um juízo acerca da existência de negligência da parte em termos de impulso processual, retratada ou espelhada objetivamente no processo.

V- Assim, a mesma não impõe uma prévia audição das partes, designadamente para funcionamento do “princípio do contraditório”.

VI- A inobservância do “princípio do contraditório” traduz-se numa “nulidade secundária” a ser arguida pelo interessado em momento próprio (arts. 195º, n.º 1 e 199º, n.º 1, do C. P. Civil), sob pena de se considerar sanada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Nos presentes autos de execução sumária que o exequente Banco A, S.A. move contra os executados Luís e Alexandra, mediante requerimento de 05.10.2015, veio o Banco exequente requerer a venda do imóvel penhorado nos autos, melhor identificado no auto de penhora de 16.12.2014, por abertura em propostas em carta fechada (cfr. fls. 88 e 89).

Por requerimento apresentado a 16.11.2015, vieram exequente e executados acordar no pagamento em prestações do remanescente da quantia exequenda em dívida, requerendo a extinção (provisória) da presente execução, sem prejuízo do exequente poder requerer a respetiva renovação em caso de incumprimento do mencionado acordo, mantendo-se as garantias existentes (cfr. fls. 93 a 95).
Através de requerimento apresentado a 17.06.2016, o Banco exequente, invocando que os executados não cumpriram com os termos do mencionado acordo, veio requerer a renovação da presente execução (cfr. fls. 108 a 110), o que foi deferido por despacho de 20.09.2016, determinando-se o prosseguimento dos autos (cfr. fls. 113).

O Banco exequente, por requerimento de 11.10.2016, veio requerer junto da agente de execução designadamente que, “tendo sido notificado para indicar o valor base dos bens penhorados, e verificando que os autos estão sustados relativamente ao prédio 1654, cuja penhora está em vias de ser levantada, sendo certo que poderá haver interesse em vender os bens no seu conjunto, requer a V. Exa. aguardem os autos por mais um mês para que se possa prosseguir com aquele imóvel nos presentes autos.
Tal requerimento não mereceu qualquer oposição.
Na sequência, concluso com a informação de que os presentes autos estão parados há mais de seis meses, foi proferido despacho judicial a 07.11.2017, considerando-se, nos termos do disposto no art. 281º, n.º 5, do C. P. Civil, a presente instância executiva deserta (cfr. fls. 116 e 117).

Inconformado com o assim decidido, veio o Banco A, S.A. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1. O artigo 281º n.º 5 do CPC não afasta o direito das partes em serem previamente ouvidas para se poderem pronunciar sobre tal severa hipótese de deserção da instância.
2. Não só porque esta depende sempre do seu suposto comportamento negligente, que emerge de comportamentos ativos ou omissivos na vontade do seu agente e que, portanto, devem ser objeto de análise e valoração para assim se poder fundamentar e justificar o peso da extinção de um processo com base em deserção (cfr. artigo 3º n.º 3 do CPC).
3. Como tal solução de audição prévia do exequente se afirma como corolário da defesa do princípio da cooperação previsto no artigo 7º do C. P. Civil.
4. Sendo certo que, inexistindo esses factos notórios e na impossibilidade imediata de fundamentação dessa necessária negligência por ausência de indícios claros, deveria o Tribunal “a quo” notificar o Recorrente para que este pudesse justificar a inércia processual por mais de seis meses e, bem assim, demonstrar inexistir qualquer conduta negligente como fator responsável por essa eventual inércia, conferindo ao Recorrente o direito de contraditar previsto no n.º 3 do artigo 3º do NCPC.
5. Tanto mais que, como consta dos autos, o Recorrente tem efetivo interesse do prosseguimento da instância executiva.
6. Com efeito, em 26.09.2016 foi o Recorrente notificado nos termos do artigo 812º n.º 1 do CPC para vir aos autos indicar a modalidade da venda e valor base a atribuir aos dois prédios rústicos penhorados, tendo em resposta apresentado requerimento a fundamentar que «tendo sido notificado para indicar o valor base dos bens penhorados, e verificando que os autos estão sustados relativamente ao prédio 1654 (verba n.º 1 do auto de penhora de 16.12.2014), cuja penhora está em vias de ser levantada, sendo certo que poderá haver interesse em vender os bens no seu conjunto, requer a V. Exa. aguardem os autos por mais um mês para que se possa prosseguir com aquele imóvel nos presentes autos».
7. Requerimento que foi acolhido pelo Agente de Execução, bem como pelos próprios executados que a ele não se opuseram.
8. Acontece que, ao contrário do previsto, e por causa não imputável ao aqui Recorrente, as penhoras prévias registadas sobre aquele prédio urbano à ordem das outras duas ações executivas apenas foram canceladas em 18.01.2017 e 07.11.2017, pelo que, só a partir desse último momento passou a ser possível levantar a sustação da presente execução quanto a esse bem imóvel e, bem assim, promover pela sua venda em conjunto os dois prédios rústicos penhorados, valorizando a respetiva venda.
9. Nesses termos, é inegável que o Banco exequente jamais atuou de forma desinteressada quanto à promoção dos presentes autos. Muito pelo contrário. Durante estes últimos meses o Banco exequente aceitou aguardar pela reunião das condições para poder ser levantada a sustação da penhora sobre o prédio urbano, para, então, ser diligenciada a venda dos três imóveis penhorados em 16.12.2014, no seu interesse enquanto credor, mas também no interesse dos próprios executados, uma vez que dadas as características intrínsecas daqueles prédios (são prédios contíguos e materialmente ligados entre si) a venda em conjunto permitirá um apuro substancialmente maior para efeitos de liquidação da dívida através do produto dessa venda.
10. Acresce que, mesmo que não fosse de aceitar esta solução, jamais poderia ser assacada ao exequente qualquer responsabilidade pela não promoção dos autos, porquanto o prosseguimento da instância estaria dependente da decisão a comunicar pelo Agente de Execução nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 812º do CPC.
11. Na verdade, tendo o Agente de Execução notificado as partes para os termos do artigo 812º n.º 1, e tendo estas dado resposta em 07.10.2016 e 11.10.2016, das duas uma, ou o Agente de Execução mantinha os autos parados conforme sugerido pelo Exequente, ou promoveria pelo seu prosseguimento notificando da decisão sobre a modalidade da venda e valor base das verbas 2 e 3 do auto de penhora de fls..
12. Sendo certo que, numa ou noutra solução, o Banco recorrente não tinha que ter qualquer intervenção, pois que se trataria de uma conduta processual a praticar por terceiro – o Agente de Execução - legitimado para esse efeito.
13. Donde se afere que, o facto do processo se encontrar aparentemente a aguardar impulso processual há mais de 6 meses (o que, verdadeiramente, não acontece), não se deve a qualquer conduta negligente do exequente, que sempre pautou a sua conduta no cabal compromisso das responsabilidades processuais que lhe são impostas, tendo cumprido oportunamente todas as diligências necessárias ao correto e profícuo andamento da presente ação executiva.
14. Ora se o artigo 281º n.º 5 do CPC impõe que se verifique “negligência das partes” para efeitos de deserção da instância por falta de impulso processual há mais de 6 meses, sempre se teria o Tribunal “a quo” de atender à eventual violação dos deveres impostos ao exequente, à intensidade da vontade de praticar a conduta omissiva na promoção dos autos e à conduta posterior ou anterior do exequente.
15. O que, da apreciação correta e concreta destes autos e face a tudo o quanto é vindo de referir, jamais se poderá atribuir ao Recorrente qualquer ação ou omissão concordante com a vontade, interesse, motivação ou objetivo de obstar ao andamento natural da instância, ainda que a título meramente negligente,
16. O que, por si só, afasta a culpa do Recorrente.
17. Razão pela qual, o Banco recorrente não aceita, nem pode aceitar, a decisão de deserção da instância nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 281º do CPC, uma vez que não ocorrem dos autos factos que sustentem, por si só, a existência de motivos que justifiquem a verificação dos requisitos enunciados naquele preceito legal.
18. Sem prescindir, sempre se dirá que, atento o valor da divida exequenda e à garantia hipotecária que assiste ao Banco recorrente, é de todo incompreensível julgar que este não tem interesse no prosseguimento da instância para venda dos bens hipotecados e aqui penhorados, para se fazer pagar pelo produto dessa venda.
19. Razão que, este facto, só por si, seria suficiente para que o Tribunal “a quo” se interrogasse sobre a dita inércia do exequente e, bem assim, ordenasse a notificação deste para vir esclarecer os motivos pelos quais não promove pelo prosseguimento da instância quando, mais do que ninguém, tem todo o interesse nisso, pois que, certamente teria que haver (como houve) uma forte razão para tal suceder.
20. Prerrogativa que, repete-se, sempre estaria ao dispor do Tribunal “a quo” nos termos do disposto no artigo 3º n.º 3 e 7º do C. P. Civil.
21. Tanto mais que a extinção da instância terá como consequência óbvia a necessidade de instauração de uma nova ação executiva, nos mesmos termos e fundamentos, com todos os prejuízos inerentes para a boa e célere ação da Justiça, o que naturalmente se pretende evitar.
22. Pelo que, salvo melhor opinião, o despacho recorrido padece de falta de fundamento legal, mostrando-se contrário ao disposto na legislação em vigor e aos fins do processo executivo.
23. Constando do processo meios de prova plena que, só por si, implicariam decisão diversa da proferida.

Termina, pedindo a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento da instância.

Ou, em alternativa:
Pedindo que se ordene a notificação da recorrente para se pronunciar sobre a eventual negligência na falta de impulso processual e para, no prazo mínimo de 10 dias, promover pelo andamento dos autos ou requerer o que tiver por conveniente, sob pena da instância ser julgada extinta por deserção.
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Os executados não apresentaram contra-alegações.
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Cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, a única questão decidenda traduz-se na seguinte:

- Saber se cumpre proceder à revogação ou anulação do despacho em crise por não haver ainda decorrido o prazo de deserção de instância de seis meses ou por não ter sido respeito o princípio do contraditório e/ou o princípio da cooperação processual.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos Provados

Os acima consignados no Relatório.

IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Do decurso do prazo de deserção de instância de seis meses

Alega o Banco recorrente que, no momento em que foi proferido o despacho final recorrido de deserção de instância ainda não havia decorrido o respetivo prazo de seis meses de negligência por parte do exequente em promover o andamento da presente execução.
Nos termos do disposto no art. 281º, n.º 5, do C. P. Civil, “no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Ora, no caso em apreço, temos como assente que, por requerimento de 11.10.2016, o Banco exequente veio requerer junto da agente de execução designadamente que “tendo sido notificado para indicar o valor base dos bens penhorados, e verificando que os autos estão sustados relativamente ao prédio 1654, cuja penhora está em vias de ser levantada, sendo certo que poderá haver interesse em vender os bens no seu conjunto, requer a V. Exa. aguardem os autos por mais um mês para que se possa prosseguir com aquele imóvel nos presentes autos.

Tal requerimento não mereceu qualquer oposição.

Veio, nesta fase recursiva, o Banco exequente invocar que, por causa não imputável ao recorrente, as penhoras prévias registadas sobre o identificado bem imóvel à ordem das outras duas ações executivas apenas foram canceladas em 18.01.2017 e 07.11.2017, pelo que, só a partir desse último momento passou a ser possível levantar a sustação da presente execução quanto a esse bem imóvel e, bem assim, promover pela sua venda.

Porém, desde logo cumpre dizer que o pedido de concessão de prazo para o levantamento daquelas penhoras foi efetuado, em Outubro de 2016, por apenas um mês, nada resultando dos autos que o exequente tenha requerido a prorrogação deste mesmo prazo.

Por último, conforme resulta do requerimento datado de 05.10.2015, o Banco exequente tinha já requerido a venda por propostas em carta fechada de um outro bem imóvel penhorado à ordem dos presentes, não tendo pois necessidade de aguardar o levantamento da sustação da presente execução no que se refere àquele outro imóvel, onerado por penhoras anteriores à efetuada nestes autos.
Consideramos, pois, que, decorrido o prazo de um mês, após o requerimento apresentado pelo Banco exequente a 11.10.2016, competia ao Banco autor promover pelo andamento da presente execução ou requerer nova prorrogação de prazo, o que não ocorreu no caso em apreço.

B) Do cumprimento do princípio do contraditório e do princípio de cooperação processual

A questão que importa agora dirimir, em função das conclusões do recurso apresentadas, refere-se ao cumprimento do princípio do contraditório e/ou do princípio da cooperação processual porquanto o recorrente exequente defende que devia ter sido ouvido antes de o tribunal a quo determinar, por deserção, a extinção da instância executiva.

Vejamos.
De acordo com o disposto no art. 3º, n.º 3, do C. P. Civil, “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
De acordo com Abílio Neto (1), “a proibição das “decisões surpresa” (art. 3º-3) constitui uma garantia cuja manifestação predominantemente se situa no âmbito das questões de conhecimento oficioso não levantadas no decurso do processo, das quais o tribunal se propõe conhecer no momento da decisão. Verificando-se em concreto uma situação deste tipo, deve o tribunal criar condições para o exercício do contraditório sobre o ponto em causa, relativamente a ambas as partes, em momento anterior à decisão e seja qual for a fase que o processo esteja a atravessar”.
O princípio do contraditório – que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado inserto no direito fundamental de acesso aos tribunais (art. 20º, n.º 1, da CRP) – envolve, desde logo, como vertente essencial, “a proibição da «indefesa» que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito”. (2)
Como se reconhece, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 259/2000 (DR, II série, de 7 de Novembro de 2000): “A norma contida no artigo 3° n.º 3 do CPC resulta, assim, de uma imposição constitucional, conferindo às partes num processo o direito de se pronunciarem previamente sobre as questões – suscitadas pela parte contrária ou de conhecimento oficioso – que o tribunal vier a decidir.”

Por outro lado, o princípio do contraditório ou da contrariedade, conforme afirma J. Castro Mendes (3)deriva de outro princípio processual: o da igualdade das partes, o qual resulta necessariamente da imparcialidade do órgão incumbido de compor o litígio. Perante este, tanto vale uma parte como a outra, ambas devem ter igual tratamento; e ambas devem ter por conseguinte iguais oportunidades de expor as suas razões, procurando convencer o tribunal a compor o litígio a seu favor. Até porque esta dialéctica, esta recíproca fiscalização de afirmações, é dos meios mais eficazes para assegurar a vitória da verdade e da justiça”. (4) (sublinhado nosso).

De facto, resulta do disposto no art. 4º do C. P. Civil, que “o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade, substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.
Também José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (5), defendem que este princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão-surpresa, encarado como um “direito à fiscalização reciproca das partes ao longo do processo, é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contrariedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.

Conforme Ac. STJ de 04.05.1999, (6)nenhuma decisão deve, pois, ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade, ao sujeito processual contra quem é dirigida, de a discutir, de a contestar, de a valorar”.

O princípio do contraditório trata-se, pois, de um dos princípios estruturantes do direito processual civil.

No entanto, conforme o defendido, entre outros, pelo Ac. RC de 13.11.2012, (7)importa notar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspetivação e aplicação inelutável e absoluta. Podendo congeminar-se casos em que ele pode ser mitigado ou mesmo postergado, vg. em situações de atendível urgência ou, no próprio dizer da lei, de manifesta desnecessidade.”

Há, ainda, que atender ao que resulta do princípio da autorresponsabilidade das partes.

De facto, são as partes que conduzem o processo a seu próprio risco, designadamente quer em termos de direito de ação quer de direito de defesa, consoante a posição processual que ocupam.

Nestes termos, sendo as partes que conduzem o processo, poderá ser dispensada a exigência da sua audição, sempre que estas, agindo com a diligência devida, devessem, por sua vez, ter-se espontaneamente pronunciado sobre determinada questão, por ser razoável, no plano técnico-jurídico, contar com o conhecimento da mesma ou com determinado enquadramento ou qualificação jurídica. (8)
No caso em apreço, o Banco exequente entende que o tribunal a quo não lhe deu a oportunidade de se pronunciar sobre o decurso do prazo previsto para a deserção da instância, violando assim o princípio do contraditório.

Considera ainda que foi violado o princípio da cooperação previsto no art. 7º do C. P. Civil, de acordo com o qual, na condução e intervenção do processo, devem os magistrados, os mandatários e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.

Neste particular, Teixeira de Sousa refere que, do ponto de vista do tribunal, o princípio da cooperação desdobra-se em quatro deveres essenciais: i) dever de esclarecimento: ii) dever de prevenção; iii) dever de consulta; e iv) dever de auxílio. (9)

No que se refere ao dever de prevenção, este autor refere que este mesmo dever encontra consagração no convite ao aperfeiçoamento pelas partes dos seus articulados ou das conclusões das suas alegações: no entanto, defende que o mesmo tem um âmbito mais amplo, na medida em que “(…) vale genericamente para todas as situações em que o êxito da ação a favor de qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo. São quatro as áreas fundamentais em que a chamada de atenção decorrente do dever de prevenção se justifica: a explicitação de pedidos pouco claros, o caráter lacunar da exposição dos factos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de uma certa atuação.(10)
Não obstante a alusão que este autor faz à “sugestão de uma certa atuação”, integrada naquele dever de prevenção, não partilhamos da conclusão retirada no Ac. RL de 20.12.2016 (11) que, nesta medida, “o juiz deve sinalizar – de forma clara – à parte que a respetiva inércia no que tange a um concreto impulso processual poderá desembocar na extinção da instância por deserção”.
Na verdade, como infra demonstraremos, não é esta a posição que vem sendo defendida recentemente pelo STJ, sendo que consideramos que esta última jurisprudência é a que mais se coaduna com a necessidade de se observar igualmente o princípio de autorresponsabilidade das partes.

Por seu turno, o tribunal recorrido entendeu que, “ (…) conforme resulta dos citados artigos 720º, n.º 1, do Código Processo Civil, e 14º, n.º 3, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, não só o exequente designa o agente de execução, como acompanha toda a actividade do agente de execução, considerando-se o dever de informação cumprido com o registo da informação no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais.
Para, em seguida concluir que: “Assim, o exequente actua negligentemente quando, tendo necessariamente conhecimento da actividade do agente de execução, se conforma com a sua actuação, não impulsionando o processo durante mais de seis meses – prazo suficientemente longo para que este se aperceba do comportamento do agente de execução e possa reagir, pedindo a sua substituição, nos termos do artigo 720º, n.º 4, do Código de Processo Civil.

Afigura-se-nos, pois, que assiste razão ao tribunal a quo.
Na verdade, estando ao dispor do exequente o conhecimento informático de toda a atividade que vem sendo desenvolvida pelo agente de execução, caberá ao mesmo exequente, responsável pelo impulso processual da execução, diligenciar no sentido de promover o andamento célere e eficaz da instância executiva, bem sabendo que a mesma não poderá encontrar-se parada, devido a inércia do exequente, por período superior a seis meses, sob pena de deserção.

Por outro lado, o exequente tinha ao seu dispor pelo menos outro bem imóvel já penhorado à ordem dos presentes autos, podendo e devendo promover também em relação a este as diligências de venda deste bem imóvel, uma vez confrontado com a demora no cancelamento de penhoras à ordem de outros processos executivos incidentes sobre outro bem imóvel, igualmente penhorado no processo executivo em causa.

Não obstante a referida opinião manifestada, neste particular, por o ilustre civilista Miguel Teixeira de Sousa, entendemos que o citado “dever de prevenção” não tem aplicação em caso de negligência das partes em promover o andamento do processo, sob pena de desresponsabilizámos por completo a atividade processual que só a estas compete.

De facto, o dever de gestão processual conferido ao juiz, designadamente em “dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligência necessárias ao normal prosseguimento da ação”, não eliminou o citado princípio de autorresponsabilidade das partes, sobretudo nos casos em que só estas cabe o ónus de impulsionar o andamento regular do processo (cfr. art. 6º, n.º 1, do C. P. Civil).

Outrossim, cabe realçar que a decisão judicial, que culmine com a deserção da instância, importa em si mesma um juízo acerca da existência de negligência da parte em termos de impulso processual, retratada ou espelhada objetivamente no processo.

Assim, a mesma não impõe uma prévia audição das partes, designadamente para funcionamento do princípio do contraditório.
De facto, afastando-se da jurisprudência que, neste particular, vinha sendo sufragada pelos tribunais da Relação (12), o Supremo Tribunal de Justiça, através do Ac. de 20.09.2016 (13) veio afirmar que: “Se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência.
De outro lado, em sítio algum estabelece a lei qualquer “audição” das partes (seja ou não a expensas do princípio do contraditório) em ordem à formulação de um juízo sobre essa negligência (aliás, mais do que ouvir as partes ou atuar o contraditório, tratar-se-ia então de um autêntico “incidente”, por isso que, dentro da lógica subjacente, as partes teriam que ser admitidas a demonstrar as razões que as levaram a não promover o andamento do processo, isto é, a sua não negligência). Ao invés, à parte onerada com o impulso processual é que incumbe (aliás à semelhança do que sucede no caso paralelo do justo impedimento, art. 140º do CPCivil), e ainda como manifestação do princípio da sua autorresponsabilidade processual, vir atempadamente ao processo (isto é, antes de se esgotar o prazo da deserção) informar e mostrar as razões de facto que justificam a ausência do seu impulso processual, contrariando assim a situação de negligência aparente espelhada no processo. E é em função desta atividade da parte que o tribunal poderá formular um juízo de não negligência. O que a lei pretende é que a parte ativa no processo não seja penalizada em termos de extinção da instância quando a razão do não andamento da causa lhe não seja imputável. E, repete-se, o nº 3 do art. 3º do CPCivil não importa ao caso, visto que não se trata aqui do direito de influenciar a decisão (em termos de factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto dialético da causa, nem tão-pouco é configurável uma decisão-surpresa, antes trata-se simplesmente de fazer atuar uma consequência processual diretamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objetivamente no processo.

Também no Ac. STJ de 14.12.2016 (14) se concluiu que, “ (…) o regime processual fixado no sentido de ope judicis, ou seja, por ato do juiz se impor a extinção da instância por deserção decorrido o assinalado prazo de seis meses em caso de inércia da parte que tem o ónus de, antes desse prazo decorrer, proporcionar ao Tribunal o conhecimento das ocorrências que justificam que a deserção não seja decretada por não haver negligência, não se afigura o regime legal fixado nem desproporcionado nem excessivo, sabendo-se que, não obstante a deserção da instância, o direito de ação fica intacto e sabendo-se ainda que a parte ou o seu mandatário pode invocar justo impedimento demonstrativo de que esteve impossibilitada de exercer a sua atividade por caso de força maior ou por evento que não lhes é imputável (artigo 140.º do CPC/2013).

No caso em apreço, o Banco exequente detinha toda a informação para impulsionar atempadamente o processo, não lhe sendo legítimo pressupor que a requerida concessão do prazo de um mês, dirigida ao agente de execução, a fim de se possibilitar o cancelamento de penhoras anteriores sobre um bem imóvel penhorado nos autos, perduraria em definitivo, enquanto tal cancelamento não se operasse, sendo motivo de suspensão de qualquer prazo em curso de impulso processual, sendo certo igualmente que existia outro bem imóvel penhorado suscetível de ser vendido no presente processo executivo.
No fundo, a deserção da instância declarada pelo tribunal a quo não constituiu, nem poderia constituir, para o exequente, uma “decisão surpresa”, sendo-lhe ainda imputável a verificada inércia em impulsionar o presente processo.

De qualquer modo, mesmo se concluíssemos que seria de operar a prévia audição do exequente, antes de se proferir decisão a declarar a deserção da instância, ainda assim não estaria em causa a nulidade desta decisão, mas sim a nulidade emergente daquela falta de audição, mormente para o exercício do contraditório.
Ora, quanto às regras gerais sobre a nulidade dos atos, dispõe o art. 195º, n.º 1, do C. P. Civil, que: “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Neste caso, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que tal nulidade for cometida, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar, sendo que, se não estiver presente, o prazo para arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (cfr. art. 199º, n.º 1, do C. P. Civil).
Daqui decorre, desde logo, que este tipo de nulidade, também designada por “nulidade secundária”, tem de ser arguida pela parte através de reclamação (cfr. art. 196º, parte final do C. P. Civil), no momento em que ocorrer a nulidade, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário.
Caso não esteja presente, o prazo geral de arguição de dez dias conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade o quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (cfr. arts. 199º, n.º 1 e 149º, n.º 1, do C. P. Civil).
Na verdade, mantém-se a atualidade e pertinência do brocardo segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.
Conforme explicava Alberto dos Reis (15), “a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.” (sublinhámos)

Assim, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por aquela nulidade – e não a nulidade ela mesma.
A perda do direito à impugnação por via da reclamação – caducidade, renúncia, etc. – importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso ordinário.
Isto só não será assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades – exceções – que sejam oficiosamente cognoscíveis.
Também Miguel Teixeira de Sousa (16) afirma que “ (…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; – se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão. Possível é, no entanto, a impugnação da decisão através de reclamação e, perante a sua rejeição pelo tribunal, a continuação da impugnação através de recurso ordinário”.
Ainda na doutrina, Abrantes Geraldes (17), entende que: “As nulidades que não se reconduzam a alguma das situações previstas no art. 615º, n.º 1, als. b) a e), estão sujeitas a um regime de arguição que é incompatível com a sua invocação apenas no recurso a interpor da decisão final. A impugnação que neste recurso eventualmente se possa enxertar deve restringir-se às decisões que tenham sido proferidas sobre arguições oportunamente deduzidas com base na omissão de certo ato, na prática de outro que a lei não admitia ou na prática irregular de ato que a lei previa”.

Assim, a decisão proferida sobre a arguição de nulidade é que é suscetível de recurso mas – ainda assim – com limitações: desde que contenda com os princípios matriciais da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (cfr. art. 630º, n.º 2, do C. P. Civil).

Nesta medida, cabe ainda ao recorrente alegar que a nulidade relativa ocorrida – além de ser essencial por interferir no exame ou na decisão da causa – infringe pelo menos um dos referidos princípios ou contende com a admissibilidade de meios probatórios.
Dito de outra maneira, a sindicabilidade do despacho proferido sobre a arguição de uma “nulidade secundária” está condicionada à alegação da concreta violação de algum dos princípios ou regras enunciados no art. 630º, n.º 2 do C. P. Civil, sob cominação de indeferimento do requerimento de interposição de recurso por a decisão não admitir recurso (cfr. art. 641º, n.º 2, al. a), do C. P. Civil).
Daqui resulta que cabia ao recorrente, no momento próprio, arguir tal “nulidade secundária”, o que, porém, não fez, razão pela qual a mesma se sanou.
Não tendo, assim, arguido a nulidade apontada, não pode o recorrente vir agora erigi-la em fundamento específico de recurso de apelação.

Pelo exposto, soçobra assim integralmente a pretensão recursiva do Banco exequente.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a decisão recorrida.

Custas pelo apelante (art. 527º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil).
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Guimarães, 01.03.2018

António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores.


1. In Novo Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, págs. 24-25.
2. Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág. 164.
3. In Direito Processual Civil, 1º Vol., AAFDL, págs. 194 -195.
4. No mesmo sentido, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 46-47.
5. Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 3ª edição, pág. 7.
6. Proc. n.º 99A057, relator Pinto Monteiro, sumariado em www.dgsi.pt.
7. Proc. n.º 572/11.4TBCND.C1, relator José Avelino Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt.
8. Neste sentido, vide J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, Princípios Fundamentais, pág. 39.
9. In Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 65-69.
10. Ob. citada, pág. 66.
11. Proc. n.º 3422/15.9T8LSB.L1-7, acessível em www.dgsi.pt.
12. Cfr., por todos, os Ac. RL de 26.02.2015, proc. n.º 2254/10.5TBABF.L1-2, relatora Ondina Carmo Alves; Ac. RL de 20.12.2016, já citado; e Ac. RP de 02.02.2015, proc. n.º 4178/12.2TBGDM.P1, relator Manuel Domingos Fernandes, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
13. Proc. n.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, relator José Rainho, acessível em www.dgsi.pt.
14. Proc. n.º 105/14.0TVLSB.G1.S1, relator Salazar Casanova, acessível em www.dgsi.pt.
15. In Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, Coimbra, 1945, pág. 507.
16. Ob. cit., pág. 372.
17. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, pág. 206.