Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7198/12.3TBBRG-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. A taxa de justiça tem em conta o valor da ação e a complexidade da causa, devendo existir proporcionalidade entre o valor que cada interveniente deve prestar no processo e os custos deste para o sistema de justiça.
2. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida depende da especificidade da situação processual, além da complexidade maior ou menor da causa e da conduta processual de cada uma das partes, por força do disposto no artº 6º, nº 7, do Regulamento de Custas Processuais (RCP).
3. O artº 14º, nº 9, do RCP, de modo distinto, regula a obrigação e oportunidade de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela parte vencedora, independentemente de vir a ser concedida ou não tal dispensa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


I – Relatório;

Recorrente: Banco…, SA (réu);
Recorrido: F… e Outra (AA.);

*****

Nos autos principais de acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, de que os presentes constituem apenso, F… e mulher M…, residentes no Rio de Janeiro, Brasil, demandaram a “Massa Insolvente de M…, Ldª” e o Banco…, SA, pedindo a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda que, como vendedores, celebraram com a 1ª Ré, como compradora, bem como de uma hipoteca constituída por esta sobre o imóvel transmitido.
Contestaram os RR.,contrapondo que são inverídicos os fundamentos da acção, devendo esta ser julgada improcedente, pedindo ainda a 1ª R. a condenação dos RR. como litigantes de má fé, em multa e indemnização.
Houve réplica.
Em sede de despacho saneador, foi a tal acção fixado o valor de € 3.750.000,00 e decidiu-se da questão de mérito, julgando-se improcedente a acção e absolvendo-se os RR. do pedido.
Mais se condenaram os AA., a título de litigantes de má-fé, no pagamento à 1ª Ré de 4 UC’s de multa e em indemnização, cuja fixação foi relegada para momento posterior à audição das partes.
Posteriormente, veio o R. Banco… requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – tendo pago, aquando da contestação o montante de €: 1.468,80 (cfr. fls. 108) - com base no disposto no artº 6º, nº 7, do RCP, alegando ter sido notificado para pagar o remanescente da taxa de justiça devida, no valor de € 42.534,00.
Foi então proferido o seguinte despacho:
“Nos termos e pelos fundamentos aduzidos na douta promoção antecedente, que subscrevo, ponderando ainda o estatuído no artigo 14°, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, indefiro a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a cargo do "Banco…, S.A.", sem prejuízo deste reclamar o respectivo reembolso à parte vencida em sede de custas de parte”.
Não se conformando com tal, interpôs a ré o presente recurso de apelação.
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula, em súmula, as seguintes conclusões:
1. O Mmº. Tribunal a quo indeferiu o requerimento do Apelante de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça (que ascende a €:42.534,00), apresentado ao abrigo do art. 6.º, n.º7 do RCP, com o argumento de como os AA foram condenados como litigantes de má fé não fazer sentido isentar a contraparte do pagamento da taxa de justiça, na medida em que a parte vencida pode ser obrigada a pagar as custas de parte a que tem direito a parte vencedora.
2. Em primeiro lugar, não se aceita tal fundamentação, uma vez que não é pelo facto de os AA terem sido condenados como litigantes de má fé que o ora Apelante pode requer o pagamento das custas de parte – nos termos dos arts. 533.º do CPC, 25.º e 26.º do RCP, o pagamento das custas de parte é devido pela parte vencida à parte vencedora, independentemente de a parte vencida ter sido condenada como litigante de má-fé.
3. Em segundo lugar, não corresponde à verdade que o pagamento do remanescente da taxa de justiça pelo Apelante será recuperado através do pagamento de custas da parte vencida,
4. Sendo, na verdade, inviável essa recuperação em sede de custas de parte,
5. Pois que os AA são emigrantes no Brasil, não sendo conhecido o seu património em Portugal,
6. Além de que os AA atravessam graves dificuldades económicas (Art. 7.º da pi).
7. Apesar de o Apelante ter obtido ganho de causa, a sua condenação no pagamento do remanescente da taxa de justiça, num de valor tão elevado, valerá para todos os efeitos como condenação.
8. Estão reunidos todos os pressupostos de que o art. 6.º, n.º7 do RCP faz depender a dispensa do pagamento da taxa de justiça complementar,
9. Desde logo, cremos que a complexidade da causa é diminuída, pois que a acção foi julgada logo no despacho saneador,
10. Acresce que a conduta processual do Apelante foi totalmente colaborante com o Tribunal.
11. Considerando a complexidade da causa e o valor do remanescente da taxa de justiça que o Apelante foi notificado para pagar (€:42.534,00), é forçoso concluir que este valor ultrapassa, em muito, aquilo que é razoável e aceitável.
12. As acções que encontramos nos Tribunais são, frequentemente, tão ou mais complexas que a dos presentes autos, mas os montantes de custas que atingem, nada têm que ver com os valores em causa nos presentes autos.
13. Existe uma flagrante desproporcionalidade entre o serviço prestado e o custo a cobrar.
14. Pelo que se justifica a dispensa do Apelante no pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Pede que seja concedida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a cargo do Banco…, S.A., nos termos do art. 6.º, n.º7 do RCP.

Não houve contra alegações.

O recurso veio a ser admitido neste Tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questão a decidir.
Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas e supra descritas, é a seguinte a questão a apreciar:
- Deve o requerente beneficiar da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida?

Fundamentação.
I) Os factos a atender com interesse à decisão do presente recurso, são os expostos no Relatório supra.

II) O DIREITO APLICÁVEL

a) Da requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida;

O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos do artº 639º, do CPC.

Argumenta o recorrente de que o seu pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve merecer acolhimento porque, no caso em apreço da presente acção, de valor muito elevado, na qual foi demandado e obteve ganho total de causa, além de ter tido uma conduta colaborante e de o processo não se revestir de especial complexidade, sendo decidido no despacho saneador, o pagamento do montante desse remanescente em falta - € 42.534,00 – traduzira uma verdadeira condenação para si, parte vencedora, tanto mais que não tem possibilidade de reembolsar esse valor, como custas de parte, porque os demandantes, vencidos, residem no Brasil, encontram-se em graves dificuldades económicas e não se lhes conhece património.
Apreciando.
O artº 6.º, n.º7, do Regulamento de Custas Processuais (RCP) estatui que “nas causas de valor superior a €:250.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Trata-se de normativo cuja ratio legis emana do Preâmbulo do próprio RCP (Dec.Lei nº 34/2008, de 26.02 e republicação através da Lei nº 7/2012, de 13.02), no qual se proclama que a reforma do regime de custas processuais “pretende instituir todo um novo sistema de concepção e funcionamento das custas processuais (…). A taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço (sublinhado nosso).
De um modo geral, procurou também adequar-se o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva, à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais (…).
(…) estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da acção, até um certo limite, e na possibilidade de correcção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa”.
Tendo por base estes princípios, temos de convir que a complexidade dos presentes autos não é elevada, nem estes acarretaram uma tramitação processual laboriosa e extensa ou custos de justiça acrescidos, já que os termos da causa foram conhecidos e julgados logo no despacho saneador, após processado normal dos articulados.
Ou seja, não houve lugar a questões incidentais, a diligências de prova complexas, a audiência de discussão e julgamento sequer.
Além disso, as custas de parte e seu eventual reembolso pelo réu/recorrente nada têm a ver com a condenação em litigância de má fé dos AA., da qual beneficiou apenas a 1ª Ré, aliás.
O instituto da litigância de má-fé tem mecanismos sancionatórios próprios, como seja a condenação em multa e em indemnização.
O pagamento das custas de parte é devido pela parte vencida à parte vencedora, independentemente de a parte vencida ter sido condenada como litigante de má-fé. Logo, não é pelo facto de os AA. terem sido condenados como litigantes de má fé que o aqui apelante pode requerer o pagamento das custas de parte – nos termos dos artºs. 533.º do CPC, 25.º e 26.º do RCP.
Daí que não se acolhe o fundamento vertido na decisão recorrida de que, como os AA. foram condenados como litigantes de má fé, não faz sentido isentar a contraparte do pagamento da taxa de justiça, na medida em que a parte vencida pode ser obrigada a pagar as custas de parte a que tem direito a parte vencedora.
Além disso, não é líquido nos autos, bem pelo contrário, que o pagamento do remanescente da taxa de justiça pelo recorrente seja recuperado através do pagamento de custas da parte vencida, uma vez que os AA. são emigrantes no Brasil, não sendo conhecido o seu património em Portugal, e os mesmos atravessavam graves dificuldades económicas (art. 7.º da p.i.).
Certo é, note-se, que até este momento, tanto quanto os autos permitem inferir, o apelante foi quem mais pagou a título de taxa de justiça. Ainda mais que os AA., já vencidos.
Ademais, o apelante, enquanto demandado, observou o dever de boa-fé processual e teve uma conduta processual cooperante com a acção da justiça – cfr. fls. 170 e 188.
Por último, importa dizer que os requisitos legais previstos no citado nº7, do artº 6º do RCP, para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, assentam na especificidade da situação que a justifique, por um lado, e no grau de complexidade da causa e conduta processual das partes (qualquer delas) que a fundamentem, por outro lado.
Assim, salvo o devido respeito, não se perfilha a argumentação de que a interpretação (restritiva) da supracitada disposição legal não deve ser apreciada isoladamente, em relação apenas a uma das partes (desde logo, não deve o intérprete distinguir o que lei não distingue), e de que o deferimento da pretensão do apelante beneficiaria os AA.
Na verdade, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente – artº 529º, nº1, do CPC – e é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu – artº 530º, nº1, do CPC.
É, portanto, individual e depende do impulso processual de cada parte.
Já as custas de parte compreendem o que cada parte haja dispendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária – nº4 do assinalado artº 529º.
Ora, não obstante os AA. terem sido condenados nas custas processuais na decisão final, [independentemente do efectivo embolso das custas de parte pelo apelante (a receber daqueles) ou da dispensa do remanescente da taxa de justiça a conceder], o que é certo é que, por via desta dispensa stricto sensu ao requerente/apelante, os AA. em nada beneficiam com tal, relativamente à taxa de justiça uma vez que sempre terão de a pagar em função do seu próprio impulso processual, enquanto demandantes.
E a circunstância de as custas processuais (taxa de justiça) a receber globalmente pelo Estado virem a ser menores, pelo facto de ser concedida a referida dispensa do remanescente ao réu/recorrente, está directamente conexa com a natureza desse instituto de dispensa do remanescente previsto no apontado preceito do nº 7, do artº 6º - o que constitui uma opção legislativa.
De outro modo, nem esta fazia sentido, já que tal dispensa constitui qua tale uma diminuição da receita tributária.
Aliás, se se tivesse apenas em conta uma conduta processual conjunta de ambas as partes, nos casos de litigância de má-fé de uma delas, como aqui sucede, estar-se-ia a cercear a aplicação deste instituto à contraparte (com boa-fé processual) e a premiar quem do processo faz um uso indevido e reprovável.
Acrescente-se ainda que o disposto no artº 14º, nº 9 do RCP, trazido à colação na decisão recorrida, é irrelevante para a questão sub judice, na medida em que respeita à obrigação e oportunidade de pagamento do remanescente da taxa de justiça pela parte vencedora, ao passo que no seu artº 6º, nº 7, é onde se regula os requisitos da dispensa desse pagamento obrigatório.
O pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça pela parte vencedora pressupõe precisamente a obrigação desse pagamento.
Em jeito de remate, dir-se-á que o circunstancialismo do caso concreto acima descrito se enquadra no mencionado artº 6º, nº7, do RCP, em face do princípio basilar ínsito ao actual Regulamento de Custas Processuais, de que deve haver proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar por cada interveniente no processo e a contraprestação inerente aos custos deste para o sistema de justiça.
Além de que, como sublinha o recorrente, pelas razões sobreditas (menor complexidade da causa, comportamento processual colaborante no processo, vencimento de causa e litigância de má-fé da parte contrária), o pagamento daquele avultado remanescente da taxa de justiça (€ 42. 534,00), correspondendo a uma desproporcionalidade flagrante entre o serviço prestado e o custo a cobrar, é de molde a traduzir uma verdadeira condenação por quem obteve ganho total de causa e em nada contribuiu para os custos desta.

Procede, pois, a apelação.

Sintetizando:
1. A taxa de justiça tem em conta o valor da acção e a complexidade da causa, devendo existir proporcionalidade entre o valor que cada interveniente deve prestar no processo e os custos deste para o sistema de justiça.
2. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida depende da especificidade da situação processual, além da complexidade maior ou menor da causa e da conduta processual de cada uma das partes, por força do disposto no artº 6º, nº 7, do Regulamento de Custas Processuais (RCP).
3. O artº 14º, nº 9, do RCP, de modo distinto, regula a obrigação e oportunidade de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pela parte vencedora, independentemente de vir a ser concedida ou não tal dispensa.

DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes desta 1ª secção cível, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, deferindo-se o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça formulado pelo recorrente.

Sem custas.
Guimarães, 19 de junho de 2014
António Sobrinho
Isabel Rocha
Moisés Silva