Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1184/10.5TBEPS.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: DANO BIOLÓGICO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A indemnização destinada a ressarcir o dano biológico visa compensar o lesado pela perda ou diminuição das capacidades funcionais já que essa(s) circunstância(s) tornará mais penosa a realização da sua atividade profissional habitual ou outra e porá o lesado em desigualdade perante outros trabalhadores que no mercado de trabalho não sofram da sua incapacidade, mesmo nos casos em que o défice funcional de que o lesado ficou a padecer não implique uma efetiva diminuição da capacidade de ganho.

II- Essa indemnização deve corresponder a um capital produtor de rendimento que se extinga no termo provável final da vida do lesado(a), determinando-se com base na esperança média de vida do cidadão(ã) médio(a), tendo-se ainda e conta o rendimento da vítima à data do acidente, a progressão profissional e os previsíveis aumentos salariais, devendo o montante obtido através dos referidos fatores, ser reduzido em função do benefício, financeiramente rentabilizável, de receber a indemnização numa só prestação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

S. S., solteira, maior, residente na Rua …, concelho de Esposende, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra X PORTUGAL, SA, com sede na Rua …, concelho de Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida da quantia que vier a ser fixada após a atribuição de incapacidade permanente determinada por exame médico-legal.
Alegou, para tanto, em suma, que, no dia 17/07/2007, cerca das 04h20m, ocorreu um acidente de viação, na Rua …, Lugar ..., ..., Esposende, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula DU, propriedade de M. M., conduzido por R. S., no interesse, com o conhecimento e por ordem do seu proprietário, segurado na ré, por força da apólice n.º .../809644328/554050.
De facto, o veículo com a matrícula DU circulava na referida artéria, no sentido nascente/poente, a uma velocidade superior a 80km/h, quando perto do café “...” se despistou e foi embater, com a lateral esquerda, num pinheiro ali existente, junto à estrada, provocando o encarceramento do seu condutor e da autora, que seguia no lugar da frente, como passageira, transportada gratuitamente.
Tal embate ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo com a matrícula DU, que o tripulava com manifesta falta de prudência e velocidade excessiva, superior ao limite máximo permitido naquele local.

Por causa desse embate, a autora foi transportada para o Centro Hospitalar do Alto Minho em Viana do Castelo e após, dada a gravidade das lesões que apresentada, transferida para o Hospital de S. Marcos, em Braga, onde foi assistida e tratada.
As lesões sofridas pela autora provocaram-lhe dores intensas, tanto no momento do embate como no decurso do tratamento, e as sequelas de que ficou a padecer a título definitivo continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar, que a vão acompanhar para o resto da vida e se exacerbam com as mudanças do tempo.
À data do acidente, a autora tinha 19 anos, era fisicamente bem constituída e pessoa saudável, sendo hoje uma pessoa triste e assustada, irritando-se facilmente.
Deve, assim, o dano não patrimonial sofrido pelo autor ser compensado na quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros).
Acresce que a autora ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente que, como é óbvio, lhe reduz a sua capacidade futura de ganho nessa mesma proporção, devendo ser-lhe atribuída indemnização a quantificar após a realização de exame médico-legal.
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Devidamente citada, a ré X PORTUGAL, SA contestou, excecionando a anulação, revogação e resolução do contrato de seguro cuja apólice é invocada na petição inicial, com efeito a partir do dia 11/04/2017, não estando, por isso, em vigor à data do sinistro, e impugnando, por desconhecimento, a versão do embate veiculada na petição inicial, não sendo os danos reclamados devidos pela ré.
Terminou concluindo pela improcedência da ação, com a procedência da exceção invocada, tudo com as legais consequências.
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Notificada da contestação, veio a autora S. S. requerer a intervenção principal provocada do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e de M. M., na qualidade de proprietário do veículo causador do acidente [ref.ª5900919].
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Por despacho de fls. 98, foi admitida a intervenção principal do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e de M. M., na posição de corréus [ref.ª2527987].

Devidamente citado, o chamado M. M. apresentou articulado próprio, aderindo à contestação apresentada pela ré X PORTUGAL, SA, adicionando, contudo, meios de prova, designadamente uma declaração de venda do veículo com a matrícula DU, do dia 10/04/2007, a J. R. [ref.ª7252022].
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Também o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL contestou a ação, invocando, desde logo, a sua ilegitimidade processual para a mesma, a prescrição do direito que a autora pretende fazer valer, e impugnando, por desconhecimento, quer a versão do acidente alegada na petição inicial, quer os danos reclamados e sua extensão.
Terminou peticionando a procedência das exceções invocadas e, caso assim não se entenda, a improcedência da ação, com as legais consequências [ref.ª7468493].
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Notificada do articulado do chamado M. M., a autora requereu a intervenção principal provocada de J. R., potencial proprietário do veículo com a matrícula DU, à data do sinistro em causa [ref.ª7364963].
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À contestação apresentada pelo FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, a autora respondeu através do articulado réplica, pugnando, em suma, pela improcedência das exceções de ilegitimidade e prescrição arguidas por aquele [ref.ª7623081].
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Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi realizada audiência preliminar, na qual foi proferido despacho a convidar o chamado M. M. a aperfeiçoar insuficiências na alegação de facto do seu articulado, o que sucedeu, após o que foi proferido despacho a admitir a intervenção principal provocada de J. R. [ref.ª2767547].

O chamado J. R. foi citado editalmente e não contestou, nem o MºPº em sua representação.
Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, relegando-se para final a apreciação da exceção de prescrição.

Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença onde se decidiu:

a) Absolver a ré X PORTUGAL, SA e o chamado M. M. dos pedidos formulados pela autora.
b) Condenar os chamados FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e J. R. a pagar solidariamente à autora S. S. a quantia global de €145.000,00 (cento e quarenta cinco mil euros), sendo:
- €110.000,00, a título de danos patrimoniais; e - €35.000,00, a título de danos não patrimoniais.
Tudo acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal de 4%, contados sobre a quantia fixada a título de danos patrimoniais desde a data da citação e sobre a quantia fixada a título de danos não patrimoniais desde a data da presente sentença, até efetivo e integral pagamento.
c) Condenar os chamados FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e J. R. a suportar solidariamente todos os tratamentos de foro psicológico que a autora venha a necessitar durante a vida, relacionados com o acidente ajuizado nos autos.
d) Absolver os chamados FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e J. R. do demais peticionado pela autora.

Inconformado veio o FGA recorrer formulando as seguintes Conclusões:

1. A indemnização pelos danos não patrimoniais da autora deve fixar-se em €30.000,00, em vez dos €35.000,00 atribuídos
2. A indemnização pelos danos patrimoniais futuros deve fixar–se em somente 55.000,00€ à autora, ao invés de €110.000,00 arbitrados na douta decisão recorrida.
3. Assim sendo, e repercutindo-se as diferentes parcelas da alteração do julgado recorrido na condenação global proferida no dispositivo da sentença, a mesma deverá ser alterada no sentido de que a importância global a pagar pelo aqui recorrente seja de 85.000,00€, mantendo-se o demais decidido quanto a juros de mora;
4. Ao não julgar da forma assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 496.º, 562.º e 564.º, nº 2 do CC, tendo incorrido em erro de julgamento.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, nos termos acima peticionado

A Autora contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

1 - Não merece qualquer reparo o arbitramento à A., por parte do Tribunal a quo das quantias de 35.000,00€ a título de danos não patrimoniais e 110.000,00€ a título de danos patrimoniais.
2- Foram inúmeras as sequelas provocadas pelo acidente na A. e todas elas de particular relevância.
3- Deficit cognitivo, lentificação, dificuldade de memorizar e inserir-se socialmente, diminuição na eficiência social e laboral, paresia no membro inferior direito
4- A ideação suicida, testemunhada pela irmã da A. e confirmada pelo relatório médico minucioso por parte da R. assume também importância fulcral para a quantificação da indemnização devida à A. a título de danos não patrimoniais a até patrimoniais.
5- A própria R. assume nas suas alegações, “…atendendo à matéria de facto dado como provada e acima elencada, não temos quaisquer dúvidas em afirmar que estamos perante danos não patrimoniais que merecem, indiscutivelmente, a tutela do direito…”
6- Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do STJ, em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a respetiva compensação deve constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser miserabilista.
7- Nos termos do art.º 496°, do Código Civil, a indemnização deve constituir uma efetiva possibilidade compensatória, devendo também ser significativa, desse modo viabilizando uma compensação para os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo. Neste sentido, Acórdão recente deste douto Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2019 bem como Acórdão do STJ de 25.06.2002, CJ Ano X, T. 2, p. 134.
8- Do mesmo modo que não se pode olvidar o prejuízo da saúde geral e da longevidade, considerando as consequências das lesões.
9- À autora foi imposta, para toda a sua vida, uma importante diminuição da sua qualidade de vida em diversos aspetos como seja o social, o profissional e até o familiar.
10- Os factos provados traduzem um prolongado e óbvio sofrimento, angústia e preocupação.
11- Assim, fazendo a comparação da situação destes autos com outras julgadas pelos Tribunais e supra referidas, ficamos convencidos que a decisão recorrida não merece censura quando condena a recorrente ao pagamento da quantia de 35.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
12- Entende a recorrente que o valor atribuído pela douta decisão de 1ª instância a título de danos patrimoniais é manifestamente exagerado e desrespeitador dos parâmetros legais aplicáveis, atrevendo-se a referir tratar-se de um injusto locupletamento da lesada.
13- Nada mais errado e revelador de uma insensibilidade e inexperiência factual no que diz respeito a consequências nefastas decorrentes de um acidente de viação que limita para sempre a vida da A. em toda a sua extensão.
14- A R. limita-se a transcrever a factualidade dada como provada no que diz respeito à idade, défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 30 pontos, a atividade desenvolvida por aquela e que as sequelas são compatíveis com a atividade profissional que desemprenhava, ainda que com esforços complementares.
15- Não revela a recorrente que, e conforme se lê no Acórdão de que recorre, “Como vimos, é inequívoco que o acentuado défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que a autora ficou a padecer irá impossibilitar a realização de algumas tarefas quotidianas e dificultar e tornar mais penosas a execução de outras, dado que uma pessoa com incapacidade, está numa situação diferente e pior do que outra sem qualquer incapacidade.
16- “De igual modo, e apesar das sequelas resultantes das lesões que sofreu serem compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, o certo é que as suas limitações funcionais constituirão graves entraves às oportunidades de ingressar no mercado ativo de trabalho, sendo assim menores as possibilidades de emprego.”
17- Significa, pois, que a Autora ficou com uma incapacidade permanente que permitindo a sua atividade profissional, repercute-se nela, na medida em que implicará esforços acrescidos decorrentes das limitações da utilização do seu corpo.
18- Impõe-se deste modo, na senda do entendimento da jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, atribuir uma indemnização pelo dano patrimonial futuro consubstanciado nos reflexos decorrentes do défice funcional permanente na integridade física psíquica da autora na sua capacidade de ganho.
19- A indemnização a pagar quanto aos danos futuros deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim previsível do período de vida do lesado e que garanta prestações periódicas correspondentes à respetiva perda, sendo, no entanto, este critério temperado pelo valor da equidade.
20- A jurisprudência e nomeadamente o Supremo Tribunal de Justiça (Acórdãos de 05/07/2007 – processo 07A01734 e de 19/02/2014 – processo 1229/10.9TAPDL), tem entendido que o que deve atender-se como fator para o cálculo da indemnização pelo dano patrimonial futuro é a esperança média de vida e não o tempo provável de vida ativa.
21- A recorrente nem tampouco argumentou porque razão entende que deveria ser arbitrada a quantia de 55.000,00€, limitando-se a alegar não haver o Tribunal a quo conhecimento da evolução dos elementos necessários como seja a valoração da perda da capacidade aquisitiva da A., a evolução da economia, a evolução da vida pessoal do lesado e o desempenho profissional futuro daquela.
22- Precisa algo mais do que a descrição dos factos dados como provados e nomeadamente o teor do relatório médico legal, o relato da testemunha, irmã da A. que, de forma convicta e emocionada, relatou as mudanças no comportamento da S. S. para entender de que forma o Tribunal a quo aplicou o juízo de equidade?
PELO EXPOSTO, mantendo V. Exas. o Acórdão proferido pelo douto Tribunal de 1ª Instância farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA
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Questões a decidir:

- Analisar se as quantias fixadas a título de indemnização por danos não patrimoniais e dano patrimonial futuro são adequadas aos danos decorrentes do acidente.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

A matéria considerada provada na 1ª instância não foi impugnada, nem se impõe qualquer alteração à mesma por parte desta Relação, pelo que, temos por apurada a seguinte factualidade:

1. No dia 17 de julho de 2007, cerca das 04h20m, ocorreu um acidente de viação, na Rua da Painça, no Lugar ..., ..., Esposende, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula DU, conduzido por R. S. (artigos 1.º e 2.º (parcial) da petição inicial).
2. Nessas circunstâncias, quando o veículo com a matrícula DU circulava na referida artéria, no sentido nascente/ poente, perto do café “...” (artigo 3.º da petição inicial).
3. (…) num local onde a referida artéria configura uma reta e a faixa de rodagem tem a largura de 3,40m (artigo 4.º da petição inicial).
4. (…) a velocidade de pelo menos a 80km/h (artigo 5.º da petição inicial).
5. (…) despistou-se, indo embater, com a lateral esquerda do veículo, num pinheiro ali existente junto à estrada, que dista do local do despiste cerca de 10 metros (artigos 6.º a 8.º da petição inicial).
6. Tal embate provocou o encarceramento do condutor do veículo e da autora, que seguia no mesmo, no lugar da frente, como passageira, transportada a título gratuito (artigos 9.º e da petição inicial).
7. Em consequência direta e adequada desse embate, o condutor do veículo faleceu imediatamente (artigo 14.º (parcial) da petição inicial).
8. (…) e a autora ficou em estado comatoso (artigo 15.º da petição inicial).
9. Como consequência direta, necessária e adequada desse embate, a autora foi transportada para o Centro Hospitalar do Alto Minho, em Viana do Castelo (artigo 16.º da petição inicial).
10. Aí chegada, a autora foi observada e apresentava equimoses nos ombros, tórax, em ambas as pernas, sem sinais aparentes de fratura, estabilidade da bacia, sem défices motores; fratura de C2, por fratura da apófise odentóide com compressão medular piramidal direita, mielopatia compressiva e edema; apagamento dos sulcos cervicais e fenómenos de edema, tendo-lhe sido diagnosticado ainda traumatismo crânio encefálico (com focos contusionais frontal D e parietal E + HSA traumática).
11. A autora foi transferida, no dia seguinte, para o Hospital de S. Marcos, em Braga, onde foi observada, assistida e permaneceu internada até ao dia 24/08/2007 (artigos 17.º e 18.º da petição inicial).
12. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas intensas, tanto no momento do acidente como no decurso do tratamento (artigos 19.º da petição inicial).
13. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela autora é fixável em 18/09/2008 (artigo 8.º do articulado de ampliação).
14. Apesar dos tratamentos, em consequência direta, necessária e adequada do embate acima descrito, a autora ficou a padecer definitivamente das seguintes sequelas:
i. No crânio: deficit cognitivo, lentificação, dificuldade na memorização e elaboração de estratégias complexas, dificuldade da inserção social e diminuição da eficiência pessoa, social e laboral.
ii. No pescoço: rigidez do pescoço, cervicalgia direita;
iii. No membro superior direito: alguma dificuldade em movimentar o membro, alguma falta de força na mão – paresia;
iv. No membro inferior direito: alguma dificuldade em movimentar o membro, mas mantém marcha – paresia.
15. As sequelas sofridas pela autora determinaram-lhe um período de défice funcional temporário total de 39 dias.
16. (…) um período de défice funcional temporário parcial de 328 dias.
17. (…) uma repercussão temporária na atividade profissional total durante um período de 94 dias.
18. (…) uma repercussão temporária na atividade profissional parcial durante um período de 274 dias.
19. (…) um quantum doloris em grau 5, numa escala de 7 (artigo 9.º do articulado de ampliação).
20. (…) um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 30 pontos (artigos 28.º da petição inicial, 3.º e 7.º do articulado de ampliação).
21. (…) um dano estético permanente fixável no grau 2, numa escala de 7.
22. Tais sequelas são compatíveis com o exercício da atividade profissional, mas implicam esforços suplementares (artigo 7.º do articulado de ampliação).
23. (…) e implicam a necessidade, no futuro, de tratamentos médicos regulares de apoio psicológico (artigo 11.º do articulado de ampliação).
24. As sequelas de que a autora ficou a padecer definitivamente provocam-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que a vão acompanhar para o resto da vida e se exacerbam com as mudanças de tempo (artigos 20.º a 22.º da petição inicial).
25. Na altura do embate acima descrito, a autora tinha 19 anos de idade, era fisicamente bem constituída e pessoa saudável (artigos 25.º, 26.º da petição inicial e 12.º da ampliação).
26. A autora é uma pessoa triste e assustada, ao contrário do que era antes do embate (artigo 23.º da petição inicial).
27. (…) e irrita-se com determinados sons e barulhos do quotidiano, tendendo a chorar quando se sente incomodada e a isolar-se (artigo 24.º da petição inicial).
28. À data do embate, a autora exercia as funções de empregada de balcão, num estabelecimento comercial de pastelaria/padaria, auferindo o salário mínimo nacional (artigo 4.º da ampliação).
29. Por contrato titulado pela apólice n.º n.º .../8096443, que esteve em vigor até ao dia 10/04/2007, o chamado M. M., como proprietário do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula DU, transferiu para a ré X PORTUGAL, SA a responsabilidade civil obrigatória por danos emergentes da sua circulação (artigo 38.º da petição inicial).
30. No dia 10/04/2007, o chamado M. M. declarou vender ao chamado J. R., que declarou comprar, pelo preço de €250,00, o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula DU (aperfeiçoamento de fls.87).
31. Mais acordaram que o chamado J. R. procederia ao registo da compra do referido veículo (aperfeiçoamento de fls. 87).
32. Em consequência da venda referida em 30, no dia 11/04/2007, o chamado M. M., na qualidade de tomador, remeteu à ré X PORTUGAL, SA comunicação com o seguinte teor: «Comunico a V. Exas. Que o seguro efetuado nessa Companhia pela apólice n.º .../8096443, ramo AUTOMOVEL E OCUPANTES, com vencimento em 01 de fevereiro de 2008 fica nulo e de nenhum efeito, a partir de 11 de abril de 2007, por venda do veículo seguro» (artigo 1.º da contestação da ré) – cfr. documento de fls.28, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
33. À data do embate acima descrito, a responsabilidade civil inerente à circulação rodoviária do veículo DU não estava transferida para qualquer seguradora.
34. O chamado FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL foi citado para os termos da presente ação no dia 13/05/2011 (artigo 12.º da contestação do FGA).

Factos não provados:

Com interesse à boa decisão da causa, ficaram por provar todos os demais factos alegados pelas partes, designadamente os seguintes:

a) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1 dos “factos provados”, o veículo com a matrícula DU era propriedade do chamado M. M. (artigo 2.º (parcial) da petição inicial).
b) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1 dos “factos provados”, R. S. conduzia o veículo com a matrícula DU no interesse, com conhecimento e por ordem do seu proprietário (artigos 36.º e 37.º da petição inicial).
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O Direito:

O Recorrente considera que a indemnização pelos danos não patrimoniais da autora se deve fixar em €30.000,00, em vez dos €35.000,00 atribuídos.

Vejamos:

O Código Civil, no art. 496º, nº 1 refere a reparação a título de danos não patrimoniais se justifica apenas se a especial natureza dos bens lesados o exigir, ou quando as circunstâncias que acompanham a violação do direito de outrem forem de molde a determinar uma grave lesão de bens ou valores não patrimoniais.

Conforme diz Galvão Telles (in Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 376), trata-se de uma reparação indireta, na impossibilidade de reparar diretamente os danos. Procura-se repará-los através de uma soma em dinheiro suscetível de proporcionar à vítima satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que representem um lenitivo, contrabalançando até certo ponto os males causados.

No entanto, acrescenta, a fixação da reparação não pode ser inteiramente arbitrária pois tem de fixar-se uma compensação que terá que ser naturalmente proporcionada à gravidade dos prejuízos mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (ob. cit., pág. 385).

No caso e com interesse para a apreciação destes danos, provou-se que a A. sofreu lesões e dores físicas e deformações de carácter permanente com várias sequelas que lhe causam limitações físicas e dores, tornando mais penosa a realização das tarefas normais do dia-a-dia, nomeadamente, quimoses nos ombros, tórax, em ambas as pernas, sem sinais aparentes de fratura, estabilidade da bacia, sem défices motores; fratura de C2, por fratura da apófise odentóide com compressão medular piramidal direita, mielopatia compressiva e edema; apagamento dos sulcos cervicais e fenómenos de edema, tendo-lhe sido diagnosticado ainda traumatismo crânio encefálico.

Por outro lado, resultou provado que a A. sofreu dores quantificáveis no grau 5 de uma escala de 1 a 7 e que as limitações de que padeceu e padece causaram-lhe danos psicológicos compreensíveis.

Face a esta factualidade entendemos adequada a quantia de 35.000,00€, a título de compensação à A. pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente.
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O Recorrente entende que a indemnização à autora pelos danos patrimoniais futuros deve fixar–se em, somente, 55.000,00€, ao invés de €110.000,00 arbitrados na decisão recorrida.

Vejamos:

A indemnização tem como medida a situação que existia anteriormente à lesão e abrange não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo atendíveis danos futuros desde que previsíveis (arts. 562º e 564º do C. Civil).

Como se refere no Ac. do STJ. De 12/9/13 (in www.dgsi.pt) “Mesmo que não haja retracção salarial, a IPP dá lugar a indemnização por danos patrimoniais, pois o dano físico determinante da incapacidade exige do lesado um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado de trabalho”.

No mesmo sentido, diz o Ac. do STJ de 10/03/16 (in www.dgsi.pt) ao referir-se ao dano biológico que "Trata-se de um "dano primário" do qual pode derivar, além de incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para a actividade profissional habitual do lesado, impliquem, ainda assim, um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo foram do quadro da sua profissão habitual.”

Ainda no sentido desta corrente jurisprudencial consolidada, explica o Ac. do STJ de 6/12/18 (in www.dgsi.pt) “A vertente patrimonial do dano biológico não se cinge à redução da capacidade de ganho e abrange também a lesão do direito à saúde, devendo a indemnização correspondente a esse dano ter em conta as consequências dessa afetação no período de vida expectável, seja no plano profissional (perda/diminuição de oportunidades profissionais) seja no plano pessoal (maior onerosidade no desempenho de atividades). A indemnização deve corresponder a um capital produtor de rendimento que se extinga no final da vida, o seu montante deve ser reduzido em função do benefício, financeiramente rentabilizável, de receber a indemnização numa só prestação e a sua quantificação terá que ter em conta a expectativa de vida do cidadão médio, progressão profissional e os previsíveis aumentos salariais”.
Com efeito, mesmo nos casos em que o défice funcional de que o lesado ficou a padecer não implique uma efetiva diminuição da capacidade de ganho, o facto é que esse défice tornará mais penosa a realização da sua atividade profissional habitual ou outra e porá o lesado em desigualdade perante outros trabalhadores que no mercado de trabalho não sofrem da sua incapacidade.

Tendo em conta que no caso se pretende ressarcir o “dano biológico” é necessário o recurso à equidade para fixar a respetiva indemnização (art. 566º, nº 3 do C. Civil) por se traduzir numa concretização de um dano sem expressão monetária.

Neste aspeto, como refere o Ac. do STJ de 6/12/18 já acima citado, “o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade (cf. art.13º, nº 1, da CRP), o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso”, com o que se deve ainda “ter em consideração os critérios jurisprudenciais adotados em casos idênticos por forma a obter, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art.º 8.º, n.º 3, do CC)”.

No caso em apreço provou-se que a Autora, em consequência do acidente passou a ser afetada por um défice funcional permanente de 30 pontos, o que, sem qualquer dúvida se repercutirá negativamente na execução das tarefas diárias e da atividade profissional habitual (empregada de balcão), implicando esforço acrescido na sua realização e limitando seriamente as possibilidades de progressão profissional.

À data do acidente a Autora tinha 19 anos de idade, era saudável.
À data do acidente a Autora auferia o salário mínimo nacional (em 2007 no valor de 403,00€ e que atualmente é no valor mensal de 635,00€).

O défice funcional de que a Autora padece não a impede de exercer a sua atividade profissional habitual mas implica esforços suplementares.

Tendo em conta os dados fornecidos pela Pordata, a esperança média de vida para as mulheres, em 2017, era de 83,4 anos, o que no caso, desde a data do acidente perfaz uma esperança média de vida de cerca de 64 anos para a Autora.

Nestas circunstâncias e tendo em conta os valores que em situações similares são atribuídos nos Tribunais Superiores, tem-se por adequada a quantia fixada na primeira instância a título de indemnização pelo dano biológico.
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
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Guimarães, 16 de janeiro de 2020

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira