Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2224/17.2T8BRG.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
ESPERANÇA MÉDIA DE VIDA
EQUIDADE
DANO NÃO PATRIMONIAL
COMPENSAÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário:

I – Para ressarcir o dano patrimonial futuro, derivado da perda da capacidade de ganho, posto que não há critérios legais reguladores da fixação do quantum da indemnização, há que recorrer aos critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, num juízo de prognose sobre o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, impondo-se o recurso à equidade uma vez que se não conseguirá apurar o valor exato do dano.

II – O valor da indemnização relativa àquele dano deverá corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida, e não apenas em função da duração da vida profissional ativa do lesado, já que as suas necessidades básicas não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma.

III – A gravidade do dano não patrimonial, exigida pelo art.º 496.º do C.C., deve ser medida à luz de um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos, e porque tais danos atingem bens imateriais, que não são suscetíveis de uma avaliação pecuniária, a indemnização visa compensar psicologicamente o lesado das dores e dos desgostos que sofreu, e sofre, pelo prazer que anda normalmente associado à compra de um bem material desejado ou à realização de algo que proporcione satisfação, destarte minorando os sofrimentos.

IV – O Acórdão do S.T.J. n.º 4/2002 (publicado no D.R., série I-A, nº. 146, de 27/06/2002, págs. 5057 e sgs.), uniformizou jurisprudência no sentido de os juros de mora serem devidos a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação sempre que a indemnização por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, sendo que para se ajuizar se houve ou não atualização dos montantes indemnizatórios fixados na sentença, um dos métodos passíveis de serem atendidos seria o da comparação com outras decisões que tenham apreciado um quadro de danos semelhante aos sofridos pelo lesado, sem descurar que no cálculo da indemnização intervêm as circunstâncias concretas do caso.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- A. J., residente em Braga, intentou a presente acção comum contra a “Companhia de Seguros X, S.A.”, com sede em Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 186.300,00 (cento e oitenta e seis mil e trezentos euros), acrescida dos juros de mora a contar da citação, sendo:

a) A quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de danos patrimoniais;
b) A quantia de € 31.300,00 (trinta e um mil e trezentos euros), a título de perdas salariais;
c) A quantia de € 70.000,00 (setenta mil euros), a título da perda de capacidade de ganho;
d) A quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais.

Fundamenta este pedido alegando que no dia 21.08.2014, pelas 7h45m, na rua da …, freguesia de ..., em Braga, quando tripulava o tractor agrícola, de matrícula SP, no sentido sul-norte, em direcção a Braga, foi este tractor embatido na traseira pelo veículo ligeiro de passageiros de matrícula AD, tendo em consequência deste embate ido colidir com a parede duma casa ali existente. Do acidente resultaram-lhe lesões que o impediram de trabalhar, e resultaram-lhe ainda outros danos, de que pretende ser ressarcido pela Ré, já que esta, pelo contrato de seguro que celebrou com o dono do referido veículo automóvel, assumiu a responsabilidade civil emergente da sua circulação.

Contestou a Ré aceitando a culpa exclusiva do condutor do referido veículo automóvel e a responsabilidade de indemnizar o Autor dos danos resultantes do acidente, mas impugnou os factos por este alegados relativos aos invocados danos.
Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:

1. condenou a Ré a pagar ao Autor:

i) A quantia indemnizatória de € 13.150,00 (treze mil cento e cinquenta euros), a título de danos patrimoniais, vencendo juros à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento, sem prejuízo de posterior alteração legislativa;
ii) A quantia indemnizatória de € 6.000,00 (seis mil euros), para compensação do dano de perda de capacidade de ganho futuro, sobre a qual vencem juros, desde a data da prolação da presente decisão até integral pagamento, à taxa legal de 4% (sem prejuízo de posterior alteração legislativa);
iii) A quantia indemnizatória de € 6.000,00 (seis mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros, desde a data da prolação da presente decisão até integral pagamento, à taxa legal de 4% (sem prejuízo de posterior alteração legislativa);
2. Absolveu a Ré do restante peticionado.

Nem a Ré nem o Autor se conformaram com esta decisão, pretendendo aquela que se baixem os valores das indemnizações parciais atribuídas, e este que tais valores sejam aumentados e se considere ainda o dano que, como alegara, se consubstanciou na necessidade de vender as máquinas agrícolas que possuía por ter deixado de poder trabalhar com elas.
Apenas a Ré apresentou contra-alegações, propugnando pela recusa de provimento ao recurso do Autor.
Ambos os recursos foram recebidos como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- A Apelante/Ré formulou as seguintes conclusões (corrigidas):

I- A Ré impugna, por considerar incorretamente julgados, a decisão proferida quanto aos factos dos pontos t) e w) da matéria considerada assente;
II- Nem do depoimento das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, nem de qualquer outro elemento indiciário presente no processo, se retira que o A obtivesse o rendimento médio mensal líquido de 750,00€;
III- Em contraponto a tal facto e no sentido de que auferiria antes rendimentos próximos do salário mínimo, surgem, isso sim, a circunstância de antes do acidente estar afetado por sequelas que lhe conferiam uma IPP de 32,5%, nunca ter apresentado declarações de IRS, ter declarado à segurança social ao longo dos anos rendimentos muito inferiores aos dados como provados e ter reconhecido auferir o salário mínimo em tentativas de conciliação de processos judiciais por acidentes anteriores;
IV- Em face da informação da Autoridade Tributária (ofício de 03/10/2017, ref citius 6082916), extratos de remunerações apresentados á Segurança Social (Ref Citius 6173419 – de 14/10/2017), do relatório pericial e das atas de conciliação em processos referentes a anteriores acidentes de viação (Docs 7, 15 e 19 juntos com a contestação da Ré), impõe-se que seja dado como provado, quanto ao ponto t) dos factos provados, que:

“O Autor retirava um rendimento mensal médio líquido não concretamente apurado, mas não superior ao de 485€ mensais”, ou que “O Autor retirava um rendimento mensal médio líquido não concretamente apurado;
V- O texto constante do ponto w) dos factos dados como provados, é, salvo melhor opinião, matéria conclusiva, pelo que deve se eliminado na parte em que se deu como provado o valor da perda salarial do A.;
VI- Se assim não se entender e tendo em conta os elementos probatórios referidos na conclusão IV que apontam no sentido de que o A auferia o salário mínimo, deve ser dado como provado no ponto w) dos factos assentes que:
“O Autor esteve impedido de exercer a sua atividade profissional desde a data do embate até 06.04.2016, tendo perdido o rendimento de € 8487,50€” ou “O Autor esteve impedido de exercer a sua atividade profissional desde a data do embate até 06.04.2016, tendo perdido rendimentos não concretamente apurados;
VII- Caso venha a ser atendida a pretensão da ora recorrente de ser alterada a decisão proferida quanto à matéria dos pontos t) e w) dos factos dados como provados impõe-se a redução da indemnização pelas perdas salariais sofridas pelo A. para a verba de a 8.487,50€, o que se requer;
VIII- Ou, se se entender que não ficou demonstrado o concreto rendimento auferido pelo demandante, deve a quantificação dessa indemnização ser relegada para momento ulterior, o que, subsidiariamente, se requer;
IX- Tendo em conta as concretas circunstâncias do caso (em particular o facto de não existir efetivo dano patrimonial) e ainda as decisões proferidas em casos análogos, entende a recorrente que, em equidade, a compensação pelo dano biológico do A., decorrente da incapacidade permanente de 4 pontos, com as repercussões (ou ausência delas) que foram dadas como provadas, não deveria ser superior à de 3.000,00€;
X- E face aos factos provados, seria mais adequada a compensar os danos não patrimoniais do A. – excluído o seu dano biológico - na verba de 5.000€;
XI- Pelo que entende a Ré que deve ser arbitrada ao A. uma compensação única, por todos os seus danos não patrimoniais (incluindo o seu dano biológico), de 8.000,00€;
XII- Se, em alternativa, se entender que deve ser mantida a compensação autónoma pelo dano biológico, impõe-se, em conformidade com o que acima se disse, que seja reduzida para a verba de 5.000,00€ a compensação pelo dano não patrimonial e 3.000,00€ a devida pelo dano biológico (incapacidade permanente);
XIII- E caso se venha a entender que a verba global sugerida pela Ré (8.000,00€) ou um ou ambas das quantias propostas para a compensação dos danos morais (5000,00€) e dano biológico (3.000,00€) não deve ser atendida, sempre se imporia a redução das verbas arbitradas para valores inferiores, por se afigurarem excessivas, o que, subsidiariamente se requer;
XIV- A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 566º e 496º do Cod Civil.
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III.- O Apelante/Autor formulou as seguintes conclusões (corrigidas):

A. A Sentença Recorrida, nos factos dados por provados em n) - “ Do embate resultaram ferimentos para o Autor” e em x)- “ No descrito embate, o Autor sofreu ferimentos nos braços e perna esquerda, assim como no testículo esquerdo”, assim como na fundamentação acima transcrita, não se faz alusão à lesão que consta do Relatório Médico elaborado em 22 de dezembro de 2017, dando conta de que “do acidente resultou hematúria de origem traumática com contusão do testículo esquerdo e atrofia testicular esquerda”.

POR CONSEGUINTE, esta matéria deverá: a)- Integrar uma das ditas alíneas; e b) - Passar a constar da fundamentação.

B. Resulta do mesmo exame médico/perícia que:

a)- As sequelas de que o Autor ficou a padecer, são causa de sofrimento físico.
b)- As lesões sofridas pelo Autor no acidente em mérito, agravaram as sequelas decorrentes de eventos anteriores, agravando a patologia existente.

POR CONSEGUINTE, esta matéria deverá: a)- Integrar a alínea bb) dos factos provados; e b)- Passar a constar da fundamentação.

C. Ao considerar que:
a)- Por o Autor ter 60 anos de idade e, à data do embate, contar com incapacidades parciais permanentes anteriores que totalizam uma percentagem de 32,50%, tais factos, só por si, conjugados, prejudicam a conclusão de que se tratava duma pessoa dotada duma força inesgotável tanto física como psicológica, sem quaisquer problemas de saúde.
b)- A experiência em geral mostra, é verdade, pessoas com capacidades superiores à média que, ultrapassando limitações pessoais, prosseguem com força anímica excecional as suas carreiras profissionais.
c)- Todavia, por escaparem à normalidade essas situações carecem de ser demonstradas, não tendo os depoimentos obtidos em audiência sido disso reveladores.
O Tribunal Recorrido arreda – liminarmente – os “menos válidos”, da classe dos chamados “mouros de trabalho”, declarando-os incapazes de ultrapassar limitações pessoais, prosseguindo com força anímica excepcional a sua profissão.
D. - É do comum saber que, no nosso país, a esmagadora maioria das pessoas que se dedicam à agricultura, associada à pecuária, mormente os que trabalham por conta própria – caso do Réu, trabalham: a)- 7 dias por semana, até aos 80 e mais anos de idade, como o comprovam os inúmeros acidentes morais, com tractores e outras máquinas agrícola; b)- Muito mais que 8 horas por dia; c)- Todo o ano, porque sem férias; d)- Sujeitos a todo o tipo de tempo (atmosférico), que faça no dia-a-dia; e)- Comendo ou sentando-se à mesa, apenas e só, quando o trabalho de cada dia está terminado; f)- Levantando-se - quantas vezes…- , de noite, para acudir aos animais.
E. Tendo em conta os factos dados por provados em p), q), r) e s), impõe-se concluir que o Autor era pessoa com capacidades superiores à média que, ultrapassando limitações pessoais, prosseguia com força anímica excepcional a sua profissão.
F. Tais características de trabalho – reconhecidas pelos factos provados - foram confirmadas pela testemunha A. O., agente de seguros que assistia o Autor, classificando-o como ele próprio afirmava “um burro de trabalho” – ITEM III, deste Recurso - pág. 6.
G. À mesma conclusão se chega tomando em consideração os factos dados por provados em p), q), r), s) e o que resulta do que declarou a testemunha A. O., dizendo que o Autor era mesmo um “burro de trabalho”.
H. Consoante resulta da transcrição da prova testemunhal, acima transcrita, nenhuma outra prova infirmou o depoimento da testemunha, A. O., antes havendo sido confirmado pelo depoimento das testemunhas L. B. e S. S., devendo, por conseguinte, serem alterados, passando para “PROVADOS”, os factos dados por “NÃO PROVADOS” em:
nn)- “ As actividades que o Autor desenvolvia tinham lugar durante os 7(sete) dias por semana, todo o ano.”
oo)- “ O Autor era, à data do acidente, cheio de vida e dinâmico.”
pp)- “ O Autor era dotado de força física e psicológica inesgotáveis, reconhecida pela gente com quem, diariamente, lidava, jamais tendo tido tempo, sequer, para fazer férias.”,

J. DEVEM SER ALTERADOS, passando para “PROVADOS, os factos dados por “NÃO PROVADOS” em:

xx) “ Depois do embate e em consequência das lesões que deste para ele resultaram, o Autor passou a ser uma pessoa que se isola muito, deprimido e muito revoltado”; e em
fff)- “ O Autor é, desde a data do embate, um homem derrotado pela sorte da vida, triste, choroso, angustiado, total e absolutamente insatisfeito e frustrado”,

PORQUANTO: a)- A “desesperança” se encontra largamente comprovada pelos depoimentos das testemunhas por si arroladas, A. O., L. B. e S. S., no ITEM III, de fls. 49 a 19 deste Recurso; b)- Tais testemunhos não foram infirmados por qualquer outro meio de prova; c)- À data do acidente já a mulher havia falecido e, não obstante isso, o Autor vivia e trabalhava da forma descrita nos factos dados por provados e, como referem todas as testemunhas, tinha uma vida boa, auferindo de bons rendimentos; d)- Se efectivamente o Autor padecia já de disfunção eréctil, então tal facto já existia à data do acidente.
L. Tendo em conta os factos dados por provados em p), q), r), s), deve o Tribunal declarar que o Autor tinha uma vida boa, auferindo de bons rendimentos.
M. Tendo em conta: a)- Os depoimentos das testemunha L. B., e S. S., que acima se transcrevem - fls. 10 a 19 -, deverá o Tribunal da Relação dar por provado que:

1.- Cerca de 6 anos antes do acidente em mérito, o Autor comprara à firma onde trabalhava esta testemunha, alfaias agrícolas no valor de € 40.000,00.
2.- Volvidos 6 anos de haverem sido compradas pelo Autor tinham um valor de € 20.000,00 ou mais 2, 3, 4 ou 5.000€, se aparecer alguém que deles precise.
3.- Com a sua venda, o Autor sofreu um prejuízo patrimonial de € 10.000,00.

N. Devem ser alterados, passando para “PROVADOS”, os seguintes factos dados por “NÃO PROVADOS” e com a seguinte redacção:

ll) - A quinta que o Autor cultivava era uma quinta muito grande.
mm)- A maquinaria que o Autor possuía, à data do embate, estava avaliada em, pelo menos, € 20.000,00.
nn)- As atividades que o Autor desenvolvia tinham lugar durante os 7 (sete) dias por semana, todo o ano.
oo)- O Autor era, à data do acidente, cheio de vida e dinâmico.
pp)- O Autor era dotado de força física e psicológica inesgotáveis, reconhecida pela gente com quem, diariamente, lidava, jamais tendo tido tempo, sequer, para fazer férias.
qq)- Por força do embate de que foi vítima, o Autor jamais logrou obter trabalho, tendo ficado privado de qualquer rendimento.
rr)- Vendo-se obrigado a vender toda a maquinaria agrícola que possuía, não podendo manter o equipamento parado e sem uso, já que se desvalorizava cada vez mais.
ss)- Assim viu-se obrigado a vender tal maquinaria, não pelo preço que pretendia, mas pelo preço que lhe ofereceram de € 10.000,00, sofrendo por via disso um prejuízo/dano patrimonial de € 10.000,00.
tt)- O Autor perdeu rendimento proveniente do exercício da actividade de agricultor superior ao enunciado em w).
uu)- O Autor sofreu ferimentos para além dos referidos em x), bem como sofreu sequelas permanentes para além das enunciadas em bb).
vv)- O Autor, desde o embate, sofre de insónias e de um cansaço permanente.
ww)- Por via das lesões, o Autor passou a ser seguido, de forma permanente, em consultas, pela médica de família.
xx)- Depois do embate e em consequência das lesões que deste para ele resultaram, o Autor passou a ser uma pessoa que se isola muito, deprimido e muito revoltado.
eee)- Privado de qualquer rendimento, vive agora de uma pensão de sobrevivência de € 183,58 €.
fff)- O Autor é, desde a data do embate, um homem derrotado pela sorte da vida, triste, choroso, angustiado, total e absolutamente insatisfeito e frustrado.

PORQUANTO isso resulta dos depoimentos de todas as testemunhas, acima transcritos, que disseram - sem que prova contrária fosse produzida - que por causa do acidente em mérito, o Autor: - Esteve muito tempo doente. - Perdeu todos os contactos, as pessoas telefonavam-lhe e ele não podia ir trabalhar. - Os clientes, entretanto, contactaram outras pessoas. - Estava sempre em casa e nunca mais recuperava aquela clientela. - As alfaias paradas e a desvalorizar cada dia que passava. - A dada altura, porque a falta de rendimentos regulares terá sido, seguramente, sentida pelo Autor, era o agente de seguros quem lhe pagava os prémios de seguro, porque ele não tinha liquidez nenhuma.
O. Resulta - também e para além disso - dos factos dados por provados, que o Autor trabalhava para ele numa grande quinta e que, para além disso, fazia trabalhos agrícolas para terceiras pessoas, com recurso à mencionada maquinaria agrícola, e que, em virtude das lesões e das sequelas do acidente em causa, ficou cerca de 600 dias doente, sem poder trabalhar.
P. Não pode o Tribunal de recurso aceitar a fundamentação: “Não se acha crível que o mesmo se tenha desfeito da maquinaria por causa do défice funcional consequente das lesões provindas do embate, porquanto elas não eram impeditivas de prosseguir a atividade de agricultor, podendo o Autor vir a servir-se delas no futuro. Quanto ao período de paralisação, o Autor, tendo trabalhado toda a vida enquanto agricultor, saberia o modo de manter apto o equipamento para o efeito”, UMA VEZ QUE: a)- A própria fundamentação é contraditória (se não trabalho, para quê fazer a manutenção?, se não há dinheiro, como se paga a manutenção?); b)- Nenhum Cliente fica à espera 595 dias para que o Autor retome o trabalho; c)- Sem Clientes não interessava ao Autor, de modo algum, manter as alfaias agrícolas de desvalorizarem dia-a-dia; d)- “ A falta de rendimentos regulares terá sido, seguramente, sentida pelo Autor”, a que alude a fundamentação, passou a ser, por si só, causa de não poder ele fazer a manutenção da maquinaria; e)- Não era com 62 anos de idade que o Autor iria recuperar Clientela, para dar uso e manter as alfaias agrícolas.
Q. A alínea W dos factos provados deverá ter a redacção: “O Autor esteve impedido de exercer a sua atividade profissional desde a data do embate até 06.04.2016, tendo perdido o rendimento de € 16.000,00”, UMA VEZ QUE: 1. - O Tribunal Recorrido - sustentado no depoimento das testemunhas que bem conheciam a natureza e o trabalho que o Autor desempenhava, considerou que ele auferia de um rendimento ilíquido mensal de € 1.000,00, mas que tinha despesas mensais de € 200.00, forçoso é concluir que o rendimento líquido mensal era de € 800,00 e não de € 750,00, como refere a sentença recorrida. 2. - Como o Autor esteve sem poder trabalhar cerca de 20 meses, o prejuízo que sofreu, durante esse tempo é de € 16.000,00 – dezasseis mil euros -.
R. O Tribunal Recorrido, ao considerar que o Autor bem poderia ter retomado o trabalho, ignorou, com todo o respeito, a realidade do dia-a-dia da vida de um homem cuja actividade era a agricultura aliada à pecuária – 7 dias de trabalho por semana, até aos 80 e mais anos de idade, como o comprovam os inúmeros acidentes mortais, com tractores e outras máquinas agrícola, muito mais que 8 horas por dia, todo o ano, porque sem férias, sujeitos a todo o tipo de tempo (atmosférico), que faça no dia-a-dia, comendo ou sentando-se à mesa, apenas e só, quando o trabalho de cada dia está terminado, levantando-se - quantas vezes…-, de noite, para acudir aos animais, etc, etc..., pelo que a indemnização a arbitrar a título de dano patrimonial decorrente da perda da capacidade de ganho, deverá ser igual à peticionada no artº 48 da Petição Inicial, ou seja, de € 70.000,00 e não os míseros € 6.000,00, arbitrados na sentença recorrida.
S. Atenta a matéria de facto dada por provada em x), y, z, aa), bb), cc), dd), ee), ff), gg), ii), jj) e kk), deve - também porque resultante da Perícia Médica ser acrescentada a seguinte matéria:

Relativamente a lesões: “Do acidente resultou hematúria de origem traumática com contusão do testículo esquerdo e atrofia testicular esquerda.”
Relativamente a sequelas: - “As sequelas de que o Autor ficou a padecer, são causa de sofrimento físico.”
- “As lesões sofridas pelo Autor no acidente em mérito, agravaram as sequelas decorrentes de eventos anteriores, agravando a patologia existente.
T. Tendo em conta o disposto nos artºs 70º, 494º e 496º nº 1, do C.C., a doutrina e a jurisprudência, mormente a mais recente, e ainda como bem se escreveu no Proc. nº 4506/15.9T8BRG – G1, deste Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no passado dia 25 de Janeiro do corrente ano de 2018, deverá declarar que a indemnização de € 6.000,00, é manifestamente insuficiente, por injusta e inadequada, para ressarcir o Autor, atentas as lesões, as sequelas, o terror por que passou, a idade, etc, arbitrando-se indemnização nunca inferior a € 20.000,00.
U. Os juros de mora sobre a compensação do dano de perda de capacidade de ganho futuro e sobre os danos não patrimoniais devem contar-se a partir da data da instauração da presente acção, porquanto não constando da sentença recorrida qualquer actualização das indemnizações, devem os juros sobre as mencionadas indemnizações vencer juros desde a citação e não apenas a contar da data da prolação da sentença, “in casu”, com mais de 4 anos após a eclosão do acidente em mérito.
V. A sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 483º, 496º, 562º, 564º. 566º, 805º e 806º do Código Civil e artº 607º do Cód. Proc. Civil.
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IV.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões acima transcritas cumpre:

- reapreciar a decisão de facto.
- reapreciar a decisão de mérito nos segmentos indemnizatórios.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

V.- Os Apelantes impugnam a decisão de facto, identificando de forma inequívoca, já que por referência à numeração da sentença, os segmentos fácticos que visam com a impugnação. Formulam o projecto de decisão, e indicam os meios de prova que suportam a sua pretensão, transcrevendo e situando nos tempos da gravação os excertos dos depoimentos testemunhais.
O actual C.P.C. introduziu o duplo grau de jurisdição também quanto à matéria de facto e resulta do que acima ficou referido estarem preenchidos todos os requisitos enunciados nos n.os 1 e 2, alínea a) do art.º 640.º do referido Código, pelo que, em princípio, nada obsta à pretendida reapreciação.
Na reapreciação da decisão de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., devendo, enquanto instância de recurso também da matéria de facto, formar a sua própria convicção, para o que lhe cumpre avaliar todas as provas carreadas para os autos, sem que esteja sujeita às indicações que sejam dadas pelo recorrente e pelo recorrido.
De acordo com o art.º 341.º do Código Civil (C.C.) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem ANTUNES VARELA et AL. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
As regras sobre o ónus da prova que constam dos art.os 342º. a 346.º do C.C. devem ser complementadas pelo princípio de direito adjectivo consagrado no art.º 414.º do C.P.C., que rege sobre a interpretação da dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, dúvida que se resolve contra a parte à qual o facto aproveita.
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VI.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou provado que:

a) No dia 21.08.2014, pelas 07:45 horas, na rua da ..., freguesia de ..., desta comarca, ocorreu um embate, sob a forma de colisão, em que foram intervenientes os veículos trator agrícola, de matrícula SP, conduzido pelo Autor, e o ligeiro de passageiros, de matrícula AD, conduzido por J. R..
b) Ambos os veículos seguiam no sentido Sul-Norte, na direção Braga – Póvoa de Lanhoso.
c) O embate ocorreu na referida rua da ..., onde a estrada, com piso em alcatrão, seco no momento do acidente, descreve uma curva para a esquerda, atento os referidos, sentido e direção.
d) No local do embate, existem casas, em banda, de um e de outro lado da via, deitando diretamente para ela.
e) O Autor conduzia o dito trator agrícola, pela parte direita da via, atento os referidos, sentido e direção, à velocidade não superior a 15 Km/hora.
f) Por sua vez, o condutor do veículo AP circulava no mesmo sentido e direção, atrás do identificado trator agrícola, a uma velocidade de, pelo menos, 70 Km/hora.
g) Quando assim circulavam, o ligeiro de passageiros foi embater, com a sua parte da frente, na traseira do trator agrícola.
h) Por força desta colisão, na traseira do trator agrícola, foi este projetado para a direita, atento o seu referido sentido de marcha, indo embater, com a sua frente direita, contra a parede de uma casa de habitação, existente na parte direita da referida rua da ....
i) Após o que parou, enviesado para a sua direita, na dita hemi-faixa de rodagem direita da via, atento o seu referido sentido de marcha.
j) O ligeiro de passageiros, após a dita colisão, escorregou para a esquerda, atento o seu referido sentido de marcha,
k) Ficando atravessado na hemi-faixa de rodagem contrária àquela por onde circulavam ambos os veículos.
l) A descrita colisão ocorreu por o condutor do veículo AP, que circulava de frente para o sol, ter ficado encandeado, perdeu a visão e não logrou parar, nada podendo fazer o Autor para evitar o embate.
m) O embate ocorreu dentro da sua hemi-faixa de rodagem da via, atento o seu referido sentido e direção de marcha.
n) Do embate resultaram ferimentos para o Autor, o qual foi transportado para o Hospital desta cidade de Braga, onde foi socorrido.
o) À data, o Autor, que nasceu no dia 02.08.1954, contava 60 anos de idade.
p) O Autor tinha, como desde sempre teve, como profissão, a atividade de agricultor, produzindo vinho, batatas, cebolas, alho, feijão, hortaliças, legumes e frutas.
q) No exercício dessa atividade, o Autor cultivava terrenos de terceiros, assim como uma quinta, onde criava também animais, destinados ao seu consumo e à venda a terceiras pessoas.
r) O que fazia com a ajuda de máquinas agrícolas próprias, como sejam trator, atrelado, fresa, charruas, reboque, enfardadeiras, bombas de rega, máquina de cortar e virar fenos.
s) O Autor usava essa maquinaria no amanho da referida quinta, assim como para efetuar trabalhos e fretes para terceiras pessoas.
t) O Autor retirava um rendimento mensal médio líquido de cerca de € 750,00.
u) Em combustível, manutenção de tal maquinaria e alimentos para o gado e animais de capoeira, gastava um valor médio mensal de € 200,00.
v) O Autor vendeu parte da maquinaria agrícola que possuía, pelo preço de € 10.000,00.
w) O Autor esteve impedido de exercer a sua atividade profissional desde a data do embate até 06.04.2016, tendo perdido o rendimento de € 13.150,00.
x) No descrito embate, o Autor sofreu os ferimentos nos braços e pernas esquerdas, assim como no testículo esquerdo.
y) Após o acidente, o Autor foi conduzido, de ambulância para o Hospital Público de Braga, onde recebeu os primeiros tratamentos e onde foi medicado.
z) Fez várias consultas e exames médicos no Hospital Público e Privado desta cidade de Braga.
aa) Onde fez tratamentos vários, como Tac´s.
bb) Na sequência dos ferimentos, o Autor ficou a padecer de queixas cérvico-lombalgias e rigidez da coluna cervical e dorso-lombar com normalidade dos reflexos, sendo simétricos.
cc) O Autor necessita de toma ocasional de medicação analgésica.
dd) Durante o embate, ao ver-se projetado, sofreu um susto e pensou que ia morrer.
ee) Nos dias que se lhe seguiram, o Autor sentiu dores e angústia.
ff) Ocasionalmente, o Autor ainda padece de dores.
gg) O Autor sente tristeza pelas sequelas que lhe advieram do embate.
hh) O proprietário do veículo AP, à data do embate, havia transferido para a Ré a responsabilidade civil por danos causados a terceiros no exercício da condução de tal veículo, por acordo de seguro titulado pela apólice n.º ....
ii) As sequelas que o Autor ficou a padecer provocam-lhe o défice funcional de 4 pontos.
jj) O quantum doloris que o Autor sofreu é quantificável no grau 4 numa escala de 1 a 7.
kk) O défice funcional atribuído ao Autor importa esforços acrescidos no exercício da atividade profissional de agricultor, mas não o impedem de a prosseguir.

ii) julgou não provado que:

ll) A quinta que o Autor cultivava tinha cerca de 4 hectares.
mm) A maquinaria que o Autor possuía, à data do embate, estava avaliada em, pelo menos, € 35.000,00.
nn) As atividades que o Autor desenvolvia tinham lugar durante os 7 (sete) dias por semana, todo o ano.
oo) O Autor era, à data do acidente, cheio de vida e dinâmico.
pp) O Autor era dotado de forças física e psicológica inesgotáveis, reconhecidas pela gente com quem, diariamente, lidava, jamais tendo tido tempo, sequer, para fazer férias.
qq) Por força do embate de que foi vítima, o Autor jamais pôde trabalhar, tendo ficado privado de qualquer rendimento.
rr) Vendo-se obrigado a vender toda a maquinaria agrícola que possuía, não podendo manter o equipamento parado e sem uso, já que se desvalorizava cada vez mais.
ss) Assim viu-se obrigado a vender tal maquinaria, não pelo preço que pretendia, mas pelo preço que lhe ofereciam.
tt) O Autor perdeu rendimento proveniente do exercício da atividade de agricultor superior ao enunciado em w).
uu) O Autor sofreu ferimentos para além dos referidos em x), bem como sofreu sequelas permanentes para além das enunciadas em bb).
vv) O Autor, desde o embate, sofre de insónias e de um cansaço permanente.
ww) Por via das lesões, o Autor passou a ser seguido, de forma permanente, em consultas, pela médica de família.
xx) Depois do embate e em consequência das lesões que deste para ele resultaram, o Autor passou a ser uma pessoa que se isola muito, deprimido e muito revoltado.
yy) Em consequência do embate e das lesões sofridas, deixou de ter vida sexual ativa, o que desestabilizou emocionalmente o Autor e lhe causou desgosto, angústia, total e absoluta insatisfação e frustração.
zz) Jamais conseguiu uma ereção e consequente atividade sexual, o que, sem sucesso, tentou e continua a tentar.
aaa) Iniciando sucessivas relações de amizade com mulheres, com o objetivo de conseguir uma relação amorosa estável, tentando encontrar uma mulher com quem possa passar o resto da sua vida, porém, mal elas descobrem o problema sexual que o Autor tem, logo põem termo a tal pretendida relação.
bbb) Nos meses que se seguiram ao acidente, durante, pelo menos, um ano, o Autor tinha sonhos, nos quais vivenciava o acidente e todo o aparato, sustos, medos, sofrimentos e dores que o envolveu.
ccc) Tudo isso – embora com menor frequência – continuou pelos meses adiante e ainda hoje, ocorre, embora de forma espaçada.
ddd) Castigado com tanto sofrimento, privado da sua atividade sexual, impossibilitado, por isso, de arranjar uma companheira para o resto da sua vida.
eee) Privado de qualquer rendimento, vive agora da caridade de familiares e amigos.
fff) O Autor é, desde a data do embate, um homem derrotado pela sorte da vida, triste, choroso, angustiado, total e absolutamente insatisfeito e frustrado.
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VII.- O Apelante/Autor funda o seu dissenso nos depoimentos testemunhais.

Ora, os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo tribunal, conforme o disposto no art.º 396.º do C.C., o que pressupõe que o tribunal julgue segundo a sua convicção, que se forma, não obedecendo a regras e princípios legais preestabelecidos mas pela influência que exerceram no seu espírito as provas produzidas, avaliadas segundo o seu juízo e a sua experiência.

Quer aquele Apelante/Autor, quer a Apelante/Ré impugnam a facticidade constante da alínea t), que se refere ao rendimento mensal médio (de € 750) auferido pelo primeiro.

É pretensão do primeiro que se considere o rendimento de € 800 por mês, invocando o depoimento da testemunha A. O., conjugado com o facto, que se julgou provado, referente aos gastos mensais (de €200) em combustível, manutenção de maquinaria e alimentos para o gado – alínea u).
Já a Apelante/Ré faz apelo aos documentos constantes dos autos, essencialmente à informação fiscal (o Apelante/Autor nunca apresentou declaração de IRS), à folha de salários da Segurança Social, e aos salários que aquele declarou auferir perante o Tribunal do Trabalho, propugnando, assim, que, quando muito, se considere como rendimento mensal o equivalente ao salário mínimo nacional.
A fundamentação da decisão de facto, que se desenvolve ao longo de nove páginas, permite acompanhar o iter decisorio do Tribunal a quo, que aí deixa inequivocamente referidos os elementos probatórios e devidamente explicitados os raciocínios subjacentes à decisão.
Concretamente quanto aos rendimentos percebidos pelo Apelante/Autor fundamenta deixando referido (cfr. fls. 197v.º a 198v.º) que o valor considerado resultou da ponderação da “variação dos rendimentos”, por referência aos que constam dos documentos juntos aos autos, que não reflectirão a realidade já que “por força de acumular as actividades por conta própria e por conta de outrem e por dispor de rendimento próprio, que encarecia os serviços que prestava de uma banda e que aumentava a rentabilidade das suas culturas, de outra banda” e ainda do valor dos encargos mensais.
A testemunha A. O. deixou algumas afirmações que, pela sua espontaneidade, serão de aceitar como verídicas. Questionado sobre os rendimentos do Apelante/Autor e sobre o seu estilo de vida, referiu que este trabalhava em terrenos agrícolas seus e arrendados e ainda ia trabalhar “para fora”, e nas épocas mais fortes de trabalho «tinha jornaleiros» a trabalhar para si. Produzia e «vendia na praça aqui em Braga», (ficou provado que produzia vinho, batatas, cebolas, alho, feijão, hortaliças, legumes e frutas – alínea p)) transportando os produtos que trazia para venda «numa Toyota Hiace». Quando foi questionado pelos seguros que o Apelante/Autor ainda conservava referiu que este tem «um Audi A3», o que demonstra uma boa situação económica.
A testemunha L. B. confirma que quando ocorreu o acidente o Apelante/Autor «trabalhava uma grande quinta e prestava serviços na quinta de um advogado do Porto. Tinha gado na quinta de que era caseiro e outros animais que vendia». Segundo disse, era a empresa onde na altura trabalhava que fazia a manutenção das máquinas agrícolas do Apelante/Autor, e quando lhe foi perguntado “Daquilo que o senhor via quando ia lá fazer a revisão este homem devia ganhar líquidos € 1000 por mês?”, respondeu de pronto, «sim, sim, devia até ganhar mais».
Como é do conhecimento comum, em Portugal a mão-de-obra agrícola é escassa, o que faz aumentar os salários. É ainda do conhecimento comum que um tractorista ganha mais que um trabalhador braçal. Uma consulta à base de dados “PORDATA” permitiu constatar que no ano de 2014, ano em que ocorreu o acidente, um trabalhador agrícola (homem) tinha um ganho médio mensal de € 829,90.
É certo que os trabalhos agrícolas são sazonais, mas o Apelante/Autor, para além de trabalhar para outrem, também tinha a sua própria exploração agrícola e pecuária.
O que acima se deixa referido constitui, crê-se, base suficiente para presumir que o Apelante/Autor conseguia tirar um rendimento mensal líquido de € 800,00, (partindo de um rendimento ilíquido de € 1000,00, subtraído dos gastos referidos na alínea u) dos “factos provados”).
Acolhendo-se, assim, a pretensão do Apelante/Autor, na alínea t) ficará a constar o rendimento médio mensal líquido de € 800,00.
Impugnam ambas as Partes a alínea w) - o Apelante/Autor para ver reflectido nela os valores dos rendimentos mensais por que propugna e a Apelante/Ré imputando-lhe a natureza conclusiva.
Se a pretensão do primeiro será de acolher, nos limites que acima se deixaram decididos, relativamente à pretensão da 2.ª, muito embora se conceda que a última parte da referida alínea tem algo de conclusivo, não deixa de ser verdade que tem também a virtude de deixar perceber os pressupostos que estiveram subjacentes ao cálculo da importância ali plasmada.
Mantém-se, pois, a referida alínea, alterando-se o valor dos rendimentos que o Apelante/Autor deixou de auferir, os quais atingem o montante global de € 15.627,00.
O Apelante/Autor pretende que fique a constar ou da alínea n) ou da alínea x), nas quais se alude às lesões por si sofridas, que “do acidente resultou hematúria de origem traumática com contusão do testículo esquerdo e atrofia testicular esquerda”.
Este facto consta do processo clínico da Apelada/Ré, como se pode ver dos registos de consulta de 29/09/2014, a fls. 80v.º, e de 19/10/2014, a fls. fls. 85v.º.
A hematúria vem definida como a presença anormal de eritrócitos (glóbulos vermelhos) na urina.
Como os referidos registos clínicos não permitem saber até quando se verificou aquele sintoma, e a lesão do testículo esquerdo vem referida na alínea x), serão apenas razões de objectividade que justificam o pretendido aditamento, tanto mais que, quer nas alegações, quer nas conclusões, o ora Apelante parece ter deixado “cair” a questão da disfunção eréctil como resultante da referida lesão – contusão daquele testículo esquerdo e consequente atrofia.
Sem embargo, também se não vê motivo relevante para recusar a pretensão do Apelante e, por isso, vai alterar-se a alínea x, de acordo com o pretendido.
Mais pretende o Apelante/Autor que na alínea bb) se faça constar que “as sequelas de que ficou a padecer, são causa de sofrimento físico”, e ainda que as lesões que sofreu “agravaram as sequelas decorrentes de eventos anteriores, agravando a patologia existente”, fundando-se no relatório pericial.
Com efeito, mais claramente nos “Esclarecimentos”, que ficaram a constar de fls. 178/179, tais factos vêm referidos pelo Sr. Perito.
Contudo, a referência às dores já consta da alínea ff), assim como a necessidade de medicação analgésica para as combater consta da alínea cc).
Apenas não consta que as lesões agravaram as sequelas decorrentes de anteriores acidentes.
No entanto, e como igualmente ficou referido no apontado relatório, as mencionadas sequelas são consequência de anterior “fractura da coluna dorso-lombar”, e esta já consta da supramencionada alínea bb).
Não se vislumbra, pois, a necessidade e/ou utilidade da pretendida alteração.
Impugna ainda o Apelante a decisão de facto no que tange às alíneas ll) a xx); eee) e ainda fff), propondo a redacção que consta da conclusão N.
Relativamente à alínea ll) a pretendida alteração não assume significação relevante para ser considerada, posto que na alínea q) já consta que o Apelante “cultivava terrenos de terceiros, assim como uma quinta”.
No que se refere à maquinaria – alíneas mm) e ss) - é certo que a testemunha L. B. referiu que «se o mercado estivesse em alta, na altura, valia 50% desse valor (referindo-se ao valor da compra, que foi «mais ou menos de 40.000 euros») – cerca de 20.000 euros», e acrescentou «mas como o mercado estava em queda não se conseguiu obter (este valor)».
Ora, esta afirmação não pode ser havida como uma “avaliação” mas apenas como «estimativa», o que a referida testemunha acabou por reconhecer.
Por outro lado, tendo a mesma testemunha referido que «há cerca de 10 anos», ou seja, por alturas de 2008, vendeu ao Apelante «vário equipamento agrícola – reboques, charruas, fresas, mexedora, cisternas», pelo valor acima referido, nem ele nem a testemunha S. S. conseguiram recordar-se que equipamento em concreto o Apelante vendeu.
Ainda que este último tenha afirmado que o equipamento em causa «estava longe de ser sucata», e que «as máquinas foram vendidas para trabalhar», acrescentando ainda que o próprio comprador lhe disse que «foi um bom negócio (para si)», como bem refere o Tribunal a quo, tais depoimentos são uma base de prova muito débil para permitir “a avaliação, ainda que aproximada, do equipamento”.
É facto de todos conhecido que qualquer máquina que não seja utilizada se deteriora mais facilmente. Nas máquinas agrícolas a deterioração decorrente do não uso é mais rápida porque normalmente não são guardadas em garagens, estando, por isso sujeitas, quer em trabalho, quer em “descanso”, às condições do tempo.
Do relatório pericial consta que o Apelante sofreu “Incapacidade Temporária na Actividade Profissional Total” durante 595 dias (desde 21/08/2014 a 06/04/2016), como, de resto, se fez constar da alínea w).
Deste modo, e ressalvado o respeito devido, não pode concordar-se com o Tribunal a quo quando afasta a possibilidade de haver relação entre a decisão da venda das máquinas agrícolas e o défice funcional resultante das lesões.
Com efeito, estando durante tanto tempo impossibilitado de trabalhar e, decerto, de usar as referidas máquinas agrícolas, é compreensível que o Apelante decidisse vendê-las para evitar uma maior desvalorização, resultante da sua deterioração – não as tendo conseguido vender através da testemunha L. B., ofereceu-as para venda à testemunha S. S. que, como disse, se dedica ao “abate e compra e venda de desperdícios metálicos”, reconhecendo ambos que a venda foi feita por um preço inferior ao valor delas.
Assim, a facticidade proposta para as alíneas mm); rr); e ss) vai ser introduzida na alínea v).
Pretende o Apelante que se considere provado que “por força do embate de que foi vítima jamais logrou obter trabalho, tendo ficado privado de qualquer rendimento”, na redacção que propõe para a alínea qq).
Sendo natural que durante o período em que esteve impossibilitado de trabalhar, para si e para terceiros, o Apelante, tivesse ficado privado dos rendimentos que conseguia auferir e, por isso, tenha passado por sérias dificuldades financeiras, não só não ficou provado que “jamais logrou obter trabalho”, como dali não se pode extrapolar para a privação total de “qualquer rendimento”, porque provadamente possuía animais, cujo destino não vem alegado, e possuía terrenos seus que se não sabe se foram ou não rentabilizados, daqui se devendo concluir não ter sido produzida prova suficientemente consistente para alicerçar a convicção da correspondência dos aludidos factos com a realidade.
A redacção proposta para as alíneas nn); pp); e qq) contém termos demasiado “exaltados”, mesmo à luz da experiência comum.
Com efeito, sendo, embora, verdade que, como referiu a testemunha S. S., a agricultura «é uma vida de escravo», e os trabalhos agrícolas se desenvolvem de segunda a sábado, não o é menos que a intensidade do trabalho varia ao longo do ano, sendo mais elevada nas épocas da plantação e sementeira e da recolha dos frutos, e também é verdade que, sobretudo aqui no Minho, costuma “guardar-se” o domingo, dia em que as tarefas de um agricultor se reduzem ao mínimo que é o de alimentar os animais.
Embora se conheça que há pessoas que conseguem superar a dor, e por isso é que quando foi perguntado à testemunha O. P., médico, se as patologias que o Apelante apresentava “eram compatíveis com a agricultura intensa”, respondeu que «pelo nosso País muitos agricultores têm patologias piores e trabalham», dizer-se que ele “era dotado de força física e psicológica inesgotáveis” afigura-se um exagero de expressão, porque as sequelas das lesões que sofreu sempre lhe introduzirão algum limite, ainda que se deva aceitar que era uma pessoa muito trabalhadora, sendo de crer que as maquinaria que tinha o ajudavam nos trabalhos agrícolas com o que não teria de usar tanta força física como aqueles que só usam o trabalho braçal.
Por outro lado, se, apesar das suas limitações físicas, fazia os trabalhos descritos na alínea q), ter-se-á de o considerar, como pretende, “cheio e vida e dinâmico”.
Assim, o essencial das alíneas nn);pp) e qq) vai ser aditado à alínea p), que refere a actividade a que o Apelante se dedicava.
Face ao que acima já ficou decidido quanto aos rendimentos mensais auferidos pelo Apelante e às sequelas das lesões, a proposta de redacção das alíneas tt) e uu) colide com aquela decisão, o que, a par da indefinição dos termos utilizados: “perdeu rendimento superior” (em quanto?); “sofreu ferimentos para além dos referidos” e sofreu “sequelas permanentes para além das enunciadas” (quais ferimentos e quais sequelas?), não permite acolher a pretensão do Apelante quanto a esta parte,.
Nem dos registos clínicos nem dos depoimentos das testemunhas se extrai a informação de que o Apelante desde o acidente “sofre de insónias e de um cansaço permanentes”, como se refere na proposta de decisão para a alínea vv) sem embargo do que já ficou consignado na alínea ee) – que nos dias que se seguiram ao acidente sentiu angústia.
Por outro lado, carece de interesse o que vem proposto para a alínea ww) já que o que se pretendeu com a atribuição de um médico de família aos cidadãos é, precisamente, que ele os “siga” de “forma permanente”, uma vez que tem conhecimento do seu historial clínico, e, como com pertinência observa o Tribunal a quo, resultando dos autos que o Apelante “já padecia de patologias anteriores relacionadas com acidentes de trabalho, sofria de diabetes” e foi “encaminhado para consulta de reumatologia”, é de crer que antes do acidente já houvesse razões suficientes para ser “permanentemente” acompanhado em consultas pela sua médica de família.
Relativamente às alíneas xx) e fff), é verdade que a testemunha L. B. referiu que o Apelante, «ainda está debilitado», e que «era um homem de garra mas deixou de o ser. Passou do oitenta para o oito», e a testemunha S. S. afirmou que o Apelante, quando lhe “apareceu” a propor a compra das máquinas agrícolas «estava um bocado transtornado, já não era a mesma pessoa». Havendo dito ainda que o Apelante «É um homem triste» acrescentou, porém, que «a própria agricultura não é uma vida fácil».
Sem embargo de poderem existir outras causas, como o falecimento da esposa, e as queixas de disfunção eréctil, referidas pelo Tribunal a quo, o quadro acima descrito e o facto de o Apelante ter passado por um longo período de doença, que o incapacitou para o trabalho, permite, mesmo recorrendo ao comum do acontecer, que se tenha por natural o aparecimento dos estados psicológicos de depressão e isolamento.
Por outro lado, extrai-se das queixas que foi apresentando ao longo do processo de “cura” das lesões e do depoimento da testemunha A. O. que a sequela resultante da contusão no testículo esquerdo, que ficou atrofiado, o deixou angustiado.
Posto que na alínea gg) dos “factos provados” já ficou referida a “tristeza”, levar-se-ão a esta alínea os referidos factos.
Resultando dos depoimentos que o Apelante ficou com um tractor para si, e que “já vai fazendo alguns serviços”, como reconheceu a testemunha A. O., fica contraditado o que o Apelante quer ver reflectido na alínea eee) – que (ainda) está “privado de qualquer rendimento” e “vive agora (apenas) de uma pensão de sobrevivência de € 183,58”.
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VIII.- Em resultado de quanto acima se deixou decidido altera-se a decisão de facto, julgando-se provado que:

p) O Apelante/Autor tinha, como desde sempre teve, a profissão de agricultor, produzindo vinho, batatas, cebolas, alho, feijão, hortaliças, legumes e frutas, sendo uma pessoa dinâmica, cheia de vida e trabalhava muito.
t) O Apelante/Autor tirava um rendimento mensal líquido de € 800,00.
v) Por ter deixado de poder trabalhar, o Apelante/Autor, não podendo manter o equipamento parado e sem uso, já que se desvalorizava cada vez mais, vendeu parte da maquinaria agrícola que possuía pelo preço de € 10.000, inferior ao seu valor real.
w) O Apelante/Autor esteve impedido de exercer a sua actividade profissional desde a data do acidente até 06.04.2016, tendo, assim, perdido o rendimento total de 15.627,00.
x) No descrito embate, o Autor sofreu ferimentos nos braços e perna esquerda, assim como contusão do testículo esquerdo, que veio a ficar atrofiado.
gg) O Apelante sente tristeza pelas sequelas que lhe advieram do acidente, tendo passado a isolar-se e a sentir-se deprimido, e a sequela no testículo esquerdo, referida em x) deixou-o angustiado.
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IX.- Resulta inequívoco dos autos que ocorreu um acidente de viação e que a culpa do acidente cabe exclusivamente ao condutor do veículo segurado da Apelada/Ré, derivando, para esta, do contrato de seguro que celebrou com o proprietário do referido veículo, a responsabilidade de ressarcir o Apelante/Autor dos danos por este sofridos, decorrentes do sinistro.
A facticidade provada permite afirmar estarem preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, referidos no art.º 483.º do Código Civil (C.C.).
O Tribunal a quo fixou indemnizações parciais dos danos que saíram provados, não se conformando o Apelante/Autor com o valor referente à perda de ganho resultante da incapacidade para o trabalho, com a desconsideração de um prejuízo resultante da venda das alfaias agrícolas, com o valor indemnizatório relativo à diminuição da sua capacidade de ganho, decorrente do grau de incapacidade para o trabalho de que ficou afectado em resultado das sequelas derivadas das lesões que sofreu, e, finalmente, com o valor indemnizatório dos danos não patrimoniais, ainda se não conformando a contagem dos juros.
1.- Relativamente à perda de ganhos em resultado da incapacidade temporária para o trabalho, conforme já ficou definido na alínea w), ela atingiu o montante total de € 15.627,00 (quinze mil seiscentos e vinte e sete euros).
2.- No que concerne ao dano patrimonial futuro, derivado da perda da capacidade de ganho, não havendo critérios legais reguladores da fixação do quantum da indemnização, há que recorrer aos critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, num juízo de prognose sobre o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer, impondo-se o recurso à equidade posto que se não conseguirá apurar o valor exacto do dano, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 566.º do Código Civil (C.C.).

No entanto, como observa o Acórdão do S.T.J. de 06/12/2018, o recurso à equidade “não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade (cf. art.13º, nº 1, da CRP), o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso”, com o que se deve ainda “ter em consideração os critérios jurisprudenciais adotados em casos idênticos por forma a obter, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art.º 8.º, n.º 3, do CC)” (ut Proc.º 652/16.0T8GMR.G1.S2, Cons.ª Maria do Rosário Morgado, in www.dgsi.pt).

Como é entendimento jurisprudencial já consolidado, a indemnização a arbitrar não poderá ter em consideração apenas a redução da capacidade de ganho, resultante da limitação funcional ou dano biológico, pois, como refere o Acórdão do S.T.J. de 10/11/2016 “a indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado.” (ut Proc.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, Cons.º Lopes do Rego, in www.dgsi.pt).

Ou seja, como conclui o Acórdão de 06/12/2018, acima referido, a afectação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer, “para além de danos de natureza não patrimonial”, é susceptível de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina a compensar não só a perda de rendimentos pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afetação, no período de vida expectável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas atividades.”.
E por isso é que o valor da indemnização deverá corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privado e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida, e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, já que as necessidades básicas deste, como refere o Acórdão do S.T.J. de 16/12/2010, “não cessam obviamente no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão”, sendo ainda certo que “as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito” (in Colª Jurisprudª, Acórdãos do S.T.J., ano XVIII, Tomo III/2010, pág. 225, Relator, Consº Lopes Rego).
O método de cálculo adoptado pelo Tribunal a quo mostra-se acertado, simplesmente, e ressalvado o respeito devido, crê-se que a taxa de juros a considerar deverá ser mais baixa, acompanhando a tendência que, de forma sustentada, se vem verificando na União Europeia, cumprindo ainda introduzir o acerto resultante do aumento do valor do rendimento médio mensal.
Deste modo, tendo em consideração um tempo de vida provável de 80 anos; a idade do Apelante/Autor à data do acidente, que era de 60 anos; a retribuição média mensal que o mesmo auferia, e que é de € 800,00; o défice funcional, fixado em 4 pontos; uma taxa de juros de 1,25%, obter-se-á um valor aproximado de € 6.800.
Como se referiu, há que introduzir os critérios de equidade, que permitem levar em conta as esperadas dificuldades do Apelante/Autor em prosseguir com o trabalho que vinha desenvolvendo, atenta a sua idade e as limitações físicas de que ficou afectado, havendo uma forte probabilidade de com a idade sofrer um agravamento notório no seu estado de saúde.
Julga-se, pois, adequado o valor de € 10.000 (dez mil euros) para o compensar deste dano.
3.- Como se deixou referido, pretende ainda o Apelante ver aumentada a indemnização relativa aos danos não patrimoniais que sofreu.
De acordo com o disposto no art.º 496.º do Código Civil o lesado tem direito a ser indemnizado dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano deve ser medida à luz de um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, e porque tais danos atingem bens imateriais, que não são susceptíveis de uma avaliação pecuniária, a indemnização não visa repor a situação que existia antes do acto lesivo, desiderato impossível de obter, visando antes compensar psicologicamente o lesado das dores e dos desgostos que sofreu, e sofre, pelo prazer que anda normalmente associado à compra de um bem material desejado ou à realização de algo que proporcione satisfação, destarte minorando os sofrimentos.
O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção: o grau de culpa do lesante; a situação económica do lesante e a do lesado; e os padrões de indemnização geral adoptados pela jurisprudência.
Na situação sub judicio, como ficou assente, o lesado não teve culpa do acidente, e a situação económica não é aqui elemento relevante para a fixação do quantum da indemnização.
Também quanto a esta indemnização há que fazer referência à particular situação do lesado – como referiu o Tribunal a quo, as dores que experimentou, e que o Perito-Médico valorizou no grau 4, numa escala até 7; que vai continuar a sofrer dores até ao fim da vida, que, acrescentamos nós, muito provavelmente se exacerbarão ao longo do tempo, tanto mais que as partes do corpo afectadas – toda a coluna vertebral e o testículo – são especialmente dolorosas, interferindo a primeira com todos os movimentos e posturas corporais, ou seja, com praticamente todas situações da vida diária; o pressentimento de que ia morrer quando foi projectado do tractor, mas também a tristeza sentida pelas sequelas que lhe advieram do acidente, que o levou a isolar-se e lhe causou depressão, e ainda a angústia derivada da sequela no testículo esquerdo.
Tudo sopesado tem-se por ajustada a importância de € 15.000 (quinze mil euros) para ressarcir o Apelante/Autor dos apontados danos, aqui se deixando explícito que nos juízos formulados para a obtenção daquele valor se consideraram valores recentes fixados para situações com contornos aproximados à acima descrita.
4.- Pretende ainda este ser indemnizado do prejuízo que lhe resultou da venda das alfaias agrícolas que, alega, foi motivada na impossibilidade de trabalhar e, por isso, de as usar, estando elas a desvalorizar-se cada vez mais.
O Tribunal a quo não atendeu a este pedido por haver considerado que “a venda da maquinaria constituiu uma opção do Autor, que, podendo ter sido influenciada pelo seu estado de saúde, não foi determinada, em termos causais, pelas lesões sofridas com o embate”.
Houve alteração da matéria de facto quanto a esta parte, tendo sido agora julgado provado que, por ter deixado de poder trabalhar, o Apelante/Autor, não podendo manter o equipamento parado e sem uso, já que se desvalorizava cada vez mais, vendeu parte da maquinaria agrícola que possuía pelo preço de € 10.000, inferior ao seu valor real.
Ficou, assim, estabelecido o nexo causal entre a decisão da venda e as lesões decorrentes do acidente.
Não ficou, porém, determinado qual o valor real da maquinaria agrícola vendida e, como se deixou referido na fundamentação da decisão, ficou a saber-se ao certo que peças/alfaias foram vendidas.
Atenta a essencialidade destes factos, o seu desconhecimento não permite, sequer, a formulação de um juízo de equidade minimamente sustentado.
Mas há ainda uma outra questão que não pode deixar de ser equacionada – foi apenas o Apelante/Autor que interveio no negócio, tendo sido decisão exclusivamente sua a aceitação daquele preço, sem uma verdadeira consulta ao mercado já que a venda foi efectuada ao primeiro (ou, na melhor das hipóteses, ao segundo) interessado que surgiu.
Também por aqui não poderia, pois, a Apelada/Ré ser responsabilizada pelo pagamento da diferença entre o valor obtido e o valor real (se se tivesse provado) face à sua não intervenção no processo de decisão e execução da venda.

Desatende-se, pois, este pedido do Apelante/Autor.

5.- No que se refere à última questão que vem suscitada, a do termo inicial dos juros de mora.
O Tribunal a quo, fundando-se no AUJ n.º 4/2002, e uma vez que recorreu à equidade para alcançar os valores indemnizatórios referentes ao dano pela perda de ganho futuro e aos danos não patrimoniais, “tendo sido realizado um cálculo tendo em conta as condições e o valor monetário actuais,” decidiu que os juros são devidos “apenas desde a sentença”.
Insurge-se o Apelante/Autor, pretendendo que a contagem se faça a partir da data da citação já que “não consta da sentença recorrida qualquer actualização das indemnizações”.
De acordo com o disposto na 2.ª parte do n.º 3 do art.º 805.º, do C.C., não tendo antes ocorrido qualquer facto que haja determinado a constituição em mora, na responsabilidade pelo facto ilícito ou pelo risco o devedor constitui-se em mora desde a data da citação.
O S.T.J., no Acórdão acima citado, uniformizou jurisprudência no sentido de os juros de mora serem devidos a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação sempre que a indemnização por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado (Cfr. D.R., série I-A, nº. 146, de 27/06/2002, págs. 5057 e sgs.).
Para se ajuizar se houve ou não actualização dos montantes indemnizatórios fixados na sentença, um dos métodos seria o da comparação com outras decisões que tenham apreciado um quadro de danos semelhante aos sofridos pelo lesado, não se podendo descurar, porém, que no cálculo da indemnização intervêm as circunstâncias concretas do caso.
A posição inequívoca manifestada pelo Tribunal a quo crê-se não se suscitar a mínima dúvida que reportou os seus juízos à data da sentença e foi com base neles que fixou os montantes da indemnização relativos aos supracitados danos.
Contudo, os valores foram agora corrigidos e no que concerne ao dano pela perda de ganho futuro os rendimentos que foram considerados reportaram-se à data do acidente (em 21/08/2014) e não aos que o Apelante/Autor auferia ou podia auferir na actualidade.
Já não assim, como se deixou referido, quanto aos danos não patrimoniais, em que se procurou trazer a indemnização para valores mais recentes.
Cumpre, pois, aplicar o disposto na 2.ª parte do n.º 3 do art.º 805.º, do C.C. quanto ao primeiro, e o AUJ n.º 4/2002 quanto ao segundo.
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C) DECISÃO

Tendo presente tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, consequentemente condenando a Apelada/Ré a pagar ao Apelante/Autor a importância total de € 40.627 (quarenta mil seiscentos e vinte e sete euros), acrescida de juros de mora a contar da data da citação (05/05/2017) sobre a importância de € 35.627, e a contar da data da sentença da 1.ª Instância (04/10/2018) sobre o total do valor indemnizatório, até integral pagamento.
Custas de cada uma das apelações pelo respectivo Apelante e Apelado(a), na proporção do vencido.
Guimarães, 13/06/2019

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho