Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3/08.7FIVCT.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: BENS APREENDIDOS
PERDA
REQUISITOS LEGAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/17/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) O que se exige para a declaração de perdimento é que o bem em causa, atenta a sua natureza intrínseca, isto é, a sua específica e co-natural utilidade, se mostre especialmente vocacionado para a prática criminosa, e deva por isso considerar-se, nesta acepção, objecto perigoso.
II) Esse perigo objectivo existe, in casu, porque a máquina apreendida está preparada para desenvolver jogos de fortuna e azar, estando tal dependente da simples introdução de um código.
III) Ou seja, independentemente da circunstância de se demonstrar que alguém usou, ou pretende usar, a máquina para a prática de jogos de fortuna e azar, há sério risco de ela vir a ser utilizada para esse efeito, o que a coloca sob a previsão da última parte da norma do art. 109 n° 1 do Cod. Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No Tribunal judicial de Monção (Proc.n° 3/08.7FIVCT), na sequência de promoção do magistrado do Ministério Público, foi proferido despacho que ordenou a destruição de um móvel e de uma máquina de jogos de vídeo e o perdimento de uma moeda de € 0,50 a favor do Fundo de Turismo.
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O arguido Pedro C... interpôs recurso desse despacho, limitado à ao perdimento e destruição da máquina de jogos de vídeo.
A questão a decidir é a de saber se deve manter-se a declaração de perdimento e destruição da máquina de jogos apreendida.
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Respondendo, a magistrada do MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, o sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 n° 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Durante uma acção de fiscalização da Brigada Fiscal da GNR foi apreendida num estabelecimento de café e restaurante do arguido e recorrente Pedro C... uma máquina de "vídeo-jogos", um móvel e uma moeda de € 0,50 (fls. 5).
Instaurado o inquérito, foi decidido o arquivamento, mas promovida pela magistrada do MP a destruição do móvel e da máquina de vídeo e o perdimento da moeda a favor do Fundo de Turismo.
Conclusos os autos, o sr. juiz proferiu despacho a ordenar a destruição e a declarar o perdimento, nos precisos termos promovidos.

Vem o recurso interposto desse despacho, limitado, no entanto, à impugnação da decisão de destruição da máquina.

Nele invoca-se a violação das normas dos arts. 109 do Cód. Penal e 116 do Dec.-Lei 422/89 de 2-12. Diz o art. 116 do Dec.-Lei 422/89:
"O material e utensílios de jogo serão apreendidos quando sejam cometidos crimes previstos nesta sec­ção e destruídos, a mando do tribunal, pela autoridade apreensora, que lavrará o competente auto de des­truição".
E o art. 109º do Cód. Penal:
1 — São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estiverem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou por estes tiverem sido produzidos, quando, pela sua nature­za ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públi­cas, ou oferecerem sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
2 — O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.
Efectivamente, ao abrigo da norma do art. 116 do Dec.-Lei 422/89 não pode ser declarado o perdimento. Este apenas está previsto para quando forem "cometidos crimes", sendo que só se pode afirmar a existência da prática de um "crime" (o que não é sobreponível à prática de um facto ilícito típico) depois do trânsito em julgado de uma sentença condenatória.
Resta, pois, determinar se o caso cabe na previsão das normas do art. 109 do Cód. Penal. Essencial é o conteúdo do relatório do exame pericial feito à máquina apreendida (fls. 106 e ss). Transcreve-se das «conclusões» de tal relatório:
"Só foi possível observar em desenvolvimento jogos de diversão, estando, portanto, a máquina sujeita ao disposto nos arts. 19 ao 28 do Dec.-Lei 310/2002 de 18 de Dezembro.

(...)


Embora não tenha sido possível, pelos motivos descritos no capítulo anterior, a colocação em desenvol­vimento e consequente observação de qualquer jogo de fortuna ou azar, a máquina possui elementos informá­ticos que indicam que esta está preparada para desenvolver tal tipo de jogos, através de procedimentos que apenas o proprietário e o explorador da máquina conhecem...".
Tais procedimentos consistem na introdução de um código para que seja desbloqueado o acesso aos jogos de fortuna e azar.
O que está em causa não é o risco subjectivo do recorrente vir a utilizar (ou permitir que outros utilizem) a máquina em jogos de fortuna e azar. Não há que conjecturar sobre as suas reais intenções, as quais, aliás, só poderiam ser fixadas em sede de julgamento. O que releva aqui é o perigo objectivo do uso da máquina para a prática desse tipo de jogos. O que se exige para a declaração de perdimento é que o bem em causa, atenta a sua natureza intrínseca, isto é, a sua específica e co-natural utilidade, se mostre especialmente vocacionado para a prática criminosa, e deva por isso considerar-se, nesta acepção, objecto perigoso.
Esse perigo objectivo existe porque a máquina está preparada para desenvolver jogos de fortuna e azar, estando tal dependente da simples introdução de um código.
Ou seja, independentemente da circunstância de se demonstrar que alguém usou, ou pretende usar, a máquina para a prática de jogos de fortuna e azar, há sério risco de ela vir a ser utilizada para esse efeito, o que a coloca sob a previsão da última parte da norma do art. 109 n° 1 do Cod. Penal, acima transcrita.
Tem, pois, de ser negado provimento ao recurso.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães negam provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
O recorrente pagará 2 UCs de taxa de justiça.