Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3398/08.9TBBRG-A.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: ACORDOS PARA PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
APLICAÇÃO DOS EFEITOS DO NCPC
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora)

1- Da simples junção de procuração ao processo pode-se concluir que o Demandado tinha conhecimento e acesso aos autos e por isso tinha (ou podia ter tido) conhecimento da omissão da sua citação; há que entender-se que se a não invocou quando juntou a procuração foi porque não quis dela prevalecer-se, sanando-se a nulidade proveniente de tal omissão.

2- A tramitação eletrónica dos autos não invalida este entendimento, face ao disposto no nº 4 do artigo 27º da Portaria nº 280/2013, que permite a consulta dos autos por advogados e solicitadores de processos que não estejam mandatados para o processo.

3- Não é possível atribuir-se os efeitos previstos no novo Código de Processo Civil (artigos 806º a 807º do Código de Processo Civil) aos acordos para pagamento em prestações celebrados e sancionados no âmbito do CPC61, contrários aos que lhe foram inicialmente atribuídos, sob pena de se aplicar retroativamente estas normas, como que se anulando o já praticado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Autos de apelação em separado (em execução para pagamento de quantia certa)

Relatório

A execução de que estes autos são apenso iniciou-se por requerimento executivo apresentado em 16-5-2008.
Em 07/07/2008, Exequente e Executada celebraram um acordo de pagamentos.
Em 11-7-2013, a executada veio aos autos protestar juntar procuração e informar que a exequente estava insolvente.
Em 17-12-2013, a executada juntou procuração aos autos.
Por ato de 7-5-2014, a executada foi notificada para se pronunciar sobre a modalidade da venda.

Em 4-6-2014, a executada veio afirmar que não foi citada nos autos para se opor à execução, requerendo, por falta de citação, à luz do disposto no artigo 851.º do C.P.C., a anulação de todo o processado nos presentes autos de execução. Mais invocou que a Exequente se fez pagar da primeira das prestações acordadas antes da respetiva data de vencimento, causando-lhe prejuízos cujo ressarcimento requereu.

Em 25-6-2018 a executada, alegou, em síntese, que o ato da citação da executada não aconteceu devido à celebração do acordo de pagamento entre as partes e que a celebração do acordo de pagamento não poderá sanar o ato de citação do executado. Mais afirmou que, porque a exequente não declarou, nos presente autos, aquando da celebração do acordo de pagamentos, que não prescindia da penhora, esta ficou sem efeito.

Em 1-10-2018 foi proferido despacho que, além do mais, julgou improcedente a falta de citação invocada e indeferiu o peticionado no requerimento de 25 de Junho de 2018, quanto à penhora, com, além do mais, o seguinte fundamento: “O acordo de pagamento em prestações celebrado nos autos foi realizado em 07-07-2008, estando em vigor nessa ocasião o CPC com a redação do DL 38/2003. Nessa data o atual artigo 806º do CPC (na altura artigo 882º do CPC), não tinha a redacção actual, nem o artigo 807º (que corresponde parcialmente ao ex-artigo 883º do CPC). Face ao plano de pagamento apresentado o referido artigo 882º, nº1, do Código de Processo Civil mandava suspender a instância executiva, o que foi determinado a fls. 32. Acresce que o referido artigo 883º referia que, na falta de convenção em contrário, vale como garantia do crédito exequendo a penhora já feita na execução, que se manterá até integral pagamento.”

É desta decisão que recorre a Executada, apresentando as seguintes:

conclusões:

.I Nos presentes autos, demonstrou-se que 07-07-2008, aquando da realização da penhora, foi celebrado entre exequente e o executado um acordo de pagamento, onde o exequente aceitou a redução da dívida para o valor de € 4.500,00 e o executado entregou 3 cheques para pagamento da mesma, com o montante de 1.500 euros cada.
II. No entanto, ao contrário do acordado, a exequente fez-se pagar, pela primeira prestação, antes da respetiva data de vencimento, em Agosto de 2008.
III. Ora, tal como refere o art.º 777.º do CC, existindo convenção entre as partes relativa ao prazo de pagamento, o mesmo não se encontra na disponibilidade do credor.
IV. Desta forma, o incumprimento do acordo só poderá ser imputável à credora/exequente.
V. Além de que, nesta matéria, regula o art.º 801.º do CC referindo que tornando- se impossível a prestação por causa imputável ao devedor (neste caso, ao credor/exequente), é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação
VI. Assim, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, perante o incumprimento, o executado, se já tiver realizado a sua prestação, pode exigir a restituição dela por inteiro e tem ainda direito a uma indemnização.
VII. E a executada pretende, em sede de oposição, alegar esse incumprimento e, nos termos do art.º 801º, n.º 2 do CC, exigir a restituição do que foi prestado e uma indemnização pelos danos sofridos.
VIII. Entende, por isso, que, tendo saído frustrado o acordo, a executada terá de ser citada para, querendo, deduzir oposição à execução/penhora, antes de prosseguir para a venda dos bens, nos termos conjugados dos art.º 807º, 808º e 850º, n.º 4 do CPC.
X. Mais, de acordo com o n.º 1 do art.º 807º do CPC, no caso de ser celebrado um acordo de pagamento em prestações, se o exequente declarar que não prescinde da penhora (apenas neste caso!), aquela converte-se automaticamente em hipoteca ou penhor.
X. O art.º 808º do CPC prevê que, no caso de incumprimento do acordo, a execução terá de ser renovada e a penhora inicia-se pelos bens sobre os quais tenha sido constituída hipoteca ou penhor. O que não sucedeu nos presentes autos.
XI. Deste modo, a exequente deixou de beneficiar de qualquer garantia após a suspensão da execução, devendo ser levantada a penhora.
XII. Nem poderá ser válido o argumento do tribunal a quo de que, na data do acordo estava em vigor o CPC com a redação de DL 38/2003, uma vez que o art.º 6º da Lei da Aprovação do CPC (Lei nº 41/2013, de 26 de Junho) prevê que o novo CPC aplica-se ás execuções pendentes à data da sua entrada em vigor.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão impugnada, sendo substituída por outra, em conformidade com a pretensão da Recorrente, sendo a recorrente citada para deduzir oposição à execução/penhora e levantada a penhora efetuada.

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou sejam de conhecimento oficiosos e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao alegado nas conclusões das alegações:

1- Se deve ser determinada a citação da executada por ter ocorrido falta de citação, o que implica saber se a mesma se sanou;
2- Se se deve ordenar o levantamento da penhora por serem aplicável para novo regime (do CPC2013) ao acordo de pagamentos efetuado ao abrigo do anterior Código de Processo Civil.

III- Fundamentação de Facto

Os factos relevantes sempre a decisão da causa já se encontram elencados supra.

IV- Fundamentação de Direito

A- Da falta de citação.

Determinava o artigo 187º do Código de Processo Civil de 1961, na redação vigente à data da instauração dos autos e cujo dizeres ainda hoje se mantêm, traduzidos no artigo 194º do atual Código de Processo Civil, que é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta quando o réu não tenha sido citado.

Esta norma aplica-se com as necessárias adaptações ao processo executivo, ex vi artigo 551º nº 1 do Código de Processo Civil e, no que toca ao regime anterior, ex vi artigo 446º nº 1 do CPC61.

Pode-se falar em nulidade da citação, lato sensu, em duas circunstâncias distintas: quando ocorra a falta de citação, em que esta não foi realizada, como determinava o artigo 195º do Código de Processo Civil, atualmente vertido no artigo 188º do novo Código, e aquela, em sentido estrito, em que não foram observadas as formalidades prescritas na lei, regulada no artigo 198º do anterior diploma legal e atualmente no artigo 191º, tudo sem distinções de regime.

Aqui apenas se discute, face às alegações da Recorrente, a falta de citação, não a sua nulidade ss.

Conforme dispõe o citado artigo 188º do Código de Processo Civil, há falta de citação quando o ato tenha sido completamente omitido; quando tenha havido erro de identidade do citado; quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade e quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.

Por força do artigo 198º nº 2 do Código de Processo Civil (com igual redação no anterior Código, ao artigo 204º nº 2), as nulidades previstas nos artigos 187.º e 194.º podem ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.

A talho de foice, diga-se que se salienta no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 11/25/2013 no processo 192/12.6TBBAO-B.P1, (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano) “Como refere o Prof. A. dos Reis (Comentário, vol. 2º, pág. 446/447 e CPC Anot., I, 3ª ed., pág. 313), para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o réu se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação, só perdendo o direito de o fazer se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela. J. Rodrigues Bastos (Notas ao Cód. Proc. Civil, 2ª ed., vol. I, pág. 397/398), depois de referir que o réu deve arguir a falta de citação logo que intervenha no processo, isto é, no ato que constitua a sua primeira intervenção, observa que, ainda que o réu tenha conhecimento do processo, desde que não intervenha nele, pode arguir em qualquer altura a falta da sua citação.”

Acórdão este que conclui “II - Considera-se sanada a falta de citação, nos termos do artigo 196º, do CPC, quando o réu/executado intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de ato susceptível de pôr termo a revelia do réu, o que se verifica com a constituição de advogado.

III - A junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.”

Não obstante, com fundamento de que no atual regime processual para que o advogado tenha acesso a autos, que se encontram em suporte digital, tem que previamente juntar aos autos a procuração forense em face do disposto no artigo 27º da Portaria 280/2013, tem-se ultimamente criado corrente que entende que aquando da junção da procuração forense aos autos, não é legalmente possível conhecer o seu conteúdo ou, sequer os atos praticados, não podendo por isso invocar-se um vício desconhecido, pelo que, estando a ação executiva cível sujeita à disciplina da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, e porque o acesso à tramitação eletrónica implica a junção de uma procuração e, nessa medida, esta é também pressuposto de qualquer intervenção, também se entendeu que a forma de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito no caso das ações tramitadas eletronicamente há “fazer uma interpretação atualista quanto aos efeitos relacionados com a apresentação de uma procuração forense, de modo a evitar que a simples junção de instrumento de mandato forense não implique direta e necessariamente a preclusão de possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação.” cf acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 11/03/2016, no processo 1573/10.5TBLLE-C.E1.

Da mesma forma, também se entendeu que “Embora a lei não o diga expressamente, temos para nós que essa intervenção, dada a gravidade da cominação imposta no normativo, pressupõe uma atuação ativa no processo do MPº ou réu (neste caso do executado), através da prática ou intervenção em ato judicial, que lhe permitam tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efetivo conhecimento (Nesse sentido cfr. Ac. do STJ de 09/02/1990, Rec. 22252, AJ, 6º/90, pág. 14, e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 2014, 3ª. ed., pág. 369.”). Sendo assim, a simples junção autos de uma procuração forense pela executada não configura qualquer intervenção processual da sua parte no processo, e nem dela se pode extrair (à falta de mais elementos) a conclusão de que a mesma tomou conhecimento do seu processado (por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa).” cf acórdão de 608 /10.6TBSRT-B.C1 de 04/24/2018.

Compulsada a Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto verifica-se que o seu artigo 27º, na redação ora vigente (dada pelo Portaria n.º 267/2018, de 20/09 ), permite a consulta por advogados e solicitadores de processos nos quais não exerçam o mandato judicial por solicitação à secretaria, que disponibiliza o processo por um período de 10 dias para consulta na área reservada do mandatário no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais, como dispõe o seu nº 4.

Falhando, por qualquer razão prática, tal disponibilização dos atos para consulta, ao contrário do determinado por lei, sempre poderá e deverá o mandatário que junta a procuração invocar o respetivo justo impedimento para a prática tempestiva da arguição da falta de citação.

E da mesma forma, nas redações anteriores, a limitação dessa consulta era efetuada por remissão para as normas gerais do Código de Processo Civil sobre essa matéria. Na redação dada pela Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto dizia o nº 3 deste artigo “À consulta eletrónica de processos aplicam-se as restrições de acesso e consulta inerentes ao segredo de justiça e as previstas no artigo 164.º do Código de Processo Civil e na redação dada pela Portaria n.º 170/2017, de 25 de Maio “3 - À consulta eletrónica de processos aplicam-se as restrições de acesso e consulta legalmente previstas”.
Enfim, entende-se que nesta situação em concreto a tramitação eletrónica dos processos não veio alterar o paradigma anterior, por a lei conceder aos ilustres mandatários a mesma possibilidade de consulta dos processos que vigorava anteriormente, podendo sempre estes, caso as mesmas não lhe sejam concedidas, vir aos autos arguir tal situação, como nulidade impeditiva da prática tempestiva do ato.

Com efeito, não se compreende que alguém possa juntar uma procuração a um processo sem conhecer a sua existência e sem saber que a partir desse momento está representado por advogado; da mesma forma não se concebe que um advogado aceite patrocinar uma parte num processo e ali junte procuração, iniciando a sua intervenção nesses atos, sem que tenha conhecimento do processo em que está a intervir ou sem que tenha a possibilidade de conhecer tal intervenção. Quando junta a procuração estará a assumir que nesse momento ali representa a parte, pelo que pode desde logo conhecer o processo, sanando-se a omissão de conhecimento do processo e seus trâmites que a citação pressupõe.

De qualquer forma é pacífico que “E sobre o que se deve entender por “intervenção no processo”, reporta-se a mesma à prática de ato suscetível de pôr termo à revelia do réu, esclarecendo-se que a intervenção do réu preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão.

Ao intervir no processo o réu tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se.

E importante, para que essa intervenção no processo possa assumir tal relevo, é que a mesma pressuponha “o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação; se, com esse conhecimento, o réu intervém sem arguir a falta de citação é porque não está interessado em prevalecer-se dessa omissão, devendo a mesma considerar-se sanada”. cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/10/2018, no processo 353/13.0TBVPA.G1 .

Discute-se é se, como se viu, a simples junção de procuração ao processo implica que o Réu ou executado podiam ter conhecimento do processo e por isso, porque podiam ter conhecimento da falta de citação e o não fizeram, há que se entender que não quiseram dela prevalecer-se, sanando-se a nulidade proveniente de tal omissão.

Entendemos que sim, porquanto a tramitação eletrónica do processo não alterou a possibilidade do ilustre mandatário do Réu ou executado consultar os autos antes de juntar a procuração e que, caso tal ocorra por qualquer razão prática, sempre pode dar conhecimento aos autos dessa limitação, beneficiando, pois, do prazo para a prática desse ato, pela simples aplicação do regime do justo impedimento.

Nos presentes autos, no entanto, a intervenção inicial da mandatária em 11-7-2013 protestando juntar procuração e a informar que a exequente estava insolvente, seguida da competente junção do documento protestado em 17-12-2013, na sequência de acordo de pagamentos realizado, não permitem ter dúvidas que a executada teve uma intervenção efetiva no processo que implicava que dele tinha tido conhecimento, ou dele podia ter tido, pelo que a sua arguição, cerca de meio ano após a junção da procuração e cinco após tal acordo, é tardia: a correspondente nulidade já se havia sanado, nos termos do artigo 198º nº 2 do Código de Processo Civil.

B- Do levantamento da penhora e extinção da execução

Foi efetuado acordo de pagamentos ao abrigo do anterior Código de Processo Civil, pretendendo agora a executada que se apliquem às consequências de tal ato o regime atual.

B.1- da diferença de regimes entre o atual Código de Processo Civil e do anterior

“1 - Na vigência do antigo Código de Processo Civil (CPC), o acordo de pagamento em prestações na fase executiva determinava a suspensão da execução e a manutenção, na falta de convenção em contrário, da penhora como garantia do crédito até integral pagamento da dívida exequenda (Cfr. n.º 1 do artigo 882.º e n.º 1 do artigo 883.º do CPC).
2 - Na vigência do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, os n.ºs 1 e 2 do artigo 806 determinam que celebrando as partes um acordo de pagamento em prestações da dívida exequenda, definindo um plano de pagamento e comunicando tal acordo ao agente de execução, a execução extingue-se (Cfr. parte final do n.º 2 do artigo 806.º; alínea f) do n.º 1 do artigo 849.º; alínea e) n.º 2 do artigo 717.º do NCPC). Acresce o n.º 1 do artigo 807.º que se o exequente declarar que não prescinde da penhora já feita na execução, aquela converte-se automaticamente em hipoteca ou penhor, beneficiando estas garantias da prioridade que a penhora tinha, não obstando a lei a que as partes possam convencionar outras garantias adicionais ou substituam a resultante da conversão da penhora agora convertida em hipoteca ou penhor (Cfr. n.º 2 do artigo 807.º do NCPC).
3 - A lei também prevê que o não cumprimento do acordo firmado por parte do executado confere ao credor exequente o direito de, querendo, renovar a instância executiva para satisfação do remanescente do seu crédito (Cfr. art.º 808.º do NCPC).”, como se resumiu de forma clara a alteração de regimes entre os dois Código de Processo Civis no que toca a esta matéria, no Processo 2014000518 – IVE n.º 6579, ficha doutrinária da Autoridade Tributária, disponível em http://www.taxfile.pt/file_bank/news1015_9_1.pdf.

Com efeito, o artigo 806.º do novo Código de Processo Civil atual de 2013, sob a epigrafe “Pagamento em prestações”, impõe da seguinte forma: “1 – O exequente e o executado podem acordar no pagamento em prestações da dívida exequenda, definindo um plano de pagamento e comunicando tal acordo ao agente de execução. 2 – A comunicação prevista no número anterior pode ser apresentada até à transmissão do bem penhorado ou, no caso de venda mediante proposta em carta fechada, até à aceitação de proposta apresentada e determina a extinção da execução”.

Um dos aspetos mais relevantes do artigo 807º do Código de Processo Civil novo, por seu turno, está estabelecido no seu nº 1: “Se o exequente declarar que não prescinde da penhora já feita na execução, aquela converte-se automaticamente em hipoteca ou penhor, beneficiando estas garantias da prioridade que a penhora tenha, sem prejuízo do disposto no artigo 809.º”: ao contrário do regime anterior (em que se mantinha como garantia do crédito exequendo a penhora já efetuada na execução até integral pagamento) a nova lei não mantém a penhora, mas permite que esta se converta em hipoteca ou penhor, exigindo ainda, para tanto, que o credor declare que não prescinde da penhora.

Visto que no novo regime, a execução se extingue com o acordo de pagamento, a que se dá a natureza de transação, houve necessidade de proteger o interesse do exequente em caso do incumprimento pelo executado, no que toca à falta de pagamento de qualquer uma das prestações. Assim, além do exequente poder declarar manter a garantia que lhe concedia a penhora, tal incumprimento tem, no novo regime, o efeito estabelecido no artigo 808º nº 1 do Código de Processo Civil: importa o vencimento imediato das seguintes, podendo o exequente requerer a renovação da execução para satisfação do remanescente do seu crédito. Então, na execução renovada, a penhora inicia-se pelos bens sobre os quais tenha sido constituída hipoteca ou penhor, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 807.º, só podendo recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução.

B.2 Da aplicação da lei no tempo

A Lei 41/2013 de 26/06, que aprovou o Novo Código de Processo Civil estabeleceu no artigo 6.º regras relativas à aplicação da lei no tempo para as execuções.
No seu nº 1 estabelece “O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor” embora ressalve que o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.
Por seu turno, nos termos do artigo 126º do Código de Processo Civil, a forma dos diversos atos processuais é regulada pela lei que vigore no momento em que são praticados.

E quanto aos seus efeitos?

Vejamos o que diz a melhor doutrina no que toca às regras da aplicação da lei processual civil no tempo.
A regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroativa - artigo 12.º, n.º 2 do Código Civil. Mas excetua-se o caso da lei nova conter normas de direito transitório.

Como se viu a norma mais relevante sobre esta matéria (o artigo 6º nº 1 deste diploma) não afastou tal entendimento: “O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor.”, estipulando a sua aplicabilidade imediata aos processos pendentes.

Também ANTUNES VARELA, in Manual de Processo Civil (Antunes Varela – Sampaio e Nora – José Miguel Bezerra, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 47 a 49, remete esta matéria para o artigo 12º do Código Civil, referindo que m ideia que a lei dispõe para o futuro significa, no âmbito do direito processual civil, que a nova lei se aplica às ações futuras e também aos atos futuramente praticados nas ações pendentes, portanto, “a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízos, por estar em causa um ramo do direito público e um ramo de direito adjectivo”.

Há, no entanto, que ter também em atenção que é a de que a nova lei não regula os atos que já foram praticados no domínio da lei antiga, podendo o respeito da validade e eficácia dos atos anteriores obrigar à aplicação da lei antiga mesmo a atos posteriores à entrada em vigor da nova lei, e tal for necessário para que os atos anteriormente realizados não percam a utilidade que tinham.

Com efeito dispõe o artigo 12º nº 1 do Código Civil que “mesmo que seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.”

Assim, se o acordo de pagamentos efetuado tinha como consequência a manutenção da penhora, sem necessidade de declarações suplementar, ao contrário do que ocorre no novo código, há que considerar que este efeito se mantém, sob pena se de perder a sua eficácia (e além disso prejudicarem-se justas expetativas das partes).

“Com a entrada em vigor da reforma do processo civil encetada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, os acordos prestacionais celebrados à luz do anterior CPC mantêm a sua vigência e não conduzem à extinção da execução, por não lhes ser aplicável o atual regime previsto no artigo 806.º. Com efeito, na data da entrada em vigor do nCPC (1 de setembro de 2013), tais acordos prestacionais, celebrados à luz do regime legal anterior, mantinham-se válidos, estando as respetivas execuções pendentes. Este entendimento não é afastado pela previsão contida no artigo 6.°, n.ºs 1 e 3, do diploma preambular da Lei n.º 41/2013, de 26/06, ao mandar aplicar o nCPC às execuções pendentes, exceto no que concerne aos títulos executivos, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória, havendo ainda que respeitar o regime substantivo estabelecido no n.º 1 do artigo 12.º, do CC, na medida em que estamos perante uma norma que colide com a validade formal de qualquer facto ou dos seus efeitos e, em caso de dúvida, deve entender-se que a norma só vale para futuro. Assim, no que tange aos acordos prestacionais já existentes à data da entrada em vigor do nCPC e face ao prazo que as partes haviam fixado para o mesmo - por mais lato que ele seja como o anterior artigo 882.º permitia -, entende-se que a instância executiva se mantém suspensa durante esse prazo. Mas esta solução não invalida que as partes possam resolver esse acordo por incumprimento ou celebrar um novo acordo prestacional, agora à luz do atual artigo 806.°. Nesta última hipótese, passará a vigorar o acordo prestacional mais recente e a execução será extinta, em obediência ao n.º 2 do citado normativo. Aliás, para esta situação também caminha o respeito pelo princípio da confiança jurídica, com dignidade constitucional, na medida em que as partes quando estabeleceram o acordo prestacional tiveram em vista determinado quadro processual vigente nesse momento, e não podiam ter previsto que o mesmo levaria, por si só, à extinção da execução.”, como escreveram Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2015, p. 494-495.

Como se dá conta no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02/23/2016 no processo 191/11.5TBMRA.E1, “No mesmo sentido de que “o efeito extintivo da execução não pode ser atribuído aos acordos de suspensão da execução celebrados antes da entrada em vigor do novo Código” pugnam Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, em Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, vol. II, 341”

Concorda-se inteiramente com esta posição: não é possível atribuir aos acordos para pagamento em prestações celebrados à luz do anterior Código de Processo Civil os efeitos que o novo Código de Processo Civil atribui a esse tipo de acordos: o que o artigo 6º nº 1 da Lei n.º 41/2013 do Código de Processo Civil regula é que o novo Código de Processo Civil se aplica a todos os processos a partir da sua entrada em vigor, mas sem tirar eficácia aos atos praticados à luz do anterior código, cujos efeitos se mantêm.

Com efeito, o que ali se diz é que«a nova lei processual deve aplicar-se imediatamente, não apenas às ações que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas a todos os atos a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo», nos dizeres de ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in “Manual de Processo Civil”, pág. 45, princípio este que é aliás, a norma no âmbito da aplicação da lei processual nova.

A aplicação no tempo das leis processuais, na falta de regulamentação especial no Código de Processo Civil, deve basear-se nos princípios consignados no artigo 12.º do Código Civil: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroativa: assim, não é possível atribuir-se aos acordos para pagamento em prestações celebrados e sancionados no âmbito da lei velha outros efeitos, contrários aos que lhe foram inicialmente atribuídos, sob pena de se aplicar retroativamente estas normas, como que se anulando o já praticado. Aqueles atos produziram já determinados efeitos no processo, como a suspensão da execução e a manutenção da penhora enquanto esta esta não for alterada que não podem agora anular-se, exceto se as parte celebraram novo acordo, agora já à luz da lei nova.

De outra forma, estar-se-ia a desproteger os interesses das partes, violando a justa expetativa que a decisão sobre tais acordos valeriam no processo.

Carece, assim, de razão o Recorrente que pretende aplicar ao acordo parte do regime novo e do regime antigo, conforme o que lhe é mais favorável.

Improcede o recurso.

V Decisão:

Por todo o exposto, julga-se a apelação improcedente e em consequência, mantém-se o despacho recorrido.
Custas pela apelante.
Guimarães, 9 de maio de 2019

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes