Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6238/16.1T8VNF-A.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO ONEROSO
PRESCRIÇÃO
PRESCRIÇÃO DE CURTO PRAZO
PRESTAÇÕES MENSAIS DE AMORTIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O art.º 781.º do C.C. não tem natureza imperativa, sendo antes um direito concedido ao credor, que este poderá ou não exercer, com o que o credor tem de interpelar o devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas.
II- A prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não são exercidos durante certo tempo, fixado na lei, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita.
III- As chamadas prescrições de curto prazo, elencadas no art.º 310.º do C.C., visam, além do mais, evitar que o credor deixe acumular os seus créditos tornando excessivamente oneroso ao devedor pagar mais tarde.
IV- Prescrevem no prazo de 5 anos, fixado no referido art.º 310.º, por se integrarem na alínea e), as prestações que constituem quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- M. C.; A. S.; e “N. P., Ld.ª”, deduziram os presentes embargos por oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhes move a exequente “Caixa ..., S. A.” (Caixa …), invocando a ineptidão do requerimento executivo por não ter sido alegado um facto essencial, que é o da efectiva entrega da importância mutuada à Mutuária, e alegando ainda que aquando da instauração da execução a dívida estava prescrita já que, nos termos contratuais, o montante mutuado devia ter sido pago em prestações mensais, iguais e sucessivas, aplicando-se-lhes o prazo de prescrição de cinco anos, estabelecido no art.º 310.º do Código Civil (C.C.).
A Exequente contestou propugnando pela improcedência dos embargos.
Findos os articulados foi proferido douto despacho saneador que, conhecendo das questões suscitadas, julgou-as improcedentes, decidindo julgar os embargos totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento da execução.
Inconformados, trazem os Embargantes/Executados o presente recurso pedindo a revogação da supratranscrita decisão, e a sua substituição por outra que julgue procedentes os embargos, com as consequências daí decorrentes.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- Os Apelantes/Embargantes formularam as seguintes conclusões:
DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

I - Com base na prova documental e por confissão constante dos presentes autos, deve ser rectificada a matéria de facto assente, mantendo-se os factos que já ali constam e acrescentando-se os seguintes:

d) Resulta da cláusula 6ª do contrato junto com o requerimento executivo que “o capital do empréstimo será amortizado em prestações mensais e postecipadas, vencendo-se a primeira em quinze de Janeiro de dois mil e cinco e cada uma das restantes em igual dia dos meses seguintes. Juntamente com as prestações de amortização do capital serão pagos os juros relativos ao respectivo mês.”
e) Desde Outubro de 2007 que a sociedade executada deixou de cumprir as obrigações emergentes do contrato supra identificado (Confissão art.º 8.º da Contestação).
f) De Outubro de 2007 a Outubro de 2016 a embargada não comunicou aos embargantes a resolução do contrato de empréstimo celebrado entre ambos e que serve de base à presente execução.
II - No dia 15 de Dezembro de 2004, os embargantes celebraram com a embargada CAIXA … SA um contrato de empréstimo no valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros), pagável em 84 prestações mensais e sucessivas de capital e juros;
III - O referido contrato previa o pagamento da quantia mutuada em 84 quotas de amortização de capital e juros, porquanto do seu texto constava que o reembolso do empréstimo seria efectuado no prazo acordado, em prestações sucessivas de capital, juros e encargos acessórios, através de prestações autónomas entre si;
IV - Desde Outubro de 2007 que a sociedade executada deixou de cumprir as obrigações emergentes do contrato supra identificado.
V - De Outubro de 2007 a Outubro de 2016 a embargada não comunicou aos embargantes a resolução do contrato de empréstimo celebrado entre ambos e que serve de base à presente execução.

DA INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO

VI - Considera-se que a obrigação é exigível quando se encontre vencida.
VII - No caso em sujeito, verificamos que estamos perante, por um lado, obrigações com prazo certo e, por outro, liquidáveis em prestações, sendo inquestionável, assim, a aplicação do preceituado no art.° 781º do C. Civil ao contrato dado à execução, na medida em que a obrigação de restituição a que os executados se encontram adstritos se encontra fraccionada no tempo.
VIII - Não tendo a exequente diligenciado como descrito na conclusão precedente, como não o fez e resulta da decisão recorrida, a quantia peticionada não se encontra vencida e, por conseguinte, é inexigível.
O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2016 - in www.dgsi - analisa uma situação semelhante à dos autos explorando a exigibilidade da obrigação em relação aos fiadores, mas aplicável ao caso concreto.
IX - Como se pode ler no AC STJ de 10 Maio 2007, "A ausência de automatismo no vencimento antecipado arrasta uma consequência: Só pode levar-se a cabo tal exigência - mormente através de instauração de processo executivo - depois de interpelação ao devedor para cumprir a obrigação de pagamento que então ganhou novos contornos".
X - Deve a obrigação exequenda considerar-se inexigível, absolvendo-se os executados da acção executiva.
XI - Não foi junto pela exequente qualquer documento comprovativo da interpelação dos devedores para o pagamento antecipado das prestações vincendas, ou seja, do exercício, pelo credor, do direito que lhe é conferido pelo art.º 781º do CC, de que com a falta de pagamento das prestações vencidas, o credor iria executar os devedores por todas as prestações vincendas, sendo tal documento necessário para integrar o título executivo, no sentido de demonstrar que a dívida era exigível na sua totalidade.
XII - Sendo o direito concedido ao credor no art.º 781º do CC, uma mera faculdade, haverá ele de transmitir ao devedor, de forma inequívoca, que o vai exercer, exigindo o cumprimento antecipado das prestações, e executando-o, pela totalidade da dívida, em caso de incumprimento, o que não foi, de todo, o que ocorreu no caso concreto.
XIII - Nesta parte, violou a decisão recorrida o disposto no art.º 781.º do Código Civil, ao interpretá-lo no sentido de que “o vencimento de todas as prestações” significa exigibilidade imediata e automática de todas as prestações, vencidas e vincendas, dispensando-se, para o efeito, a interpelação do devedor para o efeito, o que não se concebe ou concede.

DA PRESCRIÇÃO

XIV - Dispõe o artigo 310º, alínea e) do Código Civil que prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com juros, previsão legal onde é inequivocamente enquadrável o contrato de empréstimo que serve de base à presente execução.
XV - Quando a embargada CAIXA ..., SA veio cobrar judicialmente o montante do capital e juros, o que fez através da execução dos autos principais, já a obrigação dos embargantes se encontrava prescrita pelo decurso do prazo de cinco anos – já haviam decorrido 9 anos (!).
XVI - Deixando o devedor de pagar alguma das quotas de amortização do capital mutuado, a prescrição não pode pôr-se em relação às quotas em divida como um todo, mas em relação a cada uma delas (Cfr. Acórdão do STJ de 4-5-1993);
XVII - A resolução do contrato por incumprimento definitivo não é fundamento para a não aplicação do prazo de prescrição de cinco anos quando está contratualmente estabelecido o pagamento através de quotas de amortização de capital e juros, como é o caso dos autos;
XVIII - No domínio das relações imediatas, o executado subscritor da livrança dada à execução, pode livremente deduzir contra o credor qualquer meio de defesa, incluindo os decorrentes da invalidade, ineficácia ou extinção da obrigação causal;
XIX - A sentença recorrida não valorou os argumentos que sustentam o estabelecimento de prazos prescricionais mais curtos que os 20 anos previsto no artigo 309º do Código Civil e que visam essencialmente tutelar a posição do devedor.
XX - É objectivo do legislador evitar que o credor deixe acumular os seus créditos a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar, evitando-se a ruína do devedor.
XXI - É exactamente para obstar a situações como a dos autos, em que o credor nada fez durante 9 anos e vem agora, através da execução dos autos principais, exigir o pagamento da quantia de € 61.566,25, quando a quantia mutuada através do contrato de crédito ao consumo celebrado em Outubro de 2007 ascendeu a € 40.000,00 (dos quais apenas se encontram em dívida, de capital, € 26.459,37).
XXII - Estando subjacente à emissão da livrança um direito de crédito emergente de contrato de mutuo bancário, em que se estabelecia o pagamento do montante financiado em prestações mensais que incluíam juros remuneratórios e amortização do capital, essas obrigações estão sujeitas ao prazo prescricional de 5 anos, por força do artigo 310º, alíneas d) e e) do Código Civil;
XXIII - Inexistindo convenção contratual pela qual se estabelece que o não cumprimento de uma prestação de uma obrigação fraccionada determina o vencimento imediato das restantes, deve aplicar-se, sem margem para dúvidas, os termos do artigo 781º do Código Civil, o qual deve ser interpretado com o sentido de conferir uma faculdade ao credor que, para o efeito, tem de expressamente ser exercida por interpelação ao devedor, nos termos do artigo 805º, n.º 1, do Código Civil;
XXIV - Não sendo essa faculdade oportunamente exercida, as prestações relativas à amortização do empréstimo e respectivos juros não perdem a sua individualidade e continuam a vencer-se nas datas convencionadas (artigo 805º, n.º 2, alínea a) do Código Civil), ficando cada prestação concretamente considerada subordinada ao prazo de prescrição de 5 anos estabelecido nas alíneas d) e e) do artigo 310º do Código Civil, a contar da data do vencimento respectivo;
XXV - Tendo a livrança dada à execução sido entregue em branco, com autorização de preenchimento, com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes do contrato de mutuo, no domínio das relações imediatas, a prescrição da obrigação causal determina a necessária extinção da obrigação cartular, pelo que, extinta a obrigação garantida, extingue-se a relação jurídica de garantia que lhe é meramente acessória (Cfr. Sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 30-10-2018).
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões acima transcritas, pretendem os Apelantes que:

- se adite à decisão de facto a facticidade enunciada na Conclusão I;
- se aprecie a questão da inexigibilidade da obrigação;
- se reaprecie a questão da prescrição.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- i) O Tribunal a quo considerou provado que:

1. No exercício da sua actividade creditícia, a Exequente celebrou o seguinte empréstimo:
- Empréstimo n.º 00350136000280691, no montante de € 40.000,00 (QUARENTA MIL EUROS), celebrado por escritura pública de mútuo com hipoteca, destinado ao apoio ao investimento da sociedade mutuária, datada de 15 de Dezembro de 2004, em que surge como mutuária a sociedade "N. P., Lda.", conforme cópia junta de fls. 2 a 9 dos autos de execução, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
2. Para garantia do capital mutuado pelo empréstimo supra descrito, respectivos juros e despesas, A. S. e M. C. constituíram uma hipoteca voluntária, em benefício da Exequente, sobre a fracção autónoma designada pelas letras "AM", parte integrante do prédio urbano sito na Av. …, freguesia de ..., concelho de Barcelos, descrita na Conservatória de Registo Predial de … sob o n.º 217/...-"AM", e inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o art. … "AM".
3. A referida hipoteca foi registada a favor da CAIXA ..., ora Exequente, através da Ap.32/2004.11.26.
4. A sociedade executada deixou de cumprir as obrigações emergentes do contrato supra identificado.
ii) Com interesse para a apreciação do recurso, deferindo ao requerido pelos Apelantes, aditam-se os seguintes factos e incidências processuais:
5.- No Documento Complementar ao contrato de empréstimo referido em 1., ficaram estabelecidas (além de outras) as seguintes cláusulas:
“1ª – (Entrega da quantia emprestada)
O capital emprestado foi entregue, nesta data, à parte devedora, através de crédito lançado na conta de depósitos à ordem número … aberta na agência da Caixa, em ... (Barcelos), em nome da sociedade mutuária.
6.ª – (Amortização)
1 – O capital do empréstimo será amortizado em prestações mensais e postecipadas, vencendo-se a primeira em quinze de Janeiro de dois mil e cinco e cada uma das restantes em igual dia de cada um dos meses seguintes.
2- Juntamente com as prestações de amortização do capital serão pagos os juros relativos ao respectivo mês.
13ª – (Incumprimento)
A Caixa poderá resolver, ou rescindir, este contrato e considerar antecipadamente vencida toda a dívida, exigindo o seu imediato pagamento, se o bem imóvel dado em garantia for alienado, onerado, ou por qualquer forma desvalorizado, sem o consentimento da credora, ou se não forem mantidos os seguros previstos, ou ainda se a parte devedora e ou os hipotecantes deixarem de cumprir qualquer das respectivas obrigações assumidas neste contrato.”.
6. - A última prestação que a sociedade comercial Apelante/Executada pagou foi a vencida em 15 de Outubro de 2007. 7.- O requerimento executivo deu entrada em Juízo em 06/10/2016. 8.- De Outubro de 2007 até Outubro de 2016 a Apelada/Exequente não comunicou aos Apelantes/Executados a resolução do contrato de empréstimo referido em 1.
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V.- 1.- Defendem os Apelantes a inexigibilidade da obrigação de pagamento da quantia exequenda argumentando que, aplicando-se ao contrato dado à execução o disposto no art.º 781.º do C.C., e não os tendo a Apelada/Exequente interpelado para cumprir, a quantia peticionada não se encontra vencida.
Dispõe aquele preceito legal que se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.
É entendimento pelo menos dominante o de que o referido art.º 781.º não tem natureza imperativa, sendo antes um direito concedido ao credor, que este poderá ou não exercer, não prescindindo, consequentemente, da interpelação do devedor.
Com efeito, é pela interpelação que o credor manifesta perante o devedor a sua vontade de aproveitar o benefício que lhe é atribuído.
Neste sentido se pronunciaram, dentre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 21/11/2006 e de 27/03/2007 (in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do S.T.J. (C.J., Acs. do S.T.J.), respectivamente, ano XIV, tomo III, pág. 130, e ano XV, tomo I, pág. 154), referindo o primeiro que “O vencimento imediato significa exigibilidade imediata e não que o prazo de pagamento de todas as prestações seja o da primeira prestação em falta”.
Na doutrina, refere o Prof. ALMEIDA COSTA ser a própria interpretação do referido art.º 781.º a impor “a solução de que o credor tenha de interpelar o devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas” (in “Direito das Obrigações”, 12.ª ed. revista e actualizada, pág. 1018 e nota 1).
Na situação sub judicio, decerto que foi este o entendimento seguido, como se extrai dos dizeres da 13.ª cláusula, constante do “Documento Complementar”, nos termos da qual “A Caixa poderá resolver, ou rescindir, este contrato e considerar antecipadamente vencida toda a dívida, exigindo o seu imediato pagamentose a parte devedora e ou os hipotecantes deixarem de cumprir qualquer das respectivas obrigações assumidas neste contrato” ficando, pois, ao critério da Apelada/Exequente “resolver” ou “rescindir” o contrato, e “exigir” o imediato pagamento das prestações vincendas.
Ora, tendo ficado provado que a devedora principal, Apelante/Executada “N. P., Ld.ª” pagou a última prestação em 15/10/2007, não fez a Apelada/Exequente prova da interpelação referida.
Não houve, pois, vencimento antecipado das prestações, mantendo-se o calendário previsto no contrato, que não foi resolvido nem rescindido, que releva para a decisão da prescrição.
2.- Como ficou provado, a Apelada/Exequente e a Apelante/Executada sociedade comercial, celebraram um contrato de empréstimo bancário destinado ao apoio ao investimento, mediante o qual a primeira emprestou à segunda a importância de € 40.000,00, “pelo prazo de sete anos”, a ser amortizada “em prestações mensais”, sendo os juros pagos juntamente com cada uma das prestações.
Defendem os Apelantes que está prescrita a dívida cujo pagamento lhes é exigido, sendo o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do disposto nas alíneas e), quanto às quotas de amortização do capital, e d), quanto aos juros, ambas do art.º 310.º do Código Civil (C.C.).
Nos termos do disposto no art.º 298.º, n.º 1 do C.C. estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, sendo de ordem pública o regime de prescrição, como se retira do disposto no art.º 300.º do mesmo Cód., que comina com a nulidade os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar as condições em que a prescrição opera os seus efeitos.
A prescrição extintiva é, assim, o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não são exercidos durante certo tempo fixado na lei.
O fundamento específico da prescrição, como escreveu o Prof. MANUEL DE ANDRADE, “reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo”, negligência que “faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica”, acrescentando ainda, a “certeza ou a segurança jurídica”; a protecção dos obrigados “especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova”; e ainda “exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles”. Reconhecendo que o instituto da prescrição não é justo, conclui que “mesmo as considerações de justiça” não lhe são estranhas. (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Almedina, 1974, págs. 445-446).
O Prof. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS retoma a mesma ideia referindo que a prescrição “é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita” (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 5ª. edição, pág. 380) - cfr. art.os 298.º, n.º 1 e 304.º, n.º 1, ambos, do C.C.
Obstando a que o titular do direito possa vir a exercê-lo sem limite de tempo, o instituto visa ainda a segurança do tráfego jurídico.
Sendo, como é, um meio de defesa do devedor, só este tem legitimidade para a invocar, não sendo do conhecimento oficioso – cfr. art.os 301.º e 303.º, do C.C..
Atentos os interesses públicos que lhes estão subjacentes, não é lícito aos contratantes alterar os prazos legais de prescrição ou dificultar, ou mesmo facilitar, as condições de suspensão e as de interrupção da prescrição – cfr. art.º 300.º do C.C. -, sendo que a renúncia à prescrição só é admitida depois de ter decorrido o prazo prescricional, nos termos do que dispõe o n.º 1 do art.º 302.º, do mesmo Cód..
O prazo geral da prescrição, fixado no art.º 309.º do C.C., é de 20 anos mas há situações em que a lei estabelece prazos mais curtos, designadamente as elencadas no art.º 310.º do mesmo Cód..
São as chamadas prescrições de curto prazo, que visam evitar que o credor deixe acumular os seus créditos tornando excessivamente oneroso ao devedor pagar mais tarde, como referiu o Prof. MANUEL DE ANDRADE (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, 4.ª reimpressão, Almedina, 1974, pág. 452).
Dentre as situações contempladas naquele preceito legal cumpre destacar, para o que ora interessa, a referida na alínea e) – as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
Aplica-se este prazo prescricional a todas as situações em que se tenha convencionado que o capital será pago em prestações, simultaneamente com os juros, “não tendo qualquer relevância para a prescrição quinquenal das quotas de amortização serem os juros contados como antecipados ou poscipados – o que importa é que sejam pagáveis com as quotas de amortização”, nos termos referidos pelo Acórdão do S.T.J. de 04/05/1993, que decidiu ainda que “O facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque, nesse caso, a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização não ao todo em dívida” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano I, Tomo II, pág. 84).
Como refere o Acórdão do S.T.J. de 27/03/2014, (citando um artigo de Ana Filipa Morais Antunes, publicado nos “Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, vol. III, pág. 47) constituirão indícios que revelam a existência de amortização do capital pagáveis com juros: “a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente”, e ainda “o facto de serem acordadas prestações periódicas”, ou seja, “várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”, concluindo estar abrangida pelo regime jurídico descrito na supramencionada alínea e) do art.º 310.º do C.C., “A obrigação assumida pelos signatários do contrato, compartimentada num mútuo e respectivos juros” que se converteu “numa prestação mensal de fraccionada quantia global que, desta forma, iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento” (ut Proc.º n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Decidiu, dentre outros, o Acórdão (também) do S.T.J. de 29/09/2016, que “prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos”, concluindo que “apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.” (ut processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, in https://www.direitoemdia.pt/document/s/10c9bb).
No Acórdão de 23/01/2020 decidiu o mesmo Alto Tribunal que: “Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização”. “Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil”, decidindo ainda que “O art. 730.º, alínea a), do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que a hipoteca se extingue pela prescrição da obrigação a que serve de garantia” (ut processo 4518.17.8T8LOU.A.P1.S1, in https://www.direitoemdia.pt/document/s/bc1c51).
Na situação sub judicio, como ficou contratualmente estabelecido, o empréstimo foi concedido “pelo prazo de sete anos” (n.º 2 da cláusula 1.ª do contrato), sendo o capital amortizado em “prestações mensais postecipadas, vencendo-se a primeira em quinze de Janeiro de dois mil e cinco e cada uma das restantes em igual dia de cada um dos meses seguintes”, pagando-se os juros “juntamente com as prestações de amortização do capital (n.os 1 e 2 da cláusula 6.ª do “Documento Complementar”).
O capital seria, pois, amortizado em 84 prestações, tendo-se vencido a 1.ª em 15/01/2005, e a octogésima quarta em 15/01/2012.
Apesar do tempo já decorrido não deverão, porém, considerar-se abrangidas pela prescrição todas as referidas prestações.
Com efeito, de acordo com o disposto no art.º 323.º do C.C., a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. Se a citação ou notificação se não fizer no prazo de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias, sendo equiparado à citação ou notificação qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido – cfr. nos 1; 2; e 4.
A presente execução foi instaurada em 06/10/2016, com o que o prazo de prescrição se deve ter por interrompido em 11/10/2016.
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 326.º do C.C..
Deste modo, não estão abrangidas pela prescrição as prestações que se venceram em data posterior a 11/10/2011.
São, pois, exigíveis as quatro últimas prestações, cuja data de vencimento foi em 15/10/2011; 15/11/2011; 15/12/2011; e 15/01/2012, assim como os juros respectivos.
Deve, pois, a quantia exequenda ser reduzida ao valor equivalente àquelas quatro “amortizações do capital” e aos respectivos juros, nos termos convencionados.
Merece, pois, provimento, ainda que parcial, a pretensão recursiva dos Apelantes.
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C) DECISÃO

Considerando quanto acima se deixa exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, pelo que, julgando parcialmente procedentes os embargos, determinam o prosseguimento da execução apenas relativamente ao valor das últimas quatro prestações de amortização de capital e respectivos juros, cuja data de vencimento foi em 15/10/2011; 15/11/2011; 15/12/2011; e 15/01/2012.
Custas da apelação, da execução e dos embargos pelos Apelantes/ Embargantes/Executados e pela Apelada/Embargada/Exequente, na proporção do vencido.
Guimarães, 08/07/2020

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho