Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1106/17.2T8FAF.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
APURAMENTO DA VELOCIDADE
RELAÇÃO DE COMISSÃO
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I. Em sede de acidente de viação, para se fazer um juízo adequado quanto à velocidade a que seguia um veículo, não é necessário fazer uso de um velocímetro. Com efeito, a questão do apuramento da velocidade a que os veículos seguem só pode obviamente ser apurada em função de considerações retiradas da conjugação de elementos probatórios, como a prova testemunhal produzida, as características da via em que os veículos circulavam, as trajectórias seguidas, as distâncias percorridas pelos veículos, o seu posicionamento após a ocorrência do acidente de viação, os vestígios existente na faixa de rodagem e os danos produzidos em cada um dos veículos ou intervenientes - entre outros elementos probatórios relevantes.

II. De qualquer forma, o julgamento que venha a ser efectuado sobre esta factualidade com base na análise conjugada destes elementos probatórios, deve ser corresponder a um juízo de certeza empírica, relativa, histórica, que é suficiente para as necessidades da vida e que se reconduz a um alto grau de probabilidade, não se exigindo que seja realizado em função de um critério de certeza lógica absoluta, ou quase absoluta, própria das ciências matemáticas ou experimentais”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente: - MANUEL (…);
Recorrida: - COMPANHIA DE SEGUROS (..), S.A. ((..), S. A.).
*
MANUEL (…) veio intentar a presente acção declarativa com processo comum contra COMPANHIA DE SEGUROS (…) S.A. ((..), S. A.), pedindo que seja a Ré condenada no pagamento da quantia de € 15.811, 29, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que no dia 20 de Junho de 2016, cerca das 18h00, na Rua … (1), freguesia de ..., do concelho de Fafe, ocorreu um acidente de viação; no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de matricula …, propriedade do A., e o veículo ligeiro de matricula … conduzido por Hélder (…) e propriedade de “(…) e Engenharia, Lda.”; este veículo estava, nessa data, segurado na Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice no 90....; que, naquele dia e local, o veículo do Autor estava parado, fora da faixa de rodagem, a aguardar oportunidade para entrar na aludida Rua ..., com vista a seguir a direcção Rua da Ponte/Quinta da Marinha, quando o veículo segurado na R, que vinha a 80/90 km/h, totalmente distraído ao trânsito, sem cuidado, perícia e destreza e em violação ao código da estrada, o foi ali embater, causando-lhe os danos nas ópticas, radiador, pára-choques, guarda-lamas, grelhas de protecção, resguardos, suportes e outros, no valor de € 4.051,29; que além de tais danos, o seu veículo ficou desvalorizado por ter sido acidentado, tendo ainda sofrido danos com a privação do uso do veículo que até hoje se mantém.

Termina, pedindo que a acção seja julgada procedente, por provada, e consequentemente a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de 15.811, 29 €, acrescida dos juros à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, correspondente às seguintes parcelas indemnizatórias:

- 4.051, 29 € correspondente ao montante necessário à reparação do veículo DV;
- 1.000, 00 € correspondente ao valor da desvalorização do referido veículo;
- 10.700 €, a título de privação do seu uso (20, 00 € diários x 536 dias);
- e, finalmente, 60, 00 € correspondente ao valor pago por uma certidão do acidente para instruir o presente processo.
*
A Ré impugnou a matéria de facto alegada pelo Autor, dando outra versão do acidente.

Assim, alega que o seu segurado circulava a uma velocidade de cerca de 35, 40 km/hora, na referida estrada que configura uma recta extensa; que, em tal recta avistou um carro estacionado na via de trânsito destinada à sua passagem e, após accionar o respectivo pisca iniciou a sua ultrapassagem, momento em que surge o veículo do autor saindo de uma habitação e virando à direita; que ainda tentou evitar o embate, mas este acabou por acontecer entre o canto esquerdo da frente do MB e o canto esquerdo frontal do DV, tendo o veículo segurado da Ré acabado por empurrar o DV para trás e para a esquerda, ficando aquele MB imobilizado a cerca de 6 metros do DV. No mais, a Ré impugna também os valores peticionados pelo Autor, nomeadamente, aqueles referentes à desvalorização do veículo e ao prejuízo decorrente da privação do uso do mesmo.
*
Foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho a fixar o valor da causa, despacho saneador e despacho a identificar o objecto do litígio e os respectivos temas da prova (cfr. fls. 44 a 45).
*
Procedeu-se a julgamento com observância de todas as formalidades legais.
*
Na sequência foi proferida a seguinte sentença:

“III. DECISÃO

Julgando a acção integralmente improcedente, absolvo a Ré do pedido.
*
Custas pelo Autor (artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).
*
Registe e notifique.”
*
É justamente desta decisão que o Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

1. Ao abrigo dos artigos 629º, 631º e 644º, n.º 1, al. A) do Código de Processo Civil, de ora em diante C.P.C., vem o presente recurso interposto da douta sentença com a ref.ª 160083350, que julgou a acção integralmente improcedente.
2. Com recurso da prova documental junta com os articulados e reapreciação da prova gravada, o Recorrente impugna a decisão da matéria de facto dos pontos 1.1, 1.15, 1.16, 1.17, 1.18 dos factos provados, pretendendo que sobre os mesmos seja proferida decisão de provados em termos diferentes dos que foram e impugna a decisão da matéria de facto dos pontos 2.1, 2.2 e 1.19 dos factos julgados não provados, pretendendo que sobre os mesmos seja proferida decisão de provados.
3. Com a reapreciação da prova documental e reapreciação da prova gravada pretendemos que a decisão sobre a matéria de facto seja nos seguintes termos:

1. Factos provados [Da petição inicial]

1.1. No dia 20 de Junho de 2016, cerca das 10h05, na Rua ..., freguesia de ..., do concelho de Fafe, ocorreu um acidente de viação;
1.2. No qual foram intervenientes o veículo ligeiro de matrícula …, propriedade do A., e o veículo ligeiro de matrícula …, conduzido por Hélder (..) e propriedade de “ (…) Consultoria e Engenharia, Lda.;
1.3. Este veículo estava, nessa data, segurado na Ré através do contrato de seguro titulado pela apólice no 90....;
1.4. O veículo segurado na R., ao ultrapassar outro veículo que se encontrava estacionado na via, no lado direito considerando o seu sentido de trânsito, invadiu a faixa de rodagem contrária e foi embater com a parte frontal, na parte frontal do veículo do A;
1.5. Devido ao acidente o veículo do A. sofreu danos, designadamente nas ópticas, radiador, pára-choques, guarda-lamas, grelhas de protecção, resguardos, suportes e outros;
1.6. Pelo que para a sua reparação necessita da aplicação de peças novas e de serviços de chapeiro, mecânico e pintura cujo custo ascende a € 4.051,29;
1.7. Além disso, em virtude do acidente o veículo do A. está parado desde a data do acidente;
1.8. O veículo continua imobilizado e paralisado desde a data do acidente, estando o A. privado de o utilizar na sua actividade industrial, pois trata-se de um veículo que utilizava para esse efeito;
1.9. Pelo que está impedido de o utilizar para se deslocar para o seu local de trabalho, a Repartições Públicas e a outros locais, designadamente, fazer transporte de mercadorias;
1.10. Daí ter necessidade de pedir veículos emprestados a amigos e familiares, os quais não pode utilizar a seu bel-prazer, sendo que muitas vezes não se desloca aos locais pretendidos;
1.11. Acresce que, ainda devido ao descrito acidente, o A. precisou de obter a certidão do acidente, pela qual pagou € 60,00;

[Da contestação]

1.12. No local onde veio a ocorrer o sinistro, a Rua ... configura uma recta em sentido descendente, para quem circula, como circulava o MB, no sentido Quinta da Marinha/Rua da Ponte;
1.13. Era de dia e o céu estava limpo;
1.14. A certa altura, o condutor do MB avista um veículo que se encontrava estacionado a ocupar a sua via de trânsito;
1.15. Accionou o pisca esquerdo e passou a circular ocupando a via de trânsito dedicada ao trânsito de veículos em sentido contrário ao seu, com vista a contornar esse mesmo veículo e prosseguir viagem;
1.16. Quando estava em preparação da manobra de ultrapassagem do referido veiculo estacionado, avista o veículo do Autor, o DV, que, saindo de um portão de uma moradia que, para si, se localizava do lado esquerdo da via, se preparava para sair, inclinando o veículo para a direita (com o intuito de passar a circular no sentido ascendente, contrário ao que levava o MB);
1.17: O Hélder (…) não conseguiu evitar o embate entre o canto esquerdo da frente do MB e o canto esquerdo frontal do DV;
1.18. Acabando por arrastar o DV para a frente e para a sua esquerda, imobilizando o MB a cerca de 6 metros do DV.
2.1. Com efeito, naquela data e local o veículo do A., encontrando-se parado, a aguardar a oportunidade para entrar na aludida Rua ... com vista a seguir a direcção Rua da Ponte/Quinta da Marinha;
2.2. Sucede que, enquanto o veículo do A. se encontrava parado, como o veículo segurado na R, circulasse a velocidade excessiva para o local, pelo menos 80 km/h, totalmente distraído ao trânsito, sem cuidado, perícia e destreza e em violação ao código da estrada;
1.19. O A. não tem capacidade financeira para suportar a reparação do veículo e nem capacidade financeira para comprar outro veículo.

2. Factos não provados:

2.3. Além disso o veículo do A. será sempre um veículo que sofreu um acidente ficando mais fragilizado na sua estrutura;
2.4. A consistência das peças, encaixes, chapas e pintura, não têm a mesma durabilidade das anteriores que eram de origem;
2.5. Sem dúvida que é sempre um veículo sinistrado e, por isso, com pouca procura aquisitiva; [Da contestação]
1.20. O Hélder (…) tripulava o MB na referida artéria, imprimindo ao mesmo uma velocidade de cerca de 35 km/hora;
4. O Tribunal da Relação tem, actualmente, o poder-dever de buscar a sua própria convicção, fazendo o seu próprio julgamento da matéria de facto (Cfr., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/03/2011, no proc. 1675/06.2TBPRD.P1.S1);
5. Da prova documental e da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, que será doutamente analisada por V. Ex.ª, resulta um juízo probatório no sentido do que pugnamos, e, que é contrário ao que foi decidido na sentença ora impugnada.
6. Mas a prova produzida e identificada nas motivações permite e exige uma decisão de facto que restabeleça a verdade material.
7. Resulta de toda a prova produzida que o sinistro foi na parte da manhã, cerca das 10h05.
8. Da prova produzida e supra identificada conclui-se que o veículo MB, no momento da ultrapassagem, usou totalmente a faixa de rodagem contrária.
9. Resulta da conjugação da prova documental, testemunhal e da experiência de vida que o DV no momento do embate do MB não está em movimento, está parado.
10. É por isso falso, que a condutora do DV se tenha lançado sobre a faixa de rodagem e cortado a linha de marcha do MB.
11. Ainda da prova documental, testemunhal e da experiencia de vida comum resulta demonstrado que condutor do MB não tentou travar, e, que deveria ter visto do DV muito antes de iniciar a manobra de ultrapassagem.
12. Se o condutor do MB não viu o veículo MB é porque vinha totalmente distraído.
13. Fruto da velocidade que imprimia desviou-se do veículo estacionado mas já não conseguiu manter o MB alinhado para passar entre o DV e o veículo estacionado.
14. E acabou por não conseguir evitar o embate entre o canto esquerdo da frente do MB e o canto esquerdo frontal do DV;
15. Acabando por arrastar o DV para a frente e para a sua esquerda, imobilizando o MB a cerca de 6 metros do DV;
16. Arrastando o veículo para a via e não para trás como pretende o Tribunal a quo, uma vez que no embate a roda do MB durante poucos metros agarrou na frente do DV e arrastou.
17. O Tribunal a quo andou mal a dar como não provado que o veículo do A. se encontrava parado a aguardar a oportunidade para entrar na aludida Rua ..., com vista a seguir a direcção Rua da Ponte/Quinta da Marinha.
18. Ainda que possam surgir dúvidas razoáveis sobre o local onde o DV estava parado (sendo certo que não estava mais de 1 metros(s) na faixa de rodagem), não restam dúvidas que o mesmo estava parado.
19. O que resulta do depoimento da condutora do DV Joaquina (..), do depoimento do condutor do MB Hélder (…) e da trajectória do MB que foi sempre em linha recta.
20. Resultando ainda objectivamente demonstrado pelo testemunho dos dois condutores que o DV está virado para a direita, ou seja, para a direcção Rua da Ponte/Quinta da Marinha.
21. A velocidade que o condutor do MB imprimia ao veículo também resulta das próprias declarações do conduto(re)s, “a mais de 80 km/h não seguia, para não estar aqui a …” mentir.
22. Circunstância que também resulta do depoimento da testemunha Joaquina (…), que afirmou que o condutor vinha com excesso de velocidade.
23. E que se viesse atento teria que ver o veículo DV parado.
24. Ou que, se viesse com velocidade moderada teria passado entre os dois veículos sem bater.
25. A capacidade financeira do Autor, ao caso a falta dela, resulta dos depoimentos das testemunhas Joaquina (..) e Maria (…) e do facto de o Autor não ter reparado o DV não obstante necessitar dele.
26. Porém, não o repara por não ter condições económicas para isso.
27. Com a decisão proferida sobre a matéria de facto o Tribunal a quo produziu um errado juízo probatório face às provas produzidas que, salvo o devido respeito, exigem uma decisão de facto nos termos pugnados, o que se requer.
28. Como resulta claro da lei, da doutrina e da jurisprudência os requisitos da obrigação de indemnização nos termos do disposto no art.º 483º do Código Civil são, o facto voluntário, o caracter ilícito do facto voluntário, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o dano e o facto voluntário.
29. Não obstante, verifica-se ainda a obrigação de indemnização, independentemente de culpa, quando estejam reunidos os requisitos da responsabilidade objectiva, a qual também poderá ter aplicação na apreciação jurídica dos factos provados.
30. Quanto ao facto voluntário e á ilicitude do mesmo, dúvidas não existem sobre a sua verificação.
31. O requisito da culpa, nas palavras de Antunes Varela é “a culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo”.
32. Face a decisão de facto que é pelo Recorrente pugnada, o condutor do MB, seguida “… a velocidade excessiva para o local, pelo menos 80 km/h, totalmente distraído ao trânsito, sem cuidado, perícia e destreza e em violação ao código da estrada.”
33. Violou diversos preceitos do Código da Estrada, nomeadamente art.º 3º, n.º 2, 11º, n.º 2, 13º, n.º 1, 24º, n.º 1, 25º, n.º 1, al. c), 27º, n.º 1, art.º 35º, n.º 1 e art.º 38º, n.º 1 todos do Código da Estrada.
34. Se o condutor do MB reduzisse a velocidade antes de realizar a manobra de ultrapassagem, ele conseguiria passar entre o DV e o veículo estacionado.
35. E se concluísse que o DV estava na via de circulação, interrompendo a sua linha de marcha, então deveria ter parado atrás do mercedes e depois realizar a manobra de ultrapassagem quando constatasse que o podia fazer sem perigo ou embaraço para os demais utilizadores da via.
36. Ademais, o condutor do MB conduzia o veículo segurado por conta da sua proprietária a empresa (…) Consultoria e Engenharia, Lda.ª, pelo que a sua culpa se presume nos termos do disposto no art.º 503º, n.º 3 do CC.
37. Podemos concluir que o condutor do MB ao conduzir nas condições em que o fez provocou de forma exclusiva e efectiva o embate em causa nos autos. Foi a velocidade que imprimiu que o impediu de verificar atempadamente os veículos, o estacionado e o do Autor, e, realizar a manobra defensiva necessária, ou seja, abrandar e seguir a marcha sem embater.
38. Dos próprios factos provados decorre que o sinistro ocorreu dentro de uma localidade, ou seja, Rua ..., freguesia de ..., como a existência de residências de um lado e outro da via.
39. As próprias características da via e da manobra de ultrapassagem exigiam do condutor do MB a obrigação de adequação da velocidade imprimida.
40. Contrariamente à conclusão retirada pelo Tribunal a quo, o terceiro requisito da responsabilidade civil também se verifica, ou seja, a culpa do condutor do MB.
41. O dano e a causalidade adequada entre o dano e o facto também se mostram verificados pela prova dos danos sofridos pelo DV, bem como os danos sofridos pelo Autor com a privação de uso do DV.
42. Estão assim reunidos os requisitos para a procedência do pedido do Autor.
43. Ainda que se não tivesse demonstrado a culpa do condutor do MB, nos termos do disposto no art.º 506º n.º 1 do Código Civil seria aquele responsável pelos danos causados face a velocidade que imprimia ao MB e o facto de o DV estar parado no momento do embate.
44. Só em último recurso, caso o Tribunal entenda pela repartição de responsabilidades se admite a divisão da responsabilidade pelos danos causados nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 503 do Código Civil.
45. Porque assim não decidiu, a douta sentença recorrida viola os arts. 342.º, 483º, 503º, 506º, 562º e 1305.º do Código Civil e art.º 3º, n.º 2, 11º, n.º 2, 13º, n.º 1, 24º, n.º 1, 25º, n.º 1, al. c), 27º, n.º 1, art.º 35º, n.º 1 e art.º 38º, n.º 1 todos do Código da Estrada.
46. Provado que o condutor do MB imprimia excesso de velocidade e que o DV estava parado, a acção não poderia ter deixado de proceder.

Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida e julgada a acção declarativa comum totalmente procedente, condenando-se a apelada nos termos peticionados, com as legais consequências.
…”.
*
Foram apresentadas contra-alegações, onde a Recorrida apresentou, por sua vez, as seguintes conclusões:

“ (…) Considerando que, na nossa opinião, a Sentença recorrida não merece qualquer censura, tendo feito uma irrepreensível apreciação a prova produzida, decidindo em conformidade, nas presentes contra-alegações tentou-se ilustrar a motivação da Sentença à luz da prova produzida e de excertos dos depoimentos das testemunhas.

(…) Salvo o devido respeito por opinião contrária, nas alegações de recurso apresentadas pelo Autor não é denunciado qualquer erro de julgamento, qualquer contraditoriedade entre factos que resultaram provados ou qualquer contradição entre elementos de prova valorados da mesma forma.

Na verdade, na douta Sentença foi feita uma correcta apreciação da prova produzida:

- O depoimento da testemunha Filomena foi bem desconsiderado, já que a sua presença no local não foi alvo de qualquer menção nem por outras testemunhas nem do auto de participação, como seria expectável e como ditam as regras da experiência (para além de que dificilmente a testemunha, tivesse sobrevivido ao impacto entre as viaturas, estando no local onde referiu que estava, teria produzido um depoimento tão pouco emotivo, como bem realçou a Mmª. Juíza a quo);
- A dinâmica do sinistro foi alcançada pela análise de dois depoimentos testemunhais, do auto de participação e das fotografias colhidas após o acidente, nas quais são visíveis a posição final dos veículos, as características da via e, ainda, o veiculo Mercedes que na altura estava estacionado e que obrigou à manobra de ultrapassagem do MB;
- A não demonstração da velocidade a que o MB vinha animado resultou, de facto, da inexistência de prova segura quanto ao que foi alegado pelas partes e, ainda, da inexistência de elementos concretos que levassem a concluir que o MB seguia a uma velocidade excessiva ou elevada.

Assim, à falta da demonstração e erro de julgamento ou de qualquer contradição nos factos provados ou na motivação da Sentença, o Recorrente surge como simplesmente discordante com as conclusões vertidas na Sentença e que estiveram na origem da absolvição da Ré do pedido.

Já no que diz respeito à questão da privação do uso, por razões de simplicidade e de economia processual, a Recorrida dá por reproduzidos os artigos da Contestação 18 a 29, quanto ao abuso de direito, e 30 a 39, quanto à privação do uso per se.

No que diz respeito à alegada desvalorização do veículo do Autor, não foi feita qualquer prova quanto à mesma, nem se afigura alegação minimamente séria ou fundamentada, pelo que também ela deve improceder.

Entendemos que a discórdia demonstrada nas Alegações de Recurso é insuficiente para fundamentar uma alteração da matéria de facto e da decisão proferida em primeira Instância.

Dessa forma, na improcedência das alegações do Recorrente, deve a douta Sentença recorrida ser confirmada, com todas as consequências legais…”
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
*
No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:

1. Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento:

- A decisão da matéria de facto dos pontos 1.1, 1.15, 1.16, 1.17, 1.18 dos factos provados deve ser alterada;
- A decisão da matéria de facto dos pontos 2.1, 2.2 e 1.19 dos factos julgados não provados deve ser alterada para provados.
*
2. Saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pelo Recorrente, a acção deve ser julgada procedente – ou, pelo menos, caso o Tribunal entenda pela repartição de responsabilidades, se determine a divisão da responsabilidade pelos danos causados nos termos do disposto no n.º 3 do art. 503º do Código Civil.
*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Factos provados

[Da petição inicial]

1.1. No dia 20 de Junho de 2016, cerca das 18h00, na Rua ..., freguesia de ..., do concelho de Fafe, ocorreu um acidente de viação;
1.2. No qual foram intervenientes o veículo ligeiro de matricula …, propriedade do A., e o veículo ligeiro de matricula …, conduzido por Hélder (…) e propriedade de (…) Consultoria e Engenharia, Lda.;
1.3. Este veículo estava, nessa data, segurado na Ré através do contrato de seguro titulado pela apólice no 90....;
1.4. O veículo segurado na R., ao ultrapassar outro veículo que se encontrava estacionado na via, no lado direito considerando o seu sentido de trânsito, invadiu a faixa de rodagem contrária e foi embater com a parte frontal, na parte frontal do veículo do A;
1.5. Devido ao acidente o veículo do A. sofreu danos, designadamente nas ópticas, radiador, pára-choques, guarda-lamas, grelhas de protecção, resguardos, suportes e outros;
1.6. Pelo que para a sua reparação necessita da aplicação de peças novas e de serviços de chapeiro, mecânico e pintura cujo custo ascende a € 4.051,29;
1.7. Além disso, em virtude do acidente o veículo do A. está parado desde a data do acidente;
1.8. O veículo continua imobilizado e paralisado desde a data do acidente, estando o A. privado de o utilizar na sua actividade industrial, pois trata-se de um veículo que utilizava para esse efeito;
1.9. Pelo que está impedido de o utilizar para se deslocar para o seu local de trabalho, a Repartições Públicas e a outros locais, designadamente, fazer transporte de mercadorias;
1.10. Daí ter necessidade de pedir veículos emprestados a amigos e familiares, os quais não pode utilizar a seu bel-prazer, sendo que muitas vezes não se desloca aos locais pretendidos;
1.11. Acresce que, ainda devido ao descrito acidente, o A. precisou de obter a certidão do acidente, pela qual pagou € 60,00;

[Da contestação]

1.12. No local onde veio a ocorrer o sinistro, a Rua ... configura uma recta em sentido descendente, para quem circula, como circulava o MB, no sentido Quinta da Marinha/Rua da Ponte;
1.13. Era de dia e o céu estava limpo;
1.14. A certa altura, o condutor do MB avista um veículo que se encontrava estacionado a ocupar a sua via de trânsito;
1.15. Accionou o pisca esquerdo e passou a circular ocupando parcialmente a via de trânsito dedicada ao trânsito de veículos em sentido contrário ao seu, com vista a contornar esse mesmo veículo e prosseguir viagem;
1.16. Quando estava em plena manobra de ultrapassagem do referido veiculo estacionado, é surpreendido pelo veículo do Autor, o DV, que, saindo de um portão de uma moradia que, para si, se localizava do lado esquerdo da via, se “lança” no seu caminho, inclinando o veículo para a direita (com o intuito de passar a circular no sentido ascendente, contrário ao que levava o MB) e cortando a marcha ao MB;
1.17. O Hélder (…) não teve tempo sequer de travar, tendo-se desviado o máximo que pôde para a direita, não logrando, no entanto, evitar o embate entre o canto esquerdo da frente do MB e o canto esquerdo frontal do DV;
1.18. Acabando por empurrar o DV para trás e para a esquerda e imobilizando o MB a cerca de 6 metros do DV;
*
2. Factos não provados

2.1. Com efeito, naquela data e local o veículo do A. encontrava-se parado, fora da faixa de rodagem, a aguardar oportunidade para entrar na aludida Rua ... com vista a seguir a direcção Rua da Ponte/Quinta da Marinha;
2.2. Sucede que, enquanto o veículo do A. se encontrava parado, como o veículo segurado na R, circulasse a velocidade excessiva para o local, cerca de 80/90 km/h, totalmente distraído ao trânsito, sem cuidado, perícia e destreza e em violação ao código da estrada;
1.19. O A. não tem capacidade financeira para suportar a reparação do veículo e nem capacidade financeira para comprar outro veículo;
2.3. Além disso o veículo do A. será sempre um veículo que sofreu um acidente ficando mais fragilizado na sua estrutura;
2.4. A consistência das peças, encaixes, chapas e pintura, não têm a mesma durabilidade das anteriores que eram de origem;
2.5. Sem dúvida que é sempre um veículo sinistrado e, por isso, com pouca procura aquisitiva;

[Da contestação]

1.20. O Hélder (…) tripulava o MB na referida artéria, imprimindo ao mesmo uma velocidade de cerca de 35 km/hora;
*
A demais factualidade alegada pelas partes não foi objecto de resposta por conter matéria conclusiva, instrumental, de direito e/ou irrelevante.
*
B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
*
I) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:


Compulsado o Recurso interposto, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, o Autor/ Recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, aos concretos meios probatórios que impunham decisão diferente, e à decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida.

Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, importa verificar, pois, se se pode dar razão ao Recorrente, quanto aos questionados pontos da matéria de facto.

Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas, referir qual deve ser o âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.

Na verdade, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados…“ (2).

Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “… ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise…“ (3).

Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) O Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) Sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) Nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (4).

Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (5), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (6).

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).

Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (7).

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (8).

Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada- quando nessa prova se funde o recurso-, conclua, com a necessária segurança (9), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
*
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão ao Autor apelante, neste segmento do recurso da impugnação da matéria de facto, nos termos por ele pretendidos.

Importa, agora, então que o Tribunal se pronuncie sobre a impugnação da matéria de facto, fundada no alegado erro na apreciação da prova, entendendo o Recorrente/ Autor que, em face da prova produzida:

- A decisão da matéria de facto dos pontos 1.1, 1.15, 1.16, 1.17, 1.18 dos factos provados deve ser alterada;
- A decisão da matéria de facto dos pontos 2.1, 2.2 e 1.19 dos factos julgados não provados deve ser alterada para provados.
*
Aí ficaram mencionados como matéria de facto provada os seguintes factos:

“1.1. No dia 20 de Junho de 2016, cerca das 18h00, na Rua ..., freguesia de ..., do concelho de Fafe, ocorreu um acidente de viação;
(…)
1.15. Accionou o pisca esquerdo e passou a circular ocupando parcialmente a via de trânsito dedicada ao trânsito de veículos em sentido contrário ao seu, com vista a contornar esse mesmo veículo e prosseguir viagem;
1.16. Quando estava em plena manobra de ultrapassagem do referido veiculo estacionado, é surpreendido pelo veículo do Autor, o DV, que, saindo de um portão de uma moradia que, para si, se localizava do lado esquerdo da via, se “lança” no seu caminho, inclinando o veículo para a direita (com o intuito de passar a circular no sentido ascendente, contrário ao que levava o MB) e cortando a marcha ao MB;
1.17. O Hélder (..) não teve tempo sequer de travar, tendo-se desviado o máximo que pôde para a direita, não logrando, no entanto, evitar o embate entre o canto esquerdo da frente do MB e o canto esquerdo frontal do DV;
1.18. Acabando por empurrar o DV para trás e para a esquerda e imobilizando o MB a cerca de 6 metros do DV;
*
2. Factos não provados

2.1. Com efeito, naquela data e local o veículo do A. encontrava-se parado, fora da faixa de rodagem, a aguardar oportunidade para entrar na aludida Rua ... com vista a seguir a direcção Rua da Ponte/Quinta da Marinha;
2.2. Sucede que, enquanto o veículo do A. se encontrava parado, como o veículo segurado na R, circulasse a velocidade excessiva para o local, cerca de 80/90 km/h, totalmente distraído ao trânsito, sem cuidado, perícia e destreza e em violação ao código da estrada;
1.19. O A. não tem capacidade financeira para suportar a reparação do veículo e nem capacidade financeira para comprar outro veículo;”
*
O Recorrente não concorda com a decisão proferida sobre esses pontos da matéria de facto, alegando que os meios de prova produzidos nos autos (que são os mesmos que o Tribunal Recorrido valorou) apontam em sentido diverso daquela que foi a decisão que aqui pretende pôr em causa.

Vejamos se se pode dar razão ao Recorrente.

De uma forma liminar, pode-se avançar, sem necessidade de largas considerações, que existe um manifesto lapso no ponto 1.1 da matéria de facto provada, pois que, conforme resulta de toda a prova produzida, o acidente de viação aqui em discussão ocorreu: “No dia 20 de Junho de 2016, cerca das 10h05, na Rua ..., freguesia de ..., do concelho de Fafe”, e não às 18 horas como ficou mencionado na matéria de facto (na sequência, aliás, da alegação do Autor – item 1 da petição inicial).

Este lapso resultará obviamente da leitura errada do auto de participação de acidente de viação, pois que dele resulta que o auto – e não a ocorrência do acidente - foi elaborado às 18 horas.

Ultrapassada esta questão, e determinando-se, pois, a correcção do referido ponto 1.1. neste sentido, importa entrar na análise das restantes discordâncias alegadas pelo Recorrente.

Com a impugnação deduzida, o Autor pretende, em primeiro lugar, alterar a configuração dada pelo Tribunal Recorrido à dinâmica do acidente de viação, que aqui se encontra em discussão, nomeadamente, quanto a dois aspectos essenciais da descrição factual plasmada na decisão sobre a matéria de facto:

- A velocidade a que seguia o condutor do veículo segurado na Ré;
- A descrição efectuada quanto à invasão da faixa de rodagem por parte do veículo do Autor – defendendo que ela (invasão) não ocorreu ou que, tendo ocorrido, o seu veículo se encontrava parado no momento em que o embate ocorreu.

Nesta sequência, defende que a questionada matéria de facto deve ser alterada no seguinte sentido:

1.15. Accionou o pisca esquerdo e passou a circular ocupando a via de trânsito dedicada ao trânsito de veículos em sentido contrário ao seu, com vista a contornar esse mesmo veículo e prosseguir viagem;
1.16. Quando estava em preparação da manobra de ultrapassagem do referido veiculo estacionado, avista o veículo do Autor, o DV, que, saindo de um portão de uma moradia que, para si, se localizava do lado esquerdo da via, se preparava para sair, inclinando o veículo para a direita (com o intuito de passar a circular no sentido ascendente, contrário ao que levava o MB);
1.17: O Hélder (…) não conseguiu evitar o embate entre o canto esquerdo da frente do MB e o canto esquerdo frontal do DV;
1.18. Acabando por arrastar o DV para a frente e para a sua esquerda, imobilizando o MB a cerca de 6 metros do DV.
2.1. Com efeito, naquela data e local, o veículo do A., encontrando-se parado, a aguardar a oportunidade para entrar na aludida Rua ... com vista a seguir a direcção Rua da Ponte/Quinta da Marinha;
2.2. Sucede que, enquanto o veículo do A. se encontrava parado, como o veículo segurado na R, circulasse a velocidade excessiva para o local, pelo menos 80 km/h, totalmente distraído ao trânsito, sem cuidado, perícia e destreza e em violação ao código da estrada;
*
Quanto à velocidade, o Tribunal Recorrido entendeu que não ficou convencido da velocidade alegada pelo Autor e nem da velocidade alegada pela Ré. Isto porque o condutor do dito veículo quando questionado refere primeiro que seguiria a 50, 60 km/hora, porque vinha de uma curva, dizendo depois que “para não estar a mentir” a mais de 80/km não seguiria. Ora, o tribunal entendeu que, tendo em conta o teor destas afirmações, não conseguia ter a certeza da velocidade a que seguiria o veículo segurado da Ré, nomeadamente, que seguisse a 80 km/hora, como alega o Autor. As suas dúvidas, segundo refere, intensificaram-se ainda mais porque, após o embate no veículo do Autor, o veículo segurado da Ré imobilizou-se a escassa meia dúzia de metros do local do embate, o que faz suspeitar que não circulava a uma tão elevada velocidade.

Não é esse, como se referiu, o entendimento do Recorrente e julga-se que tem razão.

Na verdade, tendo em conta a prova produzida, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas Hélder (…) (condutor do veículo segurado na Ré) e Joaquina (..) (condutora do veículo pertencente ao Autor), a prova documental (auto de participação de acidente de viação, croquis, e as fotografias juntas aos autos) e as regras da lógica, da experiência comum e da ciência, entende-se que o julgamento de facto, fundado nesses elementos probatórios, permite a conclusão de que o referido condutor do veículo MB circulava, nas circunstâncias de tempo e lugar já referidas, a uma velocidade de cerca de 80 km/h – o que, tendo em conta as características da estrada (Rua) por onde circulava, não pode deixar de aqui ser relevado.

Trata-se de factualidade que o próprio condutor admitiu no seu depoimento:

“P: Antes do acidente ou só depois quando sai do carro e vai ver o que aconteceu?
R: Aquilo é um momento muito rápido. Não consigo decifrar isso. Eu na altura até…
P: …o Sr. apercebe-se desta Sra. antes de lhe bater?
R: Sim, sim, claro.
P: E travou?
R: Travei.
P: A que velocidade é que o Sr. seguia?
R: Cerca de sessenta, cinquenta quilómetros hora. Não sei, não tenho a certeza.
P: Não é uma recta muito grande?
R: Sim, é uma recta, é uma recta boa, mas ali é difícil, porque a gente vem de uma curva bastante apertada e não dá para, mas….
P: O Sr. diz que não vinha a mais de sessenta?
R: Não vinha a mais de oitenta de certeza absoluta. É para não estar aqui a…
P: O Sr. estava a ultrapassar o Mercedes?
R: Já estava a ultrapassar o Mercedes, já. O Mercedes estava um bocadinho antes”.
*
Esta “impressão” (de circular a 80 km/h) que o próprio condutor do veículo MB transmite, na forma como descreve a velocidade a que seguia, é confirmada pelo depoimento da testemunha Joaquina (…) (que referiu que o veiculo se aproximou a uma “velocidade bastante grande” “todo lançado” – mais de 100 km/h) e mostra-se conforme com os demais elementos probatórios que se produziram nos autos, nomeadamente, com as características da via em que circulava (recta com inclinação descendente – sentido do veículo MB; a curva, que é mencionada nos depoimentos, nenhuma influência produz na velocidade, dada a distância a que se situa em relação ao local do embate), a trajectória em linha recta seguida pelo veículo MB (mesmo após o embate); com a distância percorrida pelo veículo após o embate (cerca de 6 metros), com o posicionamento em que os veículos ficaram, após o embate; e com os danos produzidos nos veículos (10) (v. doc. nº 2 junto com a petição inicial - estimativa de reparação da Citroen -, fotografias, auto de participação do acidente de viação e o ponto 1.5 de onde decorre que “o veículo do A. sofreu danos, designadamente nas ópticas, radiador, pára-choques, guarda-lamas, grelhas de protecção, resguardos, suportes e outros”).

Como é sabido, esta questão do apuramento da velocidade a que os veículos seguem só pode obviamente ser apurada em função de considerações retiradas da conjugação de elementos probatórios como aqueles que se acabam de referir.

Com efeito, como se refere no ac. da RP de 3.3.2005 (relator: Fernando Baptista), in dgsi.pt, para se fazer um juízo adequado quanto à velocidade a que seguia um veículo não é necessário fazer um uso de um velocímetro. “É que prova é certeza, sim, mas não a certeza lógica absoluta, ou quase absoluta, própria das ciências matemáticas ou experimentais, mas uma certeza empírica, relativa, histórica, que é suficiente para as necessidades da vida e que se reconduz a um alto grau de probabilidade”.

Ora, no caso concreto, além das já referidas declarações dos intervenientes na colisão de veículos ocorrida, que apontam, só por si, para a formulação de um juízo de probabilidade no sentido de que o condutor do veículo MB circulava, pelo menos, à velocidade de 80 km/h, também tal velocidade se mostra compatível com os referidos outros indícios ou elementos probatórios acima mencionados.

Nesta conformidade, conclui-se, pois, que todos estes elementos probatórios apontam no sentido de se poder formular um juízo de probabilidade conducente à afirmação de que o condutor do veículo MB circulava, nas já referidas circunstâncias, a uma velocidade de cerca de 80 km/h (factualidade que impõe a alteração do ponto 2.2 quanto a esse ponto).

Sucede que no ponto 2.2 ainda se mostrava mencionada como factualidade não provada que o condutor do veículo MB “circulava a velocidade excessiva para o local”, “ totalmente distraído ao trânsito, sem cuidado, perícia e destreza e em violação ao código da estrada” – matéria de facto que o Recorrente também pretenderá impugnar e ver incluída nos factos provados.

Sucede que importa dizer que estas alegações (correspondentes ao item 4º da petição inicial) constituem, em parte, meras considerações conclusivas ou de direito, que não podem ser vertidas na factualidade que fundamenta a decisão que aqui se tem que proferir.

É pacífico que assumindo tal natureza, tais alegações não merecem (nem podem merecer) qualquer “resposta” de provado ou não provado, pois que o Tribunal só pode pronunciar-se sobre factualidade que tenha sido alegada, não podendo o seu julgamento incidir sobre conclusões ou considerações jurídicas.

É o que sucede, conforme entendimento pacífico, às referidas expressões “velocidade excessiva”; “em violação do Código da Estrada” “sem cuidado”, mas também quanto às demais expressões cuja ocorrência também dependeria da prova dos factos que a eles estariam subjacentes.

De qualquer forma, e quanto a estas últimas, julga-se que conforme decorre do exposto, o Autor não logrou demonstrar que o condutor segurado na Ré circulasse, no momento da ocorrência do acidente de viação, totalmente distraído ao trânsito (como decorre do facto de se ter apercebido do veículo estacionado e da presença do veículo DV), nem que o fizesse sem perícia e destreza (o que obviamente decorre não só da forma como procedeu à manobra de ultrapassagem, mas também da manobra de “salvamento” que veio a realizar que, em certa medida, logrou minorar os danos do embate ocorrido – restringindo-os aos danos patrimoniais).

Nesta conformidade, relativamente ao ponto 2.2, importa alterar a decisão proferida no sentido de, contrariamente ao decidido se considerar como provado que o veículo MB seguia à velocidade de cerca de 80 km/h.

Provados os seguintes factos:

2.2. Sucede que o veículo segurado na Ré circulava à velocidade de cerca de 80 km/h”.
*
Avancemos, agora, para a análise das restantes divergências assinaladas pelo Recorrente.

Quanto ao ponto 1.15, a divergência estabelece-se em relação à questão de saber se o condutor do MB, quando procedeu à manobra de ultrapassagem do veículo Mercedes estacionado, contrariamente ao que ficou dado provado, passou a ocupar totalmente a hemi-faixa de rodagem contrária (e por onde o veículo conduzido pela testemunha Joaquina … pretenderia passar a circular).

Defende o Recorrente que isso resulta das declarações do próprio condutor do veículo segurado na Ré, das medições constantes do croquis e do apelo que faz às regras da lógica.

Sucede que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, essa conclusão não se pode retirar das declarações da testemunha Hélder (…), nomeadamente, se as interpretarmos à luz dos demais elementos probatórios juntos aos autos (v. por ex. as fotografias juntas aos autos e as medições constantes do “croquis” a que o Recorrente também faz alusão no seu recurso).

Na verdade, tendo em conta estes elementos, o que se pode retirar (de uma forma visível da fotografia junto aos autos – fls. 24 – que retracta justamente o posicionamento dos três veículos, após o embate) é que o referido condutor para efectuar a manobra de ultrapassagem não tinha que passar a ocupar totalmente a hemi-faixa de rodagem contrária (tanto mais que o veículo que pretendia ultrapassar se encontrava imobilizado na berma da estrada completamente encostado ao muro aí existente).

Por outro lado, sabendo-se que o veículo DV, no momento do embate, se encontrava já dentro da respectiva hemi-faixa (por onde pretendia seguir) em cerca de 1 metro, pode-se confirmar que nunca o veículo MB poderia ter circulado nos termos defendidos pelo Recorrente (deixando de circular parcialmente na hemi-faixa da direita, tendo em conta o sentido que seguia), uma vez que se assim fizesse teria que ter embatido em cheio na parte lateral esquerdo (e não na parte frontal esquerda), sendo certamente também outros os efeitos que se teriam produzido quanto ao local em que os veículos DV e MB se vieram a posicionar após o embate.

Nesta análise relevam, obviamente, as medições que constam do “croquis” junto aos autos, de onde decorre que a faixa de rodagem era relativamente estreita (5,50 m), pelo que, em princípio, cada hemi-faixa teria cerca de 2,75 m.

Partindo do princípio que o veículo estacionado (da marca Mercedes) teria 1, 85 m de largura (e que o mesmo estava totalmente encostado ao muro aí existente, como se pode constatar da fotografia), a hemi-faixa por onde seguia o veículo MB teria ainda, em termos de espaço livre, cerca de 1, 00 metro.

Por outro lado, a hemi-faixa contrária (ocupada em 1, 00 m pela frente do veículo DV) teria apenas disponível cerca de 1,75 m.

Logo, tendo em conta as dimensões do veículo segurado na Ré (da marca Audi A3), fica evidenciado que naturalmente – não esquecendo o facto de o veículo que estava a ser ultrapassado se encontrava parado – o condutor daquele veículo continuou a circular parcialmente na hemi-faixa da direita, atento o seu sentido de marcha.

Como já se referiu, se assim não fosse, teria embatido não na parte frontal esquerda do veículo do Autor (e não teria seguido em frente em linha recta), mas sim na parte lateral esquerda, não se produzindo as consequências que em termos de posicionamento se vieram a constatar ter existido.

Por todas estas razões, conclui-se, pois, que bem andou o Tribunal Recorrido em considerar que o condutor do veículo MB, quando iniciou a manobra de ultrapassagem, “accionou o pisca esquerdo e passou a circular ocupando parcialmente a via de trânsito dedicada ao trânsito de veículos em sentido contrário ao seu, com vista a contornar esse mesmo veículo e prosseguir viagem”.

Improcede esta parte da Impugnação.
*
Quantos aos pontos 1.16, 1.17 e 2.1, as divergências estabelecem-se quanto a saber se o condutor segurado na Ré, previamente ao embate, se apercebeu da presença do veículo pertencente ao Autor (e, nessa medida, se se pode afirmar que não houve qualquer surpresa quando o referido veículo lhe surgiu a entrar na faixa de rodagem em plena manobra de ultrapassagem).

Além disso, discute-se se o veículo DV se encontrava parado (contrariamente àquilo que resulta dos factos provados, de onde decorre que, no momento do embate, já se encontrava a realizar a manobra de entrada na faixa de rodagem, saindo de um portão de uma moradia que ali existia).

Finalmente, quanto ao ponto 1.18, discute-se o impacto, em termos de movimento, que o embate produziu no veículo DV (já que, quanto ao veículo MB, as partes estão de acordo que o mesmo se imobilizou cerca de 6 metros à frente do DV no sentido em que aquele circulava – o que, aliás, resulta das fotografias juntas aos autos).

O Tribunal Recorrido entendeu que, após o embate, o DV foi empurrado para trás e para a esquerda. Já o Recorrente entende que o DV foi arrastado para a frente e para a sua esquerda.

Entende o Recorrente que da prova testemunhal produzida se podem retirar estas conclusões contrárias àquelas a que chegou o Tribunal recorrido, apelando aos depoimentos das testemunhas Joaquina (…) e Hélder (..).

Ora, compulsados os respectivos depoimentos (parcialmente transcritos nas alegações) constata-se que o que resulta dos mesmos não são as conclusões que o Recorrente pretende ver acolhidas (mas também, é verdade, não correspondem integralmente à factualidade que foi considerada provada).

Importa fazer aqui apelo às já aludidas regras da lógica, da experiência e da ciência, tendo em conta o dado objectivo que resulta das fotografias constantes de fls. 24 (que, como já dissemos, retractam em duas perspectivas diferentes, o posicionamento que os veículos automóveis vieram a ter, após o embate ocorrido).

Ora, conjugando todos estes elementos probatórios, pode-se concluir que:

- A condutora do veículo DV ao sair através do portão de uma moradia ali existente (portão que tem a configuração que se pode ver em todas as fotografias, mas, em especial, na fotografia de fls. 26), pretendendo virar à direita, no sentido ascendente da Rua (sentido contrário à do outro veículo), “entrou um bocadinho (na faixa de rodagem)”, “para ver bem” (se vinha alguém de cima) e ali ficou, enquanto via a aproximação do veículo conduzido pela testemunha Hélder (…) (versão da testemunha que, no entanto, não pode ser aqui acolhida – quanto ao facto de se encontrar parada – pois que tal versão não encontra apoio nos demais elementos probatórios e não permite explicar a dinâmica do acidente de viação de uma forma lógica e racional)

Na verdade, a descrição contrária encontra pleno apoio no já referido posicionamento do seu veículo após o embate (v. fotografias de fls. 24 onde se pode constatar que, apesar de ter sido embatido frontalmente – do lado esquerdo –, o veículo mantém-se com a sua parte da frente dentro da faixa de rodagem – daí que também não colhe a versão defendida pelo Recorrente de que, por força do embate o seu veículo foi arrastado para a frente e para a sua esquerda – o que contraria manifestamente as aludidas regras da lógica, da experiência e da ciência).

Por outro lado, a testemunha Hélder refere que “só quando está a ultrapassar é que vê que ele está a meter um bocadinho” (e mais à frente) “estava, pelo menos, um metro” (dentro da faixa de rodagem).

Noutro ponto do seu depoimento esclarece que (só) se apercebeu da presença da condutora do veículo DV antes de lhe bater, tendo travado -, daí que o Tribunal Recorrido – e bem – tenha concluído que a tal presença (na faixa de rodagem) tenha surpreendido o condutor do veículo MB.

Nesta conformidade, e por força de todas estas considerações, da prova produzida, dos demais elementos probatórios e das aludidas regras da lógica, da experiência e da ciência é a seguinte a matéria de facto que se pode considerar como provada:

“1.16. Quando estava em plena manobra de ultrapassagem do referido veiculo estacionado, é surpreendido pelo veículo do Autor, o DV, que, saindo de um portão de uma moradia que, para si, se localizava do lado esquerdo da via, inclinando o veículo para a direita (com o intuito de passar a circular no sentido ascendente, contrário ao que levava o MB), entrou em cerca de um metro na faixa de rodagem por onde este último circulava;
2.2. (Sucede que) o veículo segurado na Ré circulava à velocidade de cerca de 80 km/h (nesse momento);
1.17. O Hélder (…) não teve tempo sequer de travar, tendo-se desviado o máximo que pôde para a direita, não logrando, no entanto, evitar o embate entre o canto esquerdo da frente do MB e o canto esquerdo frontal do DV;
1.18. Acabando por empurrar o DV para trás e para a esquerda e imobilizando o MB a cerca de 6 metros do DV;
*
2. Factos (impugnados que se mantêm como) não provados:

2.1. Com efeito, naquela data e local o veículo do A. encontrava-se parado, fora da faixa de rodagem, a aguardar oportunidade para entrar na aludida Rua ... com vista a seguir a direcção Rua da Ponte/Quinta da Marinha;
*
Procede, pois, parcialmente a impugnação da matéria de facto, quanto a estes pontos.
*
O Recorrente impugna, ainda nesta sede, a matéria de facto que ficou a constar como não provada no ponto 1.19.

Trata-se de matéria de facto que já não contende com a dinâmica do acidente de viação, mas sim com a demonstração dos alegados danos sofridos pelo Autor (capacidade financeira do Autor para suportar a reparação do veículo e para comprar outro veículo que pudesse substituir o veículo acidentado).

Entende o Recorrente que se trata de matéria de facto que deve ser considerada provada, tendo em consideração a prova testemunhal produzida (e a ausência total de outros elementos probatórios que apontem no sentido contrário)

Compulsada a prova produzida, pode-se efectivamente constatar que:

- a testemunha Joaquina (..) confirmou essa factualidade;
-e a testemunha Cristiana (…) (cunhada do Autor) confirmou também esta factualidade (referindo que foi o que a sua irmã lhe disse -“falta de capacidade financeira”), além de confirmar que o veículo se encontra por reparar.
O Tribunal Recorrido, no entanto, entendeu que assim não era, mas julga-se que a prova produzida (que aliás também está mencionada no resumo dos depoimentos efectuado pelo Tribunal Recorrido) é suficiente para demonstrar esta factualidade.

Nesta conformidade, julga-se procedente esta parte da Impugnação.
*
Aqui chegados, conclui-se, pois que a matéria de facto que se considera provada é a seguinte:

1. Factos provados

[Da petição inicial]

1.1. No dia 20 de Junho de 2016, cerca das 10h05, na Rua ..., freguesia de ..., do concelho de Fafe, ocorreu um acidente de viação;
1.2. No qual foram intervenientes o veículo ligeiro de matricula … propriedade do A., e o veículo ligeiro de matricula …, conduzido por Hélder (…) e propriedade de (…) Consultoria e Engenharia, Lda.;
1.3. Este veículo estava, nessa data, segurado na Ré através do contrato de seguro titulado pela apólice no 90....;
1.4. O veículo segurado na R., ao ultrapassar outro veículo que se encontrava estacionado na via, no lado direito considerando o seu sentido de trânsito, invadiu a faixa de rodagem contrária e foi embater com a parte frontal, na parte frontal do veículo do A.;
1.5. Devido ao acidente o veículo do A. sofreu danos, designadamente nas ópticas, radiador, pára-choques, guarda-lamas, grelhas de protecção, resguardos, suportes e outros;
1.6. Pelo que para a sua reparação necessita da aplicação de peças novas e de serviços de chapeiro, mecânico e pintura cujo custo ascende a € 4.051,29;
1.7. Além disso, em virtude do acidente o veículo do A. está parado desde a data do acidente;
1.8. O veículo continua imobilizado e paralisado desde a data do acidente, estando o A. privado de o utilizar na sua actividade industrial, pois trata-se de um veículo que utilizava para esse efeito;
1.9. Pelo que está impedido de o utilizar para se deslocar para o seu local de trabalho, a Repartições Públicas e a outros locais, designadamente, fazer transporte de mercadorias;
1.10. Daí ter necessidade de pedir veículos emprestados a amigos e familiares, os quais não pode utilizar a seu bel-prazer, sendo que muitas vezes não se desloca aos locais pretendidos;
1.11. Acresce que, ainda devido ao descrito acidente, o A. precisou de obter a certidão do acidente, pela qual pagou € 60,00;
1.19. O A. não tem capacidade financeira para suportar a reparação do veículo e nem capacidade financeira para comprar outro veículo;

[Da contestação]

1.12. No local onde veio a ocorrer o sinistro, a Rua ... configura uma recta em sentido descendente, para quem circula, como circulava o MB, no sentido Quinta da Marinha/Rua da Ponte;
1.13. Era de dia e o céu estava limpo;
1.14. A certa altura, o condutor do MB avista um veículo que se encontrava estacionado a ocupar a sua via de trânsito;
1.15. Accionou o pisca esquerdo e passou a circular ocupando parcialmente a via de trânsito dedicada ao trânsito de veículos em sentido contrário ao seu, com vista a contornar esse mesmo veículo e prosseguir viagem;
1.16. Quando estava em plena manobra de ultrapassagem do referido veiculo estacionado, é surpreendido pelo veículo do Autor, o DV, que, saindo de um portão de uma moradia que, para si, se localizava do lado esquerdo da via, inclinando o veículo para a direita (com o intuito de passar a circular no sentido ascendente, contrário ao que levava o MB), entrou em cerca de um metro na faixa de rodagem por onde este último circulava;
2.2. (Sucede que) o veículo segurado na Ré circulava à velocidade de cerca de 80 km/h (nesse momento);
1.17. O Hélder (…) não teve tempo sequer de travar, tendo-se desviado o máximo que pôde para a direita, não logrando, no entanto, evitar o embate entre o canto esquerdo da frente do MB e o canto esquerdo frontal do DV;
1.18. Acabando por empurrar o DV para trás e para a esquerda e imobilizando o MB a cerca de 6 metros do DV;
*
Consolidada a factualidade provada, nos termos que decorrem daquilo que se acaba de decidir, importa, agora, efectuar aqui umas breves considerações gerais sobre a Responsabilidade Civil Extracontratual pela prática de factos ilícitos, nomeadamente, nesta sede dos acidentes de viação – que, aliás, já foram efectuadas na sentença aqui posta em crise.

Estipula, efectivamente, o art. 483º CC que: “aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Assim, como é sabido, para que exista responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos:

a) A existência de um facto voluntário;
b) Ilícito;
c) Imputável ao agente (ou agentes) - culpa;
d) Um prejuízo ou dano reparável;
e) Um nexo causal entre o facto ilícito e culposo e os danos (art. 483º do CC) (11).
*
Nesta sede de Responsabilidade civil extracontratual pela prática de factos ilícitos não há dúvidas que o ónus da prova da verificação dos aludidos pressupostos incumbirá, em princípio, ao lesado (art. 487º do CC), ou seja, ao Autor.

No caso concreto, discute-se, principalmente o pressuposto culpa (e, como iremos ver, o nexo de causalidade e os danos).

Na verdade, quanto ao pressuposto ilicitude, é pacífico que o mesmo pode considerar-se preenchido (na modalidade de violação ou ofensa de direitos de outrem) - art. 483º do CC.
Entremos, pois, na apreciação do pressuposto culpa.

Como é sabido, quanto à culpa, antes de mais importa afirmar o seu elemento negativo, isto é, a imputabilidade (art. 488º do CC) - o que indiscutivelmente se verifica, no caso concreto, quanto a ambos os condutores.

Acresce ainda a necessidade de exprimir um juízo de reprovabilidade ou censurabilidade pessoal da conduta do agente, quer ela assuma a forma dolosa ou negligente.

Para tanto importa estabelecer a quem incumbe a prova da culpa.

Ora, como se referiu, em princípio, o ónus da prova da culpa na responsabilidade extracontratual por factos ilícitos incumbe ao lesado (art. 487º do CC), pelo que seria sobre o A. que recaía esse ónus da prova.

Defende, no entanto, o Recorrente que, no caso concreto, assim não é, porque alegadamente o condutor segurado na Ré se deveria considerar como presumível culpado do acidente de viação ocorrido nos termos do art. 503º, nº 3 (1ª parte) do CC.

Alega, com efeito, que, pelo simples facto de o condutor do veículo não ser o seu proprietário, se presumiria a culpa daquele, já que se trataria de um condutor por conta e à ordem de outrem (12).

Não é esta, no entanto, a interpretação que se julga ser a mais correcta do art. 503º, nº 3 (1ª parte) do CC (13), pois que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, neste âmbito, o legislador exige que se prove a existência de uma efectiva e real relação de comissão entre o condutor do veículo e o seu proprietário, não se podendo, de forma alguma, aceitar a interpretação, aqui defendida pelo A., de que o simples facto de a qualidade de condutor não coincidir com a qualidade de proprietário do veículo presume a culpa do Interveniente.

Trata-se de interpretação que, aliás, já foi plenamente acolhida no ac. do STJ (do pleno das secção cíveis) de 30.4.1996 (relator: Miranda Gusmão) (14), onde se uniformizou a Jurisprudência nos seguintes termos:

"O dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor quando se alegue e prove factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do artigo 500º, nº 1 do Código Civil, entre o dono do veículo e o condutor do mesmo".

Na respectiva fundamentação, esclareceu-se o seguinte:

“O nº 3, 1ª parte, do artigo 503º atribui uma responsabilidade por culpa presumida pelos danos causados pelo veículo conduzido por conta de outrem.

Só a existência de uma relação de comissão faz presumir a culpa do condutor, sendo certo que essa relação de comissão tem de ser encontrada fora do campo de aplicação do artigo 503º, nº 1 pois, conforme se sublinhou, as expressões aí referidas (direcção efectiva e interesse próprio) são tão-somente elementos balizadores dessa norma, ou seja, "só dizem respeito à responsabilidade pelo risco e só servem para determinar esta e não a responsabilidade por culpa, ainda que presumida (acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Janeiro de 1991 - Boletim do Ministério da Justiça n. 403, página 393).

A relação de comissão tem de ser encontrada na definição dada no artigo 500º, nº 1 do Código Civil; o termo comissão não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reside nos artigos 266 e seguintes do Código Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo esta actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc. (P. Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, 4. edição, página 507).

A relação de comissão, assim caracterizada, depende da alegação e prova dos factos que a tipifiquem.

A alegação e prova dos factos que tipifique a relação de comissão que está na base da responsabilidade por culpa presumida estabelecida no nº 3, 1ª parte, do artigo 503º, incumbirá ao lesado, na medida em que será ele a beneficiar da existência dessa relação.

Verificado a mesma, surge uma presunção de culpa do condutor, o que implica uma inversão do ónus da prova (artigo 350º, nº 1), uma vez que é ao lesado, de harmonia com os princípios válidos no capítulo do ónus da prova (artigo 342º, nº 1), que incumbe provar a culpa do autor da lesão”.

Nesta conformidade, não há dúvidas que, no caso concreto, não tendo o Autor provado (nem sequer alegado) a existência de uma concreta e efectiva relação de comissão que se verificasse existir entre o condutor do veículo e a sua proprietária, não pode beneficiar da presunção de culpa prevista no citado preceito legal, mantendo-se, pois, sobre ele o ónus de provar a existência de culpa do condutor do veículo segurado na Ré.

Em face destas considerações, era, assim, pois, ao A. que incumbia a prova da culpa do condutor daquele.

Isto dito, vejamos se o A. conseguiu provar a culpa do condutor do veículo MB, sendo neste âmbito que se estabelece a principal divergência entre as partes.

Como decorre do exposto, o Tribunal Recorrido decidiu que o acidente de viação aqui em discussão era apenas imputável (a título de culpa exclusiva) à condutora do veículo pertencente ao Autor.

Para tanto, considerou que, em face da matéria de facto que considerou provada, se devia concluir que, tendo a aludida condutora saído de um portão de uma moradia e tendo entrado na via de trânsito, inclinando o veículo para a direita (com o intuito de passar a circular no sentido ascendente, contrário ao que levava o MB), cortando a marcha ao MB, violou o disposto no artigo 31º, nº 1, al. a), do Código da Estrada (onde se estabelece que: “deve sempre ceder a passagem o condutor: a) Que saia de um parque de estacionamento, de uma zona de abastecimento de combustível ou de qualquer prédio ou caminho particular), pelo que tal violação da legislação estradal faria presumir judicialmente a sua culpa (citando jurisprudência pertinente relativamente esta presunção simples).

Por outro lado, considerou que nenhuma culpabilidade podia ser imputada ao condutor do veículo segurado na Ré, já que não se apurou a velocidade a que seguia.

Como já vimos, no entanto, esse julgamento fáctico foi aqui alterado, na sequência da Impugnação da matéria de facto que foi deduzida pelo Recorrente.

Na verdade, contrariamente àquele julgamento da Primeira Instância, concluiu-se que, em face da prova produzida, se podia afirmar que o condutor do veículo segurado na Ré seguia, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na matéria de facto, a velocidade de cerca 80 km/h.

Ora, em face dessa alteração, tem que se concluir que, circulando a essa velocidade, o condutor do veículo segurado na Ré, perante as circunstâncias apuradas, não adequou a sua condução àquelas circunstâncias, pois seguiu a uma velocidade que não lhe permitia (não lhe permitiu) executar, com segurança, as manobras que teve que realizar (nomeadamente, a manobra de ultrapassagem do veículo Mercedes que se encontrava estacionado, na berma da hemi-faixa por onde circulava; e a manobra de imobilização do seu veículo perante a presença do veículo do Autor - na hemi-faixa contrária por onde passou (parcialmente) a circular quando realizou a referida manobra de ultrapassagem – veículo que, por sua vez, ao pretender realizar a manobra de entrada na faixa de rodagem no sentido contrário à que seguia o veículo segurado na Ré, entrou cerca de um metro dentro da hemi-faixa direita por onde tinha passado a circular aquele no sentido de realizar aquela primeira manobra).

Com efeito, independentemente das considerações a que se ateve ainda o Tribunal Recorrido (relativamente ao alegado não apuramento de que os veículos efectuavam a sua circulação dentro de uma localidade (15) – o que imporia que a velocidade não pudesse legalmente exceder o limite de 50 km/h – art. 27º do CEstrada), a verdade é que, de acordo com os princípios gerais da velocidade (art. 24º do referido Código), sempre o condutor do veículo segurado na Ré, nas circunstâncias de tempo e lugar apuradas, deveria ter regulado “a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa (pudesse), em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente” (nº 1).

Além disso, sempre se imporia, no caso concreto, que o referido condutor circulasse, nas circunstâncias apuradas, com uma velocidade especialmente moderada porque, nos termos do art. 25º do mesmo diploma legal, é isso que o legislador obriga, entre outras situações gerais, quando alguém circula “ (…):..

c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações...”,

como sucedia inequivocamente no caso concreto (v. fotografias juntas aos autos – e a visualização que se pode obter do local do acidente com recurso ao “Google Maps”).

Assim, independentemente do apuramento daquela circunstância (vigência do limite geral de velocidade dentro das localidades – cfr. art. 27º do CE) sempre o condutor do veículo MB, na Rua em que circulava, tendo em conta que se tratava de uma via marginada por edificações (dos dois lados), teria que imprimir ao seu veículo uma velocidade especialmente moderada, conceito que obviamente não foi obedecido por aquele, quando se constata que o mesmo circulava, na referida Rua, a uma velocidade de cerca de 80 km/h.

Na verdade, é manifesto que, ao actuar dessa forma, o condutor do veículo MB não adequou a velocidade a que seguia às características e estado da via (embora se tratasse de uma recta relativamente longa, precedida de uma curva, a largura da via apenas atingia o valor de 5,50 m – v. auto de participação do acidente de viação e croquis - e ainda a visualização que se pode facilmente efectuar na referida ferramenta informática - “Google Maps”) e à intensidade do trânsito (veículo estacionado e possibilidade do surgimento de outros veículos e peões que proviessem das edificações que marginavam a Rua), de tal forma que pudesse, em condições de segurança, executar a manobra, cuja necessidade, aliás, já sabia que teria de efectuar quando entrou na recta (manobra de ultrapassagem) e ainda para efectuar a manobra (de salvamento) que, entretanto, teve também de realizar, sendo evidente que a referida velocidade, tendo em conta a estreiteza da Rua e a aproximação ao veículo estacionado, não lhe permitiria (nem lhe permitiu) fazer parar o seu veículo no espaço livre e visível que se situava à sua frente (nº 1 do citado art. 24º do CE).

Nesta conformidade, importa também concluir que, na sequência das alterações fácticas introduzidas, não pode o acidente de viação aqui em discussão ser imputado em exclusivo à condutora do veículo pertencente ao Autor (cujo enquadramento jurídico estradal aqui se mantém, por correctamente efectuado - face à não alteração da factualidade a este respeitante).

Na verdade, tendo em conta o enquadramento jurídico-estradal das condutas de ambos os condutores, não se pode deixar de concluir pela culpabilidade de ambos, pelo que, nessa medida, importará agora apurar, dentro da dinâmica do acidente de viação, o respectivo grau ou medida de responsabilidade.

Isto é, apreciando a conduta de ambos os condutores, e tendo em conta a factualidade apurada, resulta, a nosso ver, inequívoca a ideia de que ambos os condutores contribuíram, em termos culposos, para a ocorrência da colisão de veículos aqui em discussão (art. 506º do CC).

Como refere o Prof. Antunes Varela (16) “é muito frequente, em matéria de acidente de viação, a colisão de veículos, que tanto pode dar-se pelo choque, quando ambos estão em circulação, como pelo abalroamento do veículo que esteja parado ou afrouxe de velocidade por outro em marcha.

Várias hipóteses importa distinguir, neste caso, quanto à responsabilidade pelos danos provenientes da colisão.

Havendo culpa de ambos os condutores (ambos seguiam com velocidade excessiva ou ambos saíram injustificadamente fora de mão), cada um deles responde pelos danos correspondentes ao facto que praticou; se apenas um deles foi culpado, só este responde pelos danos que causou (…).

Dando-se como assente a culpa de ambos os condutores, mas não podendo determinar-se a medida em que cada um deles contribuiu para a produção dos danos verificados, presumir-se-á que para eles contribuíram em igual proporção” – conforme nº 2 do art. 506º do CC.

Neste preceito legal “estabelece-se, assim como regra geral, a ideia de uma repartição igualitária dos danos” (17).

Destas considerações resulta, assim, que, dentro do nosso critério, concluindo-se que deve ser atribuída culpa a ambos intervenientes, no que concerne à percentagem de repartição de culpa, entendemos que a mesma deve ser fixada em igual percentagem, porque ambas as infracções que são imputadas aos condutores estiveram na origem do acidente.

Na verdade, confrontando as condutas de ambos os intervenientes, deparam-se-nos duas manobras proibidas (a circulação com velocidade excessiva e a saída de um prédio particular sem cumprimento da regra da cedência de passagem estabelecida no art. 31.º, n.º 1, al. a), do Código da Estrada (“deve sempre ceder a passagem o condutor: a) Que saia de um parque de estacionamento, de uma zona de abastecimento de combustível ou de qualquer prédio ou caminho particular).

Nessa medida, julga-se que deve ser igual a proporção das culpas de ambos os condutores (50% + 50%), porque ambos praticaram infracções causais de gravidade similar e ambos poderiam ter evitado o acidente se tivessem observado as indicadas e pertinentes regras estradais (18).

Nesta conformidade, decide-se, por força do exposto, que as culpas devem ser divididas na proporção de 50% para o Réu condutor do automóvel MB e de 50 % para a condutora do veículo pertencente ao Autor, o que irá ser ponderado nos quantitativos indemnizatórios que, de seguida, iremos fixar.
*
Importa, agora, conferir os danos peticionados pelo A. com aqueles que resultaram provados e de seguida fixar os montantes indemnizatórios, tendo sempre presente o disposto nos arts. 562º e ss. do CC e máxime a preferência pela reconstituição natural em detrimento da indemnização em dinheiro (art. 566º, nº 1 do CC).

O tribunal ex. vi do art. 661º do CPC está limitado aos danos alegados pelas partes, pois não pode pronunciar-se para além do que foi pedido, incumbindo ao A., como já se referiu, o respectivo ónus da prova - art. 342º, nº 1 do CC.

Conforme resulta do relatório elaborado o Autor formulou os seguintes pedidos:

- a quantia global de 15.811, 29 €, acrescida dos juros à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, correspondente às seguintes parcelas indemnizatórias:
- 4.051, 29 € a título do montante necessário à reparação do veículo DV;
- 1.000, 00 € a título do valor da desvalorização do referido veículo;
- 10.700 €, a título de privação do seu uso (20, 00 € diários x 536 dias);
- e, finalmente, 60, 00 € correspondente ao valor pago por uma certidão do acidente para instruir o presente processo.
*
Importa verificar se os danos alegados vieram a lograr ser provados.

Dos danos patrimoniais efectivamente alegados pelo A. apenas não resultaram provados os danos correspondentes à alegada desvalorização do veículo – factualidade dada como não provada nos pontos 2.3 a 2.5.

Não tem, pois, o Autor direito a esta parcela da indemnização.

Vejamos agora o que sucede com os demais danos alegados - e que o Autor logrou provar - que foram causados pelo acidente de viação ocorrido.

Ora, como decorre da factualidade provada, provou-se que:

1.5. Devido ao acidente, o veículo do A. sofreu danos, designadamente nas ópticas, radiador, pára-choques, guarda-lamas, grelhas de protecção, resguardos, suportes e outros;
1.6. Pelo que para a sua reparação necessita da aplicação de peças novas e de serviços de chapeiro, mecânico e pintura cujo custo ascende a € 4.051,29;
Tem, assim, o Autor direito a receber, a este título, a referida quantia, embora reduzida na medida da culpabilidade do condutor do veículo segurado na Ré, ou seja, na proporção de 50% (2.025, 64 €).
*
Um outro tanto também sucede com a quantia peticionada, a título de dano da privação do uso (do veículo).

Na verdade, em face da factualidade vertida nos pontos 1.7. a 1.10 e 1.19, julga-se que se mostram efectivamente verificados os pressupostos fácticos que permitem reconhecer a ocorrência deste dano no caso concreto.

Não há dúvidas que, tendo em conta a aludida matéria de facto provada, o Autor ficou privado da utilização do seu veículo automóvel a partir da data do sinistro, contabilizando o Autor essa privação em 536 dias, sendo certo que o aludido veículo estava destinado a suprir as suas necessidades, que deixaram de poder ser satisfeitas por causa daquela privação do seu uso.

Nessa medida, em princípio, tem o Autor direito a ser ressarcido deste dano.

A Recorrida veio, no entanto, defender que assim não é, porque o Autor reclama, a este título, um valor superior ao dobro do valor da reparação do seu veículo.

Alega, na sequência, que a boa fé imporia ao Autor que efectuasse a reparação do seu veículo no mais curto espaço de tempo possível, a partir do momento em que tomou conhecimento do seu valor, pelo que o seu pedido configuraria um “abuso de direito, na forma de desequilíbrio do exercício”.

Além disso, alega que para haver este tipo de indemnização tem de haver danos efectivamente alegados e provados, o que no caso concreto não ocorre.

Julga-se, no entanto, que a Recorrida não tem razão.

Em primeiro lugar, porque o exercício deste direito, por parte do Autor, não se nos afigura ser abusivo.

Na verdade, além de se ter provado que o Autor não tinha capacidade financeira para promover a reparação do seu veículo, a verdade é que a posição da Ré parte de um pressuposto errado, qual seja a de que seria sobre o Autor que recaia a obrigação de reparar o veículo.

Com efeito, esquece a Ré que, provando-se a culpa do seu segurado, era a ela que incumbia proceder à restauração natural dos danos produzidos, atento o disposto nos artºs. 562º e ss. do CC (onde inclusivamente se estabelece justamente a preferência pela reconstituição natural em detrimento da indemnização em dinheiro (art. 566º, nº 1 do CC)).

Devia, pois, a Ré, se tivesse reconhecido a sua responsabilidade civil pela ocorrência do presente acidente de viação (na medida do seu segurado), disponibilizar os meios que permitiriam ao Autor proceder à reparação in natura dos danos sofridos pelo seu veículo (seja através da disponibilização de oficinas próprias, seja pela assunção da responsabilidade da reparação perante entidade reparadora escolhida pelo lesado).

Improcede, pois, esta argumentação, não se podendo reconhecer aqui qualquer conduta abusiva ou de má-fé do aqui Autor.

Da mesma forma, a segunda parte dos fundamentos apresentados também não merece aqui acolhimento.

Como é sabido, o dano que aqui é peticionado vem sendo maioritariamente entendido como um dano patrimonial susceptível de ser valorado correspondente ao “ dano da mera privação do uso de veículo, traduzido na impossibilidade do seu proprietário dele livremente dispor, fruindo-o e aproveitando-o como bem entender” (19).

Não tem sido pacífico o entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre a indemnização do dano de privação do veículo quando não haja alegação e prova dos concretos prejuízos que daí pudessem eventualmente ter advindo (20) - como sucede no caso concreto.

Uma corrente jurisprudencial e doutrinária argumenta que o simples uso de uma viatura constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui, só por si, um dano patrimonial (21).

São normalmente apontadas a esta orientação as críticas decorrentes da dificuldade de aplicação do critério resultante da teoria da diferença – art. 566º, nº 2, do CC - objecção que se considera ultrapassável por recurso aos critérios de equidade para que aponta o art. 566º, nº 3, do CC.

Numa outra versão desta orientação distingue-se privação do uso e privação da possibilidade do uso, para concluir que só a primeira é em si mesmo geradora da obrigação de indemnizar, e já não a mera privação da possibilidade de uso. Neste caso, embora não seja exigida a prova de todos os danos concretos emergentes da privação de veículo automóvel, exige-se que o lesado demonstre que, se tivesse disponível o seu veículo, o utilizaria efectivamente, normalmente, isto é, que dele retiraria as utilidades que o mesmo está apto a proporcionar (22).

Uma outra corrente, porém, sustenta que muito embora a privação do veículo constitua um ilícito, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, é insusceptível de, só por si, fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, sendo necessário que se comprove a sua repercussão negativa na situação patrimonial do lesado (23).

Argumenta-se em favor desta orientação, que a indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da verificação concreta de danos, referindo-se o disposto no art. 562º do CC como confirmando essa afirmação. Refere-se ainda o art. 563º do CC, quando dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Por último, menciona-se o art. 566º, nº 2, do CC, na medida em que refere que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria se não existissem danos.

Dentro desta orientação, haverá de atender-se ainda à posição de quantos sustentam que, sendo a mera privação do uso de um veículo automóvel insusceptível de, só por si, fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, “em sede de direito probatório, a prova a efectivar pelo lesado deve ser aliviada e não deve exigir-se como reportada a factos minuciosos, pois que efectivamente, as regras da experiencia e normalidade das coisas nos inculcam a ideia que, nos dias que correm e atenta a hodierna organização económico-social, a perda do uso de um veículo automóvel, por regra, acarreta afectações negativas ao nível dos direitos da personalidade e prejuízos para o seu dono” (24).

Com o respeito devido pelas opiniões divergentes, entende-se, que melhor fundada se mostra a orientação, doutrinária e jurisprudencial, que vê na privação de uso um dano indemnizável em si mesmo, independente da existência ou não da comprovação de outros danos daí decorrentes.

A privação de uso consubstancia em si mesmo uma ofensa ao direito de terceiro – máxime ao direito de propriedade – em razão do qual o titular do direito fica inibido de poder dispor do bem para dele retirar virtualidades a que o mesmo se destina.

Assim, entendemos que a privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui um ilícito que o sistema jurídico prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que, por norma ou regra, essa privação impede o respectivo proprietário/titular de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza.

Pensamos, porém, com tem salientado o Supremo em alguns dos citados arestos, que a questão da ressarcibilidade da privação do uso não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa.

Na verdade, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.

Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo ressarcível, se realmente a pretender usar e utilizar caso não fosse a impossibilidade de dela dispor.

Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável.

É que bem pode acontecer que alguém seja titular de um bem, móvel ou imóvel, e apesar de privado da possibilidade de o usar durante certo tempo, não sofra com isso qualquer lesão por não se propor aproveitar das respectivas vantagens ou utilidades, como pode suceder com o dono de um automóvel que o não utiliza ou utiliza em circunstâncias que uma certa indisponibilidade não afecta, ou com o proprietário de um prédio ou de terreno que lhe não dá qualquer utilização.

Bastará, no entanto, em nosso julgamento, que a realidade processual mostre que o lesado pretendia usar a coisa ou que normalmente a usaria, para que o dano decorrente da sua privação ocorra e, por via disso, a respectiva indemnização pela privação do uso seja devida.

Por isso se tem entendido que não basta a simples privação, em si mesma - com o que concordamos -, sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela actuação ilícita de outrem, o lesante (25).

Ora, atentos estes considerandos, no caso em apreço, face à factualidade provada (e acima exposta), julgamos que é arbitrar, de facto, ao Autor a indemnização peticionada a este título pelo mesmo.

Sendo esta a nossa posição, improcede, pois, também a argumentação da Recorrida.

Aqui chegados, importa entrar, finalmente, na questão de saber qual deve ser o valor que deve ser atribuído ao Autor, a este título.

Como se referiu, este aponta, como valor diário, o montante de 20 €.

Nestes casos, os critérios que vem sendo apontados correspondem aos que foram indicados pelo Autor, com a correcção de que o montante diário que têm vindo a ser fixado ronda os 10 € (dez euros) diários (v., a título de exemplo, o Ac. do STJ de 09.03.2010 e os acs. da RG de 27.10.2016 e de 11.7.2017 e da RL de 5.7.2015) (26).

Com efeito, vem-se entendendo que nestas situações dificilmente se poderá, na maior parte dos casos, encontrar o valor exacto do prejuízo que aqui se pretende ponderar; daí que se deva falar antes de atribuição de uma compensação, que deverá ser determinada por juízos de equidade, e tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, por referência ao que se dispõe no nº 3 do art. 566º do CC.

Assim, quanto à avaliação do dano, deve procurar-se a efectivação de uma reconstituição efectiva, por equivalente valor em dinheiro (art. 566º do CC), que corresponda ao montante dos danos, por apelo aos mais variados factores concretos a que for possível atender no caso, tendo-se em consideração, enquanto elemento objectivo, o valor médio que as empresas de aluguer de automóveis cobram pela disponibilização de um veículo com idênticas características, por ser o critério que corresponde, no fundo, ao custo da substituição da viatura que deveria ter sido proporcionada e não foi (27).

“Importa, então, naquele juízo equitativo ponderar simultaneamente: como um referencial máximo, o valor médio do aluguer de uma viatura; o tipo de utilização que o lesado fazia da viatura (v.g. mais ou menos intensa, para fins laborais, familiares ou de lazer); e o período de privação do uso (onde se atenderá também à conduta do demandado, pois esta indemnização corresponde ao ressarcimento de um acto ilícito, com base na responsabilidade civil extracontratual)” (28).

Por outro lado, nestas situações não se pode também deixar de atender a que a utilização do veículo sinistrado sempre implicaria gastos de manutenção e consumíveis, gastos que devem aqui ser ponderados no sentido da redução do montante indemnizatório, sob pena de injusto locupletamento do lesado.

Isto significa que, embora se possa partir do valor locativo do veículo em causa, este não pode ser acolhido, sem que seja objecto de alguma correcção, pois que “a renda própria de um contrato de locação não traduz apenas o valor do bem, mas também o custo dos factores empresários necessários para o colocar no mercado” (29).

Segundo Paulo Mota Pinto (30), em alternativa, para efeitos indemnizatórios, poder-se-á seguir o seguinte critério: “Pensamos que o dano da privação do uso deverá ser quantificado num valor que pode ser obtido de uma de duas formas; ou (como de “cima para baixo”) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas “depurados” do lucro do locador, dos custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc. (no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos de aluguer normalmente praticados); ou (como que “de baixo para cima”), designadamente, para viaturas de profissionais e empresas, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex., os custos necessários para constituir uma reserva de um bem como o que está em causa) ”.

Evidentemente que, para se usarem os mecanismos propostos, as partes têm de fornecer os ditos elementos factuais para que o tribunal possa chegar a alguma conclusão, pois que não contendo os autos o pertinente substrato factual, o tribunal ficará impedido de aplicar estes outros critérios.

Todavia, ainda que o tribunal não disponha de elementos suficientes para calcular a diferença patrimonial entre a situação actual e a que o lesado teria se não tivesse ocorrido o evento, como ocorre no presente caso, sempre o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar uma indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3 do Cód. Civil.

Com efeito, como se sublinha no Acórdão do STJ de 3.05.2011, disponível in Dgsi.pt “a avaliação do dano em causa, se outro critério não puder ser adoptado, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado, nos termos estabelecidos no art. 566º, n.º 3 do Cód. Civil.”

Em idêntico sentido refere também Maria da Graça Trigo (31) que feita a prova do uso regular do veículo no âmbito da via pessoal, familiar e /ou profissional, e aplicando o critério do art. 566º, n.º 3, do CC, o valor locativo há-de servir como tecto máximo para efeitos indemnizatórios; Até esse montante, o juiz deverá encontrar um valor equitativo ad hoc.”

Em suma, nestes casos, a equidade será, pois, o critério que presidirá à valoração dos prejuízos, isto é, a uma ponderação de razoabilidade com recurso aos referidos critérios equitativos previstos no nº 3 do art. 566º do CC.

O valor locativo de mercado do veículo deverá apenas constituir um valor de referência, que não pode ser acolhido sem que se façam as correcções acima referidas.

Assim, tudo sopesado, afigura-se-nos que o valor diário de € 10 (dez euros) deve ser aquele que aqui deve ser fixado, em termos equitativos, para reparar o dano da privação do uso do veículo sinistrado, julgando-se que este valor surge como perfeitamente adequado ao caso concreto, atendendo às características do veículo sinistrado, ao seu presumível valor locativo diário, uma vez que sejam ponderados os aludidos factores de correcção.

Tem, assim, o Autor direito a receber, a este título, a quantia de 5.360 € (536 dias x 10 €), embora reduzida na medida da culpabilidade do condutor do veículo segurado na Ré, ou seja, na proporção de 50% (2.680 €).
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Quanto ao custo da certidão (facto dado como provado no ponto 1.11), importa, finalmente, referir brevemente o seguinte.

Quanto a esta pretensão do Recorrente é patente que a sua pretensão não merece acolhimento, já que se trata de quantia que não pode ser imputada em termos de causalidade adequada ao facto ilícito e culposo aqui em apreciação – que, como se referiu, é um dos pressupostos da responsabilidade civil aqui em apreciação (art. 563º do CC).

Na verdade, os únicos danos pelos quais a Ré, enquanto responsável pela prática de um facto ilícito e culposo, pode/deve indemnizar o Autor são os danos causados pelo facto que dele sejam resultantes, e não qualquer dano que tenha sobrevindo cronologicamente ao facto praticado.

No caso concreto, não se pode, assim, entender que a despesa que o Autor teve com a aludida certidão seja uma despesa que resulte em termos de causalidade adequada do facto ilícito imputado à Ré (32).

Na verdade, esse nexo de causalidade estabelece-se com a instrução da presente acção e não com o sinistro propriamente dito.

Assim, relativamente a esta despesa e outras de natureza judicial, as mesmas poderão caber no conceito de “custas de parte” que, de acordo com o disposto no nº 4 do artº. 529º., e no nº. 2, alínea b) do artº. 533º, do CPC, “compreendem o que cada parte haja despendido com o processo”.

Como se disse, isto resulta do facto de se dever considerar que só são indemnizáveis os danos que tiverem sido causados pelo acidente de viação.

Na verdade, decorre do art. 563º do CC que o legislador adoptou a teoria da causalidade adequada, pelo que, no caso concreto, o nexo de causalidade tem que ser configurado “no binário embate – danos, estes como consequência necessária daquele” (cfr. o Ac. da Rel. de Lisboa de 3/04/1984, in C.J., ano IX, tomo 2, pág. 121).

Tendo presente todas estas asserções temos, pois, de concluir que a certidão aqui em causa só foi pedida para instruir a presente acção (pelo que foi só por causa desta razão que o Autor teve que arcar com o respectivo custo).

Portanto, o nexo de causalidade estabelece-se com a acção e só mais remotamente, a montante, é que surge o acidente.

Assim, este montante relativo à certidão, não pode ser imputado, a título de responsabilidade civil, à Ré, por não verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o dano alegado e os factos ilícitos e culposos aqui em discussão (cfr. art. 483º do CC).

Improcede, esta parte, do Recurso.
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Pelo exposto, e nos termos dos dispositivos legais citados, conclui-se, pois, que o Autor tem direito a ser ressarcido pela Ré da quantia global de 4.705, 64€ (quatro mil setecentos e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos), correspondente às seguintes parcelas indemnizatórias:

- 2.025, 64 €, a título de dano patrimonial (reparação dos danos sofridos pelo veículo do Autor - € 4.051,29, embora reduzida na medida da culpabilidade do condutor do veículo segurado na Ré, ou seja, na proporção de 50%);
- 2.680 €, a título de dano da privação do uso do seu veículo (a quantia de 5.360 € (536 dias x 10 €), embora reduzida na medida da culpabilidade do condutor do veículo segurado na Ré, ou seja, na proporção de 50%).

A estas quantias acrescem juros de mora à taxa legal devidos desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento.
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:

-o Recurso interposto pelo Autor/Recorrente parcialmente procedente e, em consequência, decide-se condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global 4.705, 64 € (quatro mil setecentos e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos), correspondente às seguintes parcelas indemnizatórias:

a- 2.025, 64 €, a título de dano patrimonial (reparação dos danos sofridos pelo veículo do Autor - € 4.051,29, embora reduzida na medida da culpabilidade do condutor do veículo segurado na Ré, ou seja, na proporção de 50%);
b- 2.680 €, a título de dano da privação do uso do seu veículo (a quantia de 5.360 € (536 dias x 10 €), embora reduzida na medida da culpabilidade do condutor do veículo segurado na Ré, ou seja, na proporção de 50%).
Quantias a que acrescem juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento.
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No mais, manter a absolvição do pedido, decretada na sentença recorrida.
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Custas pelo Recorrente e pela Recorrida, na proporção dos respectivos decaimentos (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 21 de Março de 2019

(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)


1. Compulsado o local do acidente de viação no “Google Maps” - com o objectivo que mais à frente referiremos -, a Rua em causa surge, no referido sítio da internet, com a designação de “Rua …” e não “…” (que foi a identificação alegada pelo Autor na petição inicial, julga-se que na sequência da menção que, nesse sentido, foi aposta pela entidade policial no auto de participação de acidente de viação).
2. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
3. V. Ac. do STJ de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
4. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
5. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida…“;
6. Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 348.
7. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
8. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
9. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609, “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017), onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”;
10. Luís Filipe Pires de Sousa, in “Prova por presunção no direito civil”, pág. 323 refere justamente que: “A magnitude dos danos noutro veículo é, em princípio, proporcional à velocidade que era imprimida ao veículo (indicio damnum)”.
11. V., por todos, Antunes Varela " Das Obrigações em Geral ", Vol. I, 5ª Edição, págs. 477 e ss..
12. Como refere Ana Prata, in “CC anotado”, Vol. I, pág. 663: “Não se descortina explicação para que co condutor/comissário seja legalmente presumido culpado por acidente em que o veículo por ele conduzido tenha intervindo. Se o motivo fosse o de sociologicamente ser frequente o condutor/comissário ser um profissional, esse seria incorrecto, pois a um profissional exige-se uma maior diligência, mas nada justifica presumir a sua culpa (…). Do ponto de vista das consequências, a solução não é correcta; além de agravar a situação do condutor /comissário, favorece a do lesado também sem qualquer fundamento; é melhor para quem intervém (também) no acidente e tem danos que o condutor do (ou do outro) veículo seja um comissário, pois, se este não conseguir ilidir a presunção, o exercício do seu direito e, eventualmente, a sua própria posição devedora da indemnização seja facilitada”. Sobre esta questão, v., também, Maria Graça Trigo, in “Responsabilidade civil- Temas especiais”, págs. 30 e ss., abordando também a questão da (in)constitucionalidade desta (fundamentação) da presunção de culpa. Relevante é também um outro estudo desta Autora publicado nos CDP, nº 32 (out/Dez 2010, págs. 22 e ss. “Das presunções de culpa no regime de responsabilidade civil por acidentes de viação”.
13. V., entre outros, os acs. da RP de 23-10-93, in CJ, t. 5, pág. 298, da RC de 20-2-95, in CJ, t. I, pág. 225, do STJ de 7-1-1991, in Bmj 403, pág. 393 (onde já se afirmava "... só é legitimo interpretar e concluir pela existência de culpa presumida através da prova de uma relação de comissão e não pela verificação dos elementos que fundamentam a responsabilidade pelo risco nos termos do art. 503º, nº1 do CC... ").
14. Disponível in Dgsi.pt; outros Assentos relevantes nesta matéria (e dos acidentes de viação) são, por exemplo, os seguintes: Assento 1/83, publicado no DR, Iª Série, de 28.5.1983; Assento 3/94 de 26.1.1994, publicado no DR, Iª Série, de 1.3; Assento 7/94, publicado no DR, Iª Série, de 28.4.1994 e o Ac. de Uniformização de jurisprudência nº 12/2014, publicado no DR, Iª Série, de 8.7.
15. Trata-se de factualidade (e enquadramento jurídico) não especialmente discutida(o) nos articulados, nem no julgamento, mas que, podendo merecer o exercício de poderes oficiosos, mesmo do presente Tribunal, no sentido de confirmar essa natureza “de circulação dentro de uma localidade”, se julga não ser necessário efectuar, tendo em conta o que se irá referir de seguida no texto.
16. In “Das obrigações em geral” (5ª edição), Vol. I, pág. 639 e 640.
17. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações” (8ª edição), Vol. I, pág. 383.
18. Neste critério, v., por ex., os Acs. do STJ de 17-05-2011 (Relator: Marques Pereira) e de 10.4.2014 (Relator: Fernando Bento), in Dgsi.pt.
19. Laurinda Gemas, in “A indemnização dos danos causados por acidente de viação- algumas questões controversas “, revista Julgar, nº 8 Maio/Agosto de 2009, pág. 45.
20. V. Ana Mafalda Miranda Barbosa, in “Lições de Responsabilidade civil”, págs. 337 e ss..
21. Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão- Direito das Obrigações - Vol. I, págs. 336; e António Abrantes Geraldes, in “Indemnização do Dano de Privação do Uso”, 33/41.
22. Neste sentido, os acs. STJ, de 9-12-2008, de 30-10-2008, de 5-7-2007, e de 19-11-2010, disponíveis in www.dgsi.pt
23. V. entre outros, o Ac. Do STJ de 08-06-2006 (Relator Sebastião Póvoas).
24. V. acórdão do STJ de 5-6-2008, in Dgsi.pt.
25. Vide, por todos, neste sentido, AC STJ de 16.03.2011 e 9.07.2015.
26. (relatores: respectivamente, Alves Velho; Lina Baptista, Maria dos Anjos Nogueira e António Martins),In dgsi.pt.
27. V. por ex. o ac. do STJ de 23.11.2011 (relator: Alves Velho), in dgsi.pt onde se conclui: “A indemnização por privação do uso, deve corresponder, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha possibilidades económicas, operando-se o ressarcimento, em última análise, segundo critérios de equidade – art. 566.º, n.º 3, do CC.”.
28. V. ac da RG de 20.10.2016 (relator: Maria João Matos), in dgsi.pt.
29. Maria da Graça Trigo, in “Responsabilidade civil: Temas especiais”, 2015, UCP, pág. 63.
30. In “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Iº vol., págs. 568-596.
31. In “Responsabilidade civil: Temas especiais”, pág. 64.
32. V., por exemplo, o ac da RG de 11.7.2012 (relator: Fernando Freitas) onde se conclui que: “ …Os custos de uma certidão e de um relatório médico que são obtidos para instruir a acção não integram o conceito de danos patrimoniais por não existir nexo de causalidade entre aquelas despesas e o acidente gerador da responsabilidade de indemnizar. O nexo de causalidade estabelece-se com a acção e só mais remotamente, a montante, é que surge o acidente…”, in Dgsi.pt;