Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
164/20.7T8PRG.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
LIMITES DA CONDENAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO PATRIMONIAL
CUSTO DE CERTIDÃO
REGIME DO SISTEMA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
PROPOSTA RAZOÁVEL
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DA A. IMPROCEDENTE (RECURSO PRINCIPAL) / APELAÇÃO DA R. PARCIALMENTE PROCEDENTE (RECURSO PRINCIPAL)
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O dano biológico pode ser definido como sendo aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afectação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica, ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal e é ressarcível como dano autónomo.
II - A indemnização pelo dano biológico deve ser fixada segundo critérios de equidade em função dos seguintes factores: idade do lesado aquando da lesão, esperança média de vida, grau de incapacidade geral permanente. Igualmente deverá o julgador ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares com vista a uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
III - No caso de indemnização por danos não patrimoniais, estando em causa o critério da equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das regras da vida.
IV - Os custos de uma certidão da participação do acidente de viação obtida para instruir a acção não consubstancia um dano patrimonial decorrente do acidente por falta de nexo de causalidade.
V – Num caso de acidente de viação com danos corporais em que a seguradora assumiu a responsabilidade e apresentou uma proposta de indemnização ao lesado, este, para poder beneficiar do pagamento de juros de mora à taxa legal em dobro, terá que alegar e provar que o valor proposto não corresponde à aplicação da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

D. F., residente na Rua …, Lote 26…, Peso da Régua, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede no Largo … Lisboa, pedindo:

a) a condenação da ré a pagar ao autor, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 20.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde de a citação até integral e efectivo pagamento;
b) a condenação da ré a pagar ao autor, devido a sequelas que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, que se relega para liquidação em momento ulterior do processo, ou, caso assim não se entenda, cuja liquidação se relega para execução de sentença, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;
c) a condenação da ré a pagar ao autor os juros de mora no dobro da taxa prevista na lei aplicável, ao abrigo do disposto no artigo 38º, nº 3 da Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto.
d) a condenação da ré a pagar ao autor a quantia de € 95,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento, a título de danos patrimoniais com o pagamento da certidão da participação do acidente.
Alega, em síntese, que o veículo que conduzia foi embatido frontalmente por outro – seguro na ré - por culpa exclusiva do condutor deste último, daí tendo resultado diversos danos.
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A ré contestou impugnando os factos que imputam a ocorrência do acidente à condução do seu segurado e os factos atinentes aos danos resultantes do acidente.
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Foi realizada audiência prévia, onde foi fixado o valor da acção, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os requerimentos probatórios.
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Após a junção aos autos do relatório pericial, o qual concluiu por um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica do autor de três pontos, este requereu a liquidação do pedido formulado sob a alínea b) pedindo a condenação da ré no pagamento ao autor, a título de danos decorrentes do mencionado défice, a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora desde a notificação do incidente de liquidação (09/12/2020) até integral e efectivo pagamento, pelo dobro da taxa prevista na lei aplicável, ao abrigo do artigo 38º, nº 3, da Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
A ré opôs-se e pugnou pela rejeição do presente incidente.
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Procedeu-se a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos:

“Em face do exposto, decido julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

a) Condenar a ré no pagamento ao autor, a título de compensação dos danos não patrimoniais, da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
b) Condenar a ré no pagamento ao autor, a título de indemnização do dano biológico, da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
c) Condenar a ré no pagamento ao autor de juros de mora no dobro da taxa prevista na lei sobre € 16. 769,87 (dezasseis mil, setecentos e sessenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos), contados desde 27 de Julho de 2019 até à data da decisão judicial.
d) Condenar a ré no pagamento ao autor de juros de mora à taxa legal em cada momento em vigor quanto ao remanescente, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
e) Absolver a ré do demais peticionado pelo autor. (…)”
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Não se conformando com esta sentença veio a ré dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1ª- A recorrente restringe o seu recurso da douta sentença quanto aos montantes atribuídos ao autor a título de danos não patrimoniais e dano biológico, à duplicação dos juros de mora e à não dedução do adiantamento por conta da indemnização efectuado pela Ré ao Autor.
2ª- Quanto aos danos não patrimoniais deve ponderar a equidade e “o seu montante deve ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas” e do criterioso sopesar das realidades da vida;
3ª- Estes princípios impõem que sejam tratados e indemnizados de modo razoável e justo situações idênticas, devendo seguir-nos por critérios e medidas padrão, em que se obtenha, tanto quanto possível um modelo indemnizatório que permita uma maior certeza jurídica, de igualdade e socialmente justa.
4ª- Resultou provado que o autor ficou com Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 3 pontos, e que as sequelas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
5ª- Além de 10.000,00 € arbitrados a titulo de danos não patrimoniais e 10.000,00 € a titulo de dano biológico simultaneamente, quando os danos não patrimoniais que estão contabilizados a titulo de quantum doloris/sofrimento físico e psíquico já contemplam, salvo o devido respeito todos os danos não patrimoniais, incluindo in casu o dano biológico, não se justificando in casu a sua autonomização.
6ª- Foi atribuído o valor de 10.000,00 € a titulo de danos patrimoniais e simultaneamente a quantia de 10.000,00 € pelo dano biológico traduzido do défice funcional de 3 pontos o que nos parece, salvo o devido respeito, manifestamente exagerado, sem que se justifique e fundamente minimamente tais valores, e in casu se traduz numa duplicação.

Isto porque,
7ª- Em consequência do sinistro o autor apenas ficou a sofrer de uma incapacidade de 3 pontos, que não é impeditiva do exercício de qualquer actividade como é manifesto, público e notório, pelo que tal défice é in casu irrelevante, e só pode ter efeitos em termos de danos não patrimoniais, e não em termos de “dano patrimonial futuro”.
8ª- É certo que se discute a questão de saber se este dano deve ser indemnizado a título de dano não patrimonial e a título dano biológico, quando se verifica que a incapacidade permanente parcial não implica uma perda de ganho do rendimento auferido, pelo que deve, casuisticamente, oscilar entre dano patrimonial ou dano não patrimonial, porque de facto o Autor pode exercer a profissão habitual, eventualmente com algum esforço suplementar.
9ª- O simples facto de ver reduzida a capacidade física ou intelectual para o trabalho só se traduzirá em “dano patrimonial futuro” se aquele a quem acontece deixar de conseguir as vantagens económicas que conseguiria com a sua plena capacidade para o trabalho intocada, se só conseguir tais vantagens aplicando mais tempo.
10ª- Atento o teor da matéria de facto assente – três pontos , compatível com a profissão habitual e implicação de esforços complementares- à luz daquele entendimento por corresponder à interpretação dos normativos invocados neste matéria, integra-se o referido dano em termos da sua ressarcibilidade nos danos de natureza não patrimonial .
11ª- Assim, por o défice físico e psíquico ser tratado unitariamente e globalmente, a situação ser compatível com o exercício da atividade habitual, é que podemos e devemos à semelhança da mais moderna jurisprudência do S.T.J. arbitrarmos uma indemnização a englobar todos os danos sofridos pelo A.;
12ª- Por isso, salvo o devido respeito, não é de atribuir ao demandante qualquer quantia a título de “indemnização por dano biológico”, devendo tão só ser valorizada em termos de danos não patrimoniais.
13ª- Face aos factos expostos, a compensação global a atribuir ao demandante e correspondente aos danos efectivamente sofridos e de acordo com os valores normalmente atribuídos em casos análogos, deve situar-se nos 10.000,00 euros que nos parece a quantia justa, equilibrada e equitativa para a situação em apreço.
14ª- Caso se entenda não haver lugar a compensação global, mas autonomizar dano não patrimonial/dano biológico, justo e adequando será reduzir tais montantes ao valor de 5.000,00 € cada.
15ª- Pelo exposto e salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483º e 496º do CC aos factos provados.
16ª- Foi a Recorrente condenada a pagar ao autor “juros de mora no dobro da taxa prevista na lei sobre € 16.769,87 contados desde 27 de julho de 2019 até á data da decisão judicial”, isto alegadamente ao abrigo do disposto no art. 38º, nº 3 da Lei nº 291/2007 de 21.08.
17ª – Porém, salvo o devido respeito, tal condenação não tem in casu fundamento legal e aplicação, e vai até além do pedido formulado pelo Autor, o que constitui uma nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. e) e nº 4 do CPC.
18ª- Efectivamente, como consta da douta p.i., o autor formulou um pedido liquido de 10.000,00 € e outro ilíquido, e só posteriormente, em 19.12.2020 formulou o pedido de liquidação de fls … dos autos, peticionando a condenação da Ré no “pagamento ao autor da quantia de 10.000,00 € … acrescida de juros de mora desde a notificação deste incidente até efectivo pagamento, sendo que os juros de mora são devidos no dobro da taxa prevista na lei aplicável” – vidé pag 2 do Relatório da douta sentença.
19ª- Assim, a condenação no pagamento de juros de mora pelo dobro da taxa legal prevista só podia incidir sobre 10.000,00 € desde 19.12.2020 até à data da decisão judicial, e não desde 27 de julho de 2019, pelo que a condenação foi além do pedido.
20ª- Se o autor só peticionou juros pelo dobro da taxa legal sobre 10.000,00 € desde a liquidação – e bem, pois não podia peticionar sobre uma quantia ilíquida – não podia a douta sentença condenar desde 27.07.2019, pelo que foi além do pedido, o que constitui uma nulidade nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. e) e nº 4 do CPC, o que expressamente se invoca.
21ª- De qualquer forma, a condenação no pagamento dos juros no dobro da taxa legalmente prevista nos termos do art. 38 da Lei nº 291/2007 não tem aplicação in casu, pois que não se verificam os respectivos pressupostos.
22ª- A Ré cumpriu escrupulosamente o que está estipulado nos arts. 36º e 38º do DL 291/2007 e de acordo com a Portaria nº 377/2008 de 28.05 e posteriores actualizações.
23ª- Facilmente se constata pelo ponto 92 dos factos provados da douta sentença, com o teor da carta de 07.11.2019 remetida ao autor e constante dos autos junta sob o doc. 32 da douta p.i. e do relatório de avaliação de dano corporal junto sob o doc. 29 pelo Autor com a p.i., que está plenamente demonstrado que a proposta apresentada pela Ré recorrente ao Autor se fundamenta na utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, tendo sido os montantes indemnizatórios encontrados por aplicação dos critérios previstos na Portaria nº 377/08 de 26.05 e actualizada pela Portaria 679/09 de 25.06.
24ª- Isso mesmo não está posto em causa pelo Autor, pois apenas não aceita o montante calculado nos termos da proposta razoável, e está no seu pleno direito, mas a proposta efectuada pela Ré cumpre escrupulosamente o ali estipulado.
25ª- Acresce que os valores de défice funcional e quantum doloris são exactamente os mesmos da avaliação de dano corporal efectuado pelos serviços clínicos da Ré na consulta e relatório de avaliação de dano corporal e os atribuídos pelo gabinete médico legal no relatório do IML efectuado no decurso dos presentes autos.
26ª- Qualquer pessoa obtém aqueles valores recorrendo a um qualquer simulador de cálculo da proposta razoável com aqueles critérios e introduzir os mesmos com a data do acidente em 2018, que obterá facilmente os valores propostos ao autor.
27ª- Actuando, assim, a Ré na efectivação da proposta, nos exactos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, previstos na Lei e na Portaria, e com os valores da avaliação de dano corporal que dispunha, e que, aliás, foram inteiramente confirmados pelo IML.
28ª- Assim, não podemos afirmar que a proposta efectuada pela Ré é que é “manifestamente insuficiente”, antes pelo contrário, salvo o devido respeito, é de igual modo perfeitamente legítimo afirmar que o montante arbitrado pela sentença é manifestamente exagerado.
29ª- Como se refere no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.11.20 proferido no Proc. 94/18.2T8PVZ.P1 – Relator Filipe Caroço: III - Na interpretação e aplicação do art.º 38º, nº 3, da Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Automóvel, não é exigível ao segurador oferecer valores indemnizatórios superiores aos que resultam da aplicação dos critérios e valores previstos na Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de junho, como critério legal da determinação da proposta razoável, considerando a avaliação do dano corporal disponível no momento, realizada segundo a Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil;
E,
30ª- “O legislador não pode ter querido que se considerasse irrazoável uma proposta que seguisse os critérios por ele próprio indicados para fixação da proposta razoável. Seria um contrassenso, um absurdo jurídico mesmo, admitir o sancionamento do segurador quando cumpre os parâmetros de determinação e avaliação dos danos que o próprio legislador lhe forneceu com obrigação de cumprimento.”
31ª- Pelo que conclui: “A R. não tinha que fazer futurismo e cumpriu a lei a que estava obrigada. Naquelas circunstâncias, segundo os critérios e valores das Portaria, a proposta não era geradora de desequilíbrio (significativo) em desfavor do lesado.”
Finalmente,
32ª- O autor alegou no art. 113º da douta p.i., que a Ré lhe liquidou a quantia de 1.000,00 € a título de adiantamento de indemnização e tal foi expressamente aceite pela Ré no art. 7º da sua contestação.
33ª- Daí que a Mº Juiz do Tribunal a quo tenha considerado provado no ponto 93 dos factos provados:
93. A Ré pagou ao autor:
..
b. … e € 1.000,00 a titulo de adiantamento de indemnização.
34ª- Porém, certamente por lapso, a Mª Juiz do Tribunal o quo não operou a dedução de tal montante ao montante final da indemnização arbitrada, o que se requer, pelo que a Ré só teria de liquidar ao autor a quantia de 19.000,00 €, e não de 20.000,00 €, sendo necessário efectuar a operação e dedução da quantia de 1.000,00 € ao montante que vier a ser arbitrado.”
Pugna pela revogação parcial da sentença que deve ser substituída por acórdão em conformidade com o supra exposto, deduzindo ao montante que vier a ser arbitrado a quantia de € 1.000,00 já recebida pelo autor a título de adiantamento.
*
Igualmente inconformado com esta sentença veio o autor dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1.“O Recorrente não se conforma com parte da Sentença assim proferida, designadamente:
i) Com o decidido na alínea a) “Condenar a ré no pagamento ao autor, a título de compensação dos danos não patrimoniais, da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).”
i) Com o decidido na alínea e), ao absolver a R. do pedido formulado na alínea d) da petição inicial “A R. deve ser condenada a pagar ao A. a quantia de € 95,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento, a título de danos patrimoniais com o pagamento da certidão da participação do acidente.” porquanto o Tribunal recorrido realizou uma incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como adiante se vai demonstrar.
2. A Mmª Juiz do Tribunal a quo andou bem ao julgar procedente o pedido de indemnização de € 10.000,00, acrescida de juros de mora desde a notificação deste incidente até integral e efetivo pagamento, sendo os juros de mora devidos em dobro da taxa prevista na lei aplicável, ao abrigo do disposto no artigo 38º, nº 3 da Lei 291/2007, de 21 de agosto.
3.O dano biológico consiste num dano patrimonial futuro previsível, autonomamente indemnizável, na medida em que reflete uma diminuição da condição e capacidade física, da resistência, da capacidade de certos esforços e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado, sela ele ou não do foro laboral, embora, neste campo, possa vir a comprometer o desempenho profissional e até a progressão na carreira. – Conforme entendimento sufragado pelo Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 20.05.2021, processo nº 826/18.9T8CTB.C1.S1, citado pela douta sentença do Tribunal a quo.
4.O Recorrente terá de aplicar um esforço acrescido no desenvolvimento da sua atividade profissional, por forma a conseguir manter o mesmo nível de desempenho que detinha em momento anterior ao acidente e, assim, conseguir manter o seu emprego, as suas funções e eventualmente, ambicionar uma subida de carreira, o que não aconteceria se não tivesse sido vítima do sinistro em discussão nos autos.
5. Deste entendimento perfilha o Acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, ao expor que “A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe ao lesado, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais”.
6.Conclui o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15/02/2018, processo nº 3037/15.1T8VCT.G1, que constitui “também entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que o lesado que fica a padecer de determinada incapacidade permanente – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, tal incapacidade permanente, que no caso até é geral é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – art.º 564º, nº 2 do Cód. Civil.”
7.Não merece censura a análise e posterior atribuição, por parte do Tribunal a quo, de indemnização ao Recorrente, nos termos peticionados, quanto ao dano biológico, como dano patrimonial, e separadamente uma análise dedicada ao pedido formulado quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente.
8.No que concerne à parte relativa aos danos não patrimoniais peticionados, o Recorrente entende que o Tribunal a quo não fez uma correta interpretação e análise concreta dos mesmos, tendo arbitrado um valor a título de indemnização que peca por defeito.
9.Em consequência direta e necessária do sinistro, o Recorrente sofreu, como sofre, danos patrimoniais e não patrimoniais, tutelados pelo direito, o que igualmente se provou com a prova produzida em julgamento e prova documental junta aos autos.
10.O Recorrente sofreu traumatismo do membro inferior direito e da mão direita, sendo que, da TAC cervical e do Raio X que realizou concluiu-se pela fratura do colo de M4 do pé direito, com alguma angulação plantar e contusão da mão direita.
11.O Recorrente sentiu, como sente, muitas dores no membro inferior direito, tendo ficado com escoriações e equimoses e durante os cinco primeiros dias após o acidente dos presentes autos, o Recorrente esteve deitado, impedido de se levantar da cama devido às dores que sofria por todo o corpo.
12.O Recorrente sempre teve um papel ativo em casa e na execução de todas as lides domésticas, numa atitude de parceria e partilha de tarefas com a sua esposa, contudo, devido ao sinistro de que foi vítima, deixou de fazer as suas lides domésticas, passando a necessitar da ajuda da sua companheira para a confeção das refeições e até para as deslocações à casa de banho necessitava do auxílio da sua esposa.
13.O Recorrente deslocou-se ao Hospital ... de Vila Real e foi examinado pela Dra. M. L., que lhe passou um exame de RX e solicitou ainda a realização de uma RM (Ressonância Magnética) ao pé direito e acabou, posteriormente, por ser acompanhado em diversas consultas pela Dra. M. L., conforme resulta demonstrado pela prova documental j unta aos autos.
14.O Recorrente teve de se submeter a várias sessões de fisioterapia, conforme resultou provado pelos documentos juntos aos autos e ainda do depoimento prestado pelo depoimento prestado pelo fisioterapeuta M. T., que confirmou as sessões de fisioterapia e concretizou a clara perceção que teve da dor e incapacidade apresentada pelo Recorrente.
15.O Recorrente tinha a necessidade de recorrer a medicação para as dores de que padecia.
16.O recorrente sempre foi saudável e sempre viveu “longe dos hospitais”, o que mudou drasticamente com o sinistro dos autos e conforme se descreve supra, o Recorrente foi hospitalizado, foi posteriormente submetido a vários exames, a várias consultas, fez ainda sessões de fisioterapia e teve sempre muitas dores e desconforto acentuados, tudo derivado do sinistro que sofreu e necessitou sempre de ajuda de terceiro para se deslocar ao hospital para a realização das consultas e dos exames médicos.
17.Após o acidente, devido ao forte desconforto e dor que sente, não consegue agora realizar as atividades desportivas que antes praticava, designadamente, crossfit, jogar futebol e ténis.
18.Toda esta situação causa no Recorrente uma enorme tristeza, tendo inclusivamente contribuído para um aumento de peso do Recorrente, que em nada ajuda a sua condição de saúde, pois ao fazer caminhadas mais longas sente dor e não consegue continuar.
19.Do relatório médico resulta claro que o Recorrente para além de ter ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, no que toca ao exercício da sua atividade profissional atual irá implicar esforços suplementares.
20.O Recorrente, jovem de 35 anos à data da ocorrência do sinistro, que sempre foi saudável, sempre foi capaz de desenvolver a sua atividade profissional a 100%, vê-se de momento obrigado a um esforço acrescido para desenvolver uma atividade que antes fazia de forma natural.
21.O Quantum Doloris foi elevado, considerado na jurisprudência como sendo acima da média, atendendo a que foi fixado em 4, numa escala de 7 e sempre se dirá que o Quantum Doloris valoriza não só a dor física, resultante dos ferimentos sofridos e dos tratamentos que implicaram, mas também a dor vivenciada do ponto de vista psicológico.
22.O Recorrente teve um período de repercussão temporária na atividade profissional de 90 dias, e na atividade profissional parcial de 45 dias, sempre com fortes dores, desconforto, sentindo-se limitado nos seus movimentos.
23.Também foi detetada a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, que foi fixada em grau 1, quando em momento anterior ao acidente não sofria o Recorrente de qualquer incapacidade ou limitação.
24.O Recorrente quando foi vítima do sinistro in decidendo, tinha assinado contrato de trabalho com a sua atual entidade empregadora há menos de 6 meses e o trabalho do Recorrente é na área da hotelaria, cuja atividade tem um maior fluxo nos meses de Verão e tendo o sinistro ocorrido a 18/06/2019 o Recorrente ficou impossibilitado de fazer frente às necessidades da entidade patronal, no período de maior carência, o que o colocou numa posição de fragilidade para com a sua entidade patronal.
25.Das suas funções faz parte estar muitas horas de pé, pois o seu trabalho é na secção de receção na empresa Y Hotéis, mais concretamente no Y Collection Douro e o Recorrente tem dificuldade na realização das tarefas que impliquem estar muitas horas a fazer esforço sobre o pé direito, e nessa sequência, sente, diariamente, dificuldade a exercer as suas tarefas laborais, sendo que após um período de tempo em pé o Recorrente começa a sentir desconforto e dor.
26.Quando o Recorrente foi vítima do acidente, estava de casamento marcado para o dia 31 de agosto de 2019.
27.Nas semanas seguintes ao acidente, o Recorrente tinha inúmeras reuniões marcadas, relativas aos preparativos do casamento, contudo, foi obrigado a cancelar a sua grande maioria e acabou por passar por momentos de verdadeiro desespero ao ver que não conseguia fazer frente às suas necessidades e a tudo o que se tinha comprometido fazer, sendo que, estava em causa um dos dias mais importantes da sua vida, o seu casamento.
28.O Recorrente teve muita dificuldade em estar de pé tantas horas e sentiu fortes dores e desconforto durante toda a cerimónia e festa, sentiu dificuldade no simples ato de calçar os sapatos, tendo-lhe causado dor e desconforto, o Recorrente viu-se privado de aproveitar devidamente aquele que foi o dia do seu casamento, um dia único que não se repetirá na sua vida.
29.Para além de afetar, e muito, os preparativos do casamento e o próprio casamento, o sinistro de que o Recorrente foi vítima, sem que tenha tido a mínima responsabilidade no mesmo, afetou diretamente a lua-de-mel.
30.O julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.
31. Para além de toda a factualidade alegada, todos os danos concretamente sofridos pelo Recorrente, já devidamente alegados no presente recurso, sempre se dirá, a par do entendimento sufragado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12/02/2018, processo nº 3037/15.1T8VCT.G1, citado anteriormente, que a indemnização a arbitrar ao Recorrente visa AINDA reprovar a conduta culposa do autor da lesão.
32.Para se aferir da razoabilidade deste valor, atente-se no acórdão do STJ de 06.12.2017, onde, num caso em que a autora sofreu em consequência do acidente, “traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7”, e sequelas correspondentes a um défice funcional de 2 pontos, se considerou ser de manter o montante indemnizatório, fixado pela Relação, por danos não patrimoniais, em € 15 000.
33.O Recorrente sofreu fratura do pé direito, o que o imobilizou por completo, sendo que o pé é o membro que nos permite deslocar e movimentar, um quantum doloris de grau 4, numa escala de 1 a 7 e sequelas correspondentes a um défice funcional de 3 pontos, pelo que, resulta claro que a quantia de € 10.000,00 para ressarcir os danos morais sofridos pelo aqui Recorrente é manifestamente insuficiente e deverá ser, outrossim, fixada em € 20.000,00.
34.Não andou bem o Tribunal a quo ao julgar improcedente o pedido do Recorrente de € 95,00 a título de danos patrimoniais, tendo feito, salvo o devido respeito, uma interpretação errada do nexo de causalidade existente entre a despesa sofrida pelo Recorrente e o sinistro de que o mesmo foi vítima.
35.O acidente, mais concretamente o embate da viatura BH na viatura QQ, assim como os danos materiais e físicos que dele decorreram, determinaram o aparecimento das autoridades no local, que tomando conta de que havia ocorrido um sinistro, recolheram todos e quaisquer elementos necessários para a elaboração da competente participação de acidente de viação.
36.E ainda como consequência direta do acidente, o aqui Recorrente sofreu diversos danos e necessita do devido ressarcimento, o que levou o Recorrente a propor a presente ação judicial, nessa sequência, o Recorrente necessitou de recolher todos os elementos documentais necessários para o efeito, nomeadamente a certidão da participação de acidente de viação.
37.Caso o acidente não tivesse ocorrido, o Recorrente não teria sofrido quaisquer danos, não iria precisar de ser indemnizado, não iria ter a necessidade de solicitar a participação de acidente de viação, pelo que, não persiste qualquer em dúvida, em como a necessidade de obter a participação de acidente e o consequente pagamento da quantia de € 95,00, são consequência do acidente de que o Recorrente foi vítima, ou seja, do embate sofrido.
38.O Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação dos artigos n.º 496º, 562º e 563º do C.C. ao caso concreto.
39.Neste seguimento, deverá ser revogada a douta sentença a quo na parte em que fixou a quantia de € 10.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais e ainda na parte em que considerou que a despesa que o Recorrente teve de € 95,00 não constitui um dano patrimonial indemnizável no âmbito dos presentes autos, substituindo-se por outra que condene a aqui Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais e ainda a quantia de € 95,00 a título de dano patrimonial.
Pugna pela revogação da sentença nos termos expostos.
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Não foram apresentadas contra-alegações a nenhum dos recursos.
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Os recursos foram admitidos como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Saber se a decisão recorrida é nula com fundamento em condenação em quantidade superior ao pedido;
B)
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:
1. No dia 18 de Junho de 2019, pelas 15 horas e 30 minutos, na Avenida …, em Peso da Régua, da União de Freguesias de … e …, deu-se uma colisão entre dois veículos automóveis.
2. No mesmo foram intervenientes:
a. O veículo ligeiro misto, de matrícula BH, marca Toyota, pertencente a R. J. e conduzido por M. F., com o conhecimento e autorização do proprietário.
b. O veículo ligeiro de passageiros, de matrícula XG, pertencente à … Portugal, S.A., e conduzido por R. C., com o conhecimento e autorização do proprietário.
c. O veículo ligeiro de passageiros de matrícula QQ, marca Volkswagen, modelo Passat, propriedade de A. & A. e conduzido por D. F., com conhecimento e autorização do proprietário.
3. O local do acidente foi num arruamento da via pública.
4. Em que o trânsito de veículos automóveis se processa em ambos os sentidos de marcha, no sentido rotunda luminosa – Estação de Caminhos de Ferro de … e vice-versa.
5. A via é um arruamento sem separador, com duas vias de trânsito separadas por uma linha longitudinal contínua.
6. O arruamento onde ocorreu o acidente tem planta recta.
7. A área do local do acidente é urbana.
8. A sinalização luminosa é inexistente no local do acidente.
9. O pavimento encontrava-se seco e limpo.
10. Os obstáculos ou obras eram inexistentes no local do acidente.
11. O pavimento é em betuminoso, em estado regular de conservação.
12. O estado do tempo era bom.
13. Os condutores podiam avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 metros.
14. Neste quadro, o veículo BH circulava na Avenida …, no sentido de trânsito estação de Caminhos de Ferro de Peso da Régua.
15. A condutora do BH perdeu o controlo do veículo e atravessou a linha longitudinal contínua existente no eixo da via e passou a ocupar a via de sentido contrário.
16. E foi embater no veículo XG que seguia na via de sentido contrário.
17. O veículo XG desviou-se para a direita quando se apercebeu que o veículo BH vinha na sua direcção, mas não foi possível evitar o embate.
18. O veículo BH embateu na lateral traseira do lado esquerdo do veículo XG.
19. Sem abrandar a sua marcha, o veículo BH, após embater no veículo XG continuou a circular na faixa de sentido contrário.
20. E foi embater no veículo QQ que seguia imediatamente atrás do veículo XG.
21. O veículo QQ nada pôde fazer para evitar o embate.
22. A colisão entre o veículo BH e o veículo QQ ocorreu em frente ao Restaurante …, que se situa do lado que circula no sentido Estação de Caminhos de Ferro de Peso da Régua – rotunda luminosa, na faixa de rodagem onde seguia o veículo QQ.
23. O veículo QQ seguia na sua mão de trânsito, dentro dos limites de velocidade, quando foi surpreendido pelo veículo BH.
24. A conduta do veículo BH avistava a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de mais de 50 metros.
25. O autor, que conduzia o veículo QQ, embora circulasse atento o trânsito, não podia prever que a conduta do veículo BH ia fazer tal manobra.
26. O limite de velocidade permitido no local do acidente é de 50 km/hora.
27. A faixa de rodagem tem a largura de 6,30 metros.
28. A faixa de rodagem/via direita tem uma largura de 3,80 metros.
29. Entre o primeiro local de colisão e a berma havia uma distância de 2,10 metros.
30. Entre o primeiro local de colisão e o veículo BH havia uma distância de 14,40 metros.
31. Entre o primeiro local de colisão e uma tampa de saneamento existente na via havia uma distância de 8,35 metros.
32. Entre a lateral traseira do veículo BH e a berma havia uma distância de 1,20 metros.
33. Entre a lateral frontal do veículo BH e a berma havia uma distância de 1,10 metros.
34. Entre a parte lateral frontal do veículo QQ e a berma havia uma distância de 0,90 metros.
35. A condutora do veículo BH conduzia de forma desatenta e descuidada.
36. À data do sinistro, o proprietário do veículo BH tinha seguro constituído com a ré, titulado pela apólice n.º ……..98.
37. Tal seguro abrange as indemnizações devidas a terceiros por danos materiais e corporais, com excepção do condutor.
38. Em virtude dos ferimentos, o autor foi transportado para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E., em ambulância.
39. O autor deu entrada no serviço de urgência no dia 18 de Junho de 2019 pelas 16 horas e 40 minutos e teve alta no mesmo dia pelas 18 horas e 21 minutos.
40. Após observações médicas, foi requerida a realização de TAC cervical, Raio X e a observação e orientação por Ortopedia.
41. O autor apresentava as seguintes queixas: matatarsalgia M4 pé direito, dor sobre cabeça M2 mão direita e edema local.
42. Como consequência da colisão, o autor sofreu fractura do membro inferior direito.
43. Da TAC cervical e do Raio X concluiu-se pela fractura do colo de M4 do pé direito, com alguma angulação plantar e contusão da mão direita.
44. Foi recomendada a marcha com carga conforme tolerância.
45. Indicação para uso, nas primeiras semanas, de sapato de apoio ao retropé para conforto se necessário.
46. E ainda com indicação para evitar períodos longos em pé nas primeiras duas semanas.
47. Teve ainda a indicação de que, se no futuro evoluir para a consolidação viciosa e metarsalgia secundária, pode vir a ter indicação para ressecação artroplástica/osteotomia de elevação.
48. Aquando da alta hospitalar, foi prescrito ao autor Etodolac, Sodolac, 400 mg, cápsula, Blister – 20 unidades.
49. Por sentir dor e desconforto, em 1 de julho de 2019, o autor deslocou-se ao Hospital ... de Vila Real.
50. O autor realizou um exame de RX que deu origem ao seguinte relatório: “Hallux valgus. Observa-se irregularidade da cabeça do 4.º metatarso em relação com os antecedentes de fractura do paciente, a valorizar clinicamente e comprovativamente com estudos prévios.”
51. Foi emitido Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho pelo período de 30 dias, com início em 1.7.2019 e termo em 30.7.2019.
52. O autor realizou uma ressonância magnética ao pé direito no dia 11 de Julho de 2019 da qual resultou o seguinte relatório: “O estudo efectuado revela imagens compatíveis com fracturas sub-capitais do 2.º, 3.º, 4.º e 5.º metatarsos com marcado edema da medular óssea regional e edema miofascial rodeando os trajectos dos 2.º, 3.º e 4.º metatarsos. Associa-se discreto desalinhamento ao nível da fractura do 4.º metatarso, encontrando-se as restantes alinhadas. Restantes peças esqueléticas avaliadas sem alterações de relevo. Placas plantares aparentamente íntegras, assim como as estruturas tendinosas regionais e os ligamentos colaterais. Sesamoides sem alterações.”
53. Em 29.7.2019, o autor fez um RX ao pé direito para análise da evolução da lesão com o seguinte relatório: “O estudo efectuado revela irregularidade da cortical na região do colo do 3.º e 4.º metatarsos, em relação com a presença de fracturas em consolidação. Não há imagens de lesões ósseas com carácter expansivo.”
54. Foi emitido certificado de incapacidade temporária para o trabalho pelo período de 30 dias com início em 31.7.2019 e termo em 29.8.2019.
55. Foi emitido certificado de incapacidade temporária para o trabalho pelo período de 30 dias com início em 30.8.2019 e termo em 15.9.2019.
56. Em 16.9.2019, o autor teve nova consulta e foi submetido a novo RX, tendo-se concluído que o autor tolera carga sem claudicação, mas mantém dor à palpação local.
57. O autor foi examinado, em consulta de ortopedia e fisiatria de médica da ré, no dia 28.8.2019, para elaboração do relatório de avaliação de dano corporal.
58. O autor fez tratamento fisiátrico/fisioterapia nos dias 5.8.2019, 12.8.2019, 21.8.2019 e 10.9.2019.
59. O autor ficou com escoriações e equimoses no membro inferior direito.
60. O autor sentiu, como ainda sente, dores no membro inferior direito.
61. Nos cinco dias posteriores ao acidente, o autor não podia sair da cama devido às dores que sofria no pé direito.
62. As dores que o autor sofria impediam-no de se movimentar sem sentir uma dor excruciante.
63. O autor necessitou de ajuda da companheira para confeccionar as refeições.
64. O autor necessitou de ajuda da companheira para se deslocar à casa de banho.
65. O autor necessitou da ajuda de terceiro para as suas deslocações a consultas, exames e sessões de fisioterapia.
66. O autor teve de tomar medicação para as dores.
67. O autor ficou impedido de realizar a sua actividade profissional até 15 de Setembro de 2019.
68. Nos dias posteriores ao acidente, o autor ficou impedido de realizar qualquer desporto e demais actividades que exigissem movimentação física.
69. O autor não consegue realizar caminhadas com duração superior a uma hora porque, ao fim desse tempo, sente dor e desconforto no pé direito.
70. Antes do acidente, o autor não tinha dores que lhe limitassem os movimentos.
71. O autor nasceu em -.7.1984.
72. O autor trabalha na área da hotelaria, actividade com maior fluxo nos meses de Verão.
73. Na data do sinistro, o vencimento médio do autor era de € 734,70.
74. Das suas funções, faz parte estar muitas horas de pé, pois o seu trabalho é na secção de recepção de hotel.
75. O autor tem dificuldade na realização das tarefas que impliquem estar muitas horas a fazer esforço sobre o pé direito.
76. Quando chega a casa do trabalho, o autor faz crioterapia para aliviar as dores que sente no pé direito.
77. Por causa do acidente, o autor deixou de conseguir praticar crossfit, futebol e ténis, o que antes fazia com regularidade.
78. O que muito o entristece.
79. O autor tinha casamento marcado para o dia 31 de Agosto de 2019.
80. Após o acidente, teve de passar a ser a esposa do autor a tratar sozinha dos preparativos do casamento, o que o deixou triste.
81. No dia do casamento, o autor teve dificuldade em estar de pé e sentiu fortes dores e desconforto durante a cerimónia e a festa.
82. O autor teve dificuldade em calçar os sapatos porque isso lhe causou dor e desconforto.
83. O autor tinha marcado uma viagem de lua-de-mel, mas, devido ao acidente, foi obrigado a cancelá-la, o que o deixou triste e desgostoso.
84. Quando o autor se lembra do acidente, sente abatimento moral e psicológico.
85. As lesões resultantes do acidente para o autor consolidaram-se em 20 de Outubro de 2019, sendo o período de défice funcional temporário parcial de 135 dias.
86. O período de repercussão temporária na actividade profissional total é de 90 dias.
87. O quantum doloris situa-se no grau 4 (em 7).
88. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 3 pontos (em 100).
89. As sequelas resultantes para o autor do acidente são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
90. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de grau 1 (em 7).
91. O autor pagou à GNR € 95,00 pela certidão da participação do acidente de viação à GNR.
92. A ré propôs ao autor o pagamento de € 2.774,78 pelo dano biológico de 3 pontos e € 455,35 pelo quantum doloris de 4 pontos.
93. A ré pagou ao autor:
a. € 530,52 por despesas médicas apresentadas.
b. € 537,00 respeitante a despesas e € 1.000,00 a título de adiantamento de indemnização.
c. € 2.198,97 referente a perdas salariais e € 255,00 a título de despesas.
d. € 135,00 a título de despesas médicas e de transporte.
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Não se provou:
A. A condutora do veículo BH conduzia excedendo os limites de velocidade legalmente impostos para o local, ou seja, circulando muito a cima dos 50 km/hora.
B. Nos cinco dias posteriores ao acidente, o autor não podia sair da cama devido às dores que sofria por todo o corpo.
C. O autor ficou com uma forte dor na zona torácica, que sentia com a realização de simples movimentos respiratórios.
D. O autor não consegue realizar actividades que exijam que esteja de pé por algum tempo.
E. O autor perdeu a alegria de viver e sente-se diminuído.
F. O autor ficou com receio de conduzir veículos.
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A) Nulidade
Defende a ré a nulidade da sentença recorrida por a condenação ter ido além do pedido. Refere que foi, além do mais, pedida a condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de € 10.000,00 a título de dano biológico, acrescida de juros de mora desde a notificação deste incidente de liquidação (09/12/2020) até integral e efectivo pagamento, sendo que os juros de mora são devidos no dobro da taxa prevista na lei aplicável, contudo foi a ré condenada, a este título, no pagamento de € 10.000,00, acrescida de juros de mora no dobro da taxa prevista na lei desde 27/07/2019 até à data da decisão judicial.
Decidindo.
As nulidades da sentença estão típica e taxativamente previstas no art. 615º do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem. Reconduzem-se a vícios formais da decisão decorrentes de erro de actividade ou de procedimento - error in procedendo - referente à disciplina legal e que impedem o pronunciamento do mérito.
Situação distinta é o erro de julgamento - error in judicando -, quer quanto à apreciação da matéria de facto, quer quanto à determinação e interpretação da norma jurídica aplicável.

Dispõe o art. 615º nº 1 e): “É nula a sentença quando: (…)

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Deste preceito, bem como do art. 609º nº 1 do mesmo Código, resultam os limites da condenação a proferir sendo que, em obediência ao princípio do pedido, a decisão deve conter-se, quer em substância, quer em quantidade, no âmbito do pedido deduzido.
Nos termos do art. 581º nº 3 do C.P.C. o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção. A causa de pedir, segundo a teoria da substanciação consagrada no art. 581º nº 4 do C.P.C., é o facto jurídico que gera o direito, i.e., o acontecimento concreto, correspondente a qualquer fattispecie jurídica, que a lei admita como criadora de direitos.
O processo civil é regido pelo princípio do dispositivo, segundo o qual incumbe à uma das partes a iniciativa do processo e o ónus de delimitar o thema decidendum através da formulação do pedido, i.e., o “efeito prático-jurídico” (nas palavras do Ac. do S.T.J. de 05/11/2009 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, endereço a pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem) que se pretende obter com a acção, emergente da causa de pedir invocada, especificando-se a providência requerida. Daqui decorre a necessária coincidência entre o pedido formulado e a pronúncia jurisdicional.
Contudo, nem sempre é fácil determinar o âmbito do pedido ou os seus limites.
Quanto aos seus limites quantitativos, que é o que aqui importa, é actualmente jurisprudência pacífica, no que concerne à dívida de capital, que para efeito de se estabelecer o limite da condenação a que se refere o art.º 609º, nº 1 o valor do pedido global a considerar é aquele que, decorrendo da mesma causa de pedir, se apresenta como a soma do valor de várias parcelas, em que o mesmo se desdobra ou decompõe.
Mas no que diz respeito à dívida de juros esta tem como limite de condenação o pedido formulado.

No caso em apreço verificamos que, não obstante na petição inicial, o autor haver deduzido um pedido ilíquido ao abrigo do disposto no art. 609º nº 2 no que concerne ao dano biológico, no decurso do processo e em face do teor do relatório pericial, aquele procedeu à sua liquidação pelo que é em face deste pedido líquido que há que apreciar a questão suscitada.
Assim, tendo em atenção que foi pedido que sobre o capital peticionado a tal título acrescessem de juros de mora em dobro desde a notificação do incidente de liquidação – que ocorreu em 09/12/2020 – e que foi proferida condenação no pagamento de indemnização acrescida de juros de mora em dobro desde 27/07/2019 conclui-se que a decisão recorrida condenou em quantidade superior ao pedido sendo nula nessa parte devendo este Tribunal conhecer do objecto da apelação nos termos do art. 665º nº 1 do C.P.C. tanto mais que a própria condenação pelo dobro da taxa é objecto da apelação da ré.
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B) Subsunção Jurídica

Os apelantes conformam-se com a decisão acerca da matéria de facto apontando apenas erros na subsunção jurídica.

Vejamos.

1.Dano biológico e danos não patrimoniais
A apelante ré defende que não se justifica a autonomização da indemnização a título de dano biológico da indemnização a título de danos não patrimoniais pelo que ocorre duplicação e pugna pela fixação de uma quantia a título de compensação global que se deve situar nos € 10.000,00. Caso se entenda que se deve autonomizar tais danos defende a redução das quantias arbitradas para € 5.000,00 por cada dano.

O conceito de dano biológico teve origem nos anos 70 do século passado na jurisprudência italiana para fazer face a um problema existente no direito desse país que se prendia com as limitações ao ressarcimento de danos não patrimoniais uma vez que se entendia que o art. 2059º do Codice Civile não previa a compensação de todos os danos não patrimoniais, mas apenas dos danos morais enquanto perturbações transitórias do estado de espirito dos lesados quando resultantes de ilícitos criminais. Contudo, em 2003, a jurisprudência italiana sofreu uma reviravolta uma vez que procedeu a reinterpretação daquele artigo de molde a que o mesmo abrangesse todos os danos de natureza não patrimonial resultantes de valores inerentes à pessoa, incluindo o dano moral subjectivo, o dano biológico em sentido estrito, entendido como lesão do interesse constitucionalmente garantido da integridade física e psíquica da pessoa medicamente certificado, e o dano derivado da lesão de outros interesses de valor constitucional inerentes à pessoa (sentença nº 233 de 11/07/2003 da Corte Costituzionale). Neste sentido vide Maria da Graça Trigo, in Responsabilidade Civil - Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa, 2017, p. 69-87.
Apesar de, no direito português, não existirem restrições à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais dada a previsão do art. 496º nº 1 do C.C., o conceito de dano biológico foi importado pela doutrina e jurisprudência nacionais e permitiu o alargamento da compreensão do âmbito dos prejuízos efectivamente sofridos pelas vítimas de factos geradores de responsabilidade civil delitual.
Assim, passou a definir-se o dano biológico como sendo aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afectação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal.
Este dano aflorou em termos legislativos na Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil, aprovada pelo Dec.-Lei nº 352/2007 de 23/10, e na Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio. No preâmbulo deste último diploma lê-se: “(…) ainda que não tenha direito a indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. E o seu art. 3º b) considera indemnizável o dano biológico, resulte dele ou não, perda da capacidade de ganho. Este diploma foi entretanto alterado pela Portaria nº 679/2009 de 25/06.

A propósito deste dano refere-se no Ac. do S.T.J. de 11/11/10, (Lopes do Rego):
“(…) o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”.
E “Tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira “capitis deminutio” num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringido seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais (…)”.

Assim sendo, a incapacidade permanente parcial pode reflectir-se de duas maneiras no património do lesado:
a) perda efectiva de rendimentos laborais pela incapacidade total ou parcial para a profissão habitual, perda esta que pode ser calculada com o auxílio de fórmulas ou tabelas matemáticas de modo a obter um capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho de modo que, no fim provável da vida do lesado, esse capital se esgote;
b) não ocorre repercussão directa e imediata no rendimento do lesado, mas este, devido à incapacidade de que passou a ser portador, vê a sua capacidade laboral genérica afectada uma vez que tem que efectuar um maior esforço no exercício da sua actividade corrente e profissional e/ou está limitado numa futura reconversão profissional – dano biológico;
Por outras palavras, poder-se-á falar do “dano biológico lato sensu com uma vertente patrimonial – que se desdobra, por um lado, na perda de rendimento pela incapacidade laboral para a profissão habitual e, por outro, na perda na saúde ou diminuição física sem repercussão directa e imediata no vencimento (“dano biológico stricto sensu”) - e uma vertente não patrimonial.
Discute-se na jurisprudência a qualificação do dano biológico: dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro – a maioria da jurisprudência do S.T.J., que acompanhamos; dano patrimonial ou não patrimonial conforme uma análise casuística; ou o dano biológico como um dano base ou dano-evento do qual pode derivar, quer a perda efectiva de rendimentos laborais pela incapacidade total ou parcial para a profissão habitual, quer a perda de capacidade laboral genérica nos termos supra referidos.
Contudo, qualquer que seja o enquadramento jurídico, a jurisprudência maioritária admite o ressarcimento autónomo deste dano que, de modo algum, com vimos supra, se esgota nos danos não patrimoniais.

2. Dano biológico

Insurge-se a apelante ré contra o montante de € 10.000,00 arbitrado a este título reputando-o de exagerado e defendendo a sua redução para € 5.000,00.
Mas, sem razão.
Nesta sede não é de atender às tabelas financeiras utilizadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes de incapacidade permanente parcial para o exercício da profissão habitual uma vez que, como vimos supra, encontramo-nos perante um dano distinto.
Também não é de atender à acima referida Portaria nº 377/08 de 26/05/08, alterada pela Portaria nº 679/2009 de 25/06, uma vez que a mesma prevê os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação pelas seguradoras aos lesados de acidente de viação de proposta razoável para indemnização do dano corporal, não vinculando os tribunais (além de que os valores nela constante se mostram desactualizados atento o tempo decorrido desde a sua publicação).
Assim, na quantificação da indemnização devida pelo dano biológico a jurisprudência maioritária tem defendido tão-só o recurso à equidade nos termos do art. 566º nº 3 do C.C. devendo ser considerados os seguintes factores: idade do lesado e expectativa de vida, grau de incapacidade permanente, potencialidades de aumento de ganho em profissão alternativa aferidas em regra pelas suas qualificações e outros que revelem casuisticamente. Neste sentido vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 14/12/2016 (Maria da Graça Trigo). Neste dano biológico, mais do que a consideração abstracta dos pontos atribuídos ao défice funcional permanente da integridade física de que o lesado passou a padecer, importam essencialmente as consequências das lesões na sua vida em todas as suas dimensões.
Em vez dos tribunais se limitarem a fazer apelo ao critério da equidade indicando logo um montante reputado como adequado afigura-se-nos, na senda da jurisprudência mais recente e de molde a respeitar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (art. 13º da C.R.P. e 8º nº 3 do C.C.), que se deverá atender às decisões jurisprudenciais com as quais seja possível estabelecer um paralelismo.
Revertendo ao caso em análise verificamos que o lesado tinha 35 anos na data da consolidação da incapacidade (20/10/2019); a esperança média de vida segundo os últimos dados do INE é 78 anos para os homens – www.ine.pt; padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos; este défice é compatível com o exercício da sua profissão de recepcionista de hotel, mas acarreta esforços suplementares; a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala crescente de 7 graus; e antes do acidente era saudável.

A título exemplificativo indicam-se as seguintes decisões jurisprudenciais:
- no Ac. do S.T.J. de 07/04/2016 (Oliveira Vasconcelos) foi fixada uma indemnização de € 15.000,00 a um individuo de 42 anos a que foi fixado um défice funcional permanente de 3 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares.
- no Ac. do S.T.J. de 20/12/2017 (Roque Nogueira) foi fixada uma indemnização de € 8.500,00 a um jovem de 19 anos, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 3 pontos, que necessitava de esforços acrescidos para o exercício da profissão que tinha a data do acidente, mas já não para a actual actividade;
- no Ac. do S.T.J. de 11/11/2020 (Abrantes Geraldes) foi fixada uma indemnização de € 15.000,00 a um jovem de 19 anos, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 3 pontos, com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala crescente de 7 graus, que ainda não exercia qualquer profissão.
- no Ac. do S.T.J. de 02/03/2021 (Fernando Samões) foi fixada uma indemnização de € 12.000,00 a um individuo de 32 anos, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 4 pontos, compatível com a atividade profissional, mas a exigir esforços acrescidos.
Pelo exposto, ponderadas as circunstâncias do caso, os referidos elementos jurisprudenciais - que se reportam a um défice funcional permanente igual àquele que é objecto da presente apelação e compatível com o exercício da actividade habitual, mas com esforços acrescidos - e a equidade, temos como equitativa a indemnização de € 10.000,00 a título de dano biológico fixada na sentença recorrida.

3. Danos não patrimoniais
Insurge-se o apelante autor contra o montante de € 10.000,00 arbitrado a este título entendendo que o mesmo peca por defeito e contrapondo o valor de € 20.000,00.

Mas, sem razão.
Nem sempre foi reconhecida a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em geral. No domínio do Código de Seabra era discutida a questão da reparação dos danos morais, mas, pouco a pouco, foi sendo admitida até porque passou a ser prevista noutros diplomas. O Código Civil de 1966 introduziu, no seu art. 496º, uma cláusula geral de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cuja redacção veio a ser alterada pela Lei nº 23/2010 de 30/08).
Como assinala Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 7ª ed., 1993, pág. 602 “A indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”.
Nos danos morais em geral mostra-se impossível, pela própria natureza das coisas, a reparação natural do dano, pelo que a lei impõe o recurso à equidade tendo em atenção os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do facto - art. 496º nº 1 e nº 4 e art. 494º do C.C..
Valem aqui as considerações feitas supra no que concerne à quantificação de indemnizações com recurso à equidade.
In casu provou-se que o autor, em consequência do acidente, sofreu fractura do pé direito; foi assistido no hospital tendo tido alta no mesmo dia; nos primeiros cinco dias posteriores ao acidente não pode sair da cama devido às dores que sentiu; necessitou de ajuda de terceiro para confecionar refeições, ir à casa de banho e se deslocar a consultas, exames e fisioterapia; tomou medicação analgésica; efectuou quatro sessões de fisioterapia; esteve “de baixa” três meses; sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7; ainda sente dores; as sequelas têm uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala de 7; ficou impedido de realizar desporto e actividades que exijam movimentação física, designadamente crossfit, futebol e ténis que anteriormente praticava, o que o entristece; não consegue fazer caminhadas superiores a uma hora por passar a sentir dores; passou a ter dificuldade em estar muito tempo de pé; tendo mantido a data do casamento, não tratou dos preparativos, teve dificuldades em estar de pé durante a cerimónia e sentiu dores durante a mesma e durante a festa e cancelou a viagem de lua-de-mel marcada, o que o deixou triste e, por fim, quando pensa no acidente sente um abatimento psicológico.
Face a esta matéria de facto, tendo presente a não excessiva gravidade dos danos sofridos pelo autor e os valores fixados pela jurisprudência em situações similares, afigura-se-nos equilibrado o valor arbitrado pelo Tribunal recorrido.

Com efeito, a título exemplificativo indicam-se as seguintes decisões jurisprudenciais:

- no Ac. do S.T.J. de 27/02/2018 (Fátima Gomes) foi fixada uma indemnização de € 8.000,00 a título de danos não patrimoniais a um menor de 10 anos à data do acidente, estudante, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 3 pontos que demanda maiores esforços no exercício da actividade habitual, que sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, as sequelas têm uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 7;
- no acórdão desta Relação de 19/06/1919 (Sandra Melo) foi atribuída uma indemnização de € 7.000,00 a um indivíduo de 30 anos, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 2 pontos, que sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7 e que se submeteu a fisioterapia.
Pelo exposto, ponderadas as circunstâncias do caso, os referidos elementos jurisprudenciais - que se reportam a situações em que também bastou aos lesados serem atendidos nas urgências, sem necessidade de internamento, que também necessitaram de se submeter a fisioterapia, mas cujos lesados são mais jovens - e a equidade, temos como equitativa a indemnização de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais fixada pelo tribunal recorrido.
Acresce que a jurisprudência tem entendido que, no caso de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa o critério da equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das regras da vida e afigura-se-nos que tal afronta não ocorre no caso em apreço.

4. Dano patrimonial
Defende o apelante autor que, como consequência do acidente de viação em causa e com vista à instauração da presente acção, teve que pedir uma certidão da participação do acidente de viação elaborada pela G.N.R. que teve um custo de € 95.00, o que consubstancia um dano patrimonial imputável à ré.
Não lhe assiste razão.
Um dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito prevista no art. 483º do C.C. é o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos.
O art. 563º do C.C. prevê a doutrina da causalidade adequada que impõe, num primeiro momento, um nexo naturalístico e, num segundo momento, um nexo de adequação. Assim, não basta que o evento tenha produzido naturalisticamente certo efeito para que este do ponto de vista jurídico se possa considerar causado ou provocado por ele, para tal é ainda necessário que o evento danoso seja uma causa provável desse efeito.
Ora, a certidão em causa e o seu custo não resulta do acidente de viação em análise, não é uma consequência necessária daquele. Tal documento resulta apenas da instauração da acção e só remotamente do sinistro.
Acresce que tal despesa integra o conceito de custas de parte a apreciar em sede de custas.
Neste sentido vide, entre outros, Acórdão desta Relação de 11/05/2012 (Fernando Fernandes Freitas) e Ac. da R.C. de 15/11/2016 (Vítor Amaral).
Pelo exposto, bem andou o tribunal recorrido a julgar improcedente a acção nesta parte.

5. Abatimento do adiantamento
Refere a ré que, certamente por lapso, o tribunal a quo não atendeu ao facto de ter sido adiantada a quantia de € 1.000,00 a título de adiantamento de indemnização.
De facto, assim é pelo que a condenação da ré, em vez de ser no montante de € 20.000,00 a título de dano biológico e danos não patrimoniais deve ser de € 19.000,00.

6. Juros de mora em dobro
Insurge-se a ré contra a sua condenação em juros de mora no dobro da taxa prevista na lei sobre € 16.769,87 (a diferença entre o montante oferecido - € 3.230,13 – e o montante fixado na decisão - € 20.000,00).

Ora, vejamos.
O Dec.-Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto, diploma que aprovou o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, entretanto alterado pela Rectificação nº 96/2007 de 19/10 e Dec.-Lei nº 153/2008 de 06 de Agosto, introduziu, nos art. 35º a 40º, regras novas relativamente às participações dos sinistros e à resposta da seguradora impondo a estas uma postura activa e colaborante, sob pena de lhe serem aplicadas sanções cíveis.
No que concerne à resposta da seguradora, esta deve contactar o tomador do seguro ou com o terceiro lesado no prazo de 2 dias úteis a contar da participação do sinistro marcando as peritagens que devam ter lugar (art. 36º nº 1 a)) e comunicar a assunção ou a não assunção de responsabilidade no prazo de 30 dias úteis a contar do termo do prazo para contacto do tomador ou do terceiro lesado (e)).
No caso de assunção de responsabilidade, que é o que aqui importa, e o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte, a sua posição consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização que é “aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado” - art. 38º nº 1 e 4. Preceitua o nº 2 deste artigo que a seguradora, caso incumpra os deveres previstos no nº 1, deve pagar juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo. E, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, se o montante proposto for manifestamente insuficiente são devidos juros no dobro da taxa legal sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na sentença contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos no nº 1 desse artigo até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida nesta.
No caso de sinistros que envolvam danos corporais há que atender às normas especiais correspondentes aos art. 37º e 39º referentes, a primeira à diligência e prontidão da seguradora na regularização de sinistros, e a segunda à proposta razoável.
O nº 1 do artigo 39º remete para o art. 37º nº 1 c) que dispõe que a seguradora tem o prazo de 45 dias a contar da data do pedido de indemnização para comunicar a assunção ou não da responsabilidade no caso de entretanto haver sido emitido o relatório de alta clínica e o dano ser totalmente quantificável informando, por escrito ou por documento electrónico, daquele facto o tomador ou o segurado e o terceiro lesado. Remete igualmente para o art. 37º nº 2 b), nos termos do qual, sempre que neste prazo de 45 dias, não tenha sido emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável, deve formular proposta provisória e, no caso desta ser aceite, deve assumir a responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar do conhecimento pela seguradora do relatório de alta clínica ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável se posterior.
Assim, no caso de assunção de responsabilidade e o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte, esta posição consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização (art. 39º nº 1 e 6).
O agravamento dos juros previsto no art. 39º nº 2 pressupõe que a responsabilidade não seja objecto de controvérsia, que o dano seja quantificável, no todo ou em parte e que a quantia constante da proposta apresentada seja razoável e não manifestamente insuficiente. São estes os pressupostos desta sanção civil.
Todavia, os juros são devidos à taxa legal sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na sentença quando a proposta tenha sido efectuada “nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanente em Direito Civil” (i.e., nos termos da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio cfr. nº 5), sendo que quanto aos danos não patrimoniais os juros são apenas devidos a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos (nº 3 do art. 39). No que concerne aos danos futuros a proposta razoável pode ser limitada ao prejuízo provável para os três meses seguintes, excepto se já for conhecido o quadro médico e clínico do lesado (nº 4 do art. 39º).
Quanto à interpretação do que seja uma proposta razoável a jurisprudência encontra-se dividida.
Uns entendem que a profunda divergência entre o montante da proposta efectuada pela seguradora e o valor da indemnização que vem a ser fixado pelo tribunal é quanto basta para que, em termos objectivos, não se possa qualificar aquela como "razoável" sendo os juros devidos em dobro, nada mais precisando o lesado de provar para poder beneficiar do estabelecido no art. 38, nº 2 ex vi art. 39.º nº 2 do diploma em análise. Querendo a seguradora beneficiar do regime do nº 3 do referido art. 39.º tem o ónus de alegar factos que, uma vez provados, permitam concluir que efectuou a proposta "nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil". Neste sentido vide, entre outros, Ac. da R.P. de 19/11/2020 (Filipe Caroço), de 23/2/2021 (Ana Lucinda Cabral) e desta Relação de 07/12/2017 (António Beça Pereira) e de 07/05/2020 (Jorge Teixeira).
Outros referem que tal fosso não basta para qualificar a proposta como “irrazoável” incumbindo ao lesado o ónus de alegar e provar que a mesma não corresponde aos valores resultantes da Portaria nº 377/2008 para poder beneficiar dos juros em dobro. Neste sentido vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 07/04/2016 (Maria Graça Trigo), desta Relação de 25/05/2017 (João Diogo Rodrigues), de 02/11/2017 (António Barroca Penha), de 22/02/2018 (Anabela Tenreiro).
Inclinamo-nos para esta segunda posição. Os valores constantes da mencionada Portaria são meras referências, critérios de orientação, que as seguradoras lançam mão em sede extrajudicial com vista a dar cumprimento ao propósito de pronta regularização dos sinistros sendo que o legislador não cuidou de proceder a actualização dos mesmos. Entendemos que as mesmas não estão obrigadas a apresentar propostas por valor superior aos aí previstos. Assim sendo, a eventual discrepância de valores não permite por si só qualificar a proposta de não razoável incumbindo ao lesado provar que a proposta não corresponde aos critérios da Portaria como facto constitutivo do seu direito ao pagamento de juros em dobro.
Revertendo ao caso em apreço verificamos que o autor pediu a condenação da ré no dobro da taxa de juro legal “ao abrigo do disposto no artigo 38º, nº 3 da Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto”. Alegou que a ré lhe apresentou uma proposta de indemnização que não aceitou. Com a petição juntou os doc. nº 28 e 29 que não foram impugnados pela ré e cujo teor não resulta completamente plasmado nos factos provados – relatório de avaliação do dano corporal efectuado pelos seus serviços, que concluiu pela data de consolidação de 30/10/2019, por um défice permanente de 3 pontos e um quantum doloris de 4 numa escala de 7 e carta da ré datada de 07/11/2019 que, baseando-se na avaliação e na Portaria nº 377/2008 de 28/05, apresentou uma proposta de indemnização no valor de € 2.774,78 pelo dano biológico e € 455,35 pelo quantum doloris.
A ré, na contestação, referido que o valor por si proposto “resulta exactamente da proposta razoável de acordo com a respectiva portaria”.
Assim, tendo a ré assumido a responsabilidade, tendo inclusive indemnizado os danos patrimoniais, verificamos que, não obstante existir uma divergência significativa entre o valor proposto e o valor fixado na sentença, o autor não logrou provar que aquele valor não corresponde à aplicação da Portaria nº 377/2008 (bem pelo contrário) pelo que não são devidos juros em dobro, mas tão-só à taxa legal a partir da data da decisão judicial que tornou líquidos os montantes (art. 39º nº 3 e 4).
Por todo o exposto, procede a apelação parcialmente.
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As custas da acção são da responsabilidade do autor e da ré na proporção do decaimento.
As custas da apelação do autor são integralmente da sua responsabilidade e as da apelação da ré na proporção do seu decaimento.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - O dano biológico pode ser definido como sendo aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afectação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica, ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal e é ressarcível como dano autónomo.
II - A indemnização pelo dano biológico deve ser fixada segundo critérios de equidade em função dos seguintes factores: idade do lesado aquando da lesão, esperança média de vida, grau de incapacidade geral permanente. Igualmente deverá o julgador ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares com vista a uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
III - No caso de indemnização por danos não patrimoniais, estando em causa o critério da equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático e da criteriosa ponderação das regras da vida.
IV - Os custos de uma certidão da participação do acidente de viação obtida para instruir a acção não consubstancia um dano patrimonial decorrente do acidente por falta de nexo de causalidade.
V – Num caso de acidente de viação com danos corporais em que a seguradora assumiu a responsabilidade e apresentou uma proposta de indemnização ao lesado, este, para poder beneficiar do pagamento de juros de mora à taxa legal em dobro, terá que alegar e provar que o valor proposto não corresponde à aplicação da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação do autor e parcialmente procedente a apelação da ré e consequentemente:
Decide-se que às quantias de € 10.000,00 e € 10.000,00 fixadas a título de dano biológico e danos não patrimoniais respectivamente deve ser deduzido o valor de € 1.000,00 já adiantado pela ré;
E à quantia de € 19.000,00 acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a prolação da decisão recorrida até efectivo e integral pagamento.
As custas da acção são da responsabilidade do autor e da ré na proporção do decaimento.
As custas da apelação do autor são integralmente da sua responsabilidade e as da apelação da ré na proporção do seu decaimento.
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Guimarães, 28/10/2020

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues