Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
880/18.3T9BGC.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: PROCESSO CONTRAORDENACIONAL
TAXA DE JUSTIÇA
APLICAÇÃO DO ARTº 642 DO CPC
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Em processo de contraordenação, no caso de recurso de impugnação judicial, não tendo a coima sido previamente liquidada, a secretaria, com a notificação para a audiência de julgamento ou com a notificação do despacho que a considere desnecessária, deve notificar o impugnante para, em 10 dias proceder ao pagamento da taxa de justiça, em conformidade com o disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 8º do RCP.

II- No caso de ter sido efetuada a notificação para pagamento pela secretaria, o nº 8 do artigo 8º do RCP não refere qual a consequência jurídica da omissão do pagamento da taxa de justiça, razão pela qual estamos perante um caso omisso, havendo, pois, que acrescentar-se ao comando da lei uma determinação que ela claramente não contém.

III- Assim, não sendo efetuado o pagamento da taxa de justiça, a secretaria deve notificar o impugnante para proceder ao pagamento omitido, acrescido de multa, em conformidade com o disposto no artigo 642º, nº 1 do CPC, ex vi do artigo 41º do RGCO e artigo 4º do CPP.

IV- A aplicação do artigo 642º do CPC no âmbito do processo contraordenacional, a título de direito subsidiário, está de acordo com o princípio do processo equitativo, segundo o qual o processo não poderá conduzir a resultados injustos, devendo os cidadãos poder efetivamente fazer valer os seus direitos. Trata-se, como é sabido, de um princípio estruturante das sociedades democráticas e do Estado de Direito e tem força vinculativa no direito português por força do disposto no artigo 6º, nº 1 da CDH, com dignidade constitucional, em conformidade com o vertido no artigo 20º, nº 4 da CRP.
Decisão Texto Integral:
- Reclamação para a conferência

I- RELATÓRIO

1. No processo de contraordenação que correu termos no Instituto da Conservação da natureza e das Florestas, IP, a arguida Floresta X – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliários, S.A, foi condenada na coima de €10.000,00 por ter incorrido na prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 6º, nº 6, 24º, nº 1 al. h) e nº 5. al. b) do DL nº 95/2011, de 08.08.2011, alterado e republicado pelo DL 123/2015, de 03.07.2015.
2. A arguida interpôs recurso de impugnação judicial da referida decisão para o Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Criminal de Bragança, o qual foi admitido e designada audiência de discussão e julgamento. A arguida foi, então, notificada pela secretaria para proceder ao pagamento de taxa de justiça, no montante de 1 UC, nos termos do disposto no artigo 8º, nº 7 e nº 8 do RCP. Logo no início da audiência, porque os autos não evidenciavam o pagamento da aludida taxa de justiça, foi proferido despacho judicial em que se ordenou a notificação da arguida para, em dez dias, juntar aos autos comprovativo do pagamento atempado da taxa de justiça, sob pena de não conhecimento do recurso. Posteriormente, porque a arguida não comprovou o pagamento da taxa de justiça, o Exmo. Juiz titular do processo proferiu despacho, através do qual decidiu não conhecer do objeto do recurso.
3. Não se conformando com este último despacho, dele interpôs recurso a arguida para este Tribunal da Relação de Guimarães, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:

1. Não tendo sido junto aos autos comprovativo do pagamento atempado da taxa de justiça devida, entendeu o Tribunal a quo, no douto Despacho de que ora se recorre, carecerem os autos de condição essencial à apreciação do objecto do recurso, tendo decidido não o conhecer por impossibilidade legal
2. Do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais não resulta tal impossibilidade legal de conhecer o objecto do recurso, nem de qualquer outro dispositivo legal
3. O artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais, dispositivo que regula o pagamento da taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional, não prevê qual o procedimento a adoptar pelo Tribunal nos casos de falta de junção aos autos do comprovativo de pagamento da taxa de justiça no âmbito dos processos contra-ordenacionais
4. Não prevê também qualquer cominação/sanção para a falta de junção aos autos do comprovativo de pagamento da taxa de justiça no âmbito dos processos contra-ordenacionais
5. Ao contrário do que sucede com as situações de constituição como assistente e de abertura de instrução, no processo penal, ditando os n.ºs 4 e 5 do artigo 8.º que a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 10 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, sob pena de o requerimento para constituição como assistente ou de abertura de instrução ser considerado sem efeito
6. No Despacho proferido na audiência de discussão e julgamento de 26 de Setembro de 2018, o Tribunal refere que a secretaria já dirigiu notificação ao Arguido e Recorrente nos termos do artigo 8.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, ou seja, para pagamento da taxa de justiça com acréscimo de igual montante
7. Sucede que tal notificação - ao abrigo da referida norma - não teve lugar em momento anterior à audiência de discussão e julgamento, nem posteriormente
8. Admite-se, assim, que o Tribunal a quo proferiu despacho no sentido de ser o Arguido e Recorrente notificado para juntar aos autos comprovativo do pagamento atempado da taxa de justiça por ter partido do pressuposto errado de já ter havido notificação pela secretaria para efeitos do artigo 8.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais
9. Mal andou o Tribunal a quo uma vez que se aplica ao caso a regra subsidiária prevista no CPC na falta de norma específica quer no artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais, quer no CPP sobre qual o procedimento a adoptar pelo Tribunal nos casos de falta de junção aos autos do comprovativo de pagamento da taxa de justiça no âmbito dos processos contra-ordenacionais
10. Ao recurso de impugnação judicial das decisões tomadas em processo contra-ordenacional aplicam-se as normas do RGCO em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do CPP (cfr. artigo 41.º do RGCO) em caso de lacuna neste, aplicam-se as normas do CPC (cfr. artigo 4.º do CPP). Neste sentido, veja-se, a título de exemplo entre muitos outros, o Acórdão da Relação de Évora de 6 de Dezembro de 2016, Processo n.º 236/15.0T8PTM.E1
11. Caberia ao Tribunal a quo aplicar de forma devidamente adaptada o artigo 642.º do CPC, por remissão do artigo 4.º do CPP para as normas do processo civil
12. Defendendo a aplicação do artigo 642.º do CPC aos casos de omissão do pagamento da taxa de justiça prevista no artigo 8.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão da Relação de Porto de 14 de Dezembro de 2017, Processo n.º 1345/17.6Y2MTS.P1, onde se pode ler no sumário do mesmo o seguinte:
I - O prazo de 10 dias para pagamento da taxa de justiça, prevista no artº 8º nº8 do RCP conta-se as partir da notificação do despacho que recebe a impugnação judicial e na sua sequência designa dia para julgamento ou determina que a decisão seja proferida por despacho.
II - Sendo omitido esse pagamento, a secretaria deve notificar o interessado para proceder em 10 dia são seu pagamento acrescido de multa, nos termos do artº 642º CPP em vi artº 41º RGCO e artº 4º CPP.
13. E no corpo do Acórdão:
Não estabelecendo o art.8.º do RCP a consequência jurídica da omissão pelo impugnante do pagamento da taxa de justiça no prazo a que este normativo e reporta, entendemos ser aplicável o disposto o art.642.º do C.P.Civil ex vi art.4.º do C.P.Penal e art.41.º do RGCOC (.).
14. Neste sentido, vejam-se também os Acórdãos da Relação de Évora de 4 de Maio de 2010, Processo 360/09.8TBPSR.E1, e de 4 de Abril de 2013, Processo n.º 2121/11.5TBABF.E1
15. Acolhendo o que a jurisprudência dita sobre esta questão, então, deveria o Tribunal a quo, antes de ter decidido pelo não conhecimento do objecto do recurso, ter dado cumprimento ao artigo 642.º do CPC, notificando a secretaria o Arguido e Recorrente para, em dez dias, proceder ao pagamento omitido acrescido de multa de igual montante
16. No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Abril de 2013, invocado pelo Tribunal a quo para decidir não conhecer do objecto do recurso, não é analisada situação semelhante à sub judice, mas outra questão bem distinta: a de saber se a taxa de justiça paga pela interposição do recurso de impugnação judicial deve ou não ser restituída à recorrente, provido que foi tal recurso.
17. Se em tal aresto invocado pelo Tribunal a quo é referido que a taxa de justiça é condição de apreciação do recurso, não se mostrando paga nos presentes autos, deveria o Arguido e Recorrente ter sido notificado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa, de igual montante, nos termos do artigo 642.º do CPC, sob pena da cominação prevista no seu n.º 2 caso persistisse na omissão - desentranhamento do recurso.
Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, farão V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães o que é de inteira Justiça.
4. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
1. O recorrente não cumpriu o disposto no art. 412.º, n.º 1 e 2 do CPP, pois limitou-se a copiar integralmente para as conclusões a sua motivação, e não indicou que preceitos legais foram violados, pelo que deve ser convidado a reparar as mesmas, sob pena de ser o seu recurso rejeitado.
2. No recurso judicial da decisão administrativa de condenação há lugar ao pagamento da taxa de justiça se a coima não estiver paga, sendo o momento para pagar após a notificação da data designada para a audiência de julgamento ou do despacho que dispensar a audiência, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma (art. 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP).
3. In casu, a sociedade arguida foi notificada da data do julgamento e para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, no prazo de 10 dias, o que não fez.
4. No dia de julgamento, a I. mandatária não compareceu e o Tribunal determinou a notificação da mesma e da recorrente para juntar aos autos o comprovativo de tal pagamento, sob pena de não conhecimento do recurso.
5. Pese embora tal notificação, a sociedade arguida/recorrente não procedeu a qualquer pagamento nem juntou qualquer comprovativo.
6. O disposto nos arts. 8.º, n.º 4 do RCP e no 642.º do CPC não têm aplicação no âmbito contra-ordenacional, tendo diferentes pressupostos, pois no âmbito destes últimos, a sociedade arguida é expressamente notificada para proceder ao pagamento devido.
7. Tal entendimento, que tem vindo a ser seguido pela Jurisprudência (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-04-2017 e de 24-01-2018) é o que melhor se coaduna com as especificidades dos processos de contra-ordenação.
8. Não existe qualquer motivo para a aplicação subsidiária do disposto no art. 642.º do CPC neste domínio.
9. Considerando os contornos concretos do caso, forçoso é concluir que o despacho que rejeitou rejeitado o seu recurso de contra-ordenação é legítimo e está devidamente fundamento, não tendo violado qualquer garantia constitucional do direito de defesa onde se insere o direito a uma tutela jurisdicional efectiva de que a possibilidade de ver apreciada uma decisão administrativa que aplicou uma coima. Como tal,
10. A decisão tomada deve ser mantida e, consequentemente, deve negar-se provimento ao recurso apresentado.
V. Ex. as, porém, e como sempre, farão Justiça.
5. Nesta instância, a Ex.ª Senhora Procuradora - Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, promovendo, porém, que a recorrente fosse convidada a reformular as suas conclusões, em conformidade com o disposto nos artigos 420º, nº 1 al. c) e 417º, nº 3 do CPP.
6. Na sequência desta promoção, pela Ex.ª Senhora Juíza Desembargadora Relatora foi proferido despacho nesse sentido, tendo, então, a recorrente apresentado nova alegação de recurso, com as respetivas conclusões reformuladas, as quais têm o seguinte teor [transcrição]:
1. Não tendo sido junto aos autos comprovativo do pagamento atempado da taxa de justiça devida, entendeu o Tribunal a quo, no douto Despacho de que ora se recorre, carecerem os autos de condição essencial à apreciação do objecto do recurso, tendo decidido não o conhecer por impossibilidade legal;
2. Do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais não resulta tal impossibilidade legal de conhecer o objecto do recurso, nem de qualquer outro dispositivo legal;
3. O artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais, dispositivo que regula o pagamento da taxa de justiça em processo penal e contra-ordenancional, não prevê qual o procedimento a adoptar pelo Tribunal nos casos de falta de junção aos autos do comprovativo de pagamento da taxa de justiça no âmbito dos processos contraordenacionais;
4. Não prevê também qualquer cominação / sanção para a falta de junção aos autos do comprovativo de pagamento da taxa de justiça no âmbito dos processos contraordenacionais;
5. Ao contrário do que sucede com as situações de constituição como assistente e de abertura de instrução, no processo penal, ditando os n.ºs 4 e 5 do artigo 8.º que “a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 10 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante”, sob pena de o requerimento para constituição como assistente ou de abertura de instrução ser considerado sem efeito;
6. No Despacho proferido na audiência de discussão e julgamento de 26 de Setembro de 2018, o Tribunal refere que a secretaria já dirigiu notificação ao Arguido e Recorrente nos termos do artigo 8.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, ou seja, para pagamento da taxa de justiça com acréscimo de igual montante;
7. Sucede que tal notificação – ao abrigo da referida norma – não teve lugar em momento anterior à audiência de discussão e julgamento, nem posteriormente;
8. Admite-se, assim, que o Tribunal a quo proferiu despacho no sentido de ser o Arguido e Recorrente notificado para juntar aos autos comprovativo do pagamento atempado da taxa de justiça por ter partido do pressuposto errado de já ter havido notificação pela secretaria para efeitos do artigo 8.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais;
9. Mal andou o Tribunal a quo uma vez que se aplica ao caso a regra subsidiária prevista no CPC na falta de norma específica quer no artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais, quer no CPP sobre qual o procedimento a adoptar pelo Tribunal nos casos de falta de junção aos autos do comprovativo de pagamento da taxa de justiça no âmbito dos processos contra-ordenacionais;
10. Ao recurso de impugnação judicial das decisões tomadas em processo contra-ordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do CPP (cfr. artigo 41.º do RGCO); em caso de lacuna neste, aplicam-se as normas do CPC (cfr. artigo 4.º do CPP). Neste sentido, veja-se, a título de exemplo entre muitos outros, o Acórdão da Relação de Évora de 6 de Dezembro de 2016, Processo n.º 236/15.0T8PTM.E1;
11. Caberia ao Tribunal a quo aplicar de forma devidamente adaptada o artigo 642.º do CPC, por remissão do artigo 4.º do CPP para as normas do processo civil;
12. Defendendo a aplicação do artigo 642.º do CPC aos casos de omissão do pagamento da taxa de justiça prevista no artigo 8.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão da Relação de Porto de 14 de Dezembro de 2017, Processo n.º 1345/17.6Y2MTS.P1, onde se pode ler no sumário do mesmo o seguinte:
“I - O prazo de 10 dias para pagamento da taxa de justiça, prevista no artº 8º nº8 do RCP conta-se as partir da notificação do despacho que recebe a impugnação judicial e na sua sequência designa dia para julgamento ou determina que a decisão seja proferida por despacho.
II - Sendo omitido esse pagamento, a secretaria deve notificar o interessado para proceder em 10 dia são seu pagamento acrescido de multa, nos termos do artº 642º CPP em vi artº 41º RGCO e artº 4º CPP.”
13. E no corpo do Acórdão:
“Não estabelecendo o art.8.º do RCP a consequência jurídica da omissão pelo impugnante do pagamento da taxa de justiça no prazo a que este normativo se reporta, entendemos ser aplicável o disposto o art.642.º do C.P.Civil, ex vi art.4.º do C.P.Penal e art.41.º do RGCOC (…).”;
14. Neste sentido, vejam-se também os Acórdãos da Relação de Évora de 4 de Maio de 2010, Processo 360/09.8TBPSR.E1, e de 4 de Abril de 2013, Processo n.º 2121/11.5TBABF.E1;
15. Acolhendo o que a jurisprudência dita sobre esta questão, então, deveria o Tribunal a quo, antes de ter decidido pelo não conhecimento do objecto do recurso, ter dado cumprimento ao artigo 642.º do CPC, notificando a secretaria o Arguido e Recorrente para, em dez dias, proceder ao pagamento omitido acrescido de multa de igual montante;
16. No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Abril de 2013, invocado pelo Tribunal a quo para decidir não conhecer do objecto do recurso, não é analisada situação semelhante à sub judice, mas outra questão bem distinta: a de saber “se a taxa de justiça paga pela interposição do recurso de impugnação judicial deve ou não ser restituída à recorrente, provido que foi tal recurso.”;
17. Se em tal aresto invocado pelo Tribunal a quo é referido que a taxa de justiça é condição de apreciação do recurso, não se mostrando paga nos presentes autos, deveria o Arguido e Recorrente ter sido notificado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa, de igual montante, nos termos do artigo 642.º do CPC, sob pena da cominação prevista no seu n.º 2 caso persistisse na omissão – desentranhamento do recurso.
Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, farão V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães o que é de inteira JUSTIÇA!
7. A Ex.ª Senhora Procuradora - Geral Adjunta renovou o seu parecer no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso.
8. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, a recorrente respondeu, pugnando pelo provimento ao recurso.
9. Na sequência, a Ex.ª Senhora Juíza Desembargadora Relatora proferiu decisão sumária, rejeitando o recurso apresentado pela recorrente.
10. Não se conformando com a aludida decisão sumária, dela veio a recorrente reclamar para a conferência, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
1. O artigo 8.º do RCP, dispositivo que regula o pagamento da taxa de justiça em processo penal e contra-ordenancional, não prevê qual o procedimento a adoptar pelo Tribunal nos casos de falta de junção aos autos do comprovativo de pagamento da taxa de justiça no âmbito dos processos contra-ordenacionais, como ocorreu nos presentes autos;
2 Não prevê também qualquer cominação / sanção para a falta de junção aos autos do comprovativo de pagamento da taxa de justiça no âmbito desses processos;
3. O ora Reclamante veio defender no recurso interposto que, perante a referida omissão do artigo 8.º do RCP e do CPP também, caberia ao Tribunal a quo aplicar de forma devidamente adaptada o artigo 642.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 4.º do CPP para as normas do processo civil.
4. Com efeito, tal lacuna deverá ser integrada segundo a norma aplicável aos casos análogos, conforme dita o n.º 1 do artigo 10.º do Código Civil. Essa norma deve ser a prevista no artigo 642.º do CPC.
5. Defendendo a aplicação do artigo 642.º do CPC aos casos de omissão do pagamento da taxa de justiça prevista no artigo 8.º, n.º 7, do RCP, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão da Relação de Porto de 14 de Dezembro de 2017, Processo n.º 1345/17.6Y2MTS.P1, onde se pode ler no sumário do mesmo o seguinte:
“I - O prazo de 10 dias para pagamento da taxa de justiça, prevista no artº 8º nº8 do RCP conta-se as partir da notificação do despacho que recebe a impugnação judicial e na sua sequência designa dia para julgamento ou determina que a decisão seja proferida por despacho.
II - Sendo omitido esse pagamento, a secretaria deve notificar o interessado para proceder em 10 dia são seu pagamento acrescido de multa, nos termos do artº 642º CPP em vi artº 41º RGCO e artº 4º CPP.”
6. E no corpo do Acórdão: “Não estabelecendo o art.8.º do RCP a consequência jurídica da omissão pelo impugnante do pagamento da taxa de justiça no prazo a que este normativo se reporta, entendemos ser aplicável o disposto o art.642.º do C.P.Civil, ex vi art.4.º do C.P.Penal e art.41.º do RGCOC (…).”;
7. Neste sentido, vejam-se também o Acórdão da Relação de Évora de 4 de Maio de 2010, Processo 360/09.8TBPSR.E1; o Acórdão da Relação de Évora de 4 de Abril de 2013, Processo n.º 2121/11.5TBABF.E1; o Acórdão da Relação de Porto de 8 de Março de 2017, Processo n.º 1148/16.5T8OVR.P1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Dezembro de 2017, Processo n.º 544/16.2T8CNT.C1;
8. Na Decisão Sumária de que ora se reclama não é seguido aquele que é o entendimento pacífico dos Tribunais da Relação, resultante dos arestos mencionados.
9. Antes, é invocada a posição perfilhada pelo Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 19.04.2017, nos termos do qual foi decidido não ter lugar a aplicação subsidiária do n.º 1 do artigo 642.º do CPC, por entender aquele Supremo Tribunal que no caso da impugnação judicial da decisão administrativa existe uma notificação expressa para pagamento da taxa de justiça, o que não ocorre em sede de processo civil.
10. Da douta Decisão Sumária de que ora se reclama não consta uma linha sobre a abundante jurisprudência invocada pelo ora Reclamante e que, por existir, obrigaria a uma explicitação, uma fundamentação sobre o porquê de o despacho recorrido constituir a “melhor interpretação da norma contida no artigo 8º, n.º 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais” se vai em sentido oposto àquela que é a jurisprudência unânime sobre a questão em apreço.
11. Na douta Decisão Sumária de que ora se reclama é apresentada como única justificação para a não aplicação do artigo 642.º do CPC o facto de – no caso da impugnação judicial de decisão administrativa – existir uma notificação expressa para pagamento da taxa de justiça, o que não ocorre em sede de processo civil.
12. Tal argumento não merece qualquer acolhimento, pois não só não possui base legal, como não se pode comparar duas realidades processuais que não são estritamente simétricas.
13. A parte em processo civil sabe que a apresentação de um articulado implica a apresentação do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e que, não o juntando, o deve fazer nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual ou será notificada pela secretaria para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido acrescido de multa de igual montante – cfr. artigos 145.º, n.º 1, 642.º, n.º 1, e 570.º, n.º 3, todos do CCP.
14. Portanto, as fases processuais para pagamento da taxa de justiça são processualmente distintas como o processo civil concede, pelo menos, três oportunidades à parte para comprovar o pagamento da taxa de justiça devida.
15. Aquilo que na douta Decisão Sumária de que ora se reclama é apresentado como uma diferença de regime favorável à parte impugnante da decisão administrativa relativamente à parte processual civil – a existência de notificação expressa para pagamento da taxa – acaba, no final de contas, depois de apreciado o regime processual civil, por não o ser, esvaziando o único argumento que é apresentado na Decisão Sumária.
16. Na verdade, a parte faltosa na impugnação da decisão administrativa é prejudicada pois não lhe são aqui facultadas as três oportunidades de efectuar o pagamento da taxa e de o comprovar, conforme previsto no processo civil.
17. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19.04.2017 não constitui melhor doutrina do que a constante dos acórdãos das Relações invocados pelo ora Reclamante (por estar a actuar, igualmente, na qualidade de tribunal de 2.ª instância), nem a doutrina mais recente sobre a questão que deva, assim, poder ser invocada sem mais considerações, como foi feito.
18. A existência de jurisprudência em sentido oposto sobre a aplicação subsidiária do artigo 642.º do CPC impõe que o recurso que se interpôs seja apreciado em conferência.
Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a Vossas Excelências, Venerando Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, se dignem julgar procedente a presente reclamação e, em conformidade admitam o recurso interposto do despacho proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Bragança / Juízo Local Criminal de Bragança de 16 de outubro de 2018.
11. A Exma. Procurador-Geral Adjunta, apesar de notificada, não respondeu à reclamação.
12. Cumpridos os vistos, foram os autos à conferência, em conformidade com o disposto no artigo 419º, nº 3 al. a) do CPP, pelo que importa apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto da reclamação e do recurso

No caso em apreço o objeto da reclamação apresentada pela recorrente da decisão sumária proferida pelo relator coincide como objeto do recurso. Por isso, em casos como o presente, a reclamação para a conferência é apenas um pedido para que o objeto do recurso rejeitado mediante decisão sumária seja reapreciado pela conferência. E, sendo assim, o âmbito do recurso(1) mantém-se delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo de a argumentação da reclamação poder indicar outras perspetivas de análise das questões a decidir (2).
Assim, a questão a decidir consiste em saber, no âmbito do processo de contraordenação, no caso da coima não ter sido previamente liquidada, qual a solução prevista pelo legislador na hipótese de o recorrente, apesar de notificado para o efeito, não proceder ao pagamento da taxa de justiça prevista nos nºs 7 e 8 do artigo 8º do RCP, encontrando-se a audiência de discussão e julgamento já designada e pronta a iniciar-se.

2- Despacho recorrido

2.1- O despacho recorrido proferido pelo tribunal de primeira instância tem o seguinte conteúdo [transcrição]:

Nos presentes autos foi determinada a notificação da Recorrente para juntar aos autos comprovativo de pagamento da taxa de justiça.
Ora, compulsados os autos, verificamos que, não tendo a Recorrente procedido ao prévio pagamento da coima, também não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida.
O n.º 9 do artigo 8.º do RCP obriga ao pagamento de taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas no âmbito dos processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada.
E não sendo paga, carecem os autos de condição essencial à apreciação do objecto do recurso (neste sentido vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-04-2013, in www.dgsi.pt).
Termos em que, por impossibilidade legal, este Tribunal decide não conhecer do objecto do Recurso.
Custas pela Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 1 UC de acordo com o disposto nos artigos 93.º n.º 3 do RGCO e artigo 8.º n.º 8 e 9 do RCP por referência à tabela III.”

3- Decisão sumária reclamada

3.1- A decisão sumária proferida pela Ex.ª Senhora Juíza Desembargadora Relatora, tem o seguinte conteúdo [transcrição]:

“Estabelece o artigo 8º do Regulamento das Custas Processuais, sob a epígrafe “Taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional” que:

1 - A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é autoliquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente.
2 - A taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é autoliquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo.
3 - O documento comprovativo do pagamento referido nos números anteriores deve ser junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação no processo, devendo o interessado ser notificado no acto para o efeito.
4 - Na falta de apresentação do documento comprovativo nos termos do número anterior, a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 10 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante.
5 - O não pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para constituição de assistente ou abertura de instrução seja considerado sem efeito.
6 - Para o denunciante que deva pagar custas, nos termos do disposto no artigo 520.º do Código de Processo Penal, é fixado pelo juiz um valor entre 1 UC e 5 UC.
7 - É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela iii, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.
8 - A taxa de justiça referida no número anterior é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma.
9 - Nos restantes casos a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii.
10 - Se o juiz não fixar a taxa de justiça nos termos do número anterior, considera-se a mesma fixada no dobro do seu limite mínimo.

Lida a Lei Geral Tributária, no nº 2 do seu artigo 4º, verificamos que “As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”, sendo certo que relativamente à taxa de justiça, o Tribunal Constitucional, desde há muito o vem firmando, em contraposição ao instituto jurídico do imposto. (3)

Considerando que a apresentação de uma impugnação judicial face a uma decisão administrativa desfavorável, que venha a ser admitida, implica a concreta prestação do serviço público da Justiça, assim se efectivando a garantia a que alude o artigo 20º da Constituição da Republica Portugal, qual seja a da tutela juridiscional efectiva, fica justificada a exigência do pagamento de uma taxa de justiça, conforme o dispõe o artigo 8º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, a cumprir nos termos gizados no nº 8 da mesma norma.

Taxa de justiça cujo pagamento importa, nos termos legais, ao recorrente no momento prévio à realização da audiência de discussão e julgamento e na sequência de notificação que lhe seja remetida, com as especificações e cominação previstas na lei.

Em caso de ser omitido tal pagamento, como ocorreu nos presentes autos, o Regulamento das Custas Processuais não dá conta das directas consequências para o prosseguimento dos actos do processo.

Alinhamos pela posição perfilhada pelo Supremo Tribunal Administrativo (4) que entende não ter aplicação subsidiária o artigo 642º, nº 1 do Código do Processo Civil porquanto nesta sede, a da impugnação judicial da decisão administrativa, há uma notificação expressa para pagamento da mencionada taxa de justiça, o que não ocorre em sede de processo civil.

Nesta medida nenhuma censura merece o despacho recorrido, porquanto o mesmo é fruto da melhor interpretação da norma contida no artigo 8º, nº 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais.
Destarte, e pelos fundamentos expandidos, ter-se-à que rejeitar o recurso apresentado pelo recorrente FLORESTA X – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIOS, S.A..”

4- Apreciação

4.1- A questão a decidir acima enunciada relaciona-se diretamente com a interpretação que deverá ser conferida aos nºs 7 e 8 do artigo 8º do RCP, no caso de a coima não ter sido previamente liquidada.

No sentido de uma melhor perceção da questão, temos que o artigo 8º nºs 7 e 8 do RCP tem a seguinte redação:

“7 - É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contraordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela iii, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.
8- A taxa de justiça referida no número anterior é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma.”
Assim, no caso do recorrente, apesar de notificado para o efeito, não ter pago a taxa de justiça prevista no nº 7 do artigo 8 do RCP, encontrando-se a audiência de julgamento designada e pronta a iniciar-se - que é precisamente a situação destes autos – o nº 8 do preceito legal em referência nada diz sobre a consequência jurídica da omissão do pagamento.

Ora, porque o nº 9 do artigo 8º do RCP obriga ao pagamento de taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas no âmbito dos processos de contraordenação, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, e a recorrente, apesar de notificada, não procedeu ao pagamento da taxa de justiça, no despacho recorrido considerou-se que “carecem os autos de condição essencial à apreciação do objecto do recurso” (sic). Neste sentido, por impossibilidade legal, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso. Apoiou esta sua posição no Ac. RP de 03.04.2013, processo 5570/12.2TBSTS-A.P1, relatora Airisa Caldinho, acessível em www.dgsi.pt, o qual, porém, trata de questão substancialmente diversa da aqui em discussão, porquanto nele se discute apenas a questão de saber se a taxa de justiça paga pela interposição do recurso de impugnação judicial deve ou não ser restituída ao recorrente, provido que seja tal recurso.

Pese embora com diferente fundamentação, a decisão sumaria proferida, e agora objeto de reclamação, aderindo à posição defendida no Ac. STA de 19.04.2017, processo 0315/17, acessível em www.dgsi.pt, confirmou o despacho recorrido, assim rejeitando o recurso.

No entanto, é de salientar que a posição defendida neste aresto do Supremo Tribunal Administrativo, acabou por não ser aplicada no caso concreto em virtude de se ter demonstrado o pagamento tempestivo, pois nele se diz ter-se verificado “…agora, antes do trânsito em julgado da decisão recorrida, que, afinal, a taxa de justiça devida pelo recurso judicial foi paga tempestivamente” (sic).
A posição aí sustentada pelo Supremo Tribunal Administrativo baseia-se na consideração de que, e passamos a citar, “Será que, como sustentam a Recorrente e o Procurador-Geral Adjunto se impunha, na sequência da falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça dentro do prazo que lhe foi assinalado nos termos do n.º 8 do art. 8.º do RCP, nova notificação da Arguida para pagar a taxa de justiça em falta, acrescida de igual montante?

A nosso ver, não.

Não por força do disposto no art. 8.º, n.º 4, do RCP, como sustenta a Recorrente, pois a norma constante dessa disposição legal tem o seu âmbito de aplicação restrito à situação da taxa devida pela constituição de assistente, como resulta inequivocamente da arrumação que o legislador deu ao artigo: apenas os n.ºs 7 e 8 respeitam à impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contra-ordenacionais; os n.ºs 1 a 5 são de aplicação exclusiva à constituição de assistente e à abertura da instrução a requerimento do assistente, motivo por que não pode sustentar-se a sua aplicação ao caso sub judice.E bem se compreende o diferente tratamento dado pelo legislador às situações de constituição de assistente e de abertura de instrução a requerimento daquele quando comparado com a situação de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação de coima: é que nesta (pressupondo que a taxa de justiça seja devida) o arguido já foi notificado pelo tribunal para proceder ao pagamento, ao abrigo do n.º 8 do art. 8.º do RCP, enquanto naquelas não houve ainda qualquer alerta do tribunal no sentido do pagamento da taxa de justiça.

Mas também não ao abrigo do disposto no art. 642.º do CPC, como sustenta o Procurador-Geral Adjunto. Sendo certo que o n.º 1 do art. 13.º do RCP dispõe que «[a] taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e fiscais»,a nosso ver não pode considerar-se que o n.º 1 do art. 642.º do CPC – artigo que tem como epígrafe «Omissão do pagamento das taxas de justiça» e cujo n.º 1 prevê que «[q]uando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC»– seja aplicável em sede de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima. É que, como dissemos já, nesta sede, contrariamente o que sucede quando o autor instaura uma acção, há uma notificação por parte do tribunal para que seja efectuado o pagamento da taxa de justiça, como decorre do já citado n.º 8 do art. 8.º do RCP, que foi observado no caso sub judice.

Ou seja, não vislumbramos motivo para a aplicação subsidiária do n.º 1 do art. 642.º do CPC a uma situação com contornos bem diversos dos subjacentes àquela fattispecies. Insistimos que, em sede do recurso judicial da decisão administrativa da aplicação da coima há uma notificação expressa para pagamento da taxa da justiça, diferentemente do que ocorre no processo civil. Não logram aqui aplicação os dispositivos do CPC, que pressupõem que o pagamento da taxa de justiça, quando devido, deve ser comprovado no momento oportuno, independentemente de qualquer notificação para o efeito, que não está prevista.”

Pois bem, temos a dizer que não nos revemos nesta posição, uma vez que nos parece dever proceder-se à aplicação subsidiária do artigo 642º do CPC, por força do disposto no artigo 41º do RGCO e do artigo 4º do CPP.

Assim, no caso vertente, considerando que a coima não foi previamente liquidada, aquando da notificação para julgamento, a secretaria notificou, e bem, a recorrente para, em 10 dias, efetuar o pagamento da taxa de justiça, em conformidade com o disposto nos nºs 7 e 8 do artigo 8 do RCP. No entanto, como não foi efetuado o pagamento, a secretaria devia ter notificado, mas não notificou, a recorrente para, em 10 dias, proceder ao pagamento omitido acrescido de multa, em conformidade com o disposto no artigo 642º, nº 1 do CPC.

Neste mesmo sentido tem sido a jurisprudência, tanto quanto se julga saber unânime, dos tribunais da relação, cfr. Ac RE de 04.05.2010, processo 360/08.8TBPSR.E1, relator António Condesso; Ac RE de 04.04.2013, processo 2121/11.5TBABF.E1, relator Martinho Cardoso; Ac RC de 19.12.2017, processo nº 544/16.2T8CNT.C1, relator Brizida Martins; Ac RP de 08.03.2017, processo 1148/16.5T8OVR.P1, relator Manuel Soares; e Ac RP de 14.12.2017, processo 1345/17.6Y2MTS.P1, relatora Luísa Arantes, todos publicados em www.dgsi.pt.

O mesmo entendimento da questão tem Salvador da Costa (5), segundo o qual “A lei não estatui expressamente a consequência jurídica da omissão pelo impugnante do pagamento da taxa de justiça no referido prazo, em relação ao que tem havido diversos entendimentos.

Um deles é no sentido de que a falta de pagamento pelo impugnante na sequência de notificação pela secretaria para o efeito, da taxa de justiça, implica a aplicação do disposto no artigo 642º, nºs 1 e 2 do CPC, com base na remissão do artigo 41º, nº 1 do RGCO para o CPP, e na do artigo 4º deste último Código para o CPC.

Acrescentam os seus autores ser disponível pelo arguido o direito de impugnar judicialmente a decisão que o condenou no processo administrativo de contraordenações no pagamento de coima pelo cometimento de ilícitos contravencionais, e que, por isso, a interpretação da lei no referido sentido não infringe o disposto no nº 10 do artigo 32º da CRP.

O outro entendimento, baseado nos artigos 41º, nº 1, 62º, nº 2 e 63º, nº 1, do RGCO e 32º, nº 10 da CRP, é no sentido de dever ser julgada a impugnação e condenado o impugnante no pagamento da taxa de justiça omitida e dos juros de mora em função do tempo em que a devia ter pago.

Neste contexto, propendemos a considerar ser o conteúdo do entendimento enunciado em primeiro lugar, moldado à especificidade da situação, o que resulta das normas ali referidas, tendo em conta que a notificação do impugnante para pagar a taxa de justiça é posterior ao recebimento da impugnação pelo juiz.

Nesta perspectiva, omitido pelo impugnante o pagamento da taxa de justiça devida, a secretaria notifica-o para o efectuar, acrescido de multa, em 10 dias. Não o efectuando, o juiz ordena o desentranhamento do instrumento de impugnação e de alegação, com a consequência de a concernente instância se extinguir por impossibilidade superveniente da lide, nos termos dos artigos 277º, al. e), e 642º, nº 2, in fine, do CPC, 41º, nº 1 do RGCO e artigo 4º do CPP”.

O aresto do Supremo Tribunal Administrativo, a que a decisão sumária aderiu, perfilhou um entendimento mais radical da questão na medida em que sustentou a não aplicação do artigo 642º do CPC com base no facto de que, por forma diversa do que sucede no âmbito do processo civil, o impugnante já foi alertado para proceder ao pagamento da taxa de justiça, pelo que os casos seriam diferentes, não sendo de conhecer o recurso de impugnação.

Apesar de assim ser, porquanto no processo civil não está de facto prevista, como regra geral (6), a notificação para proceder ao pagamento da taxa de justiça, devendo ser paga com a prática do ato, cfr. nº 1 do artigo 145º do CPC, a verdade é que não resulta da conjugação dos nºs 7 e 8 do artigo 8º do RCP qual a consequência jurídica da omissão do pagamento da taxa de justiça devida. Neste sentido, julgamos ser claro estarmos perante um caso omisso. Ou seja, como diria Batista Machado (7), um caso em que a “…norma legal não pode ser aplicada sem que acresça uma nova determinação que a lei não contém.” Porém, nesta hipótese, o artigo 4º do CPP, por força da remissão acima mencionada, manda aplicar subsidiariamente (8) as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal.

Ora, o artigo 642º do CPC constitui uma norma que se insere numa inequívoca opção do legislador no sentido de que os atos processuais possam ser praticados mesmo depois de esgotados os respetivos prazos por negligência dos interessados, se bem que mediante o cumprimento de uma sanção. E ainda que a perda do direito de praticar um ato processual não ocorre sem que previamente o interessado saiba ou possa saber da consequência da sua omissão, cfr. artigos 139º, 558º, al. f), 560º e 570º do CPC.

Acresce que a aludida opção do legislador tem aplicação no âmbito do processo penal, conforme decorre dos artigos 104º e 107º-A do CPP, e, por via disso, também no processo de contraordenação, ex vi do artigo 41º do RGCO.

Com a previsão deste quadro normativo, o legislador, clara e inequivocamente, decidiu dar preferência às decisões de mérito em detrimento das decisões de forma.

No fundo, o que está em causa é a existência de um processo equitativo, segundo o qual o processo não poderá conduzir a resultados injustos, devendo os cidadãos poder efetivamente fazer valer os seus direitos. Como é sabido, trata-se de um princípio estruturante das sociedades democráticas e do Estado de Direito e tem força vinculativa no direito português por força do disposto no artigo 6º, nº 1 da CDH, com dignidade constitucional, em conformidade com o vertido no artigo 20º, nº 4 da CRP.

A necessidade do recorrente saber previamente qual a consequência da omissão do pagamento da taxa de justiça foi reconhecido pelo Supremo Tribunal de Administrativo, em acórdão posterior àquele a que a decisão sumária aderiu, mais precisamente no seu Ac. de 24.01.2018, processo nº 01289/17, acessível em www.dgsi.pt, num caso em que o recorrente não tinha sido notificado para pagamento da taxa de justiça e este facto apenas foi detetado pelo tribunal numa altura em que o recorrente já estava à espera que fosse proferida a decisão de mérito do recurso de contraordenação. Nesta hipótese foi decidido que “devia ter sido efetuada a interpelação para pagamento com a cominação de que se o não efetuasse o recurso não podia ter seguimento” (sic). E a argumentação em que se baseou tal entendimento, como pode ler-se no citado aresto, é que o contrário “…não é consentâneo com garantia constitucional do direito de defesa onde se insere o direito a uma tutela jurisdicional efetiva de que a possibilidade de ver apreciada uma decisão administrativa que aplicou uma coima, por um tribunal é um dos elementos mais significativos, do nosso estado de direito…”.

No sobredito contexto, no caso vertente, julgamos não dever conferir a relevância que foi atribuída, na decisão sumária e no despacho recorrido, à notificação da recorrente para, em 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça.

Nesta conformidade, consideramos ser de deferir a reclamação da decisão sumária para a conferência e, em consequência, julgar procedente o recurso.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

1) Deferir a reclamação da decisão sumária; e
2) Julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que determine a notificação da recorrente para, em dez dias, proceder ao pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, em conformidade com o disposto no artigo 642º do CPC, por força do disposto no artigo 41º do RGCO e do artigo 4º do CPP.
Sem custas, atendendo ao deferimento da reclamação e à procedência do recurso.
Guimarães, 10.07.2019

Armando Azevedo (Relator por vencimento)
Fernando Monterroso (Presidente da Secção)
Maria José dos Santos de Matos (vencida)

Declaração de voto

Fazendo presentes as conclusões apresentadas pela arguida e aqui reclamante FLORESTA X – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIOS, S.A. no recurso apresentado acerca do qual foi proferida decisão sumária entendo não existir motivo válido para que aquela tivesse sido alterada.
Não obstante o conhecimento de que a jurisprudência maioritária, no sentido acolhido, entre outros, pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Dezembro de 2017, proferido no proferido no processo nº 1345/17.6Y2MTS.P1, onde foi decidido que “I. O prazo de 10 dias para pagamento da taxa de justiça, prevista no artº 8º, nº 8 do RCP conta-se a partir da notificação do despacho que recebe a impugnação judicial e na sua sequencia designa dia para julgamento ou determina que a decisão seja proferida por despacho. II. Sendo omitido esse pagamento, a secretaria deve notificar o interessado para proceder em 10 dias ao seu pagamento acrescido de multa, nos termos do artº 642º CPP ex vi artº 41º RGCO e artº 4º CPP” é meu entendimento que a lei não consente tal leitura.
Com efeito decorre do artigo 8º, nº 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais que, em sede de recurso de contra-ordenação, o sujeito processual é notificado do despacho judicial que determina o prosseguimento do recurso de contra-ordenação que fez entrar em juízo – quer seja com a notificação da data de marcação da audiência de julgamento ou já com a notificação do despacho que considera desnecessária a realização de tal audiência – bem como do prazo e modos de pagamento da taxa de justiça cujo pagamento lhe incumbe.
Situação esta que não ocorre em sede de processo civil, razão por que – tal como foi salientado na decisão reclamada – me merece acolhimento a posição perfilhada pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido em 19/04/2017 e publicado no sitio daquele tribunal, onde foi feito constar que “Será que, como sustentam a Recorrente e o Procurador-Geral Adjunto se impunha, na sequência da falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça dentro do prazo que lhe foi assinalado nos termos do n.º 8 do art. 8.º do RCP, nova notificação da Arguida para pagar a taxa de justiça em falta, acrescida de igual montante? A nosso ver, não. Não por força do disposto no art. 8.º, n.º 4, do RCP, como sustenta a Recorrente, pois a norma constante dessa disposição legal tem o seu âmbito de aplicação restrito à situação da taxa devida pela constituição de assistente, como resulta inequivocamente da arrumação que o legislador deu ao artigo: apenas os n.ºs 7 e 8 respeitam à impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contra-ordenacionais; os n.ºs 1 a 5 são de aplicação exclusiva à constituição de assistente e à abertura da instrução a requerimento do assistente, motivo por que não pode sustentar-se a sua aplicação ao caso sub judice. E bem se compreende o diferente tratamento dado pelo legislador às situações de constituição de assistente e de abertura de instrução a requerimento daquele quando comparado com a situação de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação de coima: é que nesta (pressupondo que a taxa de justiça seja devida) o arguido já foi notificado pelo tribunal para proceder ao pagamento, ao abrigo do n.º 8 do art. 8.º do RCP, enquanto naquelas não houve ainda qualquer alerta do tribunal no sentido do pagamento da taxa de justiça. Mas também não ao abrigo do disposto no art. 642.º do CPC, como sustenta o Procurador-Geral Adjunto. Sendo certo que o n.º 1 do art. 13.º do RCP dispõe que «[a] taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e fiscais», a nosso ver não pode considerar-se que o n.º 1 do art. 642.º do CPC – artigo que tem como epígrafe «Omissão do pagamento das taxas de justiça» e cujo n.º 1 prevê que «[q]uando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC»– seja aplicável em sede de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima. É que, como dissemos já, nesta sede, contrariamente o que sucede quando o autor instaura uma acção, há uma notificação por parte do tribunal para que seja efectuado o pagamento da taxa de justiça, como decorre do já citado n.º 8 do art. 8.º do RCP, que foi observado no caso sub judice. Ou seja, não vislumbramos motivo para a aplicação subsidiária do n.º 1 do art. 642.º do CPC a uma situação com contornos bem diversos dos subjacentes àquela fattispecies. Insistimos que, em sede do recurso judicial da decisão administrativa da aplicação da coima há uma notificação expressa para pagamento da taxa da justiça, diferentemente do que ocorre no processo civil. Não logram aqui aplicação os dispositivos do CPC, que pressupõem que o pagamento da taxa de justiça, quando devido, deve ser comprovado no momento oportuno, independentemente de qualquer notificação para o efeito, que não está prevista.”
Vale tudo por dizer, pois, que entendo não haver lugar à notificação para os fins a que alude o artigo 642º, nº 1 do Código do Processo Civil, desde logo porque não estamos perante a existência de qualquer lacuna que faça accionar o artigo 4º do Código do Processo Penal e 41º do RGCO.

(Maria José dos Santos de Matos)



1. Por força do disposto no nº 4 do artigo 74º do RGCO - Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27.10, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL nº 356/89, de 17.10, pelo DL nº 244/95, de 14.09 e pela Lei nº 109/2001, de 24.12, diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem - o recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma.
2. Neste sentido, vide o Ac STJ de 29.01.2015, processo 8/14.9YGLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt
3. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 412/89 de 15/09/1989, 307/90 de 04/03/1991, 42/92 de 11/06/1992, 240/89 de 22/03/1994, 214/2000 de 05/04/2000.
4. Acórdão datado de 19/04/2017.
5. In Custas Processuais – Análise e Comentário, Almedina, 7ª edição, 2018 , págs. 158-159.
6. Apesar disso, já não é assim se no caso de não ser obrigatório a constituição de advogado e o ato tenha sido praticado pela parte, hipótese em que a lei não prescinde da notificação da parte para proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, sob pena de ficar sujeita a cominações legais, cfr. nº 5 do artigo 145º do CPC.
7. In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 23ª reimpressão, Almedina, 2016, pág. 195.
8. Nessa medida, por ser direito subsidiário, estamos perante um caso de “…determinação do elenco das fontes de direito mobilizáveis como critério para a sua realização, diferentemente, no problema das lacunas vai ínsita a ausência de uma fonte ou critério positivo para essa mesma objetivação”, Ac STJ, nº 2/2014, de 06.03.2014, DR, Iª Série de 14.04.2014.