Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
144/18.2T9BRG-A.G1
Relator: PAULO SERAFIM
Descritores: HONORÁRIOS
DEFENSOR OFICIOSO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
CONTESTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – Tendo sido a ilustre advogada nomeada defensora ao arguido por imposição legal, na sequência de acusação contra ele deduzida nos autos, essa representação mantém-se para os actos subsequentes do processo, incluindo para os atinentes à instância cível enxertada nos autos, independentemente de a nomeação não decorrer de requerimento de proteção jurídica nessa modalidade formulado pelo arguido à autoridade administrativa competente.
II – Decorre do disposto no art. 66º, nº 5, do CPP a possibilidade de os honorários devidos ao defensor nomeado serem suportados pelas «partes civis», isto é, demandante ou demandado, consoante o desfecho do pedido de indemnização civil, do que se depreende que a remuneração do defensor inclui a sua actividade no que tange à instância cível, pois que de outra maneira não se compreenderia que a «parte civil» que decaiu fosse responsabilizada pela liquidação de honorários devidos a advogado com intervenção circunscrita à parte criminal.
III – Tendo a ilustre advogada nomeada deduzido contestação à matéria criminal e cível em nome do arguido/demandado, arrolado testemunhas e igualmente defendido o arguido/demandado na audiência de julgamento tem direito, de acordo com o previsto nos pontos 3.1.1.2 e 3.2 da Tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10.11 [ex vi do art. 66º, nº5, do CPP], a receber, cumulativamente, honorários pelos serviços prestados na acção penal e na acção civil, pagamento que incumbe ao Estado em virtude de o seu representado ter obtido, entretanto, protecção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento da compensação devida ao seu defensor.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

I.1 - No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 144/18.2T9BRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 3, na sequência de requerimento apresentado a 09.06.2021 [referência 11591133] pela ilustre advogada T. L., nomeada defensora oficiosa do arguido H. L., o Sr. Escrivão de Direito lavrou nos autos Termo com o seguinte teor [de 14.06.2021; referência 173785341]:

“Requerimento de 09/06/2021, de ref.ª 11591133:
O Escrivão de Direito informa que a referida nota de honorários foi rejeitada tendo por base os seguintes motivos:
A ilustre defensora oficiosa foi nomeada por imposição legal em 10/01/2020 aquando da prolação do despacho de acusação.
A referida nomeação não teve por base um pedido de proteção jurídica, o qual poderia ter sido solicitado pelo arguido aquando da sua constituição de arguido, onde lhe foi efetuado termo de notificação de apoio judiciário -cfr. constituição de arguido de 18/10/2018. O pedido de apoio judiciário foi formulado em 27/01/2020 e o seu deferimento consta dos autos em 06/07/2020, ref.ª 10242633.
A contestação foi apresentada em 18/06/2021, ref.ª 10171139.
Foram pagos os honorários devidos pela intervenção na parte penal.
A rejeição ora em apreço alicerça-se no Manual do Centro de Formação – Direção Geral da Administração da Justiça. e que em outros casos similares teve a concordância da Senhora Administradora Judiciária -cfr. excerto transcrito abaixo:
Na verdade, na sequência da presente reclamação a propósito da recusa de validação do pagamento dos honorários alegadamente devidos no âmbito do autos supra indicados, e sem prejuízo da questão em apreço poder vir a ser apreciada pelos serviços jurídicos da DGAJ, após uma ponderada análise dos argumentos aqui trazidos à liça, desde já nos cumpre referir e decidir o seguinte:
Como é consabido, as compensações devidas aos profissionais forenses no âmbito da protecção jurídica nas pertinentes modalidades de apoio judiciário, bem como as designações no âmbito de escalas de prevenção, quer seja por via de inscrição em lote, quer por designação isolada, atendem ao estabelecido na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, conforme e também nos termos dos artigos 25.º e 26.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro.
Por seu turno, as referidas compensações são processadas pelo IGFEJ, IP, e sempre efectuadas por via electrónica, nos termos do previsto no artigo 28.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro. No entanto, tal obedece a um procedimento por parte da secretaria do tribunal que, face ao pedido e informação enviada pela Ordem dos Advogados, é sujeita a confirmação ou estorno, operações que, como referido, a secretaria deve, após criteriosa análise e confronte o processo, realizar na plataforma informática SCJ5, encontrando-se uma área reservada para o Apoio Judiciário.
Por outro lado, na análise dos pedidos, que devem ser objecto de tratamento num período máximo de quinze dias, atende-se designadamente à tempestividade do pedido (após o trânsito em julgado ou constituição de mandatário), situações de acordo ou desistência que ocorram antes da audiência de discussão e julgamento, ao tipo e classificação do processo, ao número de sessões a ter em conta, eventuais despesas com deslocações, respectiva documentação e justificação, substituições e dispensas.
Neste sentido, os honorários devem ser pedidos de acordo com a espécie e forma de processo, atendendo às espécies processuais elencadas na Tabela de Honorários Anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10 de Novembro.
Todavia, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 25.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, com a redacção dada pela Portaria nº 2010/2008, de 29 de Fevereiro alterada e republicada pela Portaria n.º 654/2010 de 11 de Agosto e alterada pela Portaria nº 319/2011 de 30 de Dezembro que regulamenta a Lei do Acesso ao Direito, vulgo Lei do Apoio Judiciário (LAJ) e adiante designada por Portaria, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 25.º da referida Portaria nas nomeações isoladas para processo, o pagamento da compensação é efectuado quando ocorra o trânsito em julgado do processo ou a constituição de mandatário..
Ora, no caso de nomeações em lotes o facto gerador do direito à compensação de 30% dos honorários devidos pelo processo é a atribuição do lote, não estando o Advogado dependente do trânsito em julgado para receber esse montante, sendo que aquele só releva, no momento em que forem peticionados os remanescentes 70% - nº 3 do artigo 25º da Portaria.
Não obstante, existem ainda algumas situações específicas que dão origem a compensação que serão analisadas autonomamente ainda no âmbito do Título I sendo ainda certo que o capítulo II trata do pagamento de honorários por participação em escalas e que o capítulo III trata do pagamento de honorários por resolução extrajudicial de litígios.
Ora, aqui chegados, cumpre referir que é porventura seguro que, tal como dispõe o nº 1 do artigo 29º da LAJ a "A decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido” e que, o apoio judiciário é deferido para uma causa concreta e o patrono nomeado está limitado, na sua intervenção, ao disposto na decisão proferida pela Segurança Social, não podendo usar aquele despacho para causas diversas ou diversas pretensões do beneficiário.
4 Nesse sentido, tal como resulta de fls. 19 do Elucidário do Acesso ao Direito patrocinado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados de Dezembro de 2015, cabe assim ao Advogado averiguar, caso a caso e munido do despacho que lhe é apresentado pelo beneficiário, se a sua pretensão tem cabimento no artigo 17º da LAJ e a não haver dispositivo legal que permita a concessão de apoio judiciário o Advogado não tem legitimidade para prosseguir com a acção/pretensão, nem pode a final reclamar honorários na sua área reservada.
Por seu turno, dispõe o nº 1 do artigo 29º da LAJ que "A decisão que defira o pedido de protecção jurídica especifica as modalidades e a concreta medida do apoio concedido.”
Nesta senda, como é bom de ver, o apoio judiciário é deferido para uma causa concreta e o patrono nomeado está limitado, na sua intervenção, ao disposto na decisão proferida pela Segurança Social, não podendo usar aquele despacho para causas diversas ou diversas pretensões do beneficiário.
Ora, analisando o caso em apreço, constata-se que, tal como referido pelo Sr. Escrivão de Direito aqui em apreço e tal como documentado nos autos em apreço que a ilustre defensora oficiosa foi nomeada por imposição legal aquando da prolação do despacho de acusação, sendo certo que a referida nomeação não teve por base um pedido de protecção jurídica, o qual no entanto poderia ter sido solicitado pelo arguido aquando da sua constituição, onde aliás, lhe foi efectuado um termo de notificação de apoio judiciário, não estando documentado nos autos que o arguido tenha tomado qualquer atitude a esse respeito.
Na verdade, nos autos em apreço, a Sr.ª Dr.ª F.. foi nomeada apenas e só no âmbito de uma imposição legal, para representar o arguido no âmbito do processo penal, não tendo sido nomeada para o processo cível, pelo que não sendo a contestação obrigatória dado que, como é consabido, a falta de contestação não importa a confissão dos factos articulados, a nosso ver, de facto, não haverá lugar ao pagamentos de quaisquer honorários devidos pela contestação ao pedido de indemnização cível ora trazido à liça
Com efeito, no que concerne aos honorários aqui em apreço, tendo também por base o entendimento do Sr. Escrivão de Direito, a nosso ver, o mesmo terá cumprido todas as normas emanadas da DGAJ e que agiu em cumprimento das normas legais e daí que tenha procedido à recusa da validação do pedido de pagamento dos honorários aqui em crise.
De facto, tendo por base o que consta a fls. 19 do Manual de apoio elaborado pela DGAJ/CF em Junho de 2017, a nosso ver, o legislador não distinguiu em função da posição processual, ao invés adoptou um critério distintivo assente na natureza dos pedidos (cível e penal) sem prejuízo do grau de autonomia que ambas as duas acções alcançam apesar de decididas no âmbito do mesmo processo.
E, nesta medida é seguro que há condutas que podem simultaneamente inserir-se no ilícito penal e no ilícito cível, dando origem a uma acção penal, que visa aplicar uma sanção criminal ao infractor e a uma acção cível, que tem por finalidade a reparação cível pelas perdas e danos resultantes da infracção. No entanto, a intervenção no processo penal do lesado, ou seja, a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime e que nele deduz o pedido de indemnização cível (artigo 74.º, n.º 1 CPP), explica-se pela unidade do facto, apreciado como ilícito penal e como ilícito cível.
Nesta medida, como é bom de ver, o legislador não distinguiu em função da posição processual, mas adoptou o critério de distinção assente na natureza dos pedidos (cível ou crime) e à autonomia que as duas acções albergam apesar de decididas no mesmo processo.
5 Assim sendo, não tendo o legislador distinguido, a nosso ver, também não deve ser o intérprete a distinguir a questão em apreço.
Não obstante e seja como for, o certo é que a situação em apreço, decorre do sistema de política de justiça penal que determina a assistência jurídica em matéria criminal, razão pela qual, a nomeação imposta pela obrigatoriedade legal de assistência de advogado ao arguido apenas é compensada na medida da sua nomeação.
Neste sentido, é unânime a jurisprudência quando defende que sendo um advogado nomeado apenas para acção penal (cfr. arts. 20.º da CRP, 61.º n.º 1, als e) e f) e 64.º, do CPP), ele não é admitido a intervir no pedido de indemnização cível até porque a falta de contestação não importa a confissão dos factos, tal como referido pelo Sr. Escrivão de Direito e como decorre do disposto no n.º 3 do art. 78.º do C. P. Penal.
Ora, embora possamos reconhecer de alguma forma que a situação em apreço possa ser geradora de alguma injustiça, o certo é que a nosso ver, o Sr. Escrivão de Direito aqui em apreço agiu de acordo com a lei e com as orientações superiores pelo que da nossa parte nada mais temos por ora a acrescentar a propósito desta matéria.
Ademais, se porventura enveredássemos pela validação do pedido de pagamento de honorários aqui em causa através do SINOA, estaríamos a abrir um grave precedente na medida em que, de facto, temos entendido em situações similares, que só serão devidos os honorários pela intervenção no âmbito do processo criminal já que a intervenção no âmbito do pedido de indeminização cível mais não será do que uma decorrência do processo criminal e nessa medida a nomeação nessa fase decorre tão só e apenas por força de uma imposição legal porquanto as duas fases do processo não são porventura cindíveis nem absolutamente estanques para este ou outro qualquer efeito processual.
Termos em que, sem necessidade de mais delongas, por ora decide-se não atender ao pedido em apreço e nessa medida determinamos a recusa da validação do pedido de pagamentos dos honorários devidos pela contestação do pedido de indemnização cível que aqui nos trouxe.
Em todo o caso, tal como referido ab initio, será sempre possível submeter à consideração superior dos serviços jurídicos da Direcção Geral da Administração da Justiça a questão aqui trazida à liça por ser esta e apenas esta a entidade que, de facto, superintende os tribunais judiciais.

Braga, 21 de Agosto de 2018
A Administradora Judiciária
É o que me cumpre informar.”

A ilustre requerente apresentou então reclamação com o seguinte teor:
“T. L., Defensora do Arguido H. L., tendo verificado através do SinOA que a secretaria rejeitou, no passado dia 02 de Junho de 2021, o pedido de honorários lançado pela mesma no âmbito da intervenção no pedido cível, vem dele reclamar para V. Exa., o que faz nos seguintes termos:
A Signatária, uma vez transitada em julgado a decisão final proferida, apresentou pedido de pagamento de honorários por toda a intervenção realizada nos autos.
Nesse conspecto, entre outros, procedeu ao lançamento de honorários pela intervenção havida em representação/defesa do Arguido H. L., no âmbito do pedido de indemnização cível apresentado pela Demandante Cível, figurando o Arguido, para além do mais, também como Demandado Cível – cfr. documento que se junta sob o n.º 1 e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
O referido pedido de honorários veio a ser rejeitado pela Secretaria, acto sobre o qual incide a presente reclamação.
Compulsado o SinOA consta como Observação o seguinte, citamos: “Foi apenas nomeada para a parte criminal e não contestou o PIC” – cfr. documento que se junta sob o n.º 2 e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
Desde logo, não corresponde à verdade que o pedido de indemnização cível não tenha sido contestado, o que resulta à saciedade do articulado de contestação e rol de testemunhas junto aos autos, do qual se percepciona que foi apresentada contestação não só ao abrigo do artigo 315.º, como também do 78.º, ambos do Código de Processo Penal.
Consta daquele articulado junto aos autos, entre o mais o seguinte, cita-se: “Os factos não ocorreram como descritos na acusação e no pedido de indemnização civil”.
Por outro lado, foi requerido e deferido apoio judiciário por parte do Arguido, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação do defensor nomeado por imperativo constitucional, conforme resulta igualmente dos autos estendendo-se, pois, a nomeação também à acção cível enxertada na acção penal.
Ora, com o merecido respeito, é pacífico e indiscutível que os Defensores nomeados têm direito ao pagamento de honorários no âmbito do pedido de indemnização cível, embora venha sendo entendimento da DGAJ e do IGFEJ, que esse direito dependa de intervenção expressa (expressa no sentido de ser escrita ou visível nos autos), entendimento esse que, desde já adiantamos, para além de não corresponder ao caso dos autos, sempre contrariaria a lei.
Senão vejamos,
Face à observação que parece fundamentar a rejeição do pedido de honorários formulado, a questão que se colocará será a de saber se a nomeação se estende à Defesa do Arguido no âmbito do pedido de indemnização cível e ainda se o pagamento de honorários é devido independentemente da prática de qualquer acto pelo Defensor ou se exige, antes, uma real e efetiva intervenção deste em representação do Arguido.
Como consideramos claro, a estratégia da Defesa é decidida e delineada pela Defesa, quer quanto aos termos em que apresenta ou não contestação, quanto à matéria penal e/ou quanto à matéria cível, contestação essa que no caso foi apresentada.
O Arguido beneficia, como se disse, de apoio judiciário.
E, tudo resulta dos autos, de forma expressa, ou seja, visível, palpável.
Mas, ainda que assim se não considerasse, certo é que, aquele acto de rejeição não poderá manter-se por não estar de acordo com a lei.
Por relevante, citamos parte da decisão Singular do Tribunal da Relação de Lisboa, relativa ao processo n.º 1295/13.5TBSCR-B.L1, disponível em https://portal.oa.pt/media/130618/decisao-singular_tribunal-da-relacao-de-lisboa.pdf:
(…)
«Como decorre do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, «O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.», dispondo o artigo 3.º, n.º3, da mesma Lei que a compensação/remuneração pelos serviços prestados é apenas aquela que decorre da Lei, sendo os respetivos valores tabelados («3 - É vedado aos profissionais forenses que prestem serviços no âmbito do acesso ao direito em qualquer das suas modalidades auferir, com base neles, remuneração diversa da que tiverem direito nos termos da presente lei e da portaria referida no n. º 2 do artigo 45. º.»).
Nos termos do artigo 18.º, n.º 4 da Lei n. º 34/2004, «O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso.»
A razão de ser desta extensão e manutenção do apoio judiciário ao longo de todo o processo, como decorre da amplitude da regulação dos vários números do artigo 18.º, prende-se com a operacionalidade e eficácia da garantia do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º da Constituição da República que se traduz, no essencial, na não denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.
Por outro lado, os deveres que impendem sobre o patrono nomeado no âmbito no regime do apoio judiciário, bem como o direito a receber a compensação prevista na lei, decorre da nomeação e não da concreta intervenção do mesmo nos autos.
A lei não estabelece a contrapartida em função desse parâmetro. Não foi esse o caminho seguido pelo legislador. O direito à compensação é fixado «a forfait» para cada tipo processual, sem que o legislador tenha concedido ao Tribunal a possibilidade de aferir dos serviços prestados pelo patrono, seja de que forma for, para conceder ou determinar a medida dessa compensação. Ou seja, a compensação não depende da efetiva intervenção do patrono, ao contrário do que é dito no despacho recorrido.
No caso em apreço, a nomeação do I. Patrono no processo de insolvência abrange o apenso da Reclamação de Créditos. No âmbito desse apenso foi proferida uma decisão e foi o I. Patrono notificado da mesma na qualidade de patrono da insolvente.
A inação subsequente, ou seja, a não reação a esse despacho em nada interfere no direito à compensação prevista na Lei n.º 34/2004 em relação ao dito Apenso, sendo que, como se disse, não tem o juiz (muito menos a secretaria) poderes legais para sindicar essa inação de forma a refletir-se na concessão, ou não, da compensação/honorários previstos na lei.»
Concluindo-se, pois, mais uma vez, que a ora Signatária tem direito ao pagamento dos honorários peticionados.
Em face do que vem de expor-se, deve a decisão reclamada ser alterada, e em consequência, ser ordenada a confirmação dos honorários peticionados nos precisos termos em que foram lançados.”

Chamado a decidir sobre tal reclamação apresentada pela ilustre defensora oficiosa requerente, pelo Exmo. Juiz foi proferido o seguinte despacho [referência 173927981]:

“Concorda-se plenamente com a decisão de rejeição pelos fundamentos de facto e de Direito constantes do termo datado de 14 de junho de 2021 (cfr. a referência eletrónica 173785341), para o qual se remete integralmente, assim se indeferindo a reclamação apresentada.
Notifique.”

I.2 - Inconformada com tal decisão, dela veio a ilustre Sra. Advogada T. L. interpor o presente recurso, que contém motivação e culmina com as seguintes conclusões e petitório [cf. certidão junta aos autos com a referência 176666488]:

“A. Chegados a este ponto, estamos em condições de proceder à descrição conclusiva das razões fundadoras do exercício discursivo de alegações de recurso, cfr. o disposto no n.º 1 do art.º 412.º do CPP, o que se passará a fazer em seguida,
B. Refira-se que a aqui Recorrente, tendo sido nomeada como Defensora oficiosa de beneficiário de apoio judiciário e tendo em vista a liquidação dos honorários referentes à sua intervenção na parte respeitante à matéria civil, criou o processo cível através da ferramenta “Apenso/Recurso” na Plataforma informática SinOA e submeteu o respectivo pedido de pagamento de acordo com o ponto 3.2 — Pedido de indemnização civil Tabela Anexa da Portaria n.º 1386/2004.
C. Assim, tendo em conta que nos autos a Recorrente (i) apresentou Contestação de despacho de Acusação devidamente instruída com os elementos probatórios requeridos, bem como, (ii) contestou o pedido de indemnização cível, instruindo a defesa com os elementos probatórios requeridos, a Recorrente liquidou os seus devidos e legítimos honorários, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 25.º da Portaria n.º 10/2008, e tendo por referência o tratamento autónomo dado às matérias penal e civil pelos pontos pontos 3.1. e 3.2. da Tabela Anexa da Portaria n.º 1386/2004.
D. Neste intuito, a aqui Recorrente, apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto no normativo supra referido, bem como em conformidade com o expressamente previsto no ponto 1.2.3. – Pedido de Indemnização Civil - do Manual do Apoio Judiciário – Perguntas Frequentes e de acordo com o constante no ponto 1.8 – Honorários por pedido de indemnização civil - do Elucidário do Acesso ao Direito (Cfr. a p. 9 do documento em apreço na edição de 2015 e disponível para consulta em https://portal.oa.pt/media/117315/elucidario-do-acesso-ao-direito-dezembro-2015.pdf), o respectivo pedido de pagamento dos honorários devidos, por apresentação de pedido através da plataforma informática SinOA.
E. Não obstante, o referido pedido de pagamento de honorários foi rejeitado pela Secretaria do Tribunal, com a seguinte motivação “Identificação da entidade que não confirmou a prestação do(s) serviço”, acrescentou-se nas observações “Foi apenas nomeada para a parte criminal e não contestou o PIC.”, apesar de tal pagamento ser legalmente devido nos termos do acervo legal supra citado, na medida em que o Arguido viu o seu pedido de protecção jurídica deferido.
F. Não concordando com a recusa, a Recorrente apresentou em 09.06.2021 e ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 157.º do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP, reclamação do referido acto praticado pela Secretaria do Tribunal,
G. Contudo, por Despacho com data de elaboração de 22.06.2021, veio o Tribunal recorrido dar abrigo à posição da Secretaria, recusando ordenar o pagamento dos honorários liquidados pela Recorrente.
H. Ora, a Recorrente não se conforma com o entendimento expendido pelo Tribunal, na medida em que o mesmo procede a uma errónea apreciação factual, tal como interpreta o bloco de juridicidade relevante in casu, nomeadamente o disposto no n.º 1 do art.º 25.º da Portaria n.º 10/2008, e tendo por referência o tratamento autónomo dado às matérias penal e civil pelos pontos pontos 3.1. e 3.2. da Tabela Anexa da Portaria n.º 1386/2004, de forma manifestamente equívoca.
I. Pois, beneficiando o Arguido a quem a Recorrente foi nomeada como Defensora oficiosa de protecção jurídica, sempre terá a Recorrente direito a ver-se compensada pela sua intervenção no que à parte relativa à matéria civil diz respeito.
J. Ora, conforme expressamente consta da Reclamação apresentada, a Recorrente, não só teve efectiva intervenção no que ao litígio cível diz respeito, contestando e requerendo a prova pertinente para o efeito, como, e ao contrário do que a Secretaria do Tribunal, o Arguido viu ser-lhe deferido o apoio judiciário requerido.
K. Pelo que, recusando-se o Tribunal recorrido a, dando merecimento à reclamação apresentada, revogar a recusa de pagamento dos honorário válida e regularmente liquidados, violou de forma clara e manifesta o disposto no referido n.º 1 do art.º 25.º da Portaria n.º 10/2008, de 03 de janeiro, bem como o constante do n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
L. Assim, tendo a Recorrente fundamentado de forma expressa e clara o lançamento da compensação devida, tendo em consideração a intervenção, actos e diligências em que comprovadamente participou nos presentes autos e no que diz respeito à matéria civil, não poderia o Tribunal a quo ter recusado, conforme o fez no Despacho de recorrido, remunerar os serviços prestados pela Recorrente,
M. Em total desrespeito pela autonomia das matérias, penal e civil, que apenas detém tratamento unificado em sede de processo penal por mera razão de ordem prática,
N. Conforme resulta da previsão de campos autónomos, referentes a distintas remunerações, constantes do ponto 3. – Processo Penal – da Tabela Anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, nomeadamente, o ponto 3.1. e o ponto 3.2. referentes a processo penal e pedido de indemnização civil, respectivamente.
O. Pelo que, sempre se deverá ter em conta a liquidação a que procedeu a Recorrente, fixando-se a sua compensação devida em razão da intervenção quanto à parte civil em 21 UR’s.
Acresce que,
P. Ao indeferir a Reclamação apresentada pela Recorrente no que à parte civil tange e não validando a compensação legalmente devida quanto a esta, o Tribunal a quo, pelo Despacho prolatado e ora recorrido, violou o disposto no acervo legal composto pelos n.º 5 do art.º 66.º do CPP, n.º 3 do art.º 3.º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, o n.º 1 do art.º 25.º da Portaria 10/2008, de 3 de Janeiro e os pontos 3.1. e 3.2. da Tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro,
Q. Sendo certo que, no limite, a interpretação a que o Tribunal a quo procede, deixando sem a correspectiva remuneração o trabalho efectivamente prestado pela ora Recorrente, no interesse e benefício do Arguido nos autos, sempre perigará a substancialidade do direito à remuneração pelo trabalho prestado, com previsão constitucional na al. a) do art.º 59.º da CRP.
R. Motivo pelo qual, deve o Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene que se proceda à confirmação do pedido de compensação conforme o que decorre do previsto no bloco de juridicidade que se vem de referir e, consequentemente, deverá se fixado o valor de 21 UR`s devidos à Recorrente a título de compensação pela intervenção na parte civil dos presentes autos.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.ªs certamente suprirão, deverá o recurso interposto ser considerado como procedente por provado, e o Despacho ora colocado em crise ser revogado, ordenando-se, desde já, a confirmação dos honorários liquidados pela Recorrente.”

Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Público, notificada do despacho de admissão do recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou a sua douta resposta, na qual, citando pertinente jurisprudência, pugna pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida [referência 176711495].

I.3 - Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer sustentando a rejeição do recurso por manifesta improcedência, nos termos do art. 420º, al. a), do CPP, e consequente manutenção da decisão recorrida [referência 7891352].

Para o efeito, alegou:
- A recorrente foi nomeada defensora oficiosa do arguido, acusado em processo comum, encontrando-se os honorários que são devidos devidamente descriminados no ponto 3 da referida portaria, sendo os mesmos variáveis de acordo com a natureza do processo, e com a moldura penal abstrata dos crimes imputados ao arguido. Em nenhum dos diversos itens do ponto 3 está prevista a atribuição de horários pela dedução de contestação à acusação e/ou ao pedido cível, prevendo-se a atribuição de honorários apenas no que toca ao pedido cível formulado pelo demandante (ponto 3.2),
- No caso vertente a recorrente não deduziu pedido cível, antes o “contestou” oferendo o merecimento dos autos, não existindo base legal para que lhe seja atribuído honorários por tal facto.

Cumprido o disposto no art. 417º, nº2 do CPP, a ilustre recorrente apresentou resposta [referência 205145] em que, reiterando o alegado no recurso, invoca ainda:
- Deve ser considerado, por analogia, o disposto no n.º 4 do art.º 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho - Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, que prevê a possibilidade da intervenção do patrono nomeado em processo se estender ope legis e de forma automática aos processos ao mesmo apensos, pelo que, por maioria de razão, a representação pelo patrono nomeado em processo penal, depois de deferido o apoio judiciário, dever-se-á estender à matéria cível aí discutida.
- Não se alcança a relevância dada pelo Ministério Público ao facto de a Recorrente ter contestado o pedido de indemnização cível, ao invés de ter apresentado petição inicial, pois uma e outras intervenções são susceptíveis de gerar a obrigação de remuneração do Patrono nomeado.
- A intervenção de patrono nomeado para apresentação de contestação em processo de natureza civil é obrigatória e legalmente remunerada, cfr. o previsto no ponto 1.1 – Acção declarativa - da Portaria n.º 1384/2004, de 29 de julho.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÃO A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP) (1).
Assim sendo, no caso vertente, a questão que importa dilucidar é se em processo penal os honorários devidos a defensor oficiosamente nomeado a arguido incluem retribuição autónoma por defesa ao pedido de indemnização civil formulado nos autos pelo lesado.
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III – APRECIAÇÃO:

A Exma. Recorrente, defensora oficiosa nomeada nos autos ao arguido H. L. dirigiu à Sra. Secretária Judicial requerimento de honorários em que peticionava o pagamento da quantia correspondente a 21 UR, atualizada nos termos legais, a título dos honorários alegadamente devidos pela dedução de contestação ao pedido de indemnização civil formulado nos autos contra o arguido/demandado.
Tal requerimento foi rejeitado pelo Sr. Escrivão de Direito (cf. termo de 14/06/2021 – ref. 173785341 dos autos principais), escudado no alegado “Manual do Centro de Formação – Direção Geral da Administração da Justiça”, e que em outros casos similares teve a concordância da Senhora Administradora Judiciária da Comarca de …, rejeição que veio a ser confirmada pelo despacho judicial que constitui a decisão recorrida.
Na decisão em apreço, o tribunal recorrido – remetendo para o antes expendido pelo Exmo. Escrivão de Direito –, entendeu que tendo a nomeação da Sra. Advogada resultado de imposição legal, na sequência de acusação deduzida nos autos contra o arguido, e não de nomeação na sequência de requerimento de proteção jurídica formulado perante os competentes serviços da Segurança Social, o âmbito da sua atuação cinge-se ao processo penal, já que não foi nomeada para o processo cível. Assim, não sendo obrigatória a contestação ao pedido de indemnização civil (PIC), pois que a sua falta não gera confissão dos factos articulados, não há lugar ao pagamento de quaisquer honorários devidos pela contestação ao PIC.
O outro argumento, resultante do termo lavrado no processo pelo Sr. Escrivão de Direito (citando o entendimento da Sra. Administradora Judiciária), é o de que a intervenção no âmbito do PIC mais não será do que uma decorrência do processo criminal e nessa medida a nomeação nessa fase decorre tão só de uma imposição legal porquanto as duas fases do processo não são porventura cindíveis nem absolutamente estanques para este ou qualquer outro efeito processual.
O Ministério Público, na primeira instância, em apoio do decidido, citou os acórdãos, em sentido concordante, do Tribunal da Relação do Porto de 22/05/2002 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/01/2005, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Refere o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/05/2002, proferido no Processo 0240412, relatado por Isabel Pais Martins, que «A nomeação de defensor ao arguido é imposta pela obrigatoriedade de assistência do defensor ao arguido, mas as suas funções não englobam as de representar o arguido enquanto demandado no pedido de indemnização civil. Por isso, tendo o advogado sido nomeado defensor ao arguido para o assistir no âmbito da acção penal, mas não para o representar no pedido de indemnização civil, no âmbito do apoio judiciário, não tem direito a receber honorários relativos a este pedido.»

Na fundamentação de tal aresto menciona-se, entre o mais, com interesse para o caso ajuizado, que:
«No caso dos autos, porém, o recorrente não foi nomeado advogado ao demandado no âmbito do apoio judiciário.
Como claramente a motivação de recurso informa (e decorre do próprio acórdão) o recorrente foi nomeado defensor ao arguido.
No pedido cível deduzido em processo penal, os demandados e intervenientes devem fazer-se representar por advogado (artigo 76.º, n.º 2, do CPP).
Na versão primitiva do Código, a regra de que os demandados e intervenientes deveriam ser sempre representados por advogado, determinava que, no caso de não constituírem advogado, o juiz lhes nomeasse advogado.
O n.º 4 do artigo 76.º era, nesse ponto, explícito: «devem fazer-se representar por advogado os intervenientes, mas se o não fizerem são representados por defensor nomeado pelo juiz».
O dever de o juiz nomear advogado aos demandados que não constituírem advogado, deixou de ser imposto, nada constando, agora no n.º 2 do artigo 76.º, a esse respeito. Esse segmento foi eliminado pela Lei n.º 59/98. A exposição de motivos que precede a revisão que a Lei n.º 59/98 veio a consagrar, constante da Proposta de Lei n.º 157/VII [Publicada no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 27, de 29.01.98, p. 481 e ss] esclarece que as alterações introduzidas no regime do pedido de indemnização civil, com respeito pelo princípio do pedido, têm o sentido de melhorar a protecção do lesado no âmbito do processo penal. Concretamente quanto ao regime de representação, afirma-se: «O regime de representação sofre modificações substanciais, em conciliação com as regras do processo civil e com os poderes de intervenção do Ministério Público decorrentes do seu estatuto, sem fragilizar a protecção dos mais carenciados economicamente.»

Em seguida, esclarece-se que:
- é afirmado o princípio da representação do lesado por advogado, de acordo com o regime do patrocínio judiciário, mas permitindo-se a intervenção directa do lesado, sem advogado, nos casos em que o pode fazer no processo civil,
- não se eliminando a intervenção do Ministério Público, em representação do lesado, harmoniza-se o respectivo regime com o resultante do seu estatuto orgânico e das leis de processo, introduzindo-se, nesta conformidade, uma disposição (artigo 76.º, n.º 3) prevendo a intervenção em representação do Estado, das autarquias e das pessoas e interesses a quem o Estado deve protecção, designadamente dos incapazes, incertos e ausentes.
Continuando a ser afirmando o princípio da representação por advogado do demandado, pela necessidade de assegurar uma intervenção técnica, a eliminação do segmento que impunha a nomeação de defensor significa que o demandado não pode, por si, exercer os poderes processuais que lhe cabem, nessa qualidade.
Para exercer os poderes processuais quanto à sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo (artigo 74.º, n.º 3), designadamente contestar e oferecer provas (artigos 78.º e 79.º), o demandado ou constitui advogado ou requer (e é-lhe concedido) apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono ou de pagamento de honorários de patrono escolhido (artigo 15.º, alínea c), da Lei n.º 30-E/2000), para o representar na qualidade de demandado. Se o demandado não constituir advogado ou se não requerer (e lhe for concedido) apoio judiciário, na modalidade indicada, não é admitido a intervir no pedido de indemnização civil, que segue para decisão dos factos alegados no pedido, uma vez que a falta de contestação não implica confissão dos factos (artigo 78.º, n.º 3).
O recorrente foi nomeado defensor ao arguido, para o assistir no âmbito da acção penal e não para, ainda, o representar, enquanto demandado, na acção civil, sendo que ao processo se aplicam as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 59/98.
A nomeação de defensor ao arguido é imposta pela obrigatoriedade de assistência do defensor ao arguido, nos casos indicados no artigo 64.º do CPP. As funções do defensor não englobam as de representar o arguido, enquanto demandado, no pedido de indemnização civil, tanto mais que deixou de ser imposta a nomeação de defensor aos demandados.
Por isso, o recorrente – que não foi nomeado patrono ao demandado para o representar no pedido de indemnização civil, no âmbito do apoio judiciário -, não tem direito a receber honorários relativos ao pedido de indemnização civil.»
Em idêntico sentido se pronunciou o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/01/2005, proferido no Processo nº 1760/04-2, relatado por Miguez Garcia: «I - A previsão de honorários pela acção penal e pelo pedido civil “não pode deixar de significar que o advogado nomeado no âmbito do apoio judiciário tem direito a receber honorários pelos serviços prestados na acção penal e na acção civil, solução que é imposta pela distinção a que a tabela procede e é a única conforme à diferente natureza dos dois pedidos (criminal e cível) e à autonomia que as duas acções conservam embora devam ser decididas no mesmo processo”. II - Porém, sendo um advogado nomeado, no âmbito do apoio judiciário, apenas para a acção penal, ele não é admitido a intervir no pedido de indemnização civil, uma vez que a falta de contestação não implica confissão dos factos (artigo 78º, nº 3)”.
III - Por conseguinte, não sendo o patrono nomeado para o pedido cível, apenas são devidos os honorários pelos serviços prestados como defensor do arguido no tocante à acusação penal.»
Em conformidade com a sobredita orientação jurisprudencial descortina-se ainda a Recomendação nº1 do Instituto do Acesso ao Direito (IAD)| SHS/MO - Dezembro de 2010 - Acção Cível inserta na Acção Penal - Processamento de Honorários [in “Elucidário do Acesso ao Direito”, do Instituto do Acesso ao Direito, dezembro de 2015, publicado pela Ordem dos Advogados]:
«O IAD tem sido frequentemente confrontado com a dúvida quanto ao processamento de honorários relativos à intervenção do defensor na acção cível inserta na acção penal. ENQUADRAMENTO - Em primeiro lugar há que proceder ao enquadramento legal da questão em análise sob um duplo prisma, o da natureza deste pedido e o da natureza da nomeação/remuneração. Vejamos então: A) Natureza do pedido de indemnização cível. Há condutas que podem simultaneamente inserir-se no ilícito penal e no ilícito civil, dando origem a uma acção penal, que visa aplicar uma sanção criminal ao infractor e a uma acção civil, que tem por finalidade a reparação civil pelas perdas e danos resultantes da infracção. A intervenção no processo penal do lesado, ou seja, a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime e que nele deduz o pedido de indemnização civil (artigo 74º, nº 1, do CPP), explica-se pela unidade do facto, apreciado como ilícito penal e como ilícito civil. O legislador português optou pelo sistema de adesão, não obstante se consagrar no artigo 129º do Código Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil obrigando a deduzir o pedido no processo penal respectivo, o que significa que a acção de indemnização acompanha necessariamente a acção penal (artigo 71º do CPP). A lei prevê assim a possibilidade de deduzir o pedido de indemnização perante o foro civil, “em separado”, mas só como excepção (artigo 72º, nº 1, do CPP). As duas acções conservam autonomia também no que respeita a custas. É assim que à responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil são aplicáveis as normas do processo civil, conforme dita expressamente o artigo 523º do CPP. B) Âmbito da Nomeação/Remuneração. - A Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais actualmente em vigor – Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto - prevê no n.º 2 do seu artigo 3º que “O Estado garante uma adequada compensação aos profissionais forenses que participem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais”. - Estatui ainda o n.º 2 do artigo 45º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, que a admissão dos profissionais forenses ao sistema de acesso ao direito, a nomeação de patrono e de defensor e o pagamento da respectiva compensação, é regulamentada por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça. - A regulamentação da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, encontra-se prevista na Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro e pela Portaria nº 654/2010 de 11 de Agosto e na Portaria nº 1386/2004 de 10 de Novembro. - Da regulamentação da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, importa destacar os aspectos que a seguir discriminamos e que entendemos profícuos para a análise da proposta de compensação dos serviços prestados pelo defensor no âmbito da intervenção no pedido de indemnização cível: O exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado. É a regra do artigo 66º, nº 5, do CPP. Os honorários a atribuir são os fixados nos termos da Tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004 de 10/11. 27 ELUCIDÁRIO DO ACESSO AO DIREITO Tal como se observa das disposições supra invocadas, o legislador não distingue em função da posição processual, mas adopta o critério de distinção assente na natureza dos pedidos (cível ou crime) e à autonomia que as duas acções albergam apesar de decididas no mesmo processo. Pelo que importará, igual e antecipadamente, distinguir o âmbito da nomeação: A NOMEAÇÃO DECORRE DE IMPOSIÇÃO LEGAL - o Advogado é nomeado para a acção penal e no cumprimento de normas constitucionais (art. 20º) e processuais penais (art. 61º nº 1, alínea e) e f) e art. 64º, CPP) A NOMEAÇÃO TAMBÉM É EFECTUADA TENDO POR BASE O PEDIDO DE PROTECÇÃO JURÍDICA – que depende da prévia averiguação e comprovação da situação de insuficiência económica. Claramente o primeiro caso decorre do sistema de política de justiça penal que determina a assistência jurídica em matéria criminal. Neste caso a nomeação é imposta pela obrigatoriedade legal de assistência do defensor ao arguido e o defensor nomeado é apenas compensado na medida da sua nomeação. Neste caso concreto é unânime a jurisprudência ao defender que sendo um Advogado nomeado apenas para a acção penal, ele não é admitido a intervir no pedido de indemnização civil até porque a falta de contestação não implica confissão dos factos (artigo 78º, nº 3). O segundo caso contempla a nomeação de defensor para um beneficiário que tem direito a protecção jurídica comprovado pelos competentes serviços da Segurança Social. Aqui a intervenção do Advogado deverá não só abarcar a defesa na acção penal, mas também, a defesa na acção cível. POSIÇÃO DO IAD A legislação acima invocada não faz alusão, de forma clara e inequívoca, à compensação do Defensor Oficioso em sede de intervenção no pedido de indemnização cível. Todavia, não subsistem dúvidas doutrinais e jurisprudenciais relativamente à autonomia da acção cível apresentada em acção penal, quer em função da sua natureza, quer por via da sua classificação para efeitos de processamento de custas. Tendo sido requerida pelo beneficiário protecção jurídica, deverá aplicar-se analogicamente, o previsto nos nºs 4 e 5 do artigo 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, onde “o apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso” e “o apoio judiciário mantém-se ainda para as execuções fundadas em sentença proferida em processo em que essa concessão se tenha verificado.”. E consequentemente deverá também aplicar-se à remuneração dos defensores, os pontos 3.2 e 3.3 da Tabela anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10 de Novembro.»
Salvo o devido respeito, que é muito, não nos revemos integralmente na douta jurisprudência acima citada.

No caso dos autos, a ilustre advogada ora recorrente foi, por imposição legal, nomeada defensora ao arguido H. L. (após solicitação dos Serviços do Ministério Público à Ordem dos Advogados, através do sistema informático sinOA (2)), na sequência de acusação contra ele deduzida nos autos, em cumprimento do disposto no art. 64º, nº3, do CPP.
Entretanto, como a Exma. defensora oficiosa não foi substituída, a representação manteve-se para os atos subsequentes do processo – cf. art. 66º, nºs 3 e 4, do CPP.
Nos termos do art. 66º, nº5, do CPP, «O exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado, nos termos e no quantitativo a fixar pelo tribunal, dentro de limites constantes de tabelas aprovadas pelo Ministério da Justiça ou, na sua falta, tendo em atenção os honorários correntemente pagos por serviços do género e do relevo dos que foram prestados. Pela retribuição são responsáveis, conforme o caso, o arguido, o assistente, as partes civis ou os cofres do Ministério da Justiça.». Como resulta do texto deste normativo legal, o legislador processual penal, no âmbito da nomeação oficiosa de defensor ao arguido, previu expressamente a possibilidade de os honorários devidos pelo defensor nomeado serem suportados pelas “partes civis”, isto é, demandante ou demandado, consoante o desfecho do pedido de indemnização civil, do que se depreende que a remuneração do defensor inclui a sua atividade no que tange à instância cível, pois que de outra maneira não se compreenderia que a “parte civil” (3) que decaiu fosse responsabilizada pela liquidação de honorários devidos a advogado com intervenção circunscrita à parte criminal.
E, salvo melhor opinião, cremos que não é idóneo a contrariar tal conclusão o argumento estribado na alteração legislativa ao preceituado no art. 76º do CPP operada pela Lei nº 59/98, de 25.08, entendida por alguns como significando que o arguido/demandado que não constitui mandatário ou, em caso de insuficiência económica, não solicita a nomeação de patrono oficioso, não pode intervir na discussão da matéria civil que integra o pedido de indemnização civil, até porque a não contestação dos factos nele descritos não resvala na sua confissão pelo demandado.

Preceitua o art. 76º do CPP, na redação introduzida pela Lei nº 59/98, de 25.08:

“1 - O lesado pode fazer-se representar por advogado, sendo obrigatória a representação sempre que, em razão do valor do pedido, se deduzido em separado, fosse obrigatória a constituição de advogado, nos termos da lei do processo civil.
2 - Os demandados e os intervenientes devem fazer-se representar por advogado. [negrito nosso]
3 - Compete ao Ministério Público formular o pedido de indemnização civil em representação do Estado e de outras pessoas e interesses cuja representação lhe seja atribuída por lei.”

Era a seguinte a redação originária do artigo [DL nº78/87, de 17.02]:
“1 - Compete ao Ministério Público formular o pedido de indemnização civil relativamente a lesado que lho requeira.
2 - O lesado pode fazer-se representar por advogado.
3 - A representação por advogado faz cessar a intervenção do Ministério Público e implica para o lesado a aceitação dos actos processuais por aquele praticados.
4 - Devem fazer-se representar por advogados os demandados e os intervenientes, mas se o não fizerem são representados por defensor nomeado pelo juiz.” [sublinhado e negrito nossos]

Por outro lado, dispõe o art. 78º, nº3, do CPP que a falta de contestação não implica confissão dos factos articulados pelo demandante.
Julgamos que a supressão na Lei Nova da imposição dirigida ao juiz de nomear defensor oficioso ao demandado (ou interveniente) que não se encontre representado por advogado (por si constituído ou previamente nomeado a seu pedido pelos competentes serviços da Segurança Social) não pretende significar que na ausência desta representação o demandado se vê impedido de litigar no âmbito do pedido de indemnização civil contra si formulado.
O argumento em contrário, como vimos, é o de que a nomeação de defensor ao arguido é imposta pela obrigatoriedade de assistência do defensor ao arguido, nos casos indicados no artigo 64.º do CPP, e que as funções do defensor não englobam as de representar o arguido, enquanto demandado, no pedido de indemnização civil, tanto mais que deixou de ser imposta a nomeação de defensor aos demandados.
Todavia, entendemos que a sobredita alteração legislativa operada pela Lei nº 59/98 não teve em vista tal desiderato e se deve antes à perceção legislativa da manifesta desnecessidade de fazer constar da lei a obrigatoriedade de o Tribunal proceder especificamente à nomeação de “defensor” ao demandado, tanto mais que o pedido de indemnização civil deduzido no processo penal se funda na prática de um crime, e não de um crime qualquer mas tão só de um que seja imputado ao arguido naqueles autos (cf. art. 71º do CPP).
Com efeito, atendendo aos prazos legais previstos no art. 77º do CPP para a formulação do pedido de indemnização civil, designadamente à circunstância comum de que o mesmo será sempre efetuado na acusação ou posteriormente à dedução desta ou da pronúncia, conclui-se que, necessariamente, por força do disposto no já aludido art. 64º, nº3, do mesmo diploma legal, a partir da redação conferida precisamente pela mesma Lei nº 59/98, o arguido que seja concomitantemente demandado civil já terá de se encontrar representado por profissional forense, seja mandatário por si constituído ou defensor oficiosamente nomeado pelo Tribunal, o qual pode e deve defender os interesses do arguido também no que tange à demanda cível.
Ao invés, não serve para justificar uma pretensa alteração do pensamento legislativo a ausência de confissão dos factos articulados pelo demandante por falta de contestação do pedido de indemnização civil. É que a norma contida no art. 78º, nº3 do CPP preexistia à data da entrada em vigor da Lei nº 59/98, constando já da versão originária do Código, aprovado pelo DL 78/87, de 17.02.
Também por isso, não cremos que proceda a objeção vertida na decisão recorrida de que a representação por advogado na instância cível se mostra processualmente despicienda, nomeadamente no que concerne à dedução de contestação ao PIC e, como tal, não seria suscetível de conferir nessa parte ao defensor oficioso nomeado direito a obter remuneração autónoma.
Tal entendimento pressupõe desde logo uma injustificada menorização da instância cível, uma vez que não é raro que o pedido de indemnização civil envolva avultados montantes pecuniários, suscetíveis de, em caso de procedência, afetar sobremaneira a condição económico-financeira do demandado.
Por outro lado, não vislumbramos validade no argumento fundado na não obrigatoriedade de dedução de contestação ao PIC por parte do demandado, por a falta de contestação não implicar confissão dos factos articulados. O demandado tem o direito a ser processualmente representado por um técnico de Direito, que contribua para assegurar as garantias de defesa e o efetivo e cabal contraditório (4), sendo que cabe àqueles, em conjunto, delinear a defesa que entendam mais conveniente no caso, o que pode passar ou não pela apresentação de contestação ao PIC. E, como se sabe, a contestação, na sua vertente de impugnação, não se limita à contradição dos factos articulados no pedido de indemnização civil, podendo consubstanciar a alegação de que esses factos são inidóneos a produzir o efeito jurídico pretendido pelo demandante, assim como pode assumir igualmente a vertente de alegação de exceções dilatórias ou perentórias (cfr. art. 571º do CPC).
Aliás, o próprio Tribunal recorrido, não obstante a final ter negado à Exma. Sra. Advogada nomeada defensora oficiosa ao arguido nos autos o direito a receber honorários pela sua intervenção na parte cível, no decurso do processo – no mínimo, incoerentemente – conferiu-lhe poder para, no exercício das funções para as quais foi nomeada, contestar o pedido de indemnização civil deduzido contra o seu representado, o arguido Hélio, conforme decorre da notificação que lhe foi dirigida a 24.03.2020, na qual lhe foi igualmente concedido prazo para contestar (para além da acusação) o pedido de indemnização civil em apreço, nos termos do art. 78º do CPP.
Resumindo: se é certo que o arguido/demandado civil não pode pleitear por si próprio na acção cível enxertada na ação penal, poderá obviamente defender-se com intervenção processual do seu representante forense, independentemente de este ter sido por si constituído mandatário judicial ou ter sido nomeado, e neste segundo caso quer a nomeação tenha sido oficiosamente determinada pelo Tribunal quer tenha sido por aquele requerida no âmbito da proteção jurídica, reservada a quem comprove a sua carência económico-financeira.
À mesma conclusão se chegaria por interpretação analógica do estatuído no art. 18º, nº4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto.
Preceitua o predito normativo legal que «O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso.».
Assim sendo, se no caso de nomeação de defensor a requerimento do arguido não subsistem dúvidas de que aquela se mantém para todos os atos processuais subsequentes nos autos para que foi peticionada, e, bem assim, para todos os apensos a tal causa, sejam de que natureza for, é de entender que, por maioria de razão, a representação se estende para a instância cível processada no próprio processo penal. E não se vislumbra fundamento racional bastante para que assim não seja também para o defensor nomeado oficiosamente pelo Tribunal ao arguido, simultaneamente demandado civil nos autos.
A operar-se uma distinção no tratamento conferido a situações que se prefiguram essencialmente idênticas, estaríamos perante uma potencial violação do disposto no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, onde se consagra o princípio da igualdade nos seguintes termos: «1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.». Este princípio vem sendo reiteradamente interpretado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional como significando que se deve conferir o mesmo tratamento ao que for essencialmente igual e tratar de modo diferenciado o que for essencialmente distinto. Constituindo limite objetivo à discricionariedade ou arbitrariedade legislativa, dele decorre a proibição de criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente que não se estribem em fundamento razoável, objectivo e racional. (5)
In casu, afigura-se-nos que a identidade de razões a reclamar igual tratamento é ainda mais notória porquanto o arguido H. L., invocando a sua insuficiência económico-financeira, formulou junto dos competentes serviços da Segurança Social, em 27.01.2020 (antes de deduzir contestação ao PIC), requerimento de proteção jurídica nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de pagamento da compensação de defensor oficioso, o qual veio a ser deferido, conforme consta da cópia da decisão administrativa proferida a 30.06.2020, junta aos autos a 06.07.2020.
Em conformidade com o supra exposto, consideramos, como a recorrente, que o âmbito funcional decorrente da lei para o advogado nomeado a arguido em processo penal, independentemente do modo de nomeação, ou seja, quer o mesmo tenha sido nomeado por imposição legal na decorrência de ato processual praticado nos autos quer a nomeação decorra de requerimento de proteção jurídica nessa modalidade formulado pelo arguido à autoridade administrativa competente (serviços da Segurança Social), abrange o processo na sua globalidade, incluindo, portanto, a instância cível enxertada no processo penal. (6)
Posto isto, cumpre aquilatar se as normas jurídicas atinentes à remuneração legalmente devida ao defensor oficioso em processo penal, preveem, acrescida e autonomamente, retribuição pela representação do arguido, na concomitante qualidade de demandado civil, na instância cível.

No caso vertente, a ilustre recorrente deduziu a 18/06/2020, em nome do arguido/demandado H. L., nos termos dos art. 315º do CPP e 78º, ambos do CPP, contestação, no âmbito da qual declarou que os factos não ocorreram como descritos na acusação e no pedido de indemnização civil, oferecendo o merecimento dos autos e arrolou testemunhas; defendeu ainda o demandado na audiência de julgamento.
Conforme o preceituado no art. 66º, nº5, do CPP, a remuneração devida ao defensor nomeado pelo exercício da função é fixada pelo tribunal, de acordo com o previsto nas tabelas aprovadas pelo Ministério da Justiça, ou seja, de acordo com a Tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10.11.
Com efeito, dispõe o art. 24º, nº 1 da Portaria nº 10/2008, de 03.01, que «As nomeações isoladas para processos consistem na nomeação ocasional dos profissionais forenses para um processo concreto.». Por seu turno, estatui o art. 25º, nº1 da mesma Portaria que « Os valores das compensações devidas aos profissionais forenses pela inscrição em lotes de processos ou pela nomeação isolada para processo são os estabelecidos na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro
Assim sendo, temos que, de acordo com a sobredita Tabela, os honorários a atribuir no âmbito do processo penal são os previstos no Ponto 3, prevendo-se para o Processo Comum os atinentes aos processos com intervenção de tribunal coletivo ou singular, nos pontos 3.1.1.1 e 3.1.1.2, respetivamente, e, bem assim, se prevê ali, separadamente, no ponto 3.2. da tabela, a atribuição de honorários ao pedido de indemnização civil deduzido no âmbito do processo penal, por remissão para os previstos nas ações cíveis declarativas, consoante o valor da causa.
Por conseguinte, estabelecendo-se diferentes níveis de honorários em relação ao processo penal e ao pedido de indemnização civil neste formulado, é legítimo concluir que os advogados nomeados em processo penal têm direito a receber honorários pelos serviços prestados na acção penal e na acção civil, isto é, de modo cumulativo.
E, como acima expusemos, julgamos que assim será quer o defensor tenha sido nomeado ao arguido no processo penal por imposição legal, pressuposto obviamente que este litigue com apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa e demais encargos com o processo e de pagamento da compensação a defensor oficioso, como sucede no caso (pois que de outra forma a responsabilidade pelo pagamento não caberia aos cofres do Estado), quer a sua nomeação se opere, a seu requerimento, no âmbito do instituto da proteção jurídica.
Como sagazmente se observa no acima citado acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/12/2021, «não cabendo ao arguido o pagamento dos honorários devidos à sua defensora em consequência do apoio judiciário que lhe foi concedido e não podendo a Ilustre advogada nomeada no processo como defensora do arguido, nele aceitar mandato para o representar no pedido civil (Artº 43 nº2 Lei Nº 34/2004 de 29/07 que regula o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (RADT), o não pagamento dos honorários, nesta sede, por si reclamados, implicaria que a mesma ficaria impedida de receber a sua retribuição pelo seu trabalho desenvolvido na parte civil, o que consubstancia uma violação do estatuído no Artº 59 nº1 da Constituição da República Portuguesa.»

No caso vertente, a Ilustre requerente foi nomeada defensora oficiosa do arguido H. L. e este, no âmbito de um pedido que foi deferido pela competente entidade administrativa, beneficia de proteção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento da compensação devida ao seu defensor, pelo que tem aquela direito a que lhe sejam pagos os honorários pelos serviços prestados, nos termos da tabela anexa Portaria 1386/2004, de 10/11, que define a remuneração dos profissionais forenses no âmbito da proteção jurídica e cujo pagamento é assegurado pelo Estado.
Uma vez que já foram liquidados os honorários relativos à parte criminal, devem ser objecto de pagamento os honorários devidos pela intervenção da defensora oficiosa referente ao pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido, de acordo com o ponto 3.2. da aludida tabela, ou seja, o montante de € 537,18 peticionado pela ora recorrente, correspondente ao valor de 21 UR (cf. Ponto 1.1.1.1, por remissão do Ponto 3.2), atualizado por aplicação do índice de preços no consumidor, anual, sem habitação, e considerando todo o território nacional (IPC), referente ao ano de 2019, conforme divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística, I. P. (cf. art. 3º da Portaria nº 161/2020, de 30.06).

Em conformidade, procede o douto recurso.
*
IV - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que determine o pagamento à Exma. Advogada recorrente dos honorários que lhe são devidos pelos serviços prestados pela sua intervenção na instância cível enxertada na ação penal, nos termos por aquela requeridos nos autos (Ponto 3.2. da tabela anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10/11).

Sem tributação.
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Guimarães, 4 de abril de 2022,

Paulo Correia Serafim (Relator)
[assinatura eletrónica]

Pedro Freitas Pinto (Adjunto)
[assinatura eletrónica]

Fernando Chaves
(Juiz Desembargador Presidente da Secção Criminal)
[assinatura eletrónica]

(Acórdão processado e integralmente revisto pelo relator, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)



1 - Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e seguintes; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
2 - Prescreve o art. 2º da Portaria nº 10/2008, de 03.01:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, a nomeação de patrono ou de defensor é efectuada pela Ordem dos Advogados, podendo ser realizada de forma totalmente automática, através de sistema electrónico gerido por esta entidade.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, os tribunais, as secretarias ou serviços do Ministério Público, os órgãos de polícia criminal e os serviços de segurança social devem solicitar a nomeação de patrono ou de defensor à Ordem dos Advogados, sempre que, nos termos da lei, se mostre necessária.”
3 - Ou o competente instituto estadual no caso de a parte civil responsável beneficiar de proteção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e/ ou de pagamento de compensação do defensor oficioso/patrono (uma vez que nos termos do art. 16º, nº1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais [DL nº 34/2008, de 26.02], as custas compreendem os encargos, entre eles “dos custos com a concessão de apoio judiciário, incluindo o pagamento de honorários”.
4 - Prescreve o art. 202º, nº2, da CRP que, «Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.»
5 - Neste sentido, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 437/06, de 29.07, Processo nº 349/05, 3ª Secção, relatado pelo Exmo. Conselheiro Vítor Gomes, nº 546/11, Processo nº 17/2011, 3ª Secção, relatado pela Exma. Conselheira Maria Lúcia Amaral, e nº 266/15, Processo nº 842/14, 1ª Secção, relatado pela Exma. Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros, todos acessíveis in www.tribunalconstitucional.pt.
6 - No Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/12/2021, Processo nº 229/13.1TAELV-A.E1, relatado por Renato Barroso, parece adotar-se entendimento idêntico ao por nós aqui defendido ao alegar-se no início da fundamentação que «É sabido que nos termos dos Artsº 62 nº1 e 64 nºs, ambos do CPP, a nomeação de defensor ao arguido é obrigatória quando contra ele for deduzida acusação, cabendo ao defensor exercer os direitos que a lei reconhece ao arguido, devendo, nessa medida, assisti-lo, como demandado, no pedido civil contra este interposto. A intervenção do defensor oficioso do arguido, sendo legalmente obrigatória, impõe, naturalmente, que exerça os direitos que a lei reconhece aos arguidos, incluindo a sua defesa no que concerne ao pedido de indemnização civil, até porque vigorando na nossa lei processual penal o sistema de adesão da demanda civil, nos termos do Artº 71 do CPP, em regra, no mesmo processo, devem ser resolvidos e decididos os pedidos – crime e civil – ainda que as duas acções mantenham a sua natureza e características próprias.». Contudo, adiante na fundamentação, o mesmo douto Tribunal aparenta assumir posição distinta ao considerar que, para efeitos de remuneração, «A pedra de toque para que se atinja esta conclusão reporta-se, necessariamente, à circunstância de os serviços prestados no âmbito da demanda civil enxertada no processo penal, estarem, ou não, cobertos pelo apoio judiciário. Se assim não acontecer, é defensável que ao defensor obrigatoriamente nomeado ao arguido, nos termos do Artº 64 do CPP, apenas lhe seja devida a compensação pelo trabalho efectuado no âmbito do processo penal, até porque a defesa penal do arguido envolve, naturalmente, a sua defesa civil, pela necessária conexão das matérias em causa e pela plena tutela do exercício de defesa do arguido.»