Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3609/21.5T8VCT-A.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: OPOSIÇÃO AO ARRESTO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A Lei, ao referir, a propósito do contraditório subsequente ao decretamento da providência cautelar, “ que na oposição o requerido pode “alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência”, está a admitir a mera impugnação da factualidade dada como provada, com indicação de prova ou exercício de contraditório em relação à prova produzida, e a implicar uma (re)pronúncia sobre a providência anteriormente decretada, um novo juízo sobre aquela anterior decisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AA, veio deduzir o presente procedimento cautelar de arresto contra “Agência Funerária B..., Ltª”.
Após produção de prova, foi proferida a decisão constante da ata de 30/11/2021, a qual, julgando procedente o arresto, decretou essa providência nos bens indicados pela requerente para garantir o pagamento do montante de €105.558,49.
Após a realização do arresto, foi a requerida regularmente citada. Veio esta então deduzir oposição, pedindo o levantamento do arresto decretado, alegando a inexistência dos créditos invocados e o perigo de perda de garantia patrimonial.
Procedeu-se à realização de audiência final, decidindo-se não manter a decisão inicialmente proferida de arresto dos bens da requerida, determinando o seu imediato levantamento.
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Inconformada a requerente interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

1. Decretada a providência cautelar sem o prévio contraditório, recai sobre a requerida/oponente o ónus de provar factos que possam invalidar os fundamentos que serviram de base ao decretamento do arresto, se os novos elementos poderem determinar a formação de convicção oposta à anterior - cfr. anotação à alínea b) do n.º 1 do artigo 372.º do Código de Processo Civil e n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.
2. Da decisão que decretou o arresto resulta que o Tribunal ficou convencido dos factos que deu como provados: “A convicção do Tribunal na fixação da matéria de facto acima transcrita, fundamenta-se na apreciação conjunta da prova documental junta aos autos, nas declarações de parte e na prova testemunhal” (…) [tendo sido] “determinante para a convicção do tribunal a prova documental junta aos autos que, no essencial, corrobora os relatos das testemunhas.”
3. Em contraposição, a decisão posterior que revogou o arresto vem fundamentada numa mera “dúvida razoável”: “Em todo o caso, as supra referidas – BB, AA e CC – foram sujeitas a contraditório, e o seu depoimento conseguiu, pelo menos, criar uma dúvida razoável sobre se a requerente prestou as atividades referidas no ponto 2) no âmbito de uma relação de subordinação jurídica ou apenas auxiliando o marido nas tarefas da funerária de que este era também proprietário, com o benefício a que supra se fez referência.”
4. Era à oponente que cabia o ónus de provar o facto negativo, ou seja, teria de ter logrado provar que não havia de todo uma relação de subordinação jurídica entre a requerente e a requerida/oponente, o que manifestamente não fez na medida em que conseguiu apenas criar no espírito do julgador uma mera dúvida.
5. “III – Na fase de declaração do arresto o ónus da prova impende sobre o arrestante; na fase dos embargos é ao embargante que pertence o ónus de alegar e de provar os factos que se destinem a infirmar os fundamentos com que o arresto foi decretado.” – Cfr. sumário do Acórdão do STJ de 23/07/1981, proc.069627 do Relator e Venerando Senhor Juiz Conselheiro Rodrigues Bastos in www.dgsi.pt
6. Deverá, por isso, ser alterada a matéria de facto, acrescentando-se aos FACTOS PROVADOS os pontos 2 a 4, 7 a 12, 15 a 18, 20 a 23, 26 a 29 e 35 do douto despacho de 30/11/2021 (decisão inicial).
7. Deverá, ainda, deverá ser alterada a redação do ponto 2 dos Factos Provados da decisão final, passando essa redação a coincidir com a dada no ponto 4 dos Factos Provados da decisão inicial.
8. Deverá, também, ser eliminado o Facto dado como Não Provado que consta da decisão final, qual seja: “- que a requerente tenha sido admitida ao serviço da requerida em 13/04/2022, por contrato de trabalho verbal, a tempo completo, para sob sua direção, ordens e fiscalização desempenhar as funções correspondentes a auxiliar administrativa, tendo trabalhado continuamente e de forma ininterrupta desde essa data até ao dia 4/2/2021, de segunda a sexta-feira, das 9,00 horas às 12,00 horas e das 14,00 horas às 19,00 horas.”
9. A douta sentença recorrida violou, assim, o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 372.º do Código de Processo Civil quando conjugado com as regras do ónus da prova do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.
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Factos considerados provados:

1 - A R. dedica-se, com fins lucrativos, à atividade funerária e conexas.
2 – A requerente, que é mulher de um dos sócios da requerida, prestou algumas atividades para esta: efetuou participação de óbitos na Conservatória do Registo Civil; tratou de documentação do óbito para a realização do funeral ou para a obtenção do documento necessário que dispensa a realização da autópsia; tratou junto da Segurança Social, da recolha e entrega de documentação necessária à obtenção do subsídio de funeral, das prestações por morte ou reembolsos; efetuou publicações e comunicações dos óbitos, missas de 7º dia, do 30º dia
3 - Em 4/2/2021, a requerente enviou à Requerida uma comunicação por escrito, por carta registada e com aviso de receção, invocando a resolução do contrato de trabalho com justa causa, com efeitos imediatos, em virtude da “falta culposa” do pagamento pontual da retribuição, nos termos melhor descritos na referida comunicação (que aqui se dá por integralmente reproduzida.
4 - A comunicação referida em 3) foi recebida pelo sócio-gerente DD, em 8/2/2021, não tendo, desde então e até à presente data, qualquer resposta por parte do mesmo.
5 - A Requerida tinha e sempre teve como sócios e únicos gerentes, EE (marido da aqui Requerente) e seu irmão DD.
6 – Ambos os sócios-gerentes subscreveram um contrato-promessa de cessão de quota, datado de 4/5/2020, pelo qual o sócio-gerente DD e mulher prometeram vender a quota de 50% que detêm sobre a Requerida ao outro sócio-gerente, cessão esta que não se chegou a concretizar.
7 - O sócio EE, em 31/10/2020 renunciou à gerência, ficando o sócio DD como único gerente da requerida.
8 - Desde 1/11/2020, a requerida não mais realizou um funeral, deixando de exercer por completo a sua normal atividade, permanecendo o local onde a sociedade exercia a sua atividade, fechado e sem qualquer movimento.
9 - Em 13/11/2020, a requerida tinha depositado na conta bancária por si titulada na Banco 1..., CRL com o n.º ...73, a quantia de €69.715,62.
10 – A requerida foi retirando quantias sucessivas de dinheiro da referida conta bancária, nomeadamente: em 4/6/2021, o montante de €5.000,00, através do cheque n.º ...49 e em 23/6/2021, o montante de €55.000,00, através do cheque n.º ...51.
11 - Em 9/12/2020, por convocatória efetuada pelo sócio DD, realizou-se uma Assembleia Geral da Requerida cuja ordem de trabalhos, no ponto seis constava o seguinte: “Deliberação sobre a rescisão do contrato de trabalho de BB e a reclamação de créditos por ele apresentada”.
12 - O ex-trabalhador BB (filho do sócio e único gerente DD), intentou uma ação judicial que deu entrada neste Tribunal e que corre termos no Juiz ... como processo n.º 1779/21...., onde, entre outros créditos laborais, peticiona uma indemnização por resolução do contrato de trabalho, acrescido de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de mais de €74.000,00.
13 - Em 2/6/2021, o sócio e único gerente da requerida, DD, convocou o sócio EE para uma nova assembleia, a realizar em 18.06.2021
14 - No primeiro ponto da ordem de trabalhos, o sócio DD afirma que a sociedade, aqui requerida, está sem atividade desde outubro de 2020 e propõe que se delibere vender os stocks, os equipamentos e veículos.
15 - Para além dos saldos bancários, o ativo restante é constituído por alguns ornamentos para funerais, algumas urnas, duas carrinhas funerárias e dois veículos comerciais
FACTOS NÃO PROVADOS – (para efeitos da presente providência, tendo em conta toda a prova produzida, quer pela requerente, quer pela requerida):
- que a requerente tenha sido admitida ao serviço da requerida em 13/4/2002, por contrato de trabalho verbal, a tempo completo, para sob a sua direção, ordens e fiscalização desempenhar as funções correspondentes a auxiliar administrativa, tendo trabalhado continuamente e de forma ininterrupta desde essa data até ao dia 4/2/2021, de segunda a sexta-feira, das 9,00 horas às 12,00 horas e das 14,00 horas às 19,00 horas (para o caso de se entender que esta não é uma simples alegação conclusiva).
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O arresto havia sido decretado sem audiência prévia, com base naos seguintes factos considerados após inquirições conforme ata de 30/11/21:

1.. A R. dedica-se, com fins lucrativos, à atividade funerária e conexas (doc. n.º ...).
2. A Requerente foi admitida ao serviço da Requerida em 13.04.2002, por contrato de trabalho verbal, a tempo completo, para sob a sua direção, ordens e fiscalização desempenhar as funções correspondentes a auxiliar administrativa. (extrato de remunerações da Segurança Social)
3. A Requerente trabalhou para a Requerida, continuamente e de forma ininterrupta desde 13.04.2002 até ao dia 04.02.2021, de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 14h às 19h, exercendo as funções correspondentes a auxiliar administrativa, auferindo a retribuição base mensal de 1.800€, acrescida de subsídio de alimentação, no valor de 4,77€ por cada dia de trabalho efetivo. (recibos de vencimentos)
4. No âmbito das suas funções de auxiliar administrativa, e para além das que lhe são inerentes por definição da categoria profissional, a Requerente exercia muitas outras, nomeadamente efetuava a participação dos óbitos na Conservatória do Registo Civil e na GNR, (quando o óbito ocorresse fora do horário de expediente da Conservatória); Tratava de toda a documentação do óbito para a realização do funeral junto da GNR, PSP ou do Tribunal do local do óbito para a obtenção do documento necessário que dispensa a realização da autópsia; Solicitava a guia de transporte junto de médico de família para a realização do funeral; Tratava da faturação dos serviços efetuados pela funerária; Efetuava depósitos bancários e pagamentos das despesas da Requerida; Tratava junto da Segurança Social, da recolha e entrega de todos os documentos necessários para obtenção do subsídio de funeral, das prestações por morte ou reembolsos, conforme o caso; Efetuava as publicações e comunicações dos óbitos, missas de 7º dia, do 30º dia e ainda dos aniversários por morte do defunto, junto da Comunidade, para dar conhecimento dos óbitos, fosse por documento físico distribuído nos locais habituais, fosse através das redes sociais, concretamente do Facebook da Requerida.
5. Em 04.02.2021, a Requerente enviou à Requerida uma comunicação por escrito, por carta registada e com aviso de receção, invocando a resolução do contrato de trabalho com justa causa, com efeitos imediatos, em virtude da “falta culposa” do pagamento pontual da retribuição, nos termos melhor descritos na referida comunicação. (doc.s n.ºs 14 a 16)
6. A comunicação a resolução do contrato de trabalho com justa causa enviada pela requerente foi recebida pelo sócio-gerente DD, em 08.02.2021, não tendo, desde então e até à presente data, qualquer resposta por parte do mesmo, à data, sócio e único gerente da Requerida. (doc.s n.ºs 14 a 16 e ainda doc. n.º ...7)
7. Em 04.02.2021, estavam vencidos e eram devidos à Requerente os seguintes créditos laborais, os quais, ainda hoje, estão por pagar, e que a Requerente tem o direito de receber, a saber:
a) Retribuição do mês de novembro de 2020, no valor de 1.800€;
b) Subsídio de alimentação referente ao mês de novembro de 2020, no valor de 100,17€;
c) Retribuição do mês de dezembro de 2020, no valor de 1.800€;
d) Subsídio de alimentação referente ao mês de dezembro de 2020, no valor de 95,40€;
e) Retribuição do mês de janeiro de 2021, no valor de 1.800€;
f) Subsídio de alimentação referente ao mês de janeiro de 2021, no valor de 95,40€;
g) Subsídio de Natal do ano de 2020, no valor de 1.800€;
h) Retribuição de férias e de subsídio de férias referente ao trabalho que a Requerente prestou em 2020, vencido em 01.01.2021, no valor de 3.700,17€;
i) Proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referente ao ano de 2021, no valor de 534,74€;
j) Violação do direito a férias, reportados aos últimos 5 anos, no valor de 27.000€;
k) Crédito de horas para formação profissional não recebida, referente aos últimos 5 anos, no valor de 1.500€;
l) Trabalho suplementar prestado em dia de descanso complementar e/ou obrigatório, no valor de 11.137,50€;
m) Indemnização devida à Requerente pela resolução do contrato com justa causa, no valor de 50.790€.
8. A Requerente não tinha outro meio de subsistência para além da sua retribuição.
9. Durante a vigência do contrato de trabalho, nunca foi permitido à Requerente gozar férias.
10. Durante a vigência do contrato de trabalho nunca a Requerida proporcionou à Requerente as horas de formação profissional (contínua) a que estava legalmente obrigada.
11. A Requerente sempre trabalhou fora do seu horário de trabalho e fê-lo quando prévia e expressamente determinado pela Requerida, isto porque atendendo às funções que a Requerente desempenhava e ao normal desenvolvimento da atividade da Requerida, muitos dos funerais ocorriam aos fins de semana, obrigando a Requerente a trabalhar, em média, 5 (cinco) horas aos sábados e/ou domingos.
12. Nos últimos 5 anos, nos dias de sábado e de domingo, a Requerente tratou da documentação e autorizações necessárias à realização de cerca de 198 funerais, trabalhando, em média, 5 horas diárias.
13. No mês de novembro, a Requerida tinha depositado na conta bancária por si titulada na Banco 1..., CRL com o n.º ...73, cerca de 69.000€. (doc. n.º ...8)
14. Desde a sua constituição, datada de 15.10.2002, a Requerida tinha e sempre teve como sócios e únicos gerentes, EE (marido da aqui Requerente) e seu irmão DD (pai do ex-trabalhador BB).
15. Após vários desentendimentos e desconfianças, agravadas sobretudo no mês de dezembro de 2019 (altura em que o sócio DD deixou de comparecer na sede da sociedade) os dois irmãos, ambos sócios-gerentes, iniciaram conversações de modo a decidir qual dos dois deveria sair da sociedade, aqui requerida.
16. As referidas negociações, iniciadas nos primeiros meses de 2020, permitiram a realização de um contrato-promessa de cessão de quota, datado de 04.05.2020, pelo qual o sócio-gerente DD e mulher prometeram vender a quota de 50% que detêm sobre a Requerida ao outro sócio-gerente. (doc. n.º ...9)
17. O sócio-gerente DD obstaculizou à concretização do contrato prometido com exigências sucessivas de quantias superiores à prometida no dito contrato-promessa; não compareceu, por três vezes, no local onde se deveria ter realizado a escritura púbica de cessão de quota.
18. Esta situação determinou que a cessão de quota não se concretizasse.
19. O sócio EE, em 31.10.2020, renunciou à gerência. (doc. n.º ... e ...0)
20. Desde o dia .../.../2020, o sócio DD é o único gerente da Requerida. (doc. n.º ... e ...0)
20. Até essa data a requerida mantinha o exercício regular da sua atividade e realizava muitos funerais, sendo uma das funerárias do concelho ... mais solicitada para tal.
21. Desde 01.11.2020, a Requerida não mais realizou um funeral, deixando de exercer por completo a sua normal atividade, permanecendo o local onde a sociedade exercia a sua atividade fechado e sem qualquer movimento.
22. À data de 01.11.2020, dia seguinte à data da renúncia à gerência do sócio EE, o valor que constava do saldo bancário da conta titulada pela Requerida, na Banco 1..., com o n.º ...73, era de 62.457,75€. (doc. n.º ...8)
23. Entre 01.11.2020 e 13.11.2020, foram transferidas e/ou depositadas quantias referentes a funerais realizados nos meses anteriores, pelo que, em 13.11.2020, o saldo da indicada conta bancária era de 69.715,62€. (doc. n.º ...8)
24. A partir de 01.11.2020, não mais foi realizado um funeral, não mais a Requerida exerceu a sua atividade.
25. O sócio e único gerente DD foi retirando quantias sucessivas de dinheiro da referida conta bancária, sendo as mais expressivas e de maior montante as retiradas em 04.06.2021, no montante de 5.000€, através do cheque n.º ...49 e em 23.06.2021, no montante de 55.000€, através do cheque n.º ...51.(doc. n.º ...8)
26. Estas retiradas de dinheiro foram efetuadas pelo sócio DD sem conhecimento, nem consentimento do outro sócio que, até à data de hoje, desconhece o destino dado a esse dinheiro.
27. A Requerida não tem liquidez para pagar os salários e subsídios vencidos e não recebidos pela Requerente.
28. O sócio DD, no após maio de 2020, comentava publicamente que se o sócio EE não lhe pagasse o valor que ele pretendia - muito superior ao que constava do contrato promessa – o filho BB – ex-trabalhador da Requerida – iria intentar uma ação no Tribunal do Trabalho e, por essa via, ficaria com todo o dinheiro e os bens móveis que a sociedade possuía.
29. Devido à manifestação desta intenção, em 17.10.2020, o sócio EE, por notificação judicial avulsa dirigida à Requerida, na pessoa do sócio e único gerente DD, comunicou-lhe, entre o mais, que enquanto representante único da sociedade deveria fazer uma correta e efetiva defesa judicial da sociedade, aqui Requerida, uma vez que o dito trabalhador BB, havia já, de facto, abandonado o posto de trabalho em 27.01.2020, data em que passou a trabalhar na pizaria de sua mãe (esposa do referido DD). (doc. n.º ...1)
30. Em 09.12.2020, por convocatória efetuada pelo sócio DD, realizou-se uma Assembleia Geral da Requerida cuja ordem de trabalhos, no ponto seis constava o seguinte:
“Deliberação sobre a rescisão do contrato de trabalho de BB e a reclamação de créditos por ele apresentada”. (doc. n.º ...2)
31. O ex-trabalhador BB (filho do sócio e único gerente DD), intentou uma ação judicial que deu entrada neste Tribunal e que corre termos no Juiz
2 como processo n.º 1779/21...., onde, entre outros créditos laborais, peticiona uma indemnização por resolução do contrato de trabalho (resolução essa comunicada à sociedade após ter recebido da sociedade a comunicação por abandono do posto de trabalho e, como tal, tendo já cessado o contrato de trabalho), acrescido de danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de mais de 74.000€.
32. Em 02.06.2021, o sócio e único gerente da Requerida, DD, convocou o sócio EE para uma nova assembleia, a realizar em 18.06.2021. (doc. n.º ...3)
33. No primeiro ponto da ordem de trabalhos, o sócio DD afirma que a sociedade, aqui requerida, está sem atividade desde outubro de 2020 e propõe que se delibere vender os stocks, os equipamentos e veículos. (doc. n.º ...4)
34. Para além dos saldos bancários, o ativo restante é constituído por “alguns ornamentos para funerais, algumas urnas, duas carrinhas funerárias e dois veículos comerciais”.
35. Os ornamentos funerários são usados e de pouco valor e os veículos estão em permanente depreciação, já para não mencionar que as carrinhas funerárias têm um mercado muito restrito no qual possam ser vendidas o que se reflete no valor de venda das mesmas e no retorno que tal possa ter para pagar créditos laborais.
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Sem contra-alegações.
A Exªma PGA deu parecer no sentido da improcedência.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:

- Alteração da decisão relativa à matéria de facto, acrescentando-se os pontos 2 a 4, 7 a 12, 15 a 18, 20 a 23, 26 a 29 e 35 (decisão inicial).
Alteração da redação do ponto 2 dos Factos, passando essa redação a coincidir com a dada no ponto 4 dos Factos Provados da decisão inicial.
- Ónus de prova/ factos que invalidem os fundamentos que serviram de base ao decretamento do arresto - n.º 1 do artigo 372.º do Código de Processo Civil e n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil/prova da inexistência de relação de trabalho.
- Insuficiência da “dúvida razoável” parta revogar o arresto.
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Vejamos em primeiro lugar qual o ónus probatório do requerido em sede de contraditório do arresto decretados em audiência prévia.
Pretende a recorrente que ao oponente cabia o ónus de provar o facto negativo, ou seja, teria de ter logrado provar que não havia de todo uma relação de subordinação jurídica, não bastando criar a dúvida quanto ao facto que serviu de fundamento ao decretamento do arresto.

Sobre o arresto dispõem o CPC:
artigo 392.º
Processamento
1 - O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.
(…)
E no artigo 393.º
Termos subsequentes
1 - Examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.


Por sua vez dispõe o artigo 372º do CPC que:
1 - Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º:

a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.
 (…)
 3 - No caso a que se refere a alínea b) do n.º 1, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão (…); qualquer das decisões constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.».
A recorrente pretende atribuir à decisão que decreta o arresto (sem audiência da parte contrária - sine audite parte -), um sentido que ela não pode ter. Importa ter em atenção quais as razões para o arresto ser decretado sem audiência prévia, já que a regra é a da prévia audiência, como resulta do artigo 366º 1 do CPC.
O decretamento do arresto sem audiência prévia, conforme previsão do artigo 393º, 1 do CPC, constitui uma concretização, para o arresto, do risco para a eficácia da medida que envolve a audição da contraparte, referenciado no artigo 366º. Têm-se em vista exclusivamente garantir o efeito útil desta providência cautelar.
Os factos tidos em consideração, considerados indiciariamente demonstrados, e fundamento do arresto, podem ser postos em causa e pode quanto a eles o julgador formular uma outra convicção, em face das provas apresentadas pelo requerido, em conjugação com as provas produzidas pelo requerente. – STJ de 15-6-2000, CJ, II/00, pág. 110. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV, Vol. 2ª ed., Almedina, pág. 210, referindo que “a oposição será o meio ajustado para impugnar a matéria de facto que o tribunal tenha considerado provada. Igualmente, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, Vol. II, pág. 43 e 44m em nota ao (anterior) artigo 388.
Refere Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed. Almedina, em notas ao anterior artigo 388, pág. 357, que a tramitação da oposição “obedece estritamente ao estabelecido acerca do formalismo da oposição que teria sido pertinente deduzir no momento próprio, se tivesse ocorrido prévia audição do requerido…”
Note-se que não é exigível no procedimento uma prova cabal do direito, não se exige o mesmo grau de certeza que se impõe na ação principal, bastando a probabilidade séria da sua existência. A prova de tal probabilidade compete ao requerente.
O oponente pode em oposição questionar o facto assim considerado criando a dúvida sobre a probabilidade séria da sua verificação. Não precisa demonstrar que não se verifica. O pressuposto do arresto tem que se verificar, seja, deve resultar demonstrada a probabilidade séria da existência do direito.
Se a final o juiz, que sem contraditório aceitou tal probabilidade séria com base nas provas apresentadas pelo requerente, não fica convencido dessa probabilidade, o arresto não pode subsistir.

Como se refere no Ac. RC de 15-12-2010. Processo nº 287/09.3TTCBR-A.C1:
“ Não se exige ao oponente a demonstração dos requisitos de afastamento da providência, pois estes não existem … o arrestado passa a poder deduzir oposição, a poder contestar as razões ou os factos que determinaram o arresto… pode … deduzir oposição, se pretende alegar factos ou produzir meios de prova, não considerados pelo tribunal, que possam afastar ou reduzir a providência. Neste último caso, uma vez produzida a nova prova, o tribunal decidirá a manutenção, revogação ou redução da providência e essa decisão constitui complemento e integra a decisão inicialmente proferida.
Não obstante a redação da primeira parte do n.º 2 do artigo 388.º do CPC (como que dando a entender que dos factos da oposição decorrerá a alteração ou manutenção da decisão inicial), devemos considerar, como a lei refere, que passa a haver uma única decisão, que a decisão inicial não tem qualquer efeito de caso julgado e que, relevantemente, continua a ser ónus do arrestante a prova dos requisitos do arresto…”
O oponente pode indicar provas tendentes a abalar a convicção anteriormente formada, e pode até, veja-se Lebre de Freitas, local acima referido, pretender apenas contraditar as provas indicadas pelo requerente, máxime, instando as testemunhas por aquele indicadas.
No Ac. RG de 2/6/21, processo nº 1237/18...., refere-se:
“ Com este incidente, vem facultar-se ao requerido a possibilidade de, em momento posterior, deduzir a defesa que ficou privado de exercer, como vimos, por razões procedimentais e de celeridade (relacionadas com o fim e a eficácia da providência), no decurso do procedimento cautelar e antes da sua decisão (intercalar) influenciando o sentido da decisão (definitiva) do processo cautelar…”
Ou seja, com a dedução da oposição o que se abre é uma nova fase processual, dominada pelo princípio do contraditório, em que se procura reequilibrar a posição de ambas as partes, dando possibilidade ao requerido, não ouvido anteriormente, de alegar factos e produzir meios de prova que não foram tomados em atenção aquando do deferimento da providência”
Refere Eugénia Cunha, Revista Jurídica Portucalense, 21, 2017,  http://dx.doi.org/10.21788/issn.2183-5705(21)2017.ic-01, pág 42ss, que, “com a oposição pretende-se alterar a base da decisão e, através dessa modificação, alterar o próprio conteúdo da mesma. Possibilita-se, assim, que se reponha o contraditório, permitindo-se que o requerido influencie, em todos os seus elementos - factos, prova e direito -, a decisão definitiva (do procedimento) e relevante que surge a final, fruto da comparticipação inovadora de ambas as partes.”
O contraditório tem que ter efeito sobre os pressupostos de que depende o decretamento do arresto, pois a não ser assim ficaria debilitada a posição do requerido, com prejuízo para o princípio constitucional da proibição de indefesa- artigo 20º da CRP -. Uma interferência no “campo” em que se forma a convicção do julgador acerca dos pressupostos de facto de que depende o deferimento ou indeferimento da pretensão é necessária, não bastando a possibilidade de demonstrar outros factos (impeditivos, modificativos ou extintivos do direito), para se garantir aquele princípio.
Nesta linha o ac. STJ de 31-10-17, processo nº 32262/15.3T8LSB.L3.S1 refere:
“A Lei ao estabelecer que por via da oposição que possa ocorrer, o Tribunal se venha a (re)pronunciar sobre a providência anteriormente decretada, está a permitir que possa existir um novo juízo, sobre aquela primeira decisão, constituindo estoutra um seu complemento e parte integrante, peça autónoma, contudo, para efeitos de ulterior interposição de recurso, o qual poderá ser suscitado por qualquer das partes, cfr Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código De Processo Civil Anotado, vol 2º, 40/46.
Quer isto dizer que esta decisão última, de manutenção, redução ou revogação do arresto, tem como substrato para além da apreciação dos requisitos justificativos daquela providência, a apreciação dos factos e das provas que justifiquem, ou possam afastar e/ou reduzir a mesma…”
Assim e embora se possa entender, como se refere neste acórdão do STJ, que “a fixação da matéria de facto anteriormente consignada não seja posta em causa”, a mesma pode resultar infirmada do que após contraditório se fixou, em “[re]apreciação dos requisitos do arresto”, em função das novas provas indicadas. Importa dar um sentido útil à referência legal “ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência “, evitando-se do mesmo modo atribuir “autoridade” de coisa julgado a facto considerado com base em prova não contraditada.
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Vejamos quanto à matéria de facto. A recorrente sustenta que devem ser considerados os factos que refere, que constavam da decisão que decretou o arresto, sem audiência prévia. Baseia-se em exclusivo na invocação de que o oponente tinha que provar o facto negativo, não existência de relação laboral.  Consequentemente importa ter cem consideração o facto 2 da decisão proferida após contraditório, de que resulta, conjugado com os factos constantes da decisão que decretou o arresto, a não verificação de um dos requisitos, a probabilidade séria do direito, como se refere na decisão recorrida. Aliás a decisão faz ainda notar que a invocação foi efetuada em termos genéricos. Refere-se:
“Competia, assim, à requerente provar antes de mais, nos termos indiciários necessários para o decretamento da providência requerida, a existência de um contrato de trabalho, pois que esta é uma realidade negada pela requerida.
Ora, a requerente, para além do que ficou a constar do ponto 2), não alegou a factualidade suficiente para permitir agora ao tribunal caracterizar a relação existente entre as partes como sendo uma de trabalho subordinado, como, aliás, já supra se fez referência.”
Da fundamentação resulta por outro que o julgador ficou com dúvidas sérias sobre a probabilidade da existência da dita relação laboral. Refere-se:
“Em todo o caso, as suprarreferidas - BB, AA e CC - foram sujeitas a contraditório, e o seu depoimento conseguiu, pelo menos, criar uma dúvida razoável sobre se a requerente prestou as atividades referidas no ponto 2) no âmbito de uma relação de subordinação jurídica ou apenas auxiliando o marido nas tarefas da funerária de que este era também proprietário, com o beneficio a que supra se fez referência.”
Consequentemente é de confirmar a decisão.
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Improcede o recurso.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso confirmado o decidido.
Custas pela recorrente.
11/5/23

Antero Veiga
1.º Adjunto: Vera Sottomayor
2.º Adjunto: Maria Leonor Barroso