Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
836/13.2TMBRG-B.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: ALIMENTOS
EX-CÔNJUGE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Com a redacção dos n.os 1 a 3 do artigo 2016º e 2016º-A do CC, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, é o do seu carácter excepcional, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”.
2 – Este direito a alimentos entre ex-cônjuges tem natureza temporária, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.
3 – Por outro lado, não pode a prestação alimentar sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor.
4 - Não se verifica o pressuposto da disponibilidade da prestação alimentar, a cargo do autor, se este tem um rendimento disponível (considerando o seu rendimento líquido e o total das despesas fixas provadas, consigo e com seu filho deficiente) inferior ao salário mínimo nacional, quantia com que terá de fazer face às despesas escolares, de saúde, vestuário, transportes e colaboração doméstica, não contabilizados naquelas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
A… deduziu ação especial de cessação de alimentos contra M… pedindo que, face à alteração das condições objetivas e subjetivas que determinaram a fixação da pensão alimentar, em 26/02/2010, a favor da sua ex-mulher, aqui ré, no valor de € 350,00/mês, seja determinada a cessação do direito à prestação de alimentos por parte da mesma.
Realizada a conferência a que aludia o artigo 1121.º, n.º 3 do CPC (atual artigo 936.º), não foi possível obter o acordo das partes.
A requerida contestou por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.
Foi proferido despacho saneador e definidos os factos assentes e a base instrutória, que se fixaram sem reclamações.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação e, em consequência, reduziu para € 96,00 por mês a prestação de alimentos a pagar pelo autor, absolvendo a ré do pedido de cessação da obrigação de alimentos.
Discordando da sentença, dela interpôs recurso o autor, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
A) O presente recurso é interposto da douta sentença de fls., que julgando parcialmente provada a ação, reduziu a prestação de alimentos a pagar pelo Recorrente à Recorrida a 96,00€.
B) Há elementos suficientes nos autos donde resultam provadas todas as alterações objetivas e subjetivas ocorridas após o divórcio do Recorrente e da Recorrida em 26/02/2010, em que foi acordado a prestação de alimentos em 350,00€ mensais.
C) O Recorrente ficou com a guarda do filho, portador de doença mental, assumindo o exercício das responsabilidades parentais, desde 10 de Agosto de 2010, que mesmo após a maioridade continuará a necessitar de supervisão e acompanhamento permanente, deixando a Recorrida desde a data acima fixada, de ter o filho de ambos, a seu cargo e não contribuindo para o seu sustento.
D) O Recorrente sofre ele próprio de doença cardíaca de insuficiência aórtica e mitral que implica medicação e acompanhamento médico permanente e sistemático.
E) O Recorrente, que aufere atualmente a quantia de 1.504,44€, sofreu desde 26/02/2010, uma redução salarial no montante mensal de 183,86€.
F) As despesas mensais do Recorrente ascendem a 1.804,69€.
G) O orçamento familiar do Recorrente apresenta atualmente um saldo negativo mensal de 300,25€.
H) Aquando da sentença homologatória do divórcio, em 26/02/2010, o Recorrente ficou obrigado a pagar a quantia de 350,00€, a título de alimentos à Recorrida, enquanto esta não alterasse as suas condições de vida.
I) Volvidos quatro anos sobre o trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, a Recorrida nada fez para alterar as suas condições de vida.
J) Nomeadamente, não envidou esforços, no sentido de procurar trabalho, nem quaisquer outros meios de subsistência, não obstante ter sido instada pelo Recorrente para o fazer.
K) Bem como, tem vindo a recusar o auxílio que a família se propõe prestar.
L) A Ré aufere 254,00€ mensais, a título de pensão paga pela Segurança Social, que é hoje, o único rendimento para uma parte muito significativa da população portuguesa.
M) O Recorrente, ao contrário da Recorrida, viu as suas despesas aumentarem substancialmente, que o seu salário não consegue cobrir, face aos cortes orçamentais que tem sido alvo nos últimos anos, ficando com um rendimento disponível negativo.
N) A confirmar-se o pagamento da prestação de alimentos à Recorrida, ainda que tenha sido reduzida para 96,00€, implicará que o Recorrente, embora com um salário mensal médio, atendendo às despesas fixas suportadas, passe a viver no limiar da pobreza, para ter que contribuir para o sustento da Recorrida, que nada fazendo para melhorar a sua situação económica, aguarda impávida e serena, o pagamento mensal da prestação alimentícia, que como aliás ficou demonstrado, não se encontra impedida de trabalhar e de prover ao seu sustento.
O) A prestação de alimentos ao ex-cônjuge como princípio excecional, que é, consagrado no nosso direito, nunca poderá sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor, tanto mais quando este já está completamente sacrificado com o encargo de um filho portador de doença mental.
P) Pelo que, de harmonia com o disposto nos arts. 2003.º, n.º 1 e 2004.º, n.º 1 do C.C. só tem que contribuir para alimentos aquele ou aqueles que tiverem possibilidade de o fazer e só os deve receber quem deles carecer na justa medida dessa necessidade.
Q) Também nos termos do n.º 3 do art. 2016.º do C.C., deve ser negado o direito a alimentos, por razões de manifesta equidade.
R) Desde que qualquer dos cônjuges possa angariar por si próprio meios de subsistência, não poderá deixar de o fazer, devendo o Tribunal atender a esta possibilidade, para fixar, reduzir ou fazer cessar a prestação de alimentos.
S) O que se verificou na situação subjudice, já que ficou amplamente demonstrado que o Recorrente não tem capacidade económica para prestar alimentos à Recorrida, mesmo que esse valor tenha sido reduzido para 96,00€.
T) Ao decidir como decidiu, o Douto Tribunal fez errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 2003º e 2004.º e violou o disposto nos arts. 2012.º, al. b) do n.º 1, do art. 2013.º, 2016.º e 2016.º- A, todos do C.C. e o art. 13.º e n.º 3 do art. 36.º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta decisão proferida por outra que contemplando as conclusões atrás aludidas, declare cessada a prestação de alimentos à Recorrida.

A ré não contra alegou.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver traduz-se em saber se deve cessar a prestação alimentar a cargo do recorrente.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
a) Por decisão homologatória transitada em julgado proferida aos 26/2/2010, na C.R.C. de Braga, em processo de divórcio por mútuo consentimento, foi decretado o divórcio entre as partes;
b) Na mesma decisão foi homologado o acordo quanto à prestação de alimentos a pagar pelo A. à R., nos precisos termos do doc. 1 junto com a petição;
c) A pensão referida em B) era no valor mensal de 350€, a pagar até ao dia 5 de cada mês, “enquanto esta não alterar as suas condições de vida”;
d) Na mesma decisão foi homologado o acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais do filho do então casal, A… (nascido aos 05.08.1994) tendo o ora A. ficado a pagar a pensão de alimentos de 350 euros mensais até ao dia 5 de cada mês;
e) No P. 305/102 TMBRG da 2ª S. deste tribunal, aos 6/8/2010 o filho das partes foi sujeito de decisão provisória de confiança à guarda do pai, tendo sido proferida decisão homologatória, no mesmo sentido, de acordo efetuado aos 8/6/2011;
f) Na decisão homologatória referida em E) a aqui R. ficou obrigada a pagar uma pensão de alimentos ao filho no montante de 50€ mensais a atualizar anualmente em 5%;
g) Na sequência da decisão provisória referida em E) o filho ficou à guarda do aqui A. desde agosto de 2010;
h) O A. comunicou à R. que ela teria de começar a procurar trabalhar;
i) A R. nunca pagou a pensão referida em F);
j) O filho das partes é portador de doença mental e mesmo após a maioridade precisará de supervisão e acompanhamento permanente;
k) À data da decisão referida em A) a R. não auferia qualquer rendimento;
l) Desde fevereiro de 2012 a R. aufere uma pensão paga pela Segurança Social no montante de 254 € mensais;
m) A R. tem o 10º ano de escolaridade;
n) Aos 23/11/2009 o A. auferia líquidos 1688,30€;
o) Em agosto de 2012 o A. auferia líquidos 1628,44€;
p) Em janeiro de 2013 o A. auferia líquidos 1504,44€;
q) O A. tem problemas cardíacos de insuficiência aórtica e mitral, que implicam medicação e acompanhamento médico;
r) O A. tem as despesas aumentadas desde que o filho ficou à sua guarda;
s) O A. vive só com o filho;
t) Mensalmente, o A. despende, aproximadamente:
a) 341€ de renda de casa;
b) 32,50€ de condomínio;
c) 21,77€ de água;
d) 89,81€ de eletricidade;
e) 46,68€ de gás;
f) 232,93€ com um empréstimo bancário.
u) Mensalmente o A. despende aproximadamente:
a) 500€ em alimentação;
b) 100€ em cuidados de saúde;
c) 90€ em atividades escolares;
d) 50€ com vestuário e calçado:
e) 150€ em gasolina e
f) 150€ em lavandaria e empregada de limpeza.

A questão que nos ocupa é, apenas, como já vimos supra, a de definir se a prestação alimentar que o autor paga à ré deve cessar ou manter-se, ainda que por um valor inferior ao fixado aquando do divórcio.
Foi entendimento do tribunal recorrido que, se a prestação de alimentos tinha o valor de € 350,00, quando a ré não auferia qualquer rendimento e, atualmente, aufere uma pensão no valor de € 254,00, então a prestação alimentar deve ser reduzida para € 96,00, com o que fica, mensalmente, com um rendimento equivalente à prestação de alimentos que lhe vinha sendo paga pelo autor.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a solução adotada, que nos parece demasiado simplista.
Vejamos.
Entre os deveres recíprocos dos cônjuges, como efeito do casamento e na vigência da sociedade conjugal, figura o dever de assistência, que compreende a obrigação recíproca de prestar alimentos e o dever recíproco de contribuir para as despesas domésticas – artigos 2015.º e 1675.º, n.º 1 do Código Civil.
Em caso de divórcio e depois deste, cada cônjuge deve prover à sua subsistência – esta é a regra que dimana do artigo 2016.º, n.º 1 do Código Civil – sendo certo que o n.º 2 deste artigo estipula que qualquer dos ex-cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.
Da conjugação destes dois números do artigo 2016.º resulta claramente que “o direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e, este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação, assumindo natureza temporária, com vista a permitir ao cônjuge que deles carece a satisfação das suas necessidades básicas nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, de modo a permitir-lhe o mínimo de condições para reorganizar a sua vida” – Tomé d’Almeida Ramião, in “O Divórcio e Questões Conexas”, 3.ª edição, revista e aumentada, Quid Júris, pág. 92.
Veja-se, até, que o n.º 3 deste artigo estabeleceu que “por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado”.
Trata-se de casos em que, como se pode ler no n.º 6 da exposição de motivos da Lei 61/2008 de 31/10, o direito a alimentos deve ser negado ao ex-cônjuge necessitado “por ser chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”.
E de que tipo de alimentos falamos?
O artigo 2016.º-A do Código Civil fixa os critérios a observar na determinação do seu montante.
Diz o seu n.º 1 que o tribunal deve tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
Em qualquer caso, haverá que equacionar, de um lado, os rendimentos do alimentante e, do outro, as suas despesas, próprias e das pessoas a seu cargo, bem como as necessidades do alimentando e as possibilidades deste prover à sua subsistência.
Como temos defendido, designadamente no recente acórdão (26/06/2014) proferido no processo n.º 631/12.6TMBRG.G1 “não se pode exigir ao obrigado a alimentos que ponha em perigo a sua própria subsistência, devendo conservar para si o indispensável às suas necessidades básicas, não sendo exigível que se efetue uma dedução no seu salário, para satisfação da prestação alimentar a filho menor, que o prive do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais – veja-se, neste sentido, o recente Acórdão de Tribunal Constitucional n.º 394/2014, de 7 de maio, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 108, de 05/06/2014, onde se considera “dever ser reconhecido o direito a não ser privado do que se considera essencial à conservação de um rendimento indispensável a uma existência minimamente condigna”, relativamente à possibilidade prevista no artigo 189.º, n.º 1 c) da OTM de deduzir a prestação alimentar em dívida em pensão auferida pelo obrigado, tendo tal norma sido julgada inconstitucional, na medida em que prive o obrigado à prestação de alimentos do mínimo indispensável à sua sobrevivência, por violação do princípio da dignidade humana, tendo um dos Conselheiros votado vencido, por entender que o rendimento necessário para satisfazer as necessidades de sobrevivência deve ser aferido por correspondência ao rendimento social de inserção, como garantia constitucional do mínimo de existência (e apenas a esse valor).
Ora, se assim é, relativamente a filho menor, por maioria de razão haverá de ser relativamente a ex-cônjuge, não podendo a prestação alimentar sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor. Veja-se, neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 11/12/2001 e Acórdão do STJ de 11/06/2002, in www.dgsi.pt, podendo ler-se, neste último “O obrigado a alimentos só poderá ser coagido a prestá-los sem perigo para a sua manutenção e dos que dele dependem, em estado conforme à sua condição”.
E repare-se que o artigo 2016.º-A, n.º 2 do CC diz que o tribunal deve dar prevalência a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor sobre a obrigação emergente do divórcio em favor do ex-cônjuge.
Em concordância com o que acima expomos, veja-se o recente Acórdão do STJ, de 20/02/2014, proferido no processo n.º 141/10.6TMSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Os princípios mais emblemáticos do novo regime dos alimentos entre ex-cônjuges, posteriormente ao divórcio, constam agora dos artigos 2016º e 2016º-A, do Código Civil, em resultado da nova redacção introduzida pela citada Lei nº 61/2008, enquanto expressão da regra geral que atribui carácter excepcional ao direito a alimentos entre cônjuges, expressamente, limitado e de natureza subsidiária. Com efeito, muito embora o artigo 2016º, do Código Civil, no seu nº 2, estatua que “qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio”, o seu nº 3 afirma que esse direito “por razões manifestas de equidade, pode ser negado”, depois de afirmar, no respectivo nº 1, que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio”, sendo esse direito preterido em relação “a qualquer obrigação de alimentos relativamente a um filho do cônjuge devedor”, como se afirma no nº 2, do artigo 2016º-A, do mesmo diploma legal. Deste modo, e como decorre da sequência dispositiva dos artigos 2016º e 2016º-A, ambos do Código Civil, a regra geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, depois do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, é a de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, constituindo excepção o direito a alimentos, a que “qualquer dos cônjuges tem direito, independentemente do tipo de divórcio”, sendo que, “por razões manifestas de equidade”, “o direito a alimentos pode-lhe ser negado” (…) Como atrás foi realçado, o direito a alimentos, no actual quadro normativo, pode ser negado, por razões manifestas de equidade, como acontece, no caso em análise, devendo a autora, de acordo com a regra geral hoje vigente, prover à sua subsistência, nos termos do estipulado pelo artigo 2016º, n.os 1 e 3, do Código Civil, por não ser exigível ao réu a manutenção de um estatuto económico referente a uma relação jurídica já dissolvida e extinta, sob pena de não lhe ser possível proporcionar a si próprio o que é indispensável ao seu sustento, habitação e vestuário”.
No caso dos autos, verificando-se que o salário líquido do autor tem vindo constantemente a decrescer, auferindo em Janeiro de 2013 menos € 183,86 do que auferia em Novembro de 2009 e que, atualmente, tem as despesas acrescidas que lhe advêm do facto do filho de ambos ter passado a viver consigo (aliás, na sequência de uma decisão provisória de confiança à guarda do pai, quando anteriormente, vivia com a mãe), a que acresce o facto de o mesmo padecer de deficiência mental, com os custos inerentes, provavelmente, para toda a vida, pode concluir-se que o autor tem hoje condições económicas bastante inferiores às que tinha na altura do divórcio.
Em concreto, o que se verifica é que, se ao salário líquido do autor - € 1504,44 – subtrairmos as despesas fixas elencadas na alínea t) dos factos provados, mais € 500,00 para a sua alimentação e do seu filho, o autor fica apenas com € 239,75 para fazer face às despesas com vestuário, saúde, gasolina, empregada de limpeza ou lavandaria, o que é manifestamente insuficiente face às despesas provadas elencadas na alínea u) dos factos provados. Desta contabilidade resulta que o autor tem que socorrer-se de empréstimos/ajudas de terceiros para prover à sua subsistência e de seu filho.
Neste circunstancialismo não se verifica o pressuposto da disponibilidade da prestação alimentar a cargo do ex-cônjuge, que não tem possibilidades de continuar a prestar alimentos, ainda que em valor inferior àquele a que anteriormente estava obrigado, motivo pelo qual cessa a sua obrigação alimentar, nos termos do disposto no artigo 2013.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil
Por outro lado, volvidos mais de quatro anos sobre o divórcio, competia à ré ter diligenciado pela angariação de meios de subsistência, sabido como é que este direito a alimentos tem natureza temporária, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.

Procede, assim, a apelação, devendo a sentença recorrida ser substituída por outra que declare cessada a prestação de alimentos à recorrida.

Sumário:
1 - Com a redacção dos n.os 1 a 3 do artigo 2016º e 2016º-A do CC, introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, é o do seu carácter excepcional, limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”.
2 – Este direito a alimentos entre ex-cônjuges tem natureza temporária, não deve perdurar para sempre e, no espírito da nova lei, destina-se apenas a permitir uma reorganização da vida nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, prevalecendo a ideia de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.
3 – Por outro lado, não pode a prestação alimentar sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor.
4 - Não se verifica o pressuposto da disponibilidade da prestação alimentar, a cargo do autor, se este tem um rendimento disponível (considerando o seu rendimento líquido e o total das despesas fixas provadas, consigo e com seu filho deficiente) inferior ao salário mínimo nacional, quantia com que terá de fazer face às despesas escolares, de saúde, vestuário, transportes e colaboração doméstica, não contabilizados naquelas.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida que se substitui por outra que declare cessada a obrigação do autor prestar alimentos à ré.
Custas pela apelada
***
Guimarães, 10 de julho de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando F. Freitas
Purificação Carvalho