Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4088/17.7T8GMR.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: BANCO
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Na relação com os clientes - depositantes, o banco é representado pelos seus administradores e empregados, sobre os quais impendem especiais deveres legais de diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados, estando todos os que nele exerçam cargos de direcção, gerência ou chefia, obrigados a proceder de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral.
II- O cliente presume em relação ao banco, a existência duma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem, pelo que, no que concerne à responsabilidade extra-contratual por informações não se pode dispensar a mesma tutela jurídica a um destinatário de uma informação, quando esta provenha de alguém especificamente qualificado para a fornecer.
III- É com referência a um destinatário com o cuidado, zelo e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste, qua cabe determinar a forma de apresentação da informação, tendo designadamente em conta a complexidade da apresentação, a linguagem utilizada, o recurso a fórmulas matemáticas e a conceitos de âmbito especificamente económico, jurídico ou financeiro, de modo a que a informação seja prestada de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
IV – A violação do dever de informação por parte do banco, no âmbito da aquisição de um produto pelo seu cliente, não se mostra causa adequada a produzir o dano, caso não se prove qualquer facto que permita concluir que o mesmo não teria investido nas obrigações em questão se lhe tivesse sido explicadas as características desse produto.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

J. M. e mulher, A. P., intentaram a presente acção declarativa comum contra Banco ... pedindo:

- seja anulado o negócio relativo à subscrição das obrigações “...Taxa Fixa 2012/2016, 6,25%”, por erro na formação da vontade e no objecto/base do negócio, condenando-se o réu a devolver aos autores a quantia aplicada de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Subsidiariamente,
- seja o réu condenado a indemnizar os autores, pagando a quantia de € 50.000,00, a título de responsabilidade civil;

Subsidiariamente,
- seja o contrato declarado resolvido, por alteração superveniente das circunstâncias, sendo o réu condenado a restituir aos autores o montante investido de € 50.000,00, acrescido de juros vincendos desde a citação até efectivo e integral cumprimento.

Mais pediram a condenação do réu no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 2.000,00.
Para tanto e em suma referiram ser clientes do réu, actualmente na sua sucursal de Fafe – Jardim, que sucedeu à sucursal da “Feira ...”, sendo o autor marido titular da conta n.º ...8, onde movimentava parte do dinheiro do casal, realizava pagamentos e efectuava poupanças. O gestor de conta dos autores era D. F., gerente daquela sucursal, o qual convenceu os autores a investir € 50.000,00 em Obrigações denominadas “...Taxa Fixa 2012/2016, 6,25% ao ano”, no valor nominal de € 1.000,00 cada título, com o .......... Para o efeito assegurou-lhes que não havia qualquer risco de capital e que o Banco cobriria sempre a solvabilidade do produto. O dito gestor do Banco réu sabia que os autores não possuíam qualificações ou formação técnica que lhes permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, bem como de que não tinham qualquer experiência ou conhecimentos sobre tal mercado, em termos que lhes permitisse avaliar quaisquer riscos associados a investimentos. Sabia também que os autores nunca aceitariam um investimento que implicasse risco, sendo a segurança do capital condição decisiva em todas as suas aplicações. Ora, in casu o gestor não explicou com transparência qual era o produto financeiro, nem mesmo entregou aos autores qualquer nota informativa acerca do mesmo. Aos autores apenas foi entregue um panfleto publicitário, onde é feita referência aos direitos do subscritor das obrigações, designadamente “ao recebimento dos juros: 6,25% ao ano, com pagamentos semestrais...ao reembolso do valor nominal (no final do prazo da emissão ou seja 26 de Julho de 2016)”. Mais resultando do referido panfleto, nas informações respeitantes à X, e como forma de transmitir confiança aos investidores, que “para além da actividade que desenvolvemos em Portugal, onde ao longo dos anos os nossos serviços e marcas atingiram elevados níveis de sucesso e notoriedade (…) a actuação sustentável da X foi reconhecida e, em resultado, integramos o mais reputado índice de sustentabilidade a nível internacional, o Dow Jones Sustainability Index. Em 2011, este reconhecimento foi reforçado e passamos a ser uma das cinco empresas do sector, a nível mundial, integradas neste índice”. Os autores nunca teriam aceitado subscrever tal produto se supusessem não haver segurança absoluta quanto ao capital.
Mais alegaram que em 16 Fevereiro de 2012, a agência de notação de risco Moody’s, entre outras, informou o mercado de que o rating da emitente era Ba 1, o que significa que o produto tinha características especulativas, sujeitas a risco de crédito substancial, sendo que as obrigações emitidas pela aludida entidade enfrentavam incertezas ou exposições relevantes a condições de negócio, financeiras ou económicas desfavoráveis, susceptíveis de conduzir a uma capacidade inadequada do devedor para cumprir os seus compromissos financeiros. Em 13 de Abril de 2012, a aludida agência de notação de risco actualizou o rating para Ba 2, nível ainda mais especulativo e sujeito a um substancial risco de crédito, sendo que tal notação se manteve até à data da emissão das obrigações subscritas pelos autores. Também a “Standard&Poor´s” classificou, à data, a dívida da X como BB+, ou seja, com grau especulativo ou “lixo”, com perspectiva de revisão negativa. Todas estas informações eram do conhecimento do réu, enquanto intermediário financeiro, pelo que lhe competia fornecer tal informação aos autores, alertando-os para as consequências do investimento que estavam a realizar.
Contudo, não o fez, omitindo-lhes a informação dos riscos especiais envolvidos de perda da totalidade do investimento. Assim, só por mera habilidade, engenho, artimanha e artifício utilizados pelo gestor do réu na venda do produto, os autores aceitaram investir no mesmo, pois que o réu sabia dos riscos inerentes àquele produto. O réu sabia que os autores só aceitavam subscrever as obrigações por estarem convencidos de que as mesmas se tratavam de um produto sem risco e com reembolso do capital garantido, convicção que firmaram com base nas informações erradas que lhes foram prestadas. No ano de 2015, aquando da deslocação do autor marido à sucursal do réu em Fafe, com vista a inteirar-se do estado do investimento, foi aconselhado a mantê-lo até ao final do prazo, sendo-lhe garantido que receberia o capital investido. Só quando se deslocaram à sucursal do réu para reembolso do capital por si investido, que ocorreria em 26 de Julho de 2016, é que os autores foram informados de que não lhes iria ser pago o capital subjacente às obrigações. Sem prescindir do invocado erro, alegaram que ocorre responsabilidade civil do Banco, na medida em que, nem o gestor de conta/gerente ao serviço do réu, nem ninguém, leu ou explicou aos autores em que consistiam tais obrigações, e qual o verdadeiro risco a elas inerentes. Nem o gestor, nem qualquer funcionário do réu, entregou, leu ou explicou aos autores qualquer contrato, tal como não lhes foi entregue qualquer cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações X. A haver algum contrato, há-de conter cláusulas gerais que não correspondem à real vontade dos autores.
Por fim, invocaram alteração das circunstâncias, referindo que em 1 de Outubro de 2013, a X, a Y, SA, a W PARTICIPAÇÕES, S.A., a … TEL, S.A., a P. PARTICIPAÇÕES, SA, a E., PARTICIPAÇÕES, SA, a B. BRASIL, SA (B. BRASIL), a V., SGPS, SA e a NH. celebraram um memorando de entendimento no qual se comprometiam a formalizar uma ‘Aliança Industrial’ que consistia em unir as actividades e negócios desenvolvidos pela Y e pela X. Em 20 de Fevereiro de 2014 a X comunicou ao mercado que os acordos definitivos relativos à combinação dos seus negócios estavam concluídos, tendo a 18 de Março de 2014, em reunião da assembleia de titulares das obrigações referidas, sido obtida anuência para o emitente das obrigações, deixar de ser a X ou X, SGPS, SA, para passar a ser a X PORTUGAL, SGPS, SA. Assim, a X, enquanto emitente das obrigações subscritas pelo autor marido ab initio, deixou de existir. Ora, o réu sabia ou tinha a obrigação de saber que tinha ocorrido uma alteração do emitente X para X PORTUGAL e ainda que o emitente das obrigações poderia ser alterado sem o consentimento dos titulares das mesmas. Acresce que, era também do conhecimento do réu que havia uma forte probabilidade de a X Portugal não recuperar o investimento em papel comercial RF., o que geraria, como gerou, perdas de cerca de 900 milhões de euros e ainda que o rating da Y, S.A. diminuiu para um nível ainda mais especulativo e sujeito a um ainda mais substancial risco de crédito do que o rating da X à data em que o autor marido subscreveu as obrigações.

Devidamente citado, o réu impugnou a factualidade alegada, mormente no que respeita ao desconhecimento que os autores tivessem do produto financeiro que subscreveram, afirmando o seu conhecimento e vontade dessa subscrição. Por excepção, pugnou pela prescrição e caducidade do direito dos autores, por terem decorrido mais de dois anos entre a subscrição das obrigações e a data da citação para a presente acção e ainda a caducidade advinda do decurso de mais de um ano desde o conhecimento do invocado vício da vontade. Mais invocou abuso de direito sob a forma de venire contra factum proprium, pelo facto dos autores terem vindo a receber o extracto combinado da conta, com a identificação da aplicação financeira, sem alguma vez se terem insurgido contra ela.

Os autores responderam às excepções, terminando como na p.i.

Proferido o despacho de selecção da matéria de facto, realizou-se o julgamento, com observância das formalidades legais.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença na qual se decidiu julgar a presente acção improcedente, com a consequente absolvição do réu Banco ... do pedido.

Inconformados com a sentença, dela vieram recorrer os AA.

Houve contra-alegações, tendo nelas sido suscitada a questão prévia da falta de síntese das conclusões do recurso apresentado e pela inobservância do disposto no art. 639º, nº 1 do CPC.
Quanto ao mérito do recurso, o Recorrido pugna pela improcedência do mesmo e pela manutenção da sentença recorrida.

Por se ter entendido que as conclusões do recurso não cumpriam a forma sintética exigida por lei, foi dado cumprimento ao disposto no art. 639º, nº 3 do Cód. Proc. Civil.

Nessa sequência, vieram os Recorrentes apresentar novas conclusões, nos seguintes termos:

1. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quer em relação à matéria de facto que selecionou e julgou provada e não provada nos autos, quer em relação à subsunção da mesma ao direito aplicável.

2. Não tendo o Banco Réu procedido à junção aos autos da ordem de subscrição do produto financeiro em causa, ónus que a si lhe incumbia, o Tribunal a quo podia e, salvo o devido respeito, devia ter concluído pela nulidade do contrato de intermediação financeira - cfr. art.º 321 n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários que fixa um regime de nulidade, consagrando um princípio geral de obrigatoriedade da redução a escrito de todos os contratos de intermediação quando a contraparte seja um investidor não qualificado.

3. Tendo os Apelantes, em sede de petição inicial, suscitado tal questão, e não tendo tal pedido sido apreciado pelo Tribunal a quo, tal omissão corporiza uma nulidade nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al. d) do CPC, que aqui expressamente se invoca.

4. A matéria constante do ponto 16) dos factos dados como provados, padece de lapso, porquanto de acordo com os documentos n.ºs 11 e 12 juntos com a Petição Inicial, ocorreu em 5 de Maio de 2014 o comunicado (aos mercados) da substituição da emitente das notes, deixando de ser a X, SGPS, S.A. e passando a ser a X Portugal, SGPS, S.A. (e não a "X International Finance, B.V." como erradamente consta daquele ponto 16), factualidade que, de resto, vai de encontro ao vertido no ponto 7) dos factos dados como provados.

5. A matéria de facto dada como provada nos pontos 9), 12) e 13) tem uma ligação umbilical com a matéria de facto dada como não provada nos pontos a) e c), impondo-se a alteração destes pontos a) e c) para provados.

6. O Tribunal a quo deu como provado que o produto financeiro em causa foi apresentado aos Autores, pelo funcionário do Banco Réu, como um "bom produto", sem risco de perda do capital investido [cfr. ponto 12) e 13)];

7. Por outro lado, o Tribunal a quo deu como provado que os Autores, investidores não qualificados, confiavam no funcionário do Réu "...a avaliação dos riscos e a oportunidade dos investimentos." [cfr. ponto 9)] tendo o funcionário do Banco Réu, D. F., afirmado que "a confiança que tinha ou a confiança que eu arranjei com o Sr. J. M., eu sabia que ele confiava em mim naquilo que eu lhe dissesse..." (min. 16:36 a 16:43 do depoimento daquela testemunha na audiência de discussão e julgamento de 09/07/2018, desde as 15:01:57 às 16:14:53 (20180709150156_5484844_2870528 T) e ainda que "Ele acreditava se eu lhe dissesse que aquilo era bom." (min. 30:32 a 30:35 do seu depoimento na audiência de discussão e julgamento de 09/07/2018, desde as 15:01:57 às 16:14:53 (20180709150156_5484844_2870528 T).

8. Pelo que, com estas premissas, naturalmente que estão reunidos os ingredientes perfeitos para que quem adquire pense que está a colocar o seu dinheiro em algo seguro e garantido, levando os Autores a presumirem, legitimamente, tratar-se de um produto do próprio banco, com o reembolso do capital garantido pelo mesmo [pontos a) e c) dos factos dados como não provados.

9. Pelo que, atenta a factualidade dada como provada nos pontos 9), 12) e 13), a confiança que os Autores depositavam no funcionário do Réu (D. F. - cfr depoimento do mesmo na audiência de discussão e julgamento de 09/07/2018, desde as 15:01:57 às 16:14:53 (20180709150156_5484844_2870528 T) min. 16:36 a 16:43 e min. 30:32 a 30:35), cremos, salvo o devido respeito, que a factualidade vertida nos pontos a) e c) dos factos não provados, devia antes ter sido dada como provada.

10. Os factos alegados na Petição Inicial (artigos 68º a 74º) sobre as características do produto em causa nos autos, ou seja, o rating das Obrigações ...Taxa Fixa 2012/2016, pela relevância que assumem perante as várias soluções plausíveis de direito, deveriam ter sido selecionados e tidos como provados.


11. Um produto classificado como "lixo financeiro" não deixa de o ser só porque tem uma classificação relativa superior a outros produtos também eles classificados como "lixo financeiro", tal como a dívida soberana e o Tribunal a quo devia, salvo o devido respeito, ter-se abstido do subjetivismo e relativismo com que apreciou tal matéria, levando ao elenco dos factos provados a matéria objetiva que se extrai dos documentos juntos, designadamente a classificação/rating da entidade emitente à data em que o produto financeiro foi proposto aos Autores - A prova destes factos decorre dos documentos 3 e 4 juntos com a petição inicial.

12. A matéria de facto dada como não provada nos pontos d), e), f) e g) deve ser alterada para provada.

13. A alteração do ponto d) nos termos pretendidos funda-se, essencialmente, no depoimento prestado pela testemunha D. F. [na audiência de discussão e julgamento de 09/07/2018, desde as 15:01:57 às 16:14:53 (20180709150156_5484844_2870528 T) min. 38:53 a 39:38] e no documento (nota informativa) junta pelo próprio Réu com o seu requerimento com a ref.ª 29250105, datado de 25 de Maio de 2018.

14. Quanto à factualidade constante dos pontos f) e g), provado que tal informação era do conhecimento do Banco Réu, por este se tratar de um intermediário financeiro com acesso a informações financeiras privilegiadas sobre os produtos que comercializa, e ter sido o próprio Réu quem juntou aos autos, no seu requerimento com a ref.ª 29250105, datado de 25 de Maio de 2018, uma nota informativa relativa às obrigações em causa, onde constam tais informações, devem tais factos serem alterados para provados.

15. Quanto ao ponto e) dos factos dados como não provados, com referência à factualidade dada como provada nos pontos 6) e 16), mormente a alteração do emitente das obrigações, foi feita prova que tal matéria era, e é, do conhecimento do Banco Réu.

16. As informações sobre a evolução da X, que culminou com a alteração do emitente para a X Portugal, foram comunicadas ao Banco de Portugal e por este ao mercado - cfr. Docs. n.ºs 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 17 e 18, juntos com a Petição Inicial.

17. Também as classificações/ratings das referidas entidades emissoras eram do conhecimento do Banco Réu, por se tratar de informação financeira, acessível ao Banco enquanto intermediário financeiro, que atestam o agravamento do risco de insolvência da (nova) entidade emitente das obrigações e, por isso, com influência no reembolso do capital investido - cfr. Docs. n.ºs 13 e 16 juntos com a Petição Inicial.

18. Ponderando estes elementos, embora o gestor de conta que contactou com os Autores tivesse afirmado não ter tido conhecimento da alteração do emitente das obrigações e do agravamento substancial do risco de perda do capital investido (por já se encontrar nessa data aposentado), o Banco Réu dispunha de elementos que lhe permitiam ter esse conhecimento.

19. Se a estrutura da administração não divulgou pela hierarquia até aos operadores na venda a retalho tal informação, é indiferente para a resposta à matéria factual que agora está em causa.

20. O próprio Banco Réu juntou aos autos, no seu requerimento com a ref.ª 29648438, datado de 6 de Julho de 2018, documentos que atestam que o mesmo teve conhecimento da evolução do produto financeiro em causa nos autos e, bem assim, da alteração do emitente das obrigações.

21. Com efeito, resultou provado que o Banco Réu sabia da factualidade vertida nos pontos 6) e 16) dos factos dados como provados, mormente a alteração do emitente das obrigações e o agravamento do risco do investimento que tal alteração acarretava, pelo que a factualidade constante do ponto e) devia ter sido dada como provada.

22. A impugnação da matéria de facto dada como não provada nos pontos e), f) e g) estriba-se nos documentos n.ºs 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18, juntos com a Petição Inicial, e documentos juntos pelo Réu no requerimento com a ref.ª 29648438, datado de 6 de Julho de 2018, bem como a confissão aí expressa quanto ao conhecimento da alteração do emitente das obrigações.

23. A matéria de facto dada como não provada nos pontos b), c), h) e i), deve ser alterada para provada e a matéria de facto dada como provada nos pontos 10) e 11) devia ter sido dada como não provada.

24. O funcionário bancário D. F., que sempre lidou diretamente com os Autores, quase em regime de exclusividade, afirmou que os Autores se tratam de investidores não qualificados com perfil conservador - cfr. depoimento daquela testemunha, na audiência de discussão e julgamento de 09/07/2018, desde as 15:01:57 às 16:14:53 (20180709150156_5484844_2870528 T) min. 30:16 a 30:42 - acrescentando que face ao perfil dos Autores, em sua opinião, se soubessem que as obrigações implicavam o risco de perderem o capital investido, os mesmos não teriam feito esse investimento - cfr. depoimento da mesma testemunha na audiência de discussão e julgamento de 09/07/2018, desde as 15:01:57 às 16:14:53 (20180709150156_5484844_2870528 T) min. 19:05 a 19:34.

25. Também a testemunha C. M., funcionário que passou a lidar com os Autores após a aposentação da testemunha D. F., afirmou que o Autor sempre lhe afiançou pretender apenas produtos financeiros que não contemplassem risco - cfr. depoimento daquela testemunha na audiência de discussão e julgamento de 21/10/2019, desde as 10:01:08 às 11:10:06 (20191021100103_5484844_2870528) min. 01:04:30 a min. 01:06:12.

26. A factualidade dada como provada no ponto 10) em nada belisca esse perfil dos Autores, sendo certo que atenta a prova produzida (ou, se preferirmos, a não prova dos factos correspondentes) a mesma devia antes ter sido dada como não provada.

27. O Réu tentou o convencimento do Tribunal a quo acerca dos conhecimentos dos Autores e experiência prévia neste tipo de aplicações, porém quando solicitado ao Banco Réu que comprovasse esse alegado histórico dos Autores, este não procedeu à junção aos autos de qualquer outro documento que atestasse em que circunstâncias de tempo, lugar e modo foram, alegadamente, realizados.

28. Acresce que os referidos investimentos poderiam ter sido realizados (à semelhança do que está em causa nos autos) sem que os autores estivessem cientes do eventual risco que corriam e que nunca o tivessem sabido, pois tais investimentos correram – ao que tudo indica – bem, sem qualquer perda de dinheiro para os autores que os levasse a perceber que tinha havido risco envolvido.

29. Assim, embora tenha sido dado por provado que os Autores tiveram investimentos em aplicações financeiras em data anterior à da aplicação em causa nestes autos, a verdade é que não resultou provado em que termos as fizeram e quais é que, efetivamente, fizeram de forma a que tal facto pudesse assumir a relevância e o grau de certeza probatório suficientes para se dar como provada a matéria de facto constante dos pontos 10) e 11) dos factos provados, pelo que tal matéria devia antes ter sido dada como não provada, atenta a ausência de prova quanto aos factos vertidos nesses pontos.

30. A circunstância de existir uma relação de confiança entre os Autores e o funcionário do Réu, nos termos em que foi dado como provado no ponto 9) dos factos dados como provados, não pode ser vista, como erradamente foi pelo Tribunal a quo, como um verdadeiro "cheque em branco" à gestão da conta dos Autores como o funcionário bancário entendesse, não implicando que os Autores tivessem renunciado ao direito a serem informados, mormente quanto ao risco de poderem vir a perder o seu capital.

31. Quando é o intermediário financeiro a recomendar um investimento, como foi no caso dos autos, os deveres de informação são ainda mais intensos - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/07/2019.

32. A informação prestada, no caso em apreço, pelo funcionário do Banco Réu ao Autor – um investidor não qualificado – não é, de todo, uma informação que se possa dizer verdadeira, clara e objetiva, podendo, ao invés, dizer-se que a mesma foi inverídica e errónea ou mesmo falsa, se preferirmos.

33. O funcionário do Banco Réu apresentou aos Autores o produto em causa nos autos assegurando que o mesmo era "bom", sem lhes dizer em concreto em que consistia, nem os alertando dos riscos de perderem o capital investido [nos termos em que foi dado como provado nos pontos 12) e 13)]

34. Aquilo que aos Autores foi apresentado como "bom" era, na verdade, um produto considerado pelas agências de rating como altamente especulativo e de risco - as classificações de rating Ba2 e BB+ assim nos dizem cfr. classificações constantes dos Documentos 3 e 4 juntos com a Petição Inicial.

35. E uma situação é um qualquer produto financeiro ter um rating seguro e "falir" de forma inesperada, outra, bem diferente, é à partida, um produto financeiro ter um rating com cotação de "lixo financeiro" com características especulativas e de risco elevado e ser comercializado como se fosse seguro e com reembolso do capital garantido.

36. E, das duas uma, ou os funcionários do Réu não têm preparação para interpretarem os dados e as informações financeiras e do mercado de capitais que chega até aos mesmos, ou então faltaram conscientemente à verdade ao afirmarem que um produto financeiro com classificação de Ba2 e BB+ é "bom".

37. O comportamento do Banco Réu, na pessoa do seu funcionário, não se coaduna com o padrão de diligência, superior ao do homem médio, exigível a uma instituição financeira.

38. E todo o circunstancialismo vindo de descrever consubstancia, precisamente, a ilicitude da conduta do Réu, por violação dos deveres de informação a que está adstrito, enquanto intermediário financeiro, apresentando a um investidor não qualificado de perfil conservador, sem conhecimento nem experiência no funcionamento do mercado de valores mobiliários, um produto como "bom" que à data apresentavam notações das agências de rating correspondentes a "lixo financeiro" com características especulativas e de risco elevado de perda do capital investido.

39. Não se tratou, como erradamente concluiu o Tribunal a quo, de uma mera omissão e violação do dever de informação, tratou-se de informação enganosa e, por isso, uma violação grosseira do dever de informação.

40. Levando a que a vontade dos Autores tivesse sido formada com base em erro, pois que, caso não tivesse sido dito os Autores que o produto financeiro era "bom" e estes tivessem sido informados que corriam o risco de perderem o capital investido, jamais teriam aceite subscrever fosse o que fosse - cfr. Depoimento da Autora A. P., na audiência de 28 de Maio de 2018 desde as 15:08:57 às 15:25:55 (20180528150857_5484844_2870528) min. 10:27 a 10:38; Depoimento do Autor J. M., na audiência de 28 de Maio de 2018 desde as 14:32:35 às 15:07:36 (20180528143235_5484844_2870528 v) min. 17:52 a 18:22 e min. 20:21 a 20.38 e depoimento da testemunha D. F. na audiência de discussão e julgamento de 09/07/2018, desde as 15:01:57 às 16:14:53 (20180709150156_5484844_2870528 T) min. 19:05 a 19:34.

41. O Réu teve conhecimento de factos excecionais que originaram uma alteração significativa do risco do produto, designadamente sabia que tinha ocorrido uma alteração do emitente bem como sabia que tinha sido antecipada a maturidade dos produtos para quem pretendesse exercer esse direito, bem como estava a par da degradação económico-financeira da Y e suas subsidiárias, mormente da X Portugal.

42. E teria, por força dos deveres de informação a que está adstrito de transmitir tal factualidade aos Autores, sobretudo quando, como no caso dos autos, se tratam de informações respeitantes a vicissitudes e resultados das suas operações de investimento, por forma ao cliente tomar atempadamente eventuais decisões de desinvestimento.

43. O Réu ao omitir tal informação, impediu os Autores de tomarem decisões a que tinham direito, de forma esclarecida e livre.

44. Não podendo, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo presumir uma posição de inércia dos Autores perante informações desta natureza, como erradamente fez constar na factualidade que deu como não provada nos pontos h) e i).

45. Parece-nos lapidar concluir pelo erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo, sendo que a perspetiva adotada na douta sentença recorrida não se encontra sustentada na prova produzida, impondo-se, nos termos supra referidos, que os factos dados como não provados nos pontos b), c), h) e i) devam ser considerados como provados.

46. Com a alteração de tal factualidade, o pedido de condenação do Banco Réu por violação de deveres informativos pré-contratuais terá que proceder.

47. O Tribunal a quo valorou o documento denominado "Questionário de Conhecimento de Instrumentos Financeiros", em manifesta violação das regras aplicáveis à distribuição do ónus da prova e incorreu em erro na apreciação da prova, uma vez que acabou por se substituir ao perito, formulando um juízo técnico que contrariou expressamente o juízo pericial, sem que dispusesse dos conhecimentos técnicos necessários para o efeito.

48. O preenchimento do questionário de experiência de investidor deverá ser prévio à realização do investimento, não se compadecendo com o formalismo que o Tribunal entendeu ser "normal".

49. Considerando a matéria de facto dada como provada no ponto 9) do elenco dos factos dados como provados e ao facto de o Réu não ter logrado demonstrar os termos em que foi feita a explicação do questionário ao Autor (e nem sequer ter requerido a inquirição da funcionário que consta no questionário como "abonadora" da assinatura aposta no mesmo), e atento o facto de recair sobre si o respetivo ónus probatório, impunha-se que o Tribunal a quo declarasse nulas as cláusulas ínsitas no questionário em causa.

50. O questionário de experiência que o Banco Réu juntou aos autos embora se encontre datado de 16/04/2008, tem nele aposto o valor do capital social que o Banco só viria a ter após a operação de aumento de capital em 24/07/2014.

51. E quanto a tal circunstância podem-se retirar as seguintes ilações:
- O documento em causa foi impresso apenas em momento muito posterior a 24/07/2014;
- Atento o resultado da perícia que conclui que a assinatura nele aposta foi desenhada em momento posterior ao da sua impressão, forçoso é de concluir que a assinatura do referido documento só teria ocorrido após 24/07/2014.

52. Tendo o produto financeiro em causa nos autos (Obrigações ...Taxa Fixa) sido comercializado pelo Banco em 2012 é notório que o procedimento aplicável à qualificação do cliente não foi cumprido.

53. E não pode, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo branquear e, até, premiar esta atuação do Banco Réu, considerando normal que um documento fique "em aberto" durante, pelo menos, 6 anos para que, numa deslocação esporádica do cliente ao banco um qualquer funcionário bancário apresente esse documento ao cliente, em circunstâncias que se desconhecem, ratificando e sanando todas as eventuais violações do dever de informação por parte do Banco, ocorridas desde a data que se encontre aposta no documento.

54. Além disso, foi absolutamente inverosímil a explicação avançada pela testemunha C. M. a respeito das discrepâncias temporais constantes do referido questionário - cfr. depoimento na audiência de discussão e julgamento de 21/10/2019, desde as 10:01:08 às 11:10:06 - 20191021100103_5484844_2870528) min. 29:25 a 39:53; min. 56:21 a min.58:26.

55. Com efeito, o que resulta do depoimento desta testemunha é que o Banco tem a faculdade de emitir documentos (tais como o questionário de experiência) com data anterior àquela em que são apresentados ao cliente para assinar.

56. E, a ser assim, duas conclusões imediatas podemos retirar:
A - O documento (questionário) não foi assinado na data da sua, alegada, criação em 2008, caso contrário não surgiria, mais tarde, com a aposição do capital social que o banco só viria a ter em momento posterior a 24/07/2014;
B - O Banco ao apresentar ao cliente o questionário que tem aposto uma data correspondente a 6 anos antes, previamente preenchido sem a intervenção do cliente (pois caso este tivesse tido intervenção no seu preenchimento, não se vislumbra a razão se não ter sido, desde logo, assinado em 2008) violou, de forma grosseira, os deveres a que está adstrito, permitindo-se a manipulação de um documento que é, absolutamente, essencial para aferir da qualificação de um cliente à data em que é feito o investimento.

57. A seguir-se o entendimento do Tribunal a quo de atribuir validade ao questionário que o Réu apresentou nos autos, todo e qualquer cliente de uma qualquer instituição financeira ficaria à sua mercê, permitindo-se que os Bancos imprimam estes documentos (essenciais à avaliação quanto ao cumprimento dos deveres de informação a que estão adstritos) em data posterior à subscrição de produtos financeiros (apondo-lhe uma data anterior) de forma a validar e ratificar tudo quanto se encontre processado, permitindo-lhes que se frustrem a eventual responsabilidade por qualquer omissão informativa ocorrida no processo de subscrição.

58. O documento apresentado pelo banco (questionário de experiência) demonstra, per si, que o processo informativo foi completamente omitido e distorcido demonstrando a (falta) de rigor com que tais procedimentos informativos eram executados no balcão do Banco Réu.

59. O ponto 19) dos factos dados como provados carece de ser alterado, porquanto tendo a decisão dos Autores sido formada com base em erro, nos termos em que foi dado como provado nos pontos 9), 12) e 13), tal vício na formação da vontade não ficaria sanado pelo facto de nos extratos constar que o capital tinha sido investido em obrigações da X, conforme considerou o Tribunal a quo ao dar como provada a factualidade constante do ponto 19) dos factos dados como provados.

60. Com a mera informação constante dos extratos (a indicação "OPV, ...TAXA FIXA 2012/2016 6,25"), os Autores não tinham ao seu dispor modo de saber qual era a verdadeira natureza do produto bem como o potencial risco de perderem o capital investido.

61. O Banco Réu não lho disse através do seu funcionário, não lhe entregou qualquer documento que contivesse a designação e a natureza do produto em causa, pelo que o extrato não permitia que tal factualidade fosse intuída pelos Autores.

62. Acresce que, o envio dos extratos bancários não tem, nem pode ter, a virtualidade de suprir as obrigações de informação a que o Banco está adstrito, não sendo suscetível de alterar a convicção de que se tratava de um "bom" produto financeiro, sem risco de perda do capital investido, tal como fora comunicado pelo funcionário bancário D. F..

63. Pelo que o ponto 19) dos factos dados como provados, carece de ser corrigido, subtraindo-se do mesmo a menção "...qual era a natureza do produto em que investiram...", passando a ter a seguinte redação:
"19) Os autores receberam extractos, que eram analisados pelo autor marido, dos quais resultava quais os frutos auferidos."

64. Procedendo a impugnação da matéria de facto, a ação terá que proceder.

65. A responsabilidade do intermediário financeiro pressupõe a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil: o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

66. E no caso dos autos verifica-se que 1 - Existiu um contrato de intermediação financeira entre AA. e R. - facto 2) dos factos provados; 2 - Existiram factos relevantes que eram do conhecimento do Banco Réu e que deveriam ter sido comunicados pelo mesmo – enquanto intermediário financeiro - aos Autores, quer antes da subscrição do produto financeiro em causa, quer posteriormente, aquando de alterações relevantes, designadamente a alteração do emitente e o agravamento do risco do investimento; 3 – Existiu ilicitude na conduta do Banco Réu, porquanto foi apresentado aos Autores, investidores não qualificados e de perfil conservador, sem conhecimento nem experiência no funcionamento do mercado de valores mobiliários, um produto como "bom" que à data apresentava notações das agências de rating correspondentes a "lixo financeiro" com características especulativas e de risco elevado de perda do capital investido; 4 - Existe culpa do Banco Réu, porquanto a mesma se presume, no contexto da violação de deveres respeitantes ao exercício das atividades de intermediação financeira, quer elas tenham decorrido no âmbito contratual, quer pré-contratual, quer em qualquer outro caso no atinente aos deveres de informação - n.º 2 do art.º 314.º do CVM;5 - Existe nexo de causalidade entre o facto e o dano, pois a decisão de investimento deveu-se a informação enganosa transmitida pelo Banco Réu de que o produto financeiro era "bom" que levou os Autores a investir (e a não optar por desinvestir caso tivessem sido informados das alterações supervenientes ocorridas), com a produção dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) que vieram a sofrer.; 6 - Quanto aos danos, claro se torna que o prejuízo resultante daquela violação é o equivalente ao capital investido, valor que o Banco assegurou ao cliente que não estava em risco, ou seja, o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) - cfr. pontos 7), 8 e 17) dos factos provados, a que acrescem os danos não patrimoniais sofridos pelos mesmos, nos termos em que foram dados como provados no ponto 17), afigurando-se proporcional e ajustada a indemnização de € 2.000,00 peticionada a este título.

67. Pelo que estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, devendo o Réu ser condenado a esse título, conforme peticionado em sede de petição inicial.

68. E ainda que o pedido de responsabilização do Banco Réu por violação dos seus deveres de informação pré-contratuais não procedesse, teria que proceder o pedido de responsabilização do Banco Réu por violação dos seus deveres de informação pós contratuais.

69. Não se conformando os Apelantes com o entendimento do Tribunal a quo quanto ao facto de ter considerado que o Banco Réu não tinha qualquer dever de acompanhamento e de informação quanto à evolução das obrigações em causa nos autos, entendimento este com o qual os Apelantes não se conformam nem se podem conformar - cfr. entendimento sufragado, entre outros, no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-01-2019.

70. Pelo que, com a procedência da impugnação da matéria de facto dada como não provada nos pontos e) e i), passando a mesma a dar-se como provada, atenta a prova produzida, sempre deverá a ação proceder por responsabilidade civil do Réu por violação dos seus deveres de informação pós-contratuais.

71. Quanto à exceção de caducidade e prescrição alegadas pelo Banco Réu na sua Contestação, conforme ficou demonstrado, esperando-se ver alterada a matéria de facto dada como provada e não provada nos termos supra requeridos, o Réu, enquanto intermediário financeiro, atuou com culpa grave, não só não informando e explicando aos Autores as reais características do produto financeiro que estavam a adquirir, convencendo-os de que era "bom" e seguro, mas sobretudo omitindo-lhe o risco associado à sua aquisição, mormente que se tratava de um produto altamente especulativo e com elevado risco de perda do capital, avaliado pelas agências de rating como "lixo financeiro".

72. Pelo que tendo atuado com culpa grave, o prazo prescricional aplicável é o ordinário de 20 anos (art.º 309 do Código Civil) - neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/03/2018.

73. Acresce que, se a decisão dos Autores foi formada com base em erro, nos termos em que foi dado como provado nos pontos 9), 12) e 13), sendo que, tal erro, não ficaria sanado pelo facto de nos extratos constar que o capital tinha sido investido em obrigações da X, conforme entendeu o Tribunal a quo ao dar como provada a factualidade constante do ponto 19).

74. Relativamente ao início da contagem de tais prazos, os Autores apenas tiveram conhecimento, ainda que de forma muito difusa, das reais características do produto financeiro em causa, em momento posterior à data em que ocorreria o reembolso do capital investido e foram impedidos de receber o seu dinheiro (Julho de 2016), tal como foi dado como provado no ponto 18) dos factos dados como provados.

75. Assim sendo, o direito dos Autores, fundado em responsabilidade civil (quer pré-contratual, quer pós contratual) do Banco Réu, foi exercido tempestivamente, carecendo de fundamento a exceção da caducidade e prescrição invocadas pelo Réu, devendo as mesmas improceder.

76. Decidindo como decidiu, a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 374º n.º 2, 388º, 483º do Código Civil, , 7º, 243º, 251º, 312º, 321º do CVM e 615º nº 1 al. d) do CPC.

Termos em que deve ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que, julgando a ação totalmente procedente, condene o recorrido nos termos peticionados.

O Recorrido pugnou pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos, cumpre apreciar:

- Da alegada nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº1, al. d) do Código de Processo Civil;
- Da pretendida alteração da matéria de facto.
- Se deve ser julgada totalmente procedente a acção.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos julgados provados:

1) O autor é titular da conta bancária aberta no Banco ... com o nº ...8.

2) Em Julho de 2012, aquela conta foi debitada pelo montante de € 50.000,00, relativo ao custo da subscrição de 50 unidades, no valor de € 1.000,00 cada, de "Obrigações ...Taxa Fixa 2012/2016 6,25 %".

3) Nas circunstâncias de tempo referida em 2), a emitente daquelas obrigações era a X SGPS, S.A.

4) Em 1 de Outubro de 2013, a X SGPS S.A. e a Y SA celebraram um memorando de entendimento com o propósito de consolidar uma “Aliança Industrial” nos termos melhor descritos no documento de fls. 52 ss., cujo teor se dá por reproduzido.

5) Em 20 de Fevereiro de 2014 a X e a Y comunicaram a assinatura dos acordos definitivos que resultaram do memorando referido em 4), que redundaram na fusão entre a X, a Y S.A., a K. e as sociedades brasileiras por esta controladas, nos termos que constam do documento de fls. 59, verso, a 67.

6) Em assembleia de noteholders das obrigações ...Taxa Fixa 2012/2016 foi deliberado, em 3 de Março de 2014, entre o demais, “substituir a X SGPS, S.A. pela X Portugal, SGPS, S.A., como emitente e principal devedora”, nos termos que melhor constam do documento de fls. 67, verso, ss., cujo teor se dá por reproduzido.

7) A X Portugal SGPS, na data de vencimento da obrigação de reembolso aos titulares das obrigações do valor nominal que haviam investido, ou seja, no dia 26 de Julho de 2016, não efectuou qualquer reembolso por conta das obrigações referidas em 2).

8) No dia 21 de Junho de 2016, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) deliberou a suspensão da negociação das obrigações Obrigações ...Taxa Fixa 2012/2016 até à divulgação de informação relevante relativa ao processo de recuperação judicial das Empresas Y - apresentado no dia 20 de Junho, sendo que esta suspensão veio a ser prorrogada pela CMVM no dia 18 de Julho de 2016 com o mesmo fundamento e mantém-se em vigor no presente.

9) Aquando da subscrição que originou o débito referido em 2), D. F., gerente da sucursal de Fafe do Banco réu, sabia que os autores não possuíam qualificações ou formação técnica que lhes permitisse conhecer em pormenor os diversos tipos de produtos financeiros, e que os mesmos lhe confiavam a avaliação dos riscos e a oportunidade dos investimentos.

10) Em data anterior à referida em 2) os autores investiram em obrigações poupança (2001), fundos de investimento (1997 e 1998), obrigações do ... (2010) e obrigações no ..., (2009).

11) Atento o referido em 10), os autores sabiam que havia investimentos distintos e com rendimentos diversos.

12) Aquando da subscrição do produto, D. F. estava confiante de que se tratava de um bom investimento, atentos os conhecimentos que tinha da sociedade emitente daquelas obrigações, assegurando isso mesmo aos autores.

13) Antes da subscrição não foi dito aos autores que havia um risco de descapitalização da sociedade emitente daquelas obrigações, com riscos para o capital investido.

14) A negociação que precedeu a operação referida em 2) efectuou-se nos moldes que sempre eram seguidos pelo autor marido e o seu gestor de conta, D. F.: quando se lhe afigurava que havia uma boa hipótese de investimento, designadamente por altura de renovação de algum produto em que o autor tivesse algum investimento, propunha-a ao autor; este aceitava e dizia-lhe para avançar.

15) Os termos da subscrição das “Obrigações ...Taxa Fixa 2012/2016 6,25 %" são pré-elaborados e insusceptíveis de negociação.

16) Em Junho de 2015, a sociedade emitente das obrigações referidas em 2) deixou de ser a referida em 6) e passou a ser a ser a X International Finance, B.V.

17) Por terem sido impedidos de usar o seu dinheiro como bem entendessem, sofrendo o receio de não o reaverem, os autores sentem preocupação e ansiedade, tristeza e stress.

18) Os autores tiveram a certeza de que não poderiam proceder ao levantamento do valor das obrigações em Julho de 2016.

19) Os autores receberam extractos, que eram analisados pelo autor marido, dos quais resultava qual era a natureza do produto em que investiram e quais os frutos auferidos.

Factos não provados:

a) Que D. F. tenha afiançado aos autores que se tratava de um investimento com reembolso garantido do capital e remuneração de juros, se não pela X, pelo ora réu.

b) Que os autores não aceitariam subscrever tal produto se conhecessem as suas características em pormenor e soubessem que havia algum risco de capital.

c) Que os autores não soubessem, desde o momento da subscrição, que havia uma margem de risco associada ao produto.

d) Que o gestor de conta soubesse, antes de propor a subscrição, que o produto em questão tinha merecido classificações por agências de rating que o indicavam como especulativo ou mesmo “lixo”, sujeito a um substancial risco de crédito e com perspectiva de revisão negativa.

e) Que o réu tenha sabido do referido em 6) e 16) e que essa circunstância pudesse influir no reembolso do valor investido.

f) Que em momento anterior à subscrição e/ou no período decorrido desde então até Julho de 2016, o réu soubesse que havia uma forte probabilidade de a X Portugal não recuperar o investimento em papel comercial RF., com perdas na ordem dos 900 milhões de euros e afectação da sua capacidade de reembolsar o valor das obrigações.

g) Que em momento anterior à subscrição e/ou no período decorrido desde então até Julho de 2016, o réu tenha sabido que o rating da Y, S.A. diminuiu para um nível mais especulativo e sujeito a um mais substancial risco de crédito do que o rating da X, optando por não transmitir tais informações aos autores.

h) Que as informações referidas em f) e g) tivessem alguma influência na opção de investir.

i) Que os autores tivessem optado por transacionar as obrigações em mercado, à cotação do momento, antes da suspensão determinada pela CMVM, se soubessem da alteração da sociedade emitente e/ou dos ratings de algumas sociedades que integravam a multinacional em que aquela veio a fundir-se.

j) Que em 2015 os autores se tenham dirigido à sucursal de Fafe para se inteirarem do investimento, tendo sido aconselhados a mantê-lo e até ao fim de prazo, sendo-lhes garantido que iriam receber o capital investido.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da pretendida alteração da matéria de facto, nos termos do art. 662º, do CPC

Cabe aqui apreciar se o tribunal cometeu algum erro da apreciação da prova e assim na decisão sobre a matéria de facto.
Cumpre começar por analisar se os recorrentes cumpriram os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, nomeadamente se indicam os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especificam na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indicam na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressam na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.

A apreciação de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que está deferido ao tribunal da 1ª instância, previsto no art. 607º, nº5, do CPC, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (veja-se nestes sentido, Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol., pg. 201).
Diversamente do que acontece no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prévia e legalmente fixada, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo O juiz, no seu livre exercício de convicção, tem de
indicar os fundamentos que, segundo as regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa sindicar da razoabilidade da decisão sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pg. 348).

Na verdade, o art. 607º, nº4, do C.P.Civil, prevê expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Tal como se sustenta no Ac. da Relação do Porto, de 22.05.2019, (…)”na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]

Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[5]
Revertendo para o caso vertente, verifica-se que o recurso em cumpre as exigências formais da alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC.

Da pretendida rectificação da matéria constante do ponto 16) dos factos dados como provados.

Esse ponto tem os seguintes termos:

-“16) Em Junho de 2015, a sociedade emitente das obrigações referidas em 2) deixou de ser a referida em 6) e passou a ser a ser a X International Finance, B.V. “

Alegam os Recorrentes que a matéria constante do ponto 16) dos factos dados como provados, padece de lapso, porquanto de acordo com os documentos n.ºs 11 e 12 juntos com a Petição Inicial, ocorreu em 5 de Maio de 2014 o comunicado (aos mercados) da substituição da emitente das notes, deixando de ser a X, SGPS, S.A. e passando a ser a X Portugal, SGPS, S.A. (e não a "X International Finance, B.V." como erradamente consta daquele ponto 16).

Vejamos.

O tribunal a quo fundou a prova de tal facto no documento de fls. 81. Esse documento constitui um comunicado da X SGPS S.A. a informar que a partir de 2 de Junho de 2015 passa a ser a X International Finance, B.V., a emitente e principal devedora das Notes objecto dos autos.
Do confronto desse documento com os doc. nº 11 e 12 juntos com a P.I., não se vislumbra existir qualquer lapso que importe rectificar quanto ao ponto da matéria de facto supra referido.
Assim sendo, mantém-se o teor do ponto 16) da matéria de facto, sem qualquer alteração.

Da pretendida alteração da matéria de facto provada nos pontos 10) e 11) para não provada

Os referidos pontos têm a seguinte redacção:

- “10) Em data anterior à referida em 2) os autores investiram em obrigações poupança (2001), fundos de investimento (1997 e 1998), obrigações do ... (2010) e obrigações no ..., (2009).

- 11) Atento o referido em 10), os autores sabiam que havia investimentos distintos e com rendimentos diversos. “

Estes factos encontram-se ancorados em documentos juntos aos autos, nomeadamente nos extractos de fls. 20 ss. e 403 a 416, de onde se extrai, para além do mais, que aquando da subscrição ora em causa, o autor tinha aplicações em vários tipos de obrigações, tendo recebido, a título de rendimentos obtidos com o investimento das obrigações X TX Fixa, a quantia de € 1.090,10 nos meses de Janeiro e Julho de 2013, Janeiro e Julho de 2014, Janeiro e Julho de 2015 e Janeiro de 2016. É aqui pertinente considerar também o teor de fls. 126 ss. - documento emitido pela área de títulos do Banco, que sai em Excel, conforme foi confirmado pela testemunha C. M. - funcionário bancário ao serviço do réu desde 1994 e director de balcão de Fafe desde há três anos -, do qual resulta que o autor havia investido já em produtos de natureza idêntica ao que está em causa nos autos, designadamente em obrigações do ... e do ....
Perante tais documentos, há ainda a considerar que a Autora, em sede de declarações de parte referiu que o Autor consultava os extractos e reclamava se eles não vinham quando os esperava. Por sua vez, a testemunha C. F., subgerente do balcão de Fafe, embora não tivesse tratado da operação em crise nos autos, conhece o Autor, porque tinha contacto com o mesmo, tendo afirmado que aquele era uma pessoa que sabia negociar, sabia o que era investimento em acções, uma carteira de títulos e sabia negociar taxas de juro
Perante tudo isso, desacreditadas ficam as declarações do Autor sobre esta matéria, ao tentar dar uma imagem de si como pouco sabedor ou mesmo de ignorante, ao afirmar que pensava que o dinheiro a investir/aplicar era numa conta à ordem e dizer que não sabia o que era a “X”!
Da concatenação de todos esses elementos, podemos concluir, como o fez o tribunal a quo, que o autor sabia que tinha uma parte do seu dinheiro aplicada em produtos financeiros, designadamente obrigações, com distintos períodos de maturação, antes via os extractos, percebia que estavam ali produtos distintos e com nomes distintos e atentava nos rendimentos gerados.
Tais factos resultam assim provados.
Assim, devem ser mantidos como provados os aludidos pontos 10) e 11).

Da pretendida alteração dos factos não provados das alíneas a) a i) para provados

Esses factos não provados têm o seguinte teor:

- “a) Que D. F. tenha afiançado aos autores que se tratava de um investimento com reembolso garantido do capital e remuneração de juros, se não pela X, pelo ora réu.

- b) Que os autores não aceitariam subscrever tal produto se conhecessem as suas características em pormenor e soubessem que havia algum risco de capital.

c) Que os autores não soubessem, desde o momento da subscrição, que havia uma margem de risco associada ao produto.

d) Que o gestor de conta soubesse, antes de propor a subscrição, que o produto em questão tinha merecido classificações por agências de rating que o indicavam como especulativo ou mesmo “lixo”, sujeito a um substancial risco de crédito e com perspectiva de revisão negativa.

e) Que o réu tenha sabido do referido em 6) e 16) e que essa circunstância pudesse influir no reembolso do valor investido.

f) Que em momento anterior à subscrição e/ou no período decorrido desde então até Julho de 2016, o réu soubesse que havia uma forte probabilidade de a X Portugal não recuperar o investimento em papel comercial RF., com perdas na ordem dos 900 milhões de euros e afectação da sua capacidade de reembolsar o valor das obrigações.

g) Que em momento anterior à subscrição e/ou no período decorrido desde então até Julho de 2016, o réu tenha sabido que o rating da Y, S.A. diminuiu para um nível mais especulativo e sujeito a um mais substancial risco de crédito do que o rating da X, optando por não transmitir tais informações aos autores.

h) Que as informações referidas em f) e g) tivessem alguma influência na opção de investir.

- i) Que os autores tivessem optado por transacionar as obrigações em mercado, à cotação do momento, antes da suspensão determinada pela CMVM, se soubessem da alteração da sociedade emitente e/ou dos ratings de algumas sociedades que integravam a multinacional em que aquela veio a fundir-se.”

Relativamente aos factos das alíneas b) a d), os elementos de prova supra citados que levaram à conclusão de manter como provados os factos elencados nos pontos 10) e 11), impõem a convicção negativa da prova dos factos ínsitos em tais alíneas, atenta a “conexão antagónica” entre estes e os dos aludidos pontos.
No que se refere ao facto da alínea d), a sua não prova assenta também nos documentos de fls. 25 a 29 e 154 a 247 dos autos, de onde constam, nomeadamente, os anúncios vários da Moody’s, referindo-se aí, tanto a subida da X International Finance no rating, apesar da descida do rating de Portugal, como a descida do rating da X SGPS, mantendo-o ainda acima do rating do país. Pois, tais elementos não permitem a conclusão de que, aquando da subscrição das obrigações pelos autores, fosse evidente que o investimento era mau ou comprometedor do capital investido. Atente-se que, como decorre dessa documentação, a cotação do país estava abaixo da cotação da X e que, por outro lado, os rendimentos gerados até Janeiro de 2016, mostravam que se estava perante um investimento que gerava um rendimento muito acima da média, quando comparada com outras opções, designadamente, depósitos a prazo, como resulta dos extractos supra referidos.
É certo que a fls. 50 ss. se encontram juntas notícias de jornal que informam que, em Dezembro de 2011, algumas agências de notação colocavam a X num patamar considerado “lixo”. No entanto, esse nível era superior àquele em que colocavam Portugal, pois, como decorre do teor de fls. 72, verso e ss., em Abril de 2012, Junho de 2014 e Agosto de 2014, a X mantinha o seu rating acima do de Portugal.
Salienta-se, ainda, que o Réu não teve iniciativa ou intervenção nas alterações referidas nos pontos 6) e 16) dos factos considerados provados, as quais consubstanciam medidas adoptadas no âmbito empresarial da sociedade emitente e do respectivo grupo de empresas a que aquela passou a pertencer e que essas alterações ocorreram em datas posteriores à subscrição.
Inexiste assim qualquer substrato probatório que leva o tribunal a considerar provados os factos das alíneas f), g) e h).
Relativamente aos factos das alíneas a), e) e i), também não existem nos autos elementos de prova, nomeadamente testemunhal ou declarações, tendentes a poder concluir-se pela sua verificação.
De resto, analisada a prova testemunhal produzida, subscrevemos as considerações críticas da mesma efectuadas pelo tribunal a quo, quer no que tange à testemunha C. F., ao referir-se que resultou de mesmo que (…)”só no período de comercialização – normalmente, de 15 dias - é que os funcionários dos bancos estavam atentos ao rating. Depois disso acompanhavam a vida das sociedades emitentes pelas notícias dos jornais, não tendo tido qualquer percepção da alteração da emitente (que, de resto, não se sabe se provocou alguma consequência distinta da que se observaria no caso de não ter ocorrido)”, quer também quanto ao depoimento de D. F., ao afirmar-se que (…)” foi bastante esclarecedor quanto à relação que mantinha com o ora autor: desde 2007 era ele quem, praticamente em exclusivo, tratava dos assuntos desse cliente, com quem tinha uma relação fundada na confiança. O autor tinha naquele Banco uma quantia que rondava os € 400.000,00/€ 500.000,00 e 99% dos investimentos foram levados a cabo pelo depoente. As obrigações das SAD, o(s) investimento(s) em Unit-Linked e outros, foram feitos consigo. Não havia troca de documentos nem grandes explicações quanto aos produtos, já que o depoente analisava o ponto de situação dos vários investimentos e, afigurando-se-lhe que, no período de renovação de algum investimento, havia um bom produto em que o cliente (autor) pudesse aplicar o saldo, propunha-lho e aquele concordava. Quando lhe falou das obrigações da X, esta sociedade emitente apresentava-se sólida. Tal como nos demais investimentos, depois da subscrição, aguardava o período de maturação. Não ia fazer consultas às contas das sociedades emitentes, nem se apercebeu de qualquer alteração quanto à sociedade emitente, até porque nunca lhe tinha acontecido chegar ao momento do vencimento e não obter o reembolso dos valores. Só quando as notícias começaram a sair é que percebeu o que acontecera.
Este depoimento, claro e espontâneo (o depoente não tentou “esconder-se atrás” de afirmações imprecisas quanto ao que pudesse ter transmitido ou não ao autor, assumindo uma postura, aliás, distinta daquele, que viu a sua credibilidade abalada ao fazer afirmações totalmente inverosímeis (…).”
Tal depoimento é convergente com o dos outros funcionários do Banco réu, nomeadamente o de C. M., pelo que é de valorar positivamente.
Deste modo, devem tais factos manter-se como não provados.

Da pretendida alteração do ponto 19) dos factos provados

O ponto em causa tem o seguinte teor:

-“19) Os autores receberam extractos, que eram analisados pelo autor marido, dos quais resultava qual era a natureza do produto em que investiram e quais os frutos auferidos.”


Pretendem os Recorrentes que esse ponto passe a ter a seguinte redacção:

- "19) Os autores receberam extractos, que eram analisados pelo autor marido, dos quais resultava quais os frutos auferidos."

Ora, do teor dos extractos resulta a informação expressa sobre a natureza do produto em que os AA investiram e quais os proveitos/juros auferidos.
Sendo, assim, afigura-se-nos destituída de fundamento a pretendida alteração, devendo manter-se inalterado este ponto da matéria de facto.

Da pretendida inclusão nos factos provados dos artigos 68º a 74º da Petição Inicial

Alegam os Recorrentes que estes factos afiguram-se notoriamente relevantes perante as várias soluções de direito e deviam ter sido selecionados para a matéria de facto em discussão nos presentes autos, sendo patente que os mesmos resultaram provados.
Analisado o teor de tais artigos da Petição Inicial, não comungamos do entendimento dos Recorrentes quanto à relevância ou essencialidade dessa factualidade para a decisão da causa segundo as soluções plausíveis de direito.
Com efeito, tais factos não são essenciais, na medida em que não constituem ou integram a causa de pedir da acção e, por isso, não devem constar do elenco dos factos provados ou não provados, dada a sua natureza acessória ou instrumental, reflectida, aliás, na motivação da matéria de facto supra.
De acordo com o art. 5º, nº1, do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.

O tribunal só pode, assim, conhecer dos factos alegados pelas partes, com a excepção resultante do previsto no art. 5º, nº 2, do CPC, que nos diz que “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda do considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”

Os factos que resultam da discussão da causa, como decorre da formulação do nº 2 do art. 5º do Código de Processo Civil - “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz” - a), b) e c), são factos, passe a expressão, que só foram “descobertos”, que chegaram ao conhecimento do Tribunal na fase instrutória da causa.
O juiz pode servir-se dos factos principais, que foram alegados pelas partes, e, para lá destes, os notórios, o que dir-se-ia constitui a regra. Já assim não sucede quanto aos factos acessórios ou instrumentais.
Na noção de Castro Mendes (Direito Processual Civil, p. 208), factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes e, para Teixeira de Sousa (Introdução ao Processo Civil, p. 52), são aqueles que indiciam os factos essenciais. Por outras palavras, são factos secundários, não essenciais, mas que permitem aferir a ocorrência e a consistência dos factos principais.
Numa distinção clara, Lopes do Rego (Comentário ao Código de Processo Civil, p. 201) escreve que “factos instrumentais definem-se, por contraposição aos factos essenciais, como sendo aqueles que nada têm a ver com substanciação da acção e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material”, enquanto que “factos essenciais, por sua vez, são aqueles de que depende a procedência da pretensão formulada pelo autor e da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu”.
Mantém-se actual a consideração de que são “São factos instrumentais aqueles que, sem fazerem directamente a prova dos factos principais, servem indirectamente para prová-los, pela convicção que criam da sua ocorrência” – Acórdão este Supremo Tribunal de Justiça, de 18.5.2004 – Proc. 1570/04.
Do exposto, se conclui que não deve ser atendida a inclusão da referida factualidade.
Em síntese, improcede totalmente a impugnação da matéria de facto.
*
Da alegada nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº1, al. d) do Código de Processo Civil

Colocam ainda os Recorrentes a questão da existência de nulidade por omissão de pronúncia da sentença.
A este respeito, alegam os Recorrentes que a lei fixa um regime de nulidade, consagrando um princípio geral de obrigatoriedade da redução a escrito de todos os contratos de intermediação quando a contraparte seja um investidor não qualificado - art.º 321º n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários. Não tendo o Banco Réu procedido à junção aos autos da ordem de subscrição do produto financeiro em causa, ónus que a si lhe incumbia, o Tribunal a quo podia e devia ter concluído pela nulidade do referido contrato de intermediação financeira. Tendo os Apelantes, em sede de petição inicial, suscitado tal questão, e não tendo tal pedido sido apreciado pelo Tribunal a quo, tal omissão corporiza uma nulidade nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al. d) do CPC.

Vejamos.

Dispõe o art. 615º, nº 1, que é nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018 in www.dgsi.pt).
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado.
Desta conjugação de normativos resulta que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Importa, porém, não confundir questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9.2.2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.
Em síntese, pode-se concluir que a falta de tratamento de questões suscitadas pelas partes integra-se na alínea d).
No caso vertente, o tribunal a quo não se pronunciou sobre essa nulidade, nem tinha que o fazer.
Com efeito, conforme resulta do relatório supra, os AA. não formularam qualquer pedido de nulidade do contrato de intermediação por falta de forma. Assim sendo, não tendo sido colocada qualquer questão ao tribunal sobre essa matéria, é de concluir que esta extravasa do binómio - causa de pedir e pedido, não existindo, por isso, qualquer dever de pronúncia sobre a mesma por parte do tribunal.
Deste modo, não se verifica a apontada omissão de pronúncia, nem a nulidade dela decorrente.
Aqui chegados, analisaremos a subsunção jurídica dos factos apurados nos autos.

Resulta dos pontos 1) a 3) dos factos provados que a relação que aqui temos de analisar, contudo, é a que liga o cliente, o A. ao R., já que foi este que se apresentou a “vender”/distribuir o produto e actuou junto dos A., no âmbito da sua actividade de intermediário financeiro (em que o banco surge como intermediário a mediar a oferta do produto financeiro junto dos seus clientes). A emissão de obrigações é um valor mobiliário (artº. 1º, b), do C.V.M.) pelo que o banco actuou como um intermediário financeiro nessa compra/venda de obrigações – artºs. 289º, nº. 1, a), 290º, nº. 1 a) e b) e 293º, nº. 1, a), do mesmo C.V.M..

Ora, cumpre saber se o banco enquanto intermediário financeiro a agir nestes moldes, viola obrigações decorrentes sendo responsável pela sua conduta, ou se não tem qualquer responsabilidade perante os A.A.. Veja-se a propósito Menezes Cordeiro, “Direitos dos Valores Mobiliários”, Vol II, Coimbra Editora, pág. 45, referindo que nesta matéria da responsabilidade do intermediário financeiro há que ponderar, confrontando os seus pressupostos, se o seu enquadramento deve ser feito pelo instituto da responsabilidade delitual por violação de direitos absolutos ou disposições legais de protecção (artigos 483º e segs. do C.C.), ou obrigacional, pelo incumprimento das obrigações (artigos 798º e segs. do C.C.), «ou se se deve inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a da responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade civil do gestor de negócios, em relação às quais se tem falado na esteira de Canaris de uma terceira via de responsabilidade civil».

Calvão da Silva, “in” «Direito Bancário», pág. 335, dá-nos uma orientação para uma das hipóteses, ao referir que a relação de clientela é uma relação comercial complexa e duradoura, e todos os contratos ou negócios que envolvem as partes acarretam também obrigações acessórias de cuidado ou deveres de protecção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa-fé, para satisfação do interesse do credor; a violação dos princípios de confiança e lealdade mútua das partes, na negociação, conclusão, execução ou pós-extinção de uma operação financeira, traduz responsabilidade contratual.

Efetivamente na presente acção cabe primeiro enquadrar e caracterizar a relação entre A. e R., aferindo se o A. tem direito por qualquer via a ser ressarcido, e só após a conclusão da (in)existência do direito e de acordo com a caracterização feita da conduta do R. se pode analisar a norma aplicável em sede de prescrição e se esta procede. Ou seja, primeiro analisa-se se o A. “tem direito”, só após e se tiver, se o exercício está ou não prescrito.

Os AA. começam por invocar o erro que esteve na base da sua decisão de contratar, por desconhecer os reais elementos do negócio uma vez que deles não foi informado pelo R., como se impunha. Esta matéria não pode ser analisada sem se recorrer às obrigações que se impõem ao R. nesta relação.

O nº. 1 do artº. 7º do CVM diz que a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objectiva e lícita. E o artº. 74 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na redacção à data vigente do DL 298/92 de 31/12, dizia que nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
Atuando como intermediário e tendo o banco o A. como cliente com conta aberta na agência, tem o dever de informação e, conforme artº. 304º, nº. 2 do C.V.M. «nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência».

Aqui, mais do que no regime civil (artº. 487º, nº. 2, do C.C.), fixa-se um padrão que tem por referência uma pessoa muito prudente (Gonçalo dos Santos, in A responsabilidade civil do intermediário financeiro, Almedina, 2008, p. 201).

Estipula ainda o artº. 312º, nº. 1 do C.V.M., relativamente ao período anterior à formação do contrato, que se deve garantir uma «tomada de decisão esclarecida e fundamentada» quanto aos «riscos especiais envolvidos nas operações a realizar», sendo a extensão da obrigação de informar tanto maior quanto menor o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

Quando alguém faz um empréstimo, e tratando-se concretamente de emissão de obrigações a entidade financeira ou bancária, tem de ser cabalmente informado das entidades envolvidas de modo a poder aquilatar da futura capacidade de quem tiver de efectuar o reembolso, e assim ter noção dos riscos que está a assumir e se o pretende (veja-se sobre estas obrigações a posição do STJ no Ac. de 10/01/2013 (dgsi).

Dispunha o artº 314º, do C.V.M. na versão vigente à data da celebração do contrato:

n.º 1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
n.º 2 – A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

E nos termos do artº. 227º, nº. 1, do C.C., e na esteira da posição “supra” citada de Menezes Cordeiro, tal faz o Banco incorrer em responsabilidade civil pré-contratual –artº. 483º do mesmo C.C.. A tal não obsta a efectiva concretização do contrato –Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, Vol. I; pág. 215; e Ac. da Rel. de Guimarães de 27/04/2017, “in” dgsi.

Assim, na relação com os clientes - depositantes, o banco é representado pelos seus administradores e empregados, sobre os quais impendem especiais deveres legais de diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados, estando todos os que nele exerçam cargos de direcção, gerência ou chefia, obrigados a proceder de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral.
O cliente presume em relação ao banco, a existência duma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem, pelo que, no que concerne à responsabilidade extra-contratual por informações não se pode dispensar a mesma tutela jurídica a um destinatário de uma informação, quando esta provenha de alguém especificamente qualificado para a fornecer.
É com referência a um destinatário com o cuidado, zelo e atenção médios, colocado na situação do destinatário concreto, nomeadamente no que toca às capacidades, conhecimentos e experiência deste, qua cabe determinar a forma de apresentação da informação, tendo designadamente em conta a complexidade da apresentação, a linguagem utilizada, o recurso a fórmulas matemáticas e a conceitos de âmbito especificamente económico, jurídico ou financeiro, de modo a que a informação seja prestada de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita.
Esta responsabilidade pressupõe necessariamente a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, a descontar o rendimento, entretanto percebido pelos Autores); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Nos casos dos autos, porém, o que resultou apurado é que o Banco Réu não explicou ao Autor que o investimento em causa comportava um risco de descapitalização da sociedade emitente das obrigações, com riscos para o capital investido (cfr ponto 13), o que poderia configurar uma violação do dever de informação supra referido.

No entanto, concordamos com o sustentado na sentença recorrida, sobre a contextualização do tipo de relacionamento existente entre o A. e o funcionário do Réu, quando salienta que (…)”a subscrição não foi efectuada pelo convencimento do autor de que se tratava de um produto financeiro com características distintas das que efectivamente tinha. O funcionário do réu não induziu o autor a um comportamento que este não pretendesse. Havia, antes, uma relação de confiança por via da qual o autor endossava ao referido funcionário a análise das aplicações mais favoráveis do dinheiro que tinha no Banco, aceitando, por regra, a opção que o funcionário tivesse por boa. Nada nos factos autoriza a conclusão de que o funcionário estivesse conscientemente a transmitir informações falsas ou a ocultar quaisquer informações com o objectivo de levar o autor a subscrever as obrigações, actuando com malícia ou má-fé. Antes se evidencia que o incumprimento daquele dever de informação está directamente relacionado com a concreta relação que se estabelecera: o autor não esperava nem procurava obter informações sobre os produtos, antes contava obter um bom conselho que pudesse seguir, no que aos seus investimentos respeitava.”(…)

Este tipo relacionamento ou actuação entre as partes perdurou ao longo dos anos, sem que o A. solicitasse informação pormenorizada sobre os produtos em que foi investindo, nos moldes referidos nos pontos 12) e 14) dos factos provados.
Sendo assim, estamos perante uma situação de concorrência de culpa do lesado, de harmonia com o disposto no art. 570º do Cód. Civil, susceptível de excluir o dever de indemnizar.
E a tal resultado também se chegaria em razão do disposto no art. 563º do CC, que nos diz que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Com efeito, a apontada violação do dever de informação por parte do Réu não se mostra causa adequada do referido dano, uma vez que, em termos naturalísticos, não resultou provado nenhum facto a esse respeito, designadamente, não se provou qualquer facto que permita concluir que os AA. não teriam investido nessas obrigações se lhes tivessem sido explicadas as características do produto, ou seja, tal como se entendeu no Ac. RL, de 11.07.2019, disponível em dgsi.pt, num caso semelhante, não se extrai dos factos provados que se os funcionários do Banco tivessem cumprido o dever de informação nos termos então legalmente previstos, o A. não teria adquirido produto em causa (valem aqui também os acórdãos citados na sentença recorrida sobre esta matéria).
De modo que, falta aqui a verificação do nexo de causalidade e, por isso, inexiste o dever de indemnizar por parte do Réu.
Aqui chegados, não há que analisar a prescrição, porque o direito não existe. Ainda que assim não se entenda, resulta apurado que o A. teve conhecimento dos termos do negócio, pelo menos, desde que verificou o primeiro dos extractos que lhe foram enviados (cfr ponto 19), pelo que pelo menos desde essa data tem conhecimento e possibilidade de exercer os seus direitos (artº. 306º, nº. 1, do C.C.); aplicando-se o prazo de dois anos previsto no artº. 324º, nº. 2, do C.V.M., o mesmo já se mostra decorrido, por ausência em qualquer circunstância de dolo ou culpa grave.
Por todo o exposto, somos a concluir que a sentença recorrida não merece qualquer reparo ou alteração, devendo improceder o recurso interposto.
*

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
TRG, 21.05.2020

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves
Conceição Bucho