Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1398/11.0TBBGC.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: RECURSO GENÉRICO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
CASO JULGADO FORMAL
ACTIVIDADE PERIGOSA
CONSTRUÇÃO CIVIL
EXPLOSIVOS
SUBEMPREITADA
DEVER DE VIGILÂNCIA DO EMPREITEIRO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÕES
Decisão: IMPROCEDENTE / PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

I- Deve ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelo Recorrente quando, para além de não se delimitar com precisão os concretos pontos que se pretendem questionar, não se deixa expressa a decisão que, no entender do mesmo, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas

II. No que concerne à referida delimitação dos concretos factos impugnados exigida pelo art. 640º, nº 1, al. a) do CPC, o que o legislador pretende é que o Impugnante o faça por remissão para o elenco de factos estabelecidos na decisão Recorrida - como provados, ou como não provados – ou, se os factos não estiverem mencionados na decisão sobre a matéria de facto, por remissão para os factos oportunamente alegados.

III. No entanto, nos casos em que a matéria de facto considerada como não provada resulta da resposta positiva restritiva a determinada matéria alegada, aquela indicação tem de ser efectuada com referência àquele ponto da matéria de facto considerada como provada, defendendo-se que a “resposta restritiva” devia ser alterada no sentido de ser dada como provada toda a matéria de facto que pertinentemente havia sido alegada.

IV. Noutros casos, se tal não puder ser efectuado, terá o Recorrente que indicar que a matéria de facto alegada em determinado item dos articulados – que não se mostra mencionada na decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Recorrido – devia ser considerada como provada.

V. Estas regras processuais não podem ser entendidas como dispensáveis ou menores, apelando-se a argumentos de mera razoabilidade, permitindo-se que os Recorrentes as infrinjam, de uma forma directa, e imputando ao Tribunal de Recurso a árdua tarefa de “procurar”, na peça processual apresentada, quais são, afinal, os pontos da matéria de facto que os Recorrentes pretendem impugnar; e com o risco, aliás, de, na ausência de especificação concreta dos pontos da matéria de facto, entender que determinados pontos da matéria de facto teriam sido impugnados, mas de uma forma que não correspondia à vontade daqueles, violando, além do mais, o princípio do contraditório, pois que sobre eles a parte contrária não se chegou a pronunciar, por não ter logrado entender quais eram os pontos da matéria de facto que estariam em causa.

VI. Na verdade, é aos Recorrentes que o Legislador inequivocamente atribui essa tarefa de delimitação do objecto da Impugnação da matéria de facto, sendo bem explícito e concreto quando estabelece esses ónus processuais no art. 640º do CPC - que, aliás, não são difíceis de cumprir.

VII. Se o Tribunal Recorrido tiver proferido, no âmbito do incidente de intervenção de terceiros oportunamente deduzido pelas partes, decisão no sentido de admitir determinada parte como Interveniente Principal, não pode depois na sentença proferida, neste mesmo processo, alterar o sentido da sua decisão anterior, no sentido de enquadrar a posição da aludida parte no âmbito da Intervenção acessória, uma vez que a isso se opõe o caso julgado formal formado por aquela primeira decisão.

VIII- O que determina a qualificação de uma actividade como perigosa, para o efeito do nº 2 do art. 493º do CC, é a sua especial aptidão para produzir danos, o que resultará da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados, e só poderá ser apurado face às circunstâncias do caso concreto.

IX- No que especificamente respeita à actividade de construção civil, tem-se entendido que a mesma, por si só e abstraídos os meios utilizados, não é uma actividade que revista perigo especial para terceiros e, consequentemente, não constitui actividade perigosa.

X- No entanto, a concreta actividade de construção realizada nos presentes autos não pode deixar de ser enquadrada casuisticamente como uma actividade perigosa, já que, implicando a construção da auto-estrada aqui em causa, ”trabalhos de desmonte com recurso a explosivos”, esta actividade de construção não pode deixar de ser enquadrada no conceito de “actividade perigosa”, designadamente nos termos e para os efeitos de accionamento da presunção de culpa prevista no nº 2 do art. 493º do CC.

XI- Em face deste preceito legal, deve-se entender que, para que o lesante se possa eximir da responsabilidade, é necessário que demonstre que agiu sem culpa e que prove que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir os danos.

XII- O empreiteiro, mesmo naqueles casos em que deu a obra de subempreitada, continua obrigado à sua vigilância, porque continua a impender sobre ele o dever de supervisão técnica da sua feitura, sendo, por isso, de considerar que, em alguma medida, mantém, mesmo na hipótese de subcontratação, os referidos poderes de controle e direcção. O que leva a considerar que o dever de vigilância não transita para o subempreiteiro, sem prejuízo de sobre este impender idêntico dever.

XIII- Por outro lado, para este efeito, deve-se ainda entender que é insuficiente a simples alegação da subempreiteira de que se limitou a cumprir as ordens e direcções da empreiteira.

XIV- Além disso, a referida presunção de culpa também não pode ser ilidida com a alegação de que uma das subempreiteiras foi uma mera intermediária, no que aos trabalhos em causa diz respeito (por ter, por sua vez, subcontratado a obra em causa a outra subempreiteira), pois que sobre ela, enquanto subempreiteira, continuava a incidir o cumprimento dos aludidos deveres inerentes às regras da arte, independentemente de se ter socorrido daquela outra para concretizar a obra que lhe tinha sido incumbida pela empreiteira”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

Maria veio instaurar, sob a forma de processo sumário, a acção declarativa n.º 1398/11.0TBBGC contra X – Construções, A. C. E. e Y, Empresa de Demolições, Lda., formulando os pedidos de que se reconheça que o prédio identificado na petição lhe pertence e foi por via da utilização de explosivos, por si feita indevidamente, na obra que levaram a cabo nas imediações do prédio da Autora, que este sofreu os danos que apresenta, e sejam condenadas a pagar-lhe solidariamente a quantia de € 12 300, 00 que terá de despender para reparação de tais danos.
Em síntese, alegou factos tendentes a demonstrar que é dona do identificado prédio e que as Rés lhe causaram danos, no valor peticionado.
*
As Rés apresentaram contestação, impugnando parcialmente os factos articulados pela Autora e, por excepção, alegaram factos tendentes a demonstrar o cumprimento de todos os procedimentos de segurança na utilização dos explosivos e a pré-existência de parte dos alegados danos.

A Ré X - Construções A. C. E. requereu ainda a intervenção principal de VA. & Filhos, S. A., alegando que, por efeito do Contrato de Projecto e Construção celebrado com a Subconcessionária W – Subconcessionária Transmontana, é a entidade responsável pelos trabalhos de concepção, construção e aumento do número de vias dos lanços de auto-estrada que identifica, que integram a denominada “Subconcessão da Auto-Estrada Transmontana”, adjudicou à VA. & Filhos, S. A. o contrato de subempreitada para execução dos trabalhos de terraplanagem no lote 10 (do PK 0+000 ao PK 4-750), que incluíam o desmonte de rocha com recurso a explosivo, a qual assumiu todas e quaisquer obrigações, responsabilidade e riscos que para a Ré X - Construções A. C. E. resultassem do Contrato de Projecto e Construção e, por sua vez, subcontratou a Ré Y – Empresa de Demolições, S. A. para a realização dos trabalhos de desmonte com recurso a explosivos.

Por sua vez, a Ré Y – Empresa de Demolições, S. A. requereu a intervenção acessória da Z - Companhia de Seguros, S. A., alegando que para ela havia transferido a sua responsabilidade por danos causados a terceiros no exercício da sua actividade, nomeadamente, com a utilização de explosivos.
*
Tendo a Autora apresentado respostas às contestações apresentadas, a Ré X – Construções, A. C. E. veio arguir a nulidade da correspectiva resposta, invocando a inadmissibilidade legal deste articulado.
As intervenientes Z - Companhia de Seguros, S. A. e VA. & Filhos, S. A. apresentaram articulado próprio, pugnando pela improcedência da acção.
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A Autora apresentou resposta.
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(Acção declarativa n.º 1399/11.9TBGC)
Maria e S. P. vieram instaurar, sob a forma de processo ordinário, a acção declarativa n.º 1399/11.9TBGC contra X Construções, ACE e Y, Empresa de Demolições, Lda., formulando os pedidos de que se reconheça que são donas e legitimas proprietárias do prédio identificado na petição e das identificadas instalações que lhe servem de apoio, que foi por via da utilização de explosivos, por si feita indevidamente, na obra que levaram a cabo nas imediações do prédio e instalações das Autoras, que aquele e estas sofreram os danos que apresentam, e se condenem as Rés a pagar, solidariamente, às Autoras a quantia de € 83 610, 38, que estas terão que despender para reparação de tais danos e, também, a quantia de € 1 230, 00, despendida no relatório técnico junto aos autos.

Para o efeito e em síntese, alegaram factos tendentes a demonstrar que adquiriram o direito de propriedade que pretendem ver reconhecido e que as Rés causaram danos no prédio e instalações referidas, no valor peticionado.
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Regularmente citadas, as Rés apresentaram contestação, impugnando parcialmente os factos articulados pelas Autoras e, por excepção, alegaram factos tendentes a demonstrar o cumprimento de todos os procedimentos de segurança na utilização dos explosivos e a pré-existência de parte dos alegados danos.

Por razões idênticas às alegadas nos autos do processo n.º 1398/11.0TBBGC, requereram, a Ré Y – Empresa de Demolições, S. A., a intervenção acessória da Z - Companhia de Seguros, S. A. e, a Ré X – Construções, A. C. E., a intervenção principal de VA. & Filhos, S. A..
As Autoras apresentaram réplica, cuja inadmissibilidade (nulidade) foi arguida pela Ré X – Construções, A. C. E..
As intervenientes Z - Companhia de Seguros, S. A. e VA. & Filhos, S. A. apresentaram articulado próprio, pugnando pela improcedência da acção.
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As Autoras replicaram.
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Em ambas as acções foi proferido despacho a admitir a intervenção principal das chamadas Z - Companhia de Seguros, S. A. e VA. & Filhos, S. A..
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Entretanto, foi proferido despacho que ordenou a apensação da acção n.º 1399/11.9TBGC – a partir de então, identificada com o n.º 1398/11.0TBBGC-A – à acção primeiramente instaurada, n.º 1398/11.0TBBGC.
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Seguidamente foi proferido despacho saneador, que indeferiu as arguidas nulidades, e, outrossim, despacho que identificou o objecto do processo e enunciou os temas da prova.
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Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.
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De seguida, foi proferida sentença que constitui o objecto do presente Recurso, onde o Tribunal de 1ª Instância concluiu com a seguinte decisão:

“Decisão

Pelo exposto, julgo a presente acção (n.º 1398/11.0TBBGC) improcedente e parcialmente procedente a apensa (n.º 1398/11.0TBBGC-A) e, em consequência:
Condeno as Rés X, Y e a Interveniente VA. & Filhos, S. A. a pagarem solidariamente às Autoras o valor dos danos ocorridos no telhado da casota do cão (partido), nas telhas do telhado do armazém (partidas), nas paredes (fissuras) e cobertura do estábulo (picadas) e na rede do galinheiro (danificada com furos), a liquidar em execução de sentença.
Absolvo as Rés e Interveniente VA. & Filhos, S. A. do demais peticionado“.
*
É justamente desta decisão que:

- As Autoras/Recorrentes vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

Primeira: O tribunal deu como provada a seguinte matéria:

1.º - (...) a 17º (---)
18.º - Nas imediações do prédio identificado em 10, possuem as Autoras várias dependências, todas elas de apoio ao mesmo e à actividade agrícola que a primeira Autora desenvolve.
19.º - Nomeadamente, existe um estábulo para animais e, junto a este, um pequeno anexo destinado a galinheiro, um armazém agrícola destinado ao arrumo e guarda de máquinas e alfaias agrícolas, uma casa das máquinas, um anexo com dois pisos, sendo o rés-do-chão destinado a garagem e o primeiro andar a cozinha/salão, e uma casota para abrigo dos cães.
19.º - Que certamente por lapso o Sr. Juiz repetiu: A Ré X – Construções A.C.E. X – Construções A.C.E. X – Construções A.C.E. levou a efeito as obras de construção da auto-estrada, no troço que passa na freguesia de (...). E,
20.º - Nas quais a ré Y – Empresa de demolições, Ldª. utilizou várias cargas explosivas.
21.º- No rebentamento das ditas cargas explosivas, foram provocadas projecções de pedras, bem como o estremecimento das construções existentes nas imediações. Ora,
22.º - A Autora, em carta que o advogado da Autora lhe fez chegar por correio registado, solicitou à Ré X – Construções, A.C.E. a reparação de danos da derrocada do prédio identificado em 1.º, reclamando o pagamento da quantia de € 7 300,00, acrescida de IVA à taxa legal, quantia em que se incluía também a reparação dos danos sofridos pelo prédio vizinho.
23.º - Carta que a ré ignorou.
24.º - Após a derrocada do prédio, referida em 22.º o soalho e escadas que ligam o rés-do-chão ao primeiro andar, que são de madeira, não resistiram.
25.º - Neste momento estão, um e outras, apodrecidos, tendo que ser substituídos.
26.º - A substituição das madeiras do soalho e escadas, bem como a mão-de-obra, custará quantia não concretamente apurada.
27.º - O prédio identificado em 10.º e as construções referidas em 19.º apresentam:
1- Fissuras do revestimento do muro da entrada principal;
2- Fissuras do revestimento exterior do anexo;
3- Fissuras do revestimento interior da laje do tecto do anexo;
4- Uma fissura do revestimento interior da laje do chão do anexo;
5- Fissuras do revestimento interior das paredes do anexo;
6- Fissuras do revestimento interior do tecto da cozinha/salão do anexo;
7- Fissuras no revestimento exterior do edifício destinado a habitação;
8- Fissuras do revestimento exterior da laje do telhado do edifício destinado a habitação;
9- Fissuras do revestimento interior dos mosaicos da cozinha e moldura de gesso;
10- Fissuras no tecto do WC;
11- Uma fissura no tecto de um quarto;
12- Uma fissura do revestimento interior do tecto do WC privativo de um quarto;
13- Fissuras e mossas no mosaico hidráulico dos passeios e escadas exteriores, tubo de queda e lancis envolventes da habitação;
14- Fissuras nas paredes, quebra das lajetas de granito e tijolos refractários da churrasqueira;
15- Fissuras das paredes da casa das máquinas;
16- Telhado da casota do cão partido;
17- Telhas partidas no telhado do armazém;
18- Fissuras nos alçados laterais do armazém;
19- Fissuras nas paredes e diversas picadas na cobertura do estábulo;
20- Rede do galinheiro danificada, com furos;
28.º - Os danos referidos em 27.º - 16, 17, 19 e 20, foram causados pela utilização das cargas explosivas referidas em 20.º.
29.º - Para reparação dos danos referidos em 27.º e 28.º, as Autoras têm necessidade de gastar quantia não concretamente apurada.
30.º - As Autoras tiveram necessidade de recorrer aos serviços de técnico especializado para apuramento dos danos, verificados no seu prédio e demais instalações, metodologias de reparação e orçamento.
31.º - Pela sua elaboração pagaram a quantia de € 1 230,00.
32.º - A Ré Y procedeu a trabalhos de desmonte de rocha com recurso a explosivos no lote 10 da AE Transmontana, no período compreendido entre 30 de Junho de 2010 e 22 de Junho de 2011.
33.º - No local assinalado na fotografia aérea retirada do Google, em que a zona de intervenção da Ré Y vem assinalada por um risco amarelo com a legenda “zona de intervenção Y” e a localização da casa das Autoras vem assinalada sob a legenda “casa da queixosa Zona de medição Maria 111 metros”.
34.º - As operações de utilização de explosivos na obra foram estudadas, planeadas, controladas e monitorizadas.
35.º - Tal controlo e monitorização foram efectuados através de um sismógrafo, calibrado, de marca Vibracord Plus, com o n.º de série 0154.
36.º - As cargas explosivas efectuadas pela Ré Y, no lote 10, no período compreendido entre 30 de Junho de 2010 e 22 de Junho de 2011, constam do respectivo registo de vibrações.
37.º - A intensidade das vibrações causadas pelas explosões corresponde à coluna daquele documento que tem por título “velocidade mm/s”.
38.º - E o valor das vibrações foi registado pelo sismógrafo, através dos informes de registo sismográfico fornecidos por este.
39.º - De tais informes constam dois valores de vibração para cada registo, sendo um, o valor medido no pico da vibração e o outro, o valor obtido em função do tempo de vibração.
40.º - A Ré Y optou por registar o valor mais alto de vibração, que é o resultante do pico de vibração.
41.º - O sismógrafo foi colocado junto à casa das autoras, junto ao “lavadouro”, e ainda junto à casa do “sr. S.”.
42.º - Por se tratar das construções mais perto da zona de intervenção da Ré., e por essa razão mais susceptíveis de nelas serem causados danos.
43.º - A construção das Autoras é corrente e está fundada em “rochas e solos coerentes rijos”.
44.º- Na obra e local referidos nunca foram dadas mais de três pegas de fogo diárias.
45.º - A velocidade máxima da vibração registada junto à casa das Autoras, durante o período de execução das obras, foi de 11,10mm/s, valor que só se registou uma única vez.
46.º - (…) a 52.º- (---).
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Segunda- o tribunal optou por não enumerar a matéria de facto que deu como não provada, remetendo para ela na fundamentação da sentença.
Terceira - O tribunal a quo, não deu como provado o nexo de causalidade entre o facto danoso e a derrocada do palheiro pertencente à autora Maria.
Quarta – Igualmente não deu como provado o nexo de causalidade entre o facto danoso e os danos verificados nos prédios das autoras, casa de habitação, garagem, armazém e estábulo;
Quinta – tal decisão enferma de enorme e absurdo erro de julgamento da matéria de facto.
Sexta - Quem ler a douta sentença ficará com a sensação de que a prova se cingiu ao relatório pericial elaborado por dois engenheiros civis e um geólogo, sendo certo que assim não é.
Sétima – Foi produzida outra prova, nomeadamente testemunhal e documental, e foram ouvidos os referidos peritos em esclarecimentos.
Oitava - Não parece às recorrentes que haja qualquer incongruência nos depoimentos das testemunhas V. C. e A. R., já que quer um quer outro encontram suporte ora em documentos juntos aos autos, documento 90 junto aos autos apensos pela Ré Y, no caso do depoimento da testemunha V. C., quer em outros depoimentos, testemunha Vítor, no caso do depoimento da testemunha A. R..
Nona – O tribunal num exercício de raciocínio de difícil compreensão dá como provado que as projecções de pedras causaram os danos no telhado da casota do cão, na rede do galinheiro e nos telhados do armazém e estábulo, mas não os danos, mossas e fissuras, no mosaico do passeio que circunda a casa de habitação, ou na churrasqueira, sendo certo que tudo é contiguo.
Décima – Do documento junto aos autos pela Ré Y, doc. 90, resulta claro que na casa de habitação existiam apenas fissuras ao nível da cornija num dos alçados e uma fissura no tecto de um WC. Ora,
UndécimaEm inspecção ao local foram verificadas, nesse edifício, 43 fissuras no revestimento exterior do edifício destinado a habitação; 49 fissuras do revestimento exterior da laje do telhado do edifício destinado a habitação; 4 fissuras do revestimento interior dos mosaicos da cozinha e moldura de gesso; 1 fissura no tecto do WC, porquanto no documento em causa foi assinalada uma; 1 fissura do revestimento interior do tecto do WC privativo de um quarto.
Décima segunda – Todas, elas, surgidas entre a data de elaboração do referido documento, 16 de Junho de 2009, e a data de elaboração do documento que as autoras juntaram com a petição inicial no âmbito dos autos apensos como doc. 3 elaborado em 27 de Julho de 2011, seja durante o período de execução das obras onde foram efectuados os rebentamentos. Logo.
Décima terceira – todas elas novas, porquanto a sua existência não constava do referido documento 90.
Décima quarta – quer dos documentos juntos aos autos, quer dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos, quer dos depoimentos das testemunhas ouvidas, ficou meridianamente demonstrado que quer a derrocada do palheiro da autora Maria, quer os danos que surgiram na casa de habitação tiveram origem nos rebentamentos levados a cabo pelas rés no período compreendido entre 30/06/2010 e 22/06/2011.
Décima quinta – quer dos documentos juntos aos autos, quer dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos, quer dos depoimentos das testemunhas ouvidas, ficou igualmente demonstrado que as fissuras que já se verificavam nos prédios das autoras aquando da elaboração do documento junto pela Ré Y, doc 90, se agravaram por via das vibrações causadas pelos rebentamentos levados a cabo pelas rés no período compreendido entre 30/06/2010 e 22/06/2011
Décima sexta – Rebentamentos que, considerando apenas aqueles que a Ré Y identifica como sendo os mais próximos da casa das recorrentes foram no dito período 44. E,
Décima sétimaEm 13 foram detonados mil ou mais de mil quilos de explosivos.
Décima oitava – A única ocorrência que aconteceu no local em causa, capaz de fazer surgir os danos que se verificam nos prédios das autoras, foram os rebentamentos levados a efeitos pelas rés.
Décima nona – Nenhuma outra se verificou, nomeadamente comportamento dos materiais.
Vigésima - Tal verificar-se-á até uma certa idade do edifício, não sendo o caso do das recorrentes que em 2010 tinha já 22 anos de existência, conforme atesta o doc. 2 junto com a p.i. porquanto foi inscrito na matriz em 1988.
Vigésima primeira - Estava, pois, já, consolidado não sendo passível de haver retracção ou dilatação dos materiais, sendo ainda, no mínimo estranho que tal tivesse acontecido coincidentemente no período em que as rés levavam a efeito as obras e os rebentamentos.
Vigésima segunda – Do documento junto aos autos pela Ré Y, doc 4, não se pode retirar a conclusão de que não foram ultrapassados os valores constantes da N. P. 2074 de 1983. De facto,
Vigésima terceira - No dito documento verifica-se que existe pelo menos um rebentamento em que os valores não foram medidos.
Vigésima quarta - Aconteceu no dia 28/10/2010.
Vigésima quinta - Na coluna destinada ao registo da velocidade, a ré fez constar “bateria”.
Vigésima sexta - Facto, no modesto entendimento das recorrentes, relevantíssimo e por si só impeditivo de se dar como provado que nunca foram ultrapassados os valores permitidos pela referida norma.
Vigésima sétima - Também é evidente que a ré pode manipular o dito documento, já que no mesmo pôde escrever, na coluna destinada ao valor da vibração o que bem entendeu, como por exemplo “bateria”. E,
Vigésima oitava - Certamente não lhe terá sido difícil ter procedido a rebentamentos não registados.
Vigésima nona - Se o tribunal julga que determinado documento e ou depoimento não foi convincente, deverá fundamentar tal juízo que faz. Ora,
Trigésima - Na douta sentença, não conseguem as recorrentes vislumbrar tal fundamentação, nomeadamente a análise crítica seja do documento, orçamento para reparação do palheiro, que julgou não convincente, seja o depoimento da testemunha Vítor, também julgado não convincente, assim se mostrando violado o disposto no artº 607º nº 4 do Código do Processo Civil.
Trigésima primeira – Atenta toda a prova carreada para os autos, não restava ao julgador outro caminho senão o de dar como assentes que os danos verificados nos prédios das autoras tiveram origem nas vibrações causadas pelos rebentamentos.
Trigésima segunda – O tribunal recorrido não apreciou a prova, toda a prova, como deveria, violando o disposto no artº 607º nº 4 do Código do Processo Civil.
Trigésima terceira – Foi feita prova suficiente para que o tribunal desse como provado o nexo de causalidade entre o dano e o facto que o causou.
Trigésima quarta – Verificam-se todos os elementos da responsabilidade civil.

No entendimento das recorrentes foi violado o disposto nos arts. 412º, nº 1, 607º, nºs 4 e 5, do CPC, 483º e 493º do Código Civil bem como quaisquer outras que o Venerando Tribunal entenda por bem suprir.

TERMOS EM QUE deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Bragança e em consequência deverá:
Ser proferido acórdão no qual se condene as RR a:

1. Reconhecer que foi por via da utilização de explosivos por si feita na obra que levaram a cabo nas imediações do prédio identificado nos autos principais que este sofreu os danos que apresenta, (ruiu);
2. Pagar solidariamente à autora Maria a quantia de 12.300,00 € que esta terá que despender para reparação de tais danos;
3. Reconhecer que foi por via da utilização de explosivos por si feita na obra que levaram a cabo nas imediações do prédio e anexos identificados nos autos apensos que aquele e estes sofreram os danos que apresentam;
4. Pagar solidariamente às autoras a quantia de 83.610,38 € que as autoras terão que despender para reparação de tais danos;
5. Pagar solidariamente às autoras a quantia de 1.230,00€ quantia por estas despendida com vista à elaboração do relatório técnico junto aos autos.

Caso assim se não entenda, no que não se concede,

6. Serem as rés condenadas a pagar solidariamente à autora Maria a quantia que em sede de execução de sentença se venha a apurar necessária para reparação dos danos no prédio identificado nos autos principais;
7. Serem as rés condenadas a pagar solidariamente às autoras a quantia que em sede de execução de sentença se venha a apurar necessária para reparação dos danos no prédio e anexos identificados nos autos apensos;
8. Pagar solidariamente às autoras a quantia de 1.230,00€ quantia por estas despendida com vista à elaboração do relatório técnico junto aos autos.
9. Custas e demais encargos legais”
*
- a Ré/Recorrente Y, Empresa de Demolições, Lda. veio, por sua vez, interpor Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

1. Vem o presente recurso interposto do segmento decisório da sentença relativo ao apenso 1398/11.0TBBGC-A, pelo qual foi a Interveniente Z, Companhia de Seguros, S. A., absolvida do pedido.
2. Não tendo sido interposto recurso do despacho de 21.06.2012 proferido no apenso 1398/11.0TBBGC-A (a que correspondia, antes da apensação, o processo 1399/11.9TBBGC) pelo qual foi admitida a intervenção principal provocada de Z, Companhia de Seguros, S.A., transitou aquele em julgado, o que ocorreu em 10.09.2012.
3. Formou-se, assim, sobre a decisão referida caso julgado formal, pelo que se tornou aquela insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz.
4. Não obstante ter apurado ser “evidente a responsabilidade contratual da interveniente Z, Companhia de Seguros, S. A.”, o certo é que, afastando-se do regime da responsabilização do interveniente principal, instituto em que fora balizada a intervenção daquela, o Tribunal optou por violar o caso julgado formal nesse sentido formado, aplicando o regime da intervenção acessória e absolvendo a interveniente do pedido.
5. O incidente de intervenção principal provocada é o incidente adequado para o Réu assegurar a presença na causa da seguradora ou seguradoras para a qual ou para as quais havia transferido a responsabilidade civil decorrente da sua actividade profissional.
6. No segmento decisório impugnado, a sentença recorrida violou o caso julgado formal formado no presente processo quanto à aplicação do regime da intervenção principal provocada e quanto à posição processual da Z, Companhia de Seguros, S.A., decidindo contra o preceituado nas normas contidas nos artigos 316.º, n.º 3, a) e b), 320.º e 620.º, n.º 1, do CPC e 444.º, n.º 1, e 497.º, n.º 1, do Código Civil.
7. Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a sentença ser revogada no segmento decisório invocado, substituindo-se este por outra decisão em que seja Z, Companhia de seguros, S. A., condenada como co-devedora solidária, nos mesmos termos da ora Recorrente e das restantes Rés, com as restantes legais consequências”.
*
- a Interveniente principal /Recorrente VA. & Filhos, S. A. veio também interpor Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

A douta sentença recorrida invoca, como único fundamento da condenação da ora recorrente, as razões jurídicas invocadas, no âmbito do instituto da culpa presumida, para fundamentar a condenação da ré X, empreiteiro da obra.
Desde logo, entendeu-se na douta sentença recorrida que, ao abrigo do disposto no artigo 493º, nº 1, do CC, o empreiteiro mantém sobre o imóvel onde decorrem as obras poderes de direcção e controle que caracterizam um dever de guarda, vigilância e supervisão técnica sobre os trabalhos nele efectuados, e que recai sobre o empreiteiro que passou a deter determinado imóvel, para o fim de nele levar a efeito os trabalhos contratados, um dever de vigilância, quer da obra, quer do próprio prédio onde a mesma decorre.
Porém, resulta dos autos que nem o proprietário ou detentor do imóvel, nem o dono da obra, foram demandados ou chamados a intervir na acção.
Resulta tão só da matéria de facto provada que a ré X, através do Contrato de Projecto e Construção celebrado com o dono da obra, era a entidade responsável pelo trabalho de concepção e construção dos trabalhos em causa, na qualidade de empreiteira, tendo adjudicado à ora recorrente o contrato de subempreitada para execução dos trabalhos de terraplanagem no lote 10, e tendo esta subcontratado a Ré Y para a realização dos trabalhos de desmonte com recurso a explosivos, a qual executou efectivamente os trabalhos de desmonte com recurso a explosivos, em causa nos autos e invocados pelas autoras.
A ora recorrente jamais teve em seu poder ou deteve o imóvel onde se efectuaram os trabalhos de desmonte com recurso a explosivos, posse e detenção essa que, sempre pertenceria ao seu proprietário ou ao dono da obra.
Ainda que se entendesse que o empreiteiro ré X, deteria os poderes de direcção, controle e fiscalização sobre o imóvel em causa, tais poderes não podem ser considerados extensivos à ora recorrente, subempreiteira, por serem, desde logo, incompatíveis entre si, mas também por, sendo os mesmos originários de entidades não demandadas, não poderem ser transmitidos sem a sua autorização, resultando ainda que, conforme provado, a ré X, relativamente à ora recorrente « (…) No âmbito das suas competências, o representante do X dispõe de poderes bastantes e encontra-se devidamente habilitado para tomar decisões, dar instruções e resolver todas as questões que lhe sejam colocadas pelo Subempreiteiro para os efeitos do normal prosseguimento dos trabalhos. » --- Cláusula 5ª do contrato de subempreitada.
A ora recorrente e, naturalmente, também a Ré Y, não detinham quaisquer poderes de direcção e controle sobre o imóvel onde os mesmos foram executados, nem deveres de guarda, vigilância e supervisão técnica sobre os trabalhos nele efectuados, que pudessem fundamentar a presunção de culpa consagrada na referida norma legal.
Entendeu-se ainda na douta sentença recorrida, ao abrigo do disposto no artigo 493º, nº 2, do CC, que o desmonte com recurso a explosivos corresponderia a actividade perigosa, geradora de culpa presumida, e, não tendo a ré X demonstrado ser estranha a tal opção construtiva, teria de ser responsabilizada pela via técnica escolhida, sendo chamada a responder por tal facto próprio.
Ainda que se entenda que a referida opção construtiva com recurso a explosivos é imputável à ré X, pois era empreiteira de contrato de concepção e construção, a mesma nunca poderia ser imputável à vontade ou desígnio da ora recorrente, que celebrou contrato de subempreitada no qual vinham já expressamente previstos tais trabalhos de desmonte com recurso a explosivos.
10ª A recorrente estava obrigada perante a ré X ao desmonte com recurso a explosivos, opção e técnica que não foi definida pela recorrente, nem estava na sua disponibilidade alterar, estando fora da sua autonomia técnica a escolha de outros meios técnicos ou opções.
11ª Os trabalhos de desmonte com recurso a explosivos não foram executados pela recorrente, mas sim pela Ré Y, subcontratada da recorrente, não exercendo a recorrente uma actividade perigosa, sendo mera intermediária no que aos trabalhos em causa diz respeito, não se lhe podendo aplicar a invocada norma do artigo 493º, nº 2, do CC, e a presunção de culpa aí prevista, por não ter sido aquela, além do mais, por facto próprio, a causadora de quaisquer danos.
12ª Não resulta dos factos provados que a recorrente estivesse sujeita aos deveres ou encargos de vigilância previstos no artigo 493º, nº 1, do CC, nem, por conseguinte, que os tenha violado, não se aplicando, em consequência, a presunção de culpa ali prevista, tendo sido violada, pela douta sentença recorrida, a citada norma legal.
13ª Não resulta dos factos provados que a recorrente tenha causado os danos em cuja reparação foi solidariamente condenada, não tendo exercido actividade perigosa nem praticado qualquer facto nesse âmbito, não lhe sendo aplicável, em consequência, o disposto no artigo 493º, nº 1, do CC, nem a presunção de culpa ali prevista, tendo sido violada, pela douta sentença recorrida, a citada norma legal.
14ª Não sendo a ora recorrente responsável pelos danos, não pode ser solidariamente condenada com as rés, ao abrigo do disposto no invocado artigo 497º, nº 1, do CC, tendo sido também violado pela douta sentença recorrida tal preceito legal.
15ª Deverá a presente apelação ser julgada procedente, revogando-se a douta sentença recorrida na parte em que condenou a ora recorrente, absolvendo-a integralmente do pedido, interpretando-se e aplicando-se as normas legais indicadas no sentido de não serem aplicáveis à conduta da recorrente, constituindo tal violação e errada interpretação e aplicação, já expostas, os fundamentos do presente recurso…”.
*
A Ré Y, Empresa de Demolições, Lda. veio ainda apresentar contra-alegações (ao recurso interposto pelas AA.), onde pugna pela sua não admissão (questão logo resolvida em sede liminar) e, caso assim não se entenda, pela sua improcedência.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
*
No seguimento desta orientação, os Recorrentes colocam as seguintes questões que importa apreciar:

- quanto ao Recurso interposto pelas AA.:

1. Impugnação da matéria de facto.
2. Saber se, tendo em conta a factualidade dada como provada, a decisão proferida se deve manter.
*
- quanto ao recurso da Ré Y, Empresa de Demolições, Lda.

3. Saber se a sentença recorrida violou o caso julgado formal formado no presente processo quanto à aplicação do regime da intervenção principal provocada e quanto à posição processual da Z, Companhia de Seguros, S.A., pelo que esta deve ser condenada como co-devedora solidária;
*
- Quanto ao recurso da Interveniente Principal VA. & Filhos, S. A.

4. Saber se não se pode aplicar à Recorrente a presunção de culpa estabelecida no art. 493º, nº 2 do CC, uma vez que a mesma foi mera intermediária no que aos trabalhos de desmonte com recurso a explosivos releva - que não foram por ela executados, mas sim pela Ré Y, subcontratada da recorrente - não tendo sido ela quem, por facto próprio, causou os danos sofridos pelas AA..

A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

“Da discussão da causa, com interesse para a boa decisão desta, resultaram provados os seguintes factos:

1.º - Em (...) freguesia deste concelho e comarca, existe o prédio urbano destinado a loja de animais e palheiro, composto de rés-do-chão com duas divisões e primeiro andar com uma divisão, sito no lugar de (...), a confrontar, de norte, com F. S., sul, com caminho, nascente, com B. F. e, poente, com A. B., com a área coberta de 200 metros quadrados, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...), sob o artigo 1692.
2.º - Tal prédio foi de um tal M. R., já falecido, que da Autora Maria foi tio.
3.º - Por mais de trinta, quarenta e cinquenta anos, foi o dito M. R. usou o dito prédio para nele guardar os seus animais, o que fazia no rés-do-chão, e os fenos e palhas, o que fazia no primeiro andar, dando-lhe, pois, o uso normal que qualquer proprietário dá a um prédio de igual natureza, sempre à vista de toda a gente, vizinhos e outros, sem oposição de ninguém e ciente de exercer um direito que a ele e só a ele competia.
4.º - O dito M. R. já faleceu.
5.º - E Por testamento instituiu como sua única e universal herdeira a Autora Maria.
6.º - Após a morte do dito M. R., é a Autora Maria quem sobre o dito prédio pratica todos os actos que anteriormente praticava o dito M. R..
7.º - Nomeadamente, pagando os inerentes impostos.
8.º - A Autora Maria é dona do referido prédio.
9.º - A Autora Maria é mãe da Autora S. P. e viúva de J. J., sendo a segunda Autora também filha deste e, ambas, suas únicas e universais herdeiras.
10.º - Em (...), freguesia deste concelho e comarca, existe o prédio urbano, que se destina a habitação, constituído por rés-do-chão com uma divisão, cozinha, casa de banho e garagem e primeiro andar com seis assoalhadas, cozinha, casa de banho e terraço, sendo ainda servido por um logradouro, a confrontar de norte com M. B., sul com Caminho Público, nascente com M. B. e poente com Caminho Público, com a área coberta de 204 metros quadrados e um logradouro com a área de 3.000 metros quadrados, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...) sob o artigo 386.
11.º - As Autoras são donas do prédio identificado em 10.º, por efeito da partilha da herança do, respectivamente, marido e pai, J. J., no âmbito do Inventário que correu seus termos na primeira secção do Tribunal Judicial de Bragança sob o n.º 2/92.
12.º - Nestes autos, o referido prédio foi relacionado sob a verba n.º 7 e adjudicado às Autoras, na proporção de 3/4, para a primeira, e 1/4, para a segunda.
13.º - O casal formado pela Autora Maria e J. J., por mais de quinze e vinte anos habitou no referido prédio, nele confeccionou e tomou as suas refeições, nele pernoitou, quando se encontrava em (...), em gozo de férias, dado serem emigrantes, dando-lhe, assim, o uso normal que qualquer proprietário dá a um prédio de igual natureza.
14.º - Sempre à vista de todos os habitantes de (...) de forma pública, sem que ninguém, nunca, se lhes opusesse, sem qualquer interrupção, durante aquele período de tempo.
15.º - Convencidos e cientes de estarem a exercer um direito próprio e sem que molestassem os interesses ou direitos de quem quer que fosse.
16.º - De então para cá, há mais de 15, 16, 17 e 18 anos são as Autoras que detêm e fruem o dito prédio.
17.º - Habitam-no, nele confeccionam e tomam refeições, nele dormem, nele recebem a sua correspondência e amigos, enfim nele praticam todos os actos apenas permitidos aos proprietários.
18.º - Nas imediações do prédio identificado em 10.º, possuem as Autoras várias dependências, todas elas de apoio ao mesmo e à actividade agrícola que a primeira Autora desenvolve.
19.º - Nomeadamente, existe um estábulo para animais e, junto a este, um pequeno anexo destinado a galinheiro, um armazém agrícola destinado ao arrumo e guarda de máquinas e alfaias agrícolas, uma casa das máquinas, um anexo com dois pisos, sendo o rés-do-chão destinado a garagem e o primeiro andar a cozinha/salão, e uma casota para abrigo dos cães.
19.º - A Ré X - Construções A. C. E. (X - Construções A. C. E. X - Construções A. C. E.) levou a efeito as obras de construção da auto-estrada, no troço que passa na freguesia de (...). E,
20.º - Nas quais a Ré Y Empresa de Demolições, Lda. utilizou várias cargas explosivas.
21.º - No rebentamento das ditas cargas explosivas, foram provocadas projecções de pedras, bem como o estremecimento das construções existentes nas imediações. Ora,
22.º - A Autora, em carta que o advogado da Autora lhe fez chegar por correio registado, solicitou à Ré X – Construções, A. C. E. a reparação de danos da derrocada do prédio identificado em 1.º, reclamando o pagamento da quantia de € 7 300, 00, acrescida de IVA à taxa legal, quantia em que se incluía também a reparação dos danos sofridos pelo prédio vizinho.
23.º - Carta que a Ré ignorou.
24.º - Após a derrocada do prédio, referida em 22.º, o soalho e escadas que ligam o rés-do-chão ao primeiro andar, que são de madeira, não resistiram.
25.º - Neste momento estão, um e outras, apodrecidos, tendo que ser substituídos.
26.º - A substituição das madeiras do soalho e escadas, bem como a mão-de-obra, custará quantia não concretamente apurada
27.º - O prédio identificado em 10.º e as construções referidas em 19.º apresentam:
1 - Fissuras do revestimento do muro da entrada principal;
2 - Fissuras do revestimento exterior do anexo;
3 - Fissuras do revestimento interior da laje do tecto do anexo;
4 - Uma fissura do revestimento interior da laje do chão do anexo;
5 - Fissuras do revestimento interior das paredes do anexo;
6 - Fissuras do revestimento interior do tecto da cozinha/salão do anexo;
7 - Fissuras no revestimento exterior do edifício destinado a habitação;
8 - Fissuras do revestimento exterior da laje do telhado do edifício destinado a habitação;
9 - Fissuras do revestimento interior dos mosaicos da cozinha e moldura de gesso;
10 - Fissuras do tecto do WC;
11 - Uma fissura no tecto de um quarto;
12 - Uma fissura do revestimento interior do tecto do wc privativo de um quarto;
13 - Fissuras e mossas no mosaico hidráulico dos passeios e escadas exteriores, tubo de queda e lancis envolventes da habitação;
14 - Fissuras nas paredes, quebra das lajetas de granito e tijolos refractários da churrasqueira;
15 - Fissuras das paredes da casa das máquinas;
16 - Telhado da casota do cão partido;
17 - Telhas partidas no telhado do armazém;
18 - Fissuras nos alçados laterais do armazém;
19 - Fissuras nas paredes e diversas picadas na cobertura do estábulo;
20 - Rede do galinheiro danificada, com furos.
28.º - Os danos referidos em 27.º - 16, 17, 19 e 20, foram causados pela utilização das cargas explosivas referidas em 20.º.
29.º - Para reparação dos danos referidos em 27.º e 28.º, as Autoras têm necessidade de gastar quantia não concretamente apurada.
30.º - As Autoras tiveram necessidade de recorrer aos serviços de técnico especializado para apuramento dos danos, verificados no seu prédio e demais instalações, metodologias de reparação e orçamento.
31.º - Pela sua elaboração pagaram a quantia de € 1.230, 00.
32.º - A Ré Y procedeu a trabalhos de desmonte de rocha com recurso a explosivos no lote 10 da AE Transmontana, no período compreendido entre 30 de Junho de 2010 e 22 de Junho de 2011.
33.º - No local assinalado na fotografia aérea retirada do Google, em que a zona de intervenção da Ré Y vem assinalada por um risco amarelo com a legenda “zona de intervenção Y” e a localização da casa das Autoras vem assinalada sob a legenda “casa da queixosa zona de medição Maria 111 metros”.
34.º - As operações de utilização de explosivos na obra foram estudadas, planeadas, controladas e monitorizadas.
35.º - Tal controlo e monitorização foram efectuados através de um sismógrafo, calibrado, de marca Vibracord Plus, com o n.º de série 0154.
36.º - As cargas explosivas efectuadas pela Ré Y, no lote 10, no período compreendido entre 30 de Junho de 2010 e 22 de Junho de 2011, constam do respectivo registo de vibrações.
37.º - A intensidade das vibrações causadas pelas explosões corresponde à coluna daquele documento que tem por título “velocidade mm/s”.
38.º - E o valor das vibrações foi registado pelo sismógrafo, através dos informes de registo sismográfico fornecidos por este.
39.º - De tais informes constam dois valores de vibração para cada registo, sendo um, o valor medido no pico da vibração e o outro, o valor obtido em função do tempo de vibração.
40.º - A Ré Y optou por registar o valor mais alto de vibração, que é o resultante do pico de vibração.
41.º - O sismógrafo foi colocado junto à casa das Autoras, junto ao “lavadouro”, e ainda junto à casa do “Sr. S.”.
42.º - Por se tratar das construções mais perto da zona de intervenção da Ré, e por essa razão mais susceptíveis de nelas serem causados danos.
43.º - A construção das Autoras é corrente e está fundada em “rochas e solos coerentes rijos”.
44.º - Na obra e local referidos nunca foram dadas mais do que três pegas de fogo diárias.
45.º - A velocidade máxima da vibração registada junto à casa das Autoras, durante o período de execução das obras, foi de 11,10 mm/s, valor que só se registou uma única vez.
46.º - A Ré X - Construções A. C. E., através do Contrato de Projecto e Construção celebrado com a Subconcessionária W – Subconcessionária Transmontana, S. A. é a entidade responsável pelo trabalho de concepção, construção e aumento do número de vias dos lanços de auto-estrada identificados como A4/IP4 – Vila Real (Parada de Cunhos) / Nó com a A24/ IP3, A4/IP4 – Nó de Bragança Poente / Nó de Bragança Nascente, A4/IP4 – Nó com a A24/ IP3 / Nó de Vila Real Nascente, A4/IP4 – Nó de Bragança Nascente / Quintanilha, A4/ IP4 – Nó de Vila Real Nascente / Nó de Bragança Poente, e os trabalhos de reabilitação dos lanços identificados como IP4 – Amarante, IP4 – Variante a Bragança, e IP4 – Ponte de Quintanilha e acessos, todos a integrar a denominada “Subconcessão da Auto-Estrada Transmontana”.
47.º - No âmbito da sua actividade, a Ré X – Construções, A. C. E. adjudicou à VA. & Filhos, S. A. o contrato de subempreitada para a execução dos trabalhos de terraplanagem no lote 10 (do PK 0+000 ao PK 4+750), da área de produção 3, da subconcessão da Auto-Estrada Transmontana, que incluíam o desmonte de rocha com recurso a explosivo.
48.º - O n.º 1 da cláusula 31.ª do contrato de subempreitada referido em 51.º estipula que “O Subempreiteiro responderá por quaisquer prejuízos causados a quaisquer pessoas, materiais ou bens, no exercício das actividades que constituem objecto do presente Contrato, emergentes de culpa ou risco, e deverá isentar de responsabilidade e indemnizar o X – Construções, A. C. E. de todos os prejuízos que para este possam resultar, directa ou indirectamente, do desenvolvimento dos trabalhos, na medida em que o Subempreiteiro seja responsável pelos mesmos, e de todas as reclamações, procedimentos, danos custos, encargos e despesas de qualquer natureza relacionadas com o disposto neste número”.
49.º - E o n.º 2 da mesma cláusula 31.ª estipula que “O Subempreiteiro responderá, ainda, nos termos em que o comitente responde pelos actos do comissário, pelos prejuízos da mesma natureza causados por terceiros por si contratados para a execução dos trabalhos compreendidos neste Contrato”.
50.º - A cláusula 5.ª estipula que “1. O X reserva-se o direito de fiscalizar, por si ou através de entidade terceira (o “Representante do X”) todos os trabalhos e verificar o cumprimento do presente Contrato. 2 A existência de fiscalização não exclui nem diminui a responsabilidade do Subempreiteiro, único responsável pela perfeita execução das obras e serviços, fornecimento de materiais e equipamentos. 3. No âmbito das suas competências, o representante do X dispõe de podres bastantes e encontra-se devidamente habilitado para tomar decisões, dar instruções e resolver todas as questões que lhe sejam colocadas pelo Subempreiteiro para os efeitos do normal prosseguimento dos trabalhos”.
51.º - A Ré VA. & Filhos, S. A. subcontratou a Ré Y – Empresa de Demolições, S. A. para a realização dos trabalhos de desmonte com recurso a explosivos.
52.º - A Ré Y havia transferido para a ré Z, Companhia de Seguros, S. A. Z a sua responsabilidade por danos causados a terceiros no exercício da sua actividade, nomeadamente com a utilização de explosivos, até ao limite máximo de € 1 250 000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros) de indemnização por sinistro e anuidade, com a franquia de € 1 000, 00 (mil euros), pela apólice de responsabilidade civil n.º ....
*
B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
*
I- Da Impugnação da matéria de facto
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Comecemos por apreciar a questão da pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelas Recorrentes.

Nesta sede, e antes do próprio objecto da impugnação de facto, cumpre tecer algumas considerações prévias, em ordem a evitar quaisquer equívocos quanto a esta matéria, e quanto à actividade jurisdicional que é suposto ser levada a cabo por este Tribunal Superior.

Explicitando.

Nesta sede da Impugnação da matéria de facto, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»

Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que :

a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes (1), “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.

Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.

Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.»

Destarte, importa referir que, em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.

De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.

Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes (2), esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»

Tem sido esse o entendimento constante da Jurisprudência do STJ, conforme decorre das seguintes considerações efectuadas no seu recente Acórdão de 27.10.2016 (3):

Estabelece o art. 639º, nº 1, do CPC: “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação de decisão.”

As conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objecto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem. Por conseguinte, as conclusões terão que conter a indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).
Este Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.

Vejam-se, entre outros, os seguintes arestos deste Supremo Tribunal:
*
Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social (Ana Luísa Geraldes):

I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)
*
Ac. STJ de 11.02.2016, proc. 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Mário Belo Morgado):

I. Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.
II. Se, para além disso, se retira das conclusões, inequivocamente, o sentido que a Recorrente entende dever retirar-se das provas invocadas e analisadas no corpo alegatório, não há fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação.
(…)
*
Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1 (Pinto de Almeida):

(…)
II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.
III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).
IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
(…)
*
Ac. STJ de 4.03.2015, proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2 (Leones Dantas):

I- As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código.
II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações.
III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
*
Ac. STJ de 26.11.2015, proc. 291/12.4TTLRA.C1.S1 (Leones Dantas):

(…)
III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados.
*
Ac. STJ de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima):

(…)
II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.
IV- Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados e que se pretende ver modificados.
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Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes):

“I. No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
(…)

Debruçando-se sobre os requisitos das conclusões na perspectiva do cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, refere Abrantes Geraldes:

“A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.

Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
*
Aqui chegados, importa, pois, verificar se as Recorrentes, na (tentativa de) Impugnar a matéria de facto, cumpriram este ónus que sobre si recaía, nomeadamente, quanto à indicação concreta dos pontos da decisão da matéria de facto que entenderiam que foram erradamente julgados pelo Tribunal Recorrido (impondo o Legislador, como se referiu, que tal indicação tivesse sido concretizada nas Conclusões apresentadas).

Ora, compulsada a peça processual apresentada é patente que as Recorrentes não cumpriram os aludidos ónus processuais porque não indicaram os concretos pontos da matéria de facto provada e não provada (constantes da fundamentação da decisão recorrida) que considerariam constituir um erro de julgamento, e, na sequência, qual a decisão alternativa que devia ter sido proferida sobre esses pontos.

Senão vejamos.

Compulsada cada uma das conclusões apresentadas pelas Recorrentes, constata-se, de uma forma evidente, que não consta de qualquer uma delas qualquer referência aos pontos da matéria de facto que as Recorrentes pretenderiam Impugnar.

Na verdade, teriam as Recorrente que indicar, em concreto (e nas Conclusões), se:

- um qualquer dos pontos da matéria de facto provada (1º a 52º) estaria incorrectamente julgado e, na sequência, referir a decisão alternativa que propugnavam.
- além disso, pretendendo impugnar a matéria de facto julgada como não provada e que não resultasse das “respostas” restritivas dadas à matéria de facto alegada, teriam as Recorrentes que indicar o concreto ponto da matéria de facto alegada, por referência ao respectivo articulado, que consideravam que mereceria ser considerada como provada (4).

Vejamos o que se pretende dizer com um exemplo concreto que nos parece poderá evidenciar de uma forma clara o ónus que incumbia às Recorrentes:

Parece resultar das alegações que as Recorrentes entenderiam que deveria ter sido considerado como provado que todos os danos que surgiram na casa de habitação tiveram origem nos rebentamentos levados a cabo pelas Rés, e não só aqueles que ficaram mencionados na matéria de facto provada (5).

No fundo, é esta a alegação genérica das Recorrentes, alegação que não se mostra concretizada com a Impugnação de qualquer ponto da matéria de facto, ou seja, contrariamente àquilo que o legislador impõe, as Recorrentes “não especificam nas conclusões (nem nas alegações) os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados”.
Ora, a verdade é que o legislador impõe este ónus de especificação aos recorrentes no sentido de circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto.
E se as Recorrentes não cumprem esse ónus, não só o Tribunal, como também as próprias partes contrárias ficam impossibilitados de se pronunciar sobre a pretendida impugnação da matéria de facto.

Assim, no caso concreto, para cumprir este ónus, as Recorrentes teriam que ter em atenção o seguinte, evidenciando-se esta exigência processual através de um exemplo concreto demonstrativo da falta de cumprimento do ónus que recaía sobre aquelas.

Como se referiu, as Recorrentes entenderiam que deveria ter sido considerado como provado que todos os danos que surgiram na casa de habitação tiveram origem nos rebentamentos levados a cabo pelas Rés.

Ora, conforme decorre da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal Recorrido “respondeu” de uma forma restritiva a esta matéria de facto, que tinha sido alegada pelas AA. no art.17º da petição inicial (processo apenso), nos artigos 27º e 28º da matéria de facto provada com a seguinte fundamentação: “Sob os artigos 27.º e 28.º, resultou parcialmente provada a matéria alegada no artigo 17.º da petição apresentada no processo apenso, ou seja: o prédio e as construções em causa apresentam os danos (fissuras, mossas, furos, etc.) identificados por efeito da realização da inspecção judicial (cfr. auto de 2017-06-29, referência 204744239), mas, exceptuando o “telhado da casota do cão partido, as diversas telhas partidas no telhado do armazém, as diversas picadas na cobertura do estábulo e a rede do galinheiro danificada com quatro furos”, cuja reparação a Ré Y se propôs realizar (cfr. fls. 204), não resultou provado o nexo de causalidade entre a utilização das cargas explosivas e os identificados danos…”.

Ora, em face desta decisão restritiva proferida, as Recorrentes se pretendiam impugnar esta factualidade teriam de indicar expressamente que pretendiam impugnar a matéria de facto constante dos pontos 27 e 28 da factualidade provada, discriminando os meios de prova pertinentes que impunham a alteração da mesma, concluindo com a indicação da decisão que devia ter sido proferida, ou seja: concluindo que os pontos referidos deviam passar a ter uma determinada redacção (que não indicam).

Ora, compulsado o recurso apresentado constata-se que as Recorrentes nesta concreta impugnação - e em qualquer uma das outras Impugnações da factualidade que pretenderiam deduzir - não efectuam esta concretização dos pontos da matéria de facto que pretenderiam alterar.

Como se referiu, esta indicação, tal como resulta do exemplo referido, na maior parte dos casos, poderia ser efectuada com referência à matéria de facto considerada como provada, defendendo-se que a “resposta restritiva”, dada a determinado ponto da matéria de facto alegada, devia ser alterada no sentido de ser dada como provada toda a matéria de facto que pertinentemente havia sido alegada.

Noutros casos, se tal não pudesse ser efectuado, teriam as Recorrentes que indicar que a matéria de facto alegada em determinado item dos articulados – que não se mostrava mencionada na decisão sobre a matéria de facto provada proferida pelo Tribunal Recorrido – devia ser considerada como provada.

Além disso, e como resulta do que se acaba de expor, teriam as Recorrentes de concluir a sua exposição com a indicação, para cada um dos pontos da matéria de facto que pretenderiam impugnar, da decisão que devia ter sido proferida pelo Tribunal Recorrido.
Ora, é patente que as Recorrentes, nas Conclusões que apresentaram (e já agora nas alegações que antecedem aquelas), não cumprem estes ónus processuais de Impugnação que inequivocamente sobre si recaíam.

Conforme se disse atrás, é pacífico, em termos Doutrinais e Jurisprudenciais, que as conclusões são o elemento definidor do objecto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem.

Por conseguinte, as conclusões terão que conter a indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).

Como aí se referiu, o Supremo Tribunal de Justiça já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.

São, assim, dois os ónus que, em sede das conclusões do Recurso, impendem sobre o Recorrente que pretende Impugnar a matéria de facto.

O primeiro ónus é constituído pela indicação dos pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo Tribunal de Recurso.

O segundo ónus é constituído pela indicação da decisão alternativa que se pretende que o Tribunal de Recurso adopte.

Ora, é patente e manifesto que as Recorrentes não cumpriram aqueles ónus, ao não indicarem nas conclusões do Recurso, qual era a matéria de facto (provada e não provada) que pretendiam, de uma forma especificada, impugnar.

Nessa medida, tem que se entender que as Recorrentes, ao não cumprirem esses ónus, acabaram por não circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto nos termos exigidos pelo legislador.
O não cumprimento destes ónus (impostos pelas citadas als. a) e c), do nº 1, do art. 640º, do CPC) tem consequência legal a rejeição da Impugnação na parte correspondente.
*
Aqui chegados, torna-se evidente que, não tendo (toda) a matéria de facto julgada pelo Tribunal Recorrido sido concretamente impugnada pelas Recorrentes - pois que, como se explanou, estas não cumpriram os ónus atrás mencionados - e estando o Tribunal de Recurso impedido de se pronunciar sobre concretos pontos da matéria de facto que não tenham sido concretamente impugnados pelas Recorrentes, a Impugnação genérica apresentada não cumpre os requisitos legais que lhe permitiriam ser admitida.

Com efeito, como já se referiu, é essa a Jurisprudência constante do STJ, conforme resulta dos citados Acórdãos:

- “Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação” -Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, (Ana Luísa Geraldes)
- “Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados”.- Ac. STJ de 4.03.2015, proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2 (Leones Dantas);
- Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados e que se pretende ver modificados.- Ac. STJ de 3.12.2015, proc. 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima):

É essa também a opinião de Abrantes Geraldes que, como já se referiu, defende inequivocamente que a falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e a falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, tem como consequência a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto.
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É essa também a Jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça (com excepção dos acórdãos que mais à frente se citarão):

- ac. do STJ de 12.3.2018 (relator: Tomé Gomes)

“(…) II- A natureza e estrutura da decisão de facto, bem como a economia da sua sindicância pelo tribunal ad quem, justificam o ónus, por banda do impugnante, de delimitar com precisão o objecto do recurso e o sentido da pretensão recursória nesse particular.
III. Assim, os requisitos formais de admissibilidade da impugnação da decisão de facto, mormente os constantes do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPC, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objecto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso.
IV. No caso em que o apelante especificou, mediante transcrição, cada um dos pontos de facto dados por provados e por não provados que pretendia impugnar, fazendo-o com meridiana clareza sob determinados pontos do corpo das alegações, pontos estes depois expressamente indicados nas respectivas conclusões e até indicando, na maior parte delas, os próprios pontos de facto impugnados constantes da sentença, tem-se por observado o ónus impugnativo prescrito no artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
V. No caso em que o apelante, sob cada ponto/número do corpo das alegações em que impugnou especificadamente os pontos de facto em causa, formulou ali, de forma concisa e destacada, o sentido da decisão pretendida relativamente a cada ponto de facto impugnado, remetendo depois, em sede de cada uma das conclusões, para aqueles pontos/números do corpo das alegações, tem-se também por observado o ónus impugnativo exigido pelo artigo 640.º, n.º 1, alínea c), do CPC”.
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Ac. do STJ 15.2.2018 (relator: Tomé Gomes)

“I. A razão de ser do requisito de impugnação estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC tem em vista o delineamento, por parte do recorrente, do campo de análise probatória sobre o teor dos depoimentos convocados de modo a proporcionar, em primeira linha, o exercício esclarecido do contraditório, por banda do recorrido, e a servir de base ao empreendimento analítico do tribunal de recurso, sem prejuízo da indagação oficiosa que a este tribunal é legalmente conferida, em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 640.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, e 662.º, n.º 1, do mesmo Código.
II. Complementarmente, tal exigência constitui um factor de concentração da argumentação probatória do recorrente, numa base substancial, sobre a caracterização do erro de facto invocado, refreando, por outro lado, eventuais tendências para meras considerações de natureza generalizante e especulativa.
III. Todavia, o nível de exigência na exactidão das passagens das gravações não se pode alhear da metodologia ou do modo concreto como os depoimentos foram prestados e colhidos em audiência.
IV. Assim, à luz dessas coordenadas, impõe-se aferir a medida de proporcionalidade adequada à exactidão das passagens das gravações a que se refere o normativo em foco.
V. Nessa conformidade, a decisão de rejeição do recurso com tal fundamento não se deve cingir a considerações teoréticas ou conceituais, de mera exegética do texto legal e dos seus princípios informadores, mas contemplar também uma ponderação do critério legal nas circunstâncias e modo como os depoimentos foram prestados e colhidos, bem como face ao grau de dificuldade que a indicação das passagens da gravação efectuada acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso.
VI. No caso em que vem impugnado apenas um juízo probatório negativo, convocando-se diversos depoimentos prestados nessa sede com argumentação crítica sobre a valoração feita pela 1.ª instância e questionamento da credibilidade dada às testemunhas da A. em detrimento das da R., complementada ainda pela transcrição desses depoimentos com indicação do dia da sessão de julgamento em que foram prestados, do ficheiro de que consta a respectiva gravação e das horas e tempo de duração, tal como ficou consignado em ata, tem-se por observado o nível de exactidão suficiente do teor dessas gravações susceptíveis de relevar para a apreciação do caso, à luz do preceituado no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
VII. De resto, a forma como os depoimentos foram prestados e colhidos naquelas gravações, bem como a latitude da impugnação deduzida, versando nomeadamente sobre a credibilidade desses depoimentos, não se afigura de molde a exigir um minucioso parcelamento das respectivas passagens como foi entendido no acórdão recorrido, tanto mais que nem sequer tal forma de impugnação constituiu óbice ao exercício do contraditório por parte da apelada”.
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- ac. do STJ de 16.5.2018 (relator: Ribeiro Cardoso)

“I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objecto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.
II - Por menor exigência formal que se adopte relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objecto do recurso.
III - Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte”.
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- ac. do STJ de 6.6.2018 (relator: Ferreira Pinto)

“I. São as conclusões que delimitam o objecto do recurso, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de questão que delas não conste.
II. Se o recorrente, ao explanar e ao desenvolver os fundamentos da sua alegação, impugnar a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, pugnando pela sua alteração/modificação, mas omitindo nas conclusões qualquer referência a essa decisão e a essa impugnação, essa questão não faz parte do objecto do recurso”.
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- ac. do STJ 12.7.2018 (relator: Ferreira Pinto)

“I) Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
II) O apelante que inclui nas conclusões do seu recurso os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, que insere a decisão que pretende seja proferida sobre esses mesmos factos, que nelas remete para a alegação a indicação dos meios de prova, nomeadamente, dos depoimentos gravados que determinam, segundo o mesmo, uma decisão diversa da impugnada, e fazendo aí a transcrição dos trechos da gravação considerados relevantes para a impugnação, e fazendo a sua delimitação, cumpre todos os ónus estabelecidos no artigo 640º, n.ºs 1, alíneas a) a c), e 2, alínea a), do CPC”
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-ac. do STJ de 18.9.2018 (relator: José Rainho)

“ (…) II - A indicação com exactidão das passagens da gravação em que o recorrente funda o seu recurso (al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC) tem o seguinte significado: indicação do segmento da gravação onde está contida a informação que o recorrente entende apoiar o seu ponto de vista. Assim, a simples indicação do momento do início e do fim da gravação de um certo depoimento não cumpre a exigência legal”.
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Ac. do STJ de 5.9.2018 (relator: Gonçalves Rocha)

“I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos de factos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”.
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- ac. do STJ 27.9.2018 (relator: Sousa Lameira)

“I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso.
II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.
III - Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º”, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto.
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- ac. do STJ de 31.10.2018 (relator: Chambel Mourisco)

“I. Da conjugação do art.º 640.º, n.º 1, alínea a) e c), do Código de Processo Civil, com o disposto no art.º 639.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, resulta que o recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto tem de fazer consignar nas suas conclusões os concretos pontos de facto que pretende impugnar e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida”
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Aqui chegados, pode-se, de uma forma linear, concluir, pois, que as Recorrentes não cumpriram os aludidos ónus de impugnação que se lhes impunham.

Nesta conformidade, julga-se que, atendendo à forma como as Recorrentes deduzem o seu Recurso, nesta parte da Impugnação da matéria de facto, não se mostram cumpridos os requisitos legais da sua admissibilidade (6), e, nessa medida, tem o Recurso de Impugnação da matéria de facto que ser necessariamente rejeitado totalmente com estes fundamentos.
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Aqui chegados, pode-se concluir, de uma forma inequívoca, que, como resulta da peça processual apresentada (nomeadamente, das respectivas conclusões), as Recorrentes, apesar de pretenderem impugnar a decisão sobre a matéria de facto, não deram cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, als. a), e c) do CPC e que anteriormente foram referidos.

Assim, as Recorrentes, pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, limitaram-se a apresentar um recurso genérico que, visando reagir, de uma forma geral, contra a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, não indicam os concretos pontos da matéria de facto que entendem terem sido mal julgados e não indicam qual deveria ter sido o julgamento quanto a essa matéria de facto alegadamente mal decidida.

Nesta conformidade, as Recorrentes, no recurso genérico que deduzem, em última análise, não cumpriram os seguintes ónus da impugnação imperativamente impostos pelo legislador no citado art. 640º do CPC:

- não indicam os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, com enunciação dos mesmos nas conclusões (qual ou quais) dos factos da matéria de facto consideram que foram indevidamente julgados;
-nessa sequência, não especificam para cada um dos factos (já que não os indicam) os meios de prova que, em seu entender, determinariam uma decisão diversa quanto a cada um dos pretendidos factos impugnados (que não se sabe quais são…);
-finalmente, não indicam no recurso genérico que apresentam qual a decisão que, no seu entender, devia ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas (desde logo, porque as não indicam).

Não há dúvidas, assim, que as Recorrentes não cumprem no Recurso interposto, os ónus que o Legislador estabeleceu no art. 640º do CPC, no sentido de evitar que fossem admitidos recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto- para evitar, justamente, Recursos como aquele que as Recorrentes deduziram.

Como se referiu em cima, estes vícios relativos à Impugnação da decisão relativa à matéria de facto (art. 640º do CPC) não são susceptíveis de serem objecto de um despacho convite no sentido da concretização do Recurso por parte das Recorrentes, já que este tipo de despacho está reservado apenas e só para os recursos sobre matéria de direito (art. 639º, nº3 do CPC).

Aqui chegados, importa concluir estas considerações, retirando as inerentes consequências.

Conforme já se referiu, no art. 640º, n.º 1 do CPC preceitua-se que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Ora, como as Recorrentes manifestamente não cumpriram estes ónus que o Legislador expressamente impôs, não existem dúvidas, no caso concreto, que a Impugnação pretendida da decisão sobre a matéria de facto tem que ser necessariamente rejeitada nos termos do art. 640, nº1 e 2 do CPC- o que se julga.
*
Independentemente destas considerações que nos conduziram às conclusões que aqui afirmamos sem qualquer dúvida (e que encontra apoio na Jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça, conforme decorre da Jurisprudência citada atrás), a verdade é que tem vindo a afirmar-se uma corrente Jurisprudencial, no mesmo Supremo Tribunal de Justiça, que se afirma como menos exigente quanto ao cumprimento dos referidos ónus, referindo que a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada “com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.

nessa medida tem, por exemplo, admitido que:

- “Para efeitos do disposto no art. 639º, nº3, do CPC, o tribunal não deve utilizar um critério estritamente quantitativo, mas um critério funcionalmente adequado, que tenha em conta – perante a complexidade real do litígio e as questões suscitadas pelo recorrente – o preenchimento ou não preenchimento da função processual cometida à figura das conclusões da alegação de recurso”- ac.do STJ 8.2.2018 (relator: Maria do Rosário Morgado).
- “… retirando-se da leitura das alegações, ainda que de forma menos clara, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação referida em III, o ónus de impugnação previsto no art. 640.º do CPC” – ac. do STJ de 8.2.2018 (relator: Maria Graça Trigo), in Dgsi.pt
- “… o cumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil não pode «redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação”. Tendo a recorrente indicado os factos provados que considerava incorrectamente julgados, sustentando que é manifesto o erro na sua apreciação e que houve erro na resposta dada a esses pontos da base instrutória, concluindo, depois, que «dos depoimentos prestados em audiência de julgamento e da restante prova constante dos autos impõe-se uma decisão diversa da proferida relativamente aos mesmos», tal só pode significar que requereu a reapreciação da decisão da matéria de facto sobre os pontos indicados, no sentido de ser substituída a decisão de «provado» por «não provado», tal como decorre do corpo da pertinente alegação de recurso (ac. do STJ de 6.6.2018 – relator: Pinto Hespanhol).
-“É dado indiscutível que nas conclusões das alegações a Recorrente não faz referência específica à circunstância de se encontrar a impugnar factualidade não provada.

Todavia, importa ponderar se o teor dos factos que pretendia impugnar, a natureza da sua pretensão… bem como a forma e o teor das referências feitas a tal propósito no corpo das alegações, permitem (ou não) deixar margem para dúvidas quanto ao objecto da decisão de facto impugnada – ac. do STJ de 13.11.2018 (relator: Graça Amaral), proferido no processo 3396/14 (ainda não publicado).
Como decorre do exposto, e salvo o devido respeito, não subscrevemos esta Jurisprudência - em tudo o que extravase uma absolutamente óbvia pretensão dos Recorrentes -, pois que se julga que o legislador é bem claro quando indica quais são os ónus que recaem sobre os Recorrentes, nesta sede de Impugnação da matéria de facto, não se justificando minimamente que o incumprimento das referidas regras processuais possa ser ultrapassado por considerações de “razoabilidade”.

Na verdade, o legislador impôs aqueles ónus aos Recorrentes por razões inteligibilidade do objecto do Recurso e para evitar que a Impugnação da matéria de facto consubstanciasse uma mera afirmação vaga e genérica de insatisfação das partes perante o julgamento de facto efectuado pelo Tribunal Recorrido.

Com efeito, como se refere no ac. do STJ de 12.3.2018 (relator: Tomé Gomes) “os requisitos formais de admissibilidade da impugnação da decisão de facto, mormente os constantes do artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c), do CPC, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objecto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso”.

Ao admitir a dispensa do cumprimento das referidas normas processuais - para além das já referidas pontuais situações, em que só por manifesto lapso o Recorrente não se reiterou nas conclusões algo já devidamente discriminado no prévio corpo das alegações -, a citada Jurisprudência, no fundo, o que exige é que o Tribunal de Recurso efectue a delimitação do objecto da Impugnação da matéria de facto, tarefa que manifestamente o legislador não lhe pretendeu atribuir, mas sim às próprias partes.

Estas regras processuais não podem, assim, ser entendidas como dispensáveis ou menores, apelando-se a argumentos de mera razoabilidade, permitindo-se que os Recorrentes as infrinjam, de uma forma directa, e imputando ao Tribunal de Recurso a árdua tarefa de “procurar”, na peça processual apresentada, quais são, afinal, os pontos da matéria de facto que os Recorrentes pretendem impugnar; e com o risco, aliás, de, na ausência de especificação concreta dos pontos da matéria de facto, entender que determinados pontos da matéria de facto teriam sido impugnados, mas de uma forma que não correspondia à vontade daqueles, violando, além do mais, o princípio do contraditório, pois que sobre eles a parte contrária não se chegou a pronunciar, por não ter logrado entender quais eram os pontos da matéria de facto que estariam em causa.
Como se referiu, é aos Recorrentes que o Legislador inequivocamente atribui essa tarefa de delimitação do objecto da Impugnação da matéria de facto, sendo bem explícito e concreto quando estabelece esses ónus processuais no art. 640º do CPC- que, aliás, não são difíceis de cumprir.

No entanto, perante a possibilidade de tal ser o entendimento que venha a ser assumido em sede de eventual Recurso de Revista, não nos coibimos de, nos presentes autos, tentar apreender qual será o objecto da Impugnação da matéria de facto pretendido pelas Recorrentes- apesar de estas não terem cumprido os aludido ónus de impugnação.

Para tanto, temos que nos socorrer do teor das alegações produzidas e das indicações que as Recorrentes referem (de uma forma vaga e genérica) nas conclusões (seguindo os critérios apontados por aquela corrente Jurisprudencial atrás mencionada).

Ora, apesar de não indicarem os pontos das matéria de facto que pretendem impugnar, as Recorrentes, tanto quanto parece decorrer da sua peça processual, pretendem deduzir a sua Impugnação contra a factualidade (que não indicam) que contenderá com o nexo de causalidade entre os factos dados como provados imputados às Rés e os alegados danos produzidos nos prédios identificados nos pontos 1 e 10 da matéria de facto provada.

Admite-se que tal delimitação do objecto da Impugnação da matéria de facto possa ser retirada das seguintes conclusões:

“Terceira - O tribunal a quo, não deu como provado o nexo de causalidade entre o facto danoso e a derrocada do palheiro pertencente à autora Maria.
Quarta – Igualmente não deu como provado o nexo de causalidade entre o facto danoso e os danos verificados nos prédios das autoras, casa de habitação, garagem, armazém e estábulo;
Trigésima primeira – Atenta toda a prova carreada para os autos, não restava ao julgador outro caminho senão o de dar como assentes que os danos verificados nos prédios das autoras tiveram origem nas vibrações causadas pelos rebentamentos.
Trigésima terceira – Foi feita prova suficiente para que o tribunal desse como provado o nexo de causalidade entre o dano e o facto que o causou”.

Além disso, admite-se tal possa ainda ser encontrada (?) no ponto 7 das alegações, quando aí se afirma que:

“7. O tribunal não deu como provado que a reparação do prédio de que aí se trata, palheiro, custasse 7.500,00€ e que por não ter sido reparado em devido tempo, factos provados 24 e 25, conforme aliás a autora exigiu por carta enviada à ré X, e por esta ignorada, factos provados 22, 23, custe agora mais 5.000,00€”.
(alegação que depois não encontra correspondência em qualquer uma das conclusões)
*
Ora, fazendo um esforço interpretativo – que não nos era exigível – afigura-se-nos que, em face destas indicações, o objecto da Impugnação da matéria de facto coincidirá (?):

-com a matéria de facto alegada nos itens 11 a 21 da petição inicial (do processo apenso) concretizada a fls. 313 (na sequência despacho convite formulado na Audiência prévia) quanto ao palheiro do prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto provado (item 12 da petição inicial corrigida), na parte em que o Tribunal respondeu de uma forma restritiva a essa matéria de facto nos pontos 24 a 26 da decisão da matéria de facto.
- e com os pontos 27 a 29 da matéria de facto dada como provada, na parte em que respondeu de um forma restritiva à matéria de facto que havia sido alegada pelas AA. no item 17 a 19 da petição inicial do processo.

Nessa sequência, pretenderão as Recorrentes – apesar de não o referirem expressamente – que, considerando-se provados esses factos alegados, a matéria de facto seja alterada no seguinte sentido:

Ponto 21-B da matéria de facto provado: Na sequência dos factos referidos no ponto anterior (rebentamento das ditas cargas explosivas, foram provocadas projecções de pedras, bem como o estremecimento das construções existentes nas imediações) o palheiro ruiu;
Ponto 26-B da matéria de facto provada: A reparação do prédio referido no ponto 1, palheiro custa 7.500 € e por não ter sido reparado em devido tempo, custa agora mais 5.000 €; (cfr. ponto 7 das alegações);
*
Ponto 27 da matéria de facto provada:

O prédio identificado em 10.º e as construções referidas em 19.º, apresentam:
- Fissuras do revestimento do muro da entrada principal;
- Fissuras do revestimento exterior do anexo;
- Fissuras do revestimento interior da laje do tecto do anexo;
- Fissuras do revestimento interior da laje do chão do anexo;
- Fissuras do revestimento interior das paredes do anexo;
- Fissuras do revestimento interior do tecto da cozinha/salão do anexo;
- Inúmeras fissuras no revestimento exterior do edifício destinado a habitação;
- Fissuras do revestimento exterior da laje do telhado do edifício destinado a habitação;
- Fissuras do revestimento interior dos mosaicos da cozinhe e moldura de gesso;
- Fissuras do revestimento interior em mosaico do wc e também do tecto da mesma dependência;
- Fissuras do revestimento interior da parede da sala;
- Fissuras do revestimento da parede e tecto de um quarto;
- Fissuras do revestimento interior do tecto do wc privativo de um quarto;
- Fissuras do revestimento interior do tecto do quarto referido no item anterior;
- Fissuras, mossas e quebras do mosaico hidráulico dos passeios e escadas exteriores, tubo de queda e lancis envolventes da habitação;
- Fissuras nas paredes, quebra das lajetas de granito e tijolos refractários da churrasqueira;
- Fissuras das paredes da casa das máquinas;
- Telhado da casota do cão partido;
- Diversas telhas partidas e outras degradadas no telhado do armazém;
- Diversas fissuras nos alçados laterais do armazém;
- Fissuras nas paredes e diversas picadas na cobertura do estábulo;
- Rede do galinheiro danificada, com diversos furos.
*
28.º - Os danos referidos em 27.º foram causados pela utilização das cargas explosivas referidas em 20.º.
29.º - Para reparação dos danos referidos em 27.º e 28.º, as Autoras têm necessidade de gastar a quantia de 83.610, 38 € quantia a que acrescerá IVA à taxa legal em vigor.
*
Seria esta, pois, a delimitação que as Recorrentes deveriam ter efectuado e não efectuaram.

Aqui chegados, importa, pois, entrar na apreciação da Impugnação da matéria de facto que aqui se acabou de delimitar em termos de objecto - apesar de, mais uma vez o referimos, tal tarefa não incumbir ao presente Tribunal.

Antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pelas Recorrentes, há que esclarecer ainda o âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.

Como é sabido, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (7).

Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (8).

Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (que no caso só ficou determinada pelo presente Tribunal);
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (9).

Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (10), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição (11).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (12).

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (13).

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (14).

Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Finalmente, ainda neste âmbito de apreciação geral (e do princípio da imediação), não se pode negar a relevância da prova pericial realizada (incluindo os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos na Audiência Final, em particular os prestados pelo Sr. Perito indicado pelo tribunal), no sentido de, por essa via fundada em juízos técnico-científicos (e isentos), apurar a realidade existente relativamente aos prédios - mas também, no sentido de se poder apurar a realidade pré-existente aos factos aqui em discussão- tarefa que foi empreendida pelos Srs. Peritos.

Uma última nota geral, ainda para concluir que, conforme resulta do exposto, a alteração da matéria de facto só deve, assim, ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança (15), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
*
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão às Recorrentes, neste segmento de recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto.

Apreciemos então a argumentação das Recorrentes quanto à sua pretensão de alterar a decisão da matéria de facto no que concerne aos pontos 24 a 26 e 27 e 28 da matéria de facto provada, nomeadamente na parte em que aí se respondeu de uma forma restritiva à matéria que havia sido alegada nos itens 11 a 21 da petição inicial (do processo apenso) concretizada a fls. 313 (na sequência despacho convite formulado na Audiência prévia), quanto ao palheiro do prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto provado (item 12 da petição inicial corrigida), e ainda nos itens 17 a 19 da petição inicial do outro processo.
*
Aí ficaram mencionados como matéria de facto provada os seguintes factos:

24.º - Após a derrocada do prédio, referida em 22.º, o soalho e escadas que ligam o rés-do-chão ao primeiro andar, que são de madeira, não resistiram” (não se tendo dado como provado que o palheiro ruiu).
25.º - Neste momento estão, um e outras, apodrecidos, tendo que ser substituídos.
26.º - A substituição das madeiras do soalho e escadas, bem como a mão de obra, custará quantia não concretamente apurada.
*
27.º - O prédio identificado em 10.º e as construções referidas em 19.º, apresentam:
1 - Fissuras do revestimento do muro da entrada principal;
2 - Fissuras do revestimento exterior do anexo;
3 - Fissuras do revestimento interior da laje do tecto do anexo;
4 - Uma fissura do revestimento interior da laje do chão do anexo;
5 - Fissuras do revestimento interior das paredes do anexo;
6 - Fissuras do revestimento interior do tecto da cozinha/salão do anexo;
7 - Fissuras no revestimento exterior do edifício destinado a habitação;
8 - Fissuras do revestimento exterior da laje do telhado do edifício destinado a habitação;
9 - Fissuras do revestimento interior dos mosaicos da cozinha e moldura de gesso;
10 - Fissuras do tecto do WC;
11 - Uma fissura no tecto de um quarto;
12 - Uma fissura do revestimento interior do tecto do wc privativo de um quarto;
13 - Fissuras e mossas no mosaico hidráulico dos passeios e escadas exteriores, tubo de queda e lancis envolventes da habitação;
14 - Fissuras nas paredes, quebra das lajetas de granito e tijolos refractários da churrasqueira;
15 - Fissuras das paredes da casa das máquinas;
16 - Telhado da casota do cão partido;
17 - Telhas partidas no telhado do armazém;
18 - Fissuras nos alçados laterais do armazém;
19 - Fissuras nas paredes e diversas picadas na cobertura do estábulo;
20 - Rede do galinheiro danificada, com furos.
28.º - Os danos referidos em 27.º - 16, 17, 19 e 20, foram causados pela utilização das cargas explosivas referidas em 20.º.” (não se tendo dado como provado que os demais danos tenham sido causados por aquela utilização das cargas explosivas).
29.º - Para reparação dos danos referidos em 27.º e 28.º, as Autoras têm necessidade de gastar quantia não concretamente apurada.
*
As Recorrentes não concordam com estes pontos da matéria de facto, alegando (com pertinência para a impugnação da matéria de facto) o seguinte:

“…Quinta – tal decisão enferma de enorme e absurdo erro de julgamento da matéria de facto.
Sexta - Quem ler a douta sentença ficará com a sensação de que a prova se cingiu ao relatório pericial elaborado por dois engenheiros civis e um geólogo, sendo certo que assim não é.
Sétima – Foi produzida outra prova, nomeadamente testemunhal e documental, e foram ouvidos os referidos peritos em esclarecimentos.
Oitava - Não parece às recorrentes que haja qualquer incongruência nos depoimentos das testemunhas V. C. e A. R., já que quer um quer outro encontram suporte ora em documentos juntos aos autos, documento 90 junto aos autos apensos pela Ré Y, no caso do depoimento da testemunha V. C., quer em outros depoimentos, testemunha Vítor, no caso do depoimento da testemunha A. R..
Nona – O tribunal num exercício de raciocínio de difícil compreensão dá como provado que as projecções de pedras causaram os danos no telhado da casota do cão, na rede do galinheiro e nos telhados do armazém e estábulo, mas não os danos, mossas e fissuras, no mosaico do passeio que circunda a casa de habitação, ou na churrasqueira, sendo certo que tudo é contiguo.
Décima – Do documento junto aos autos pela Ré Y, doc. 90, resulta claro que na casa de habitação existiam apenas fissuras ao nível da cornija num dos alçados e uma fissura no tecto de um WC. Ora,
Undécima – Em inspecção ao local foram verificadas, nesse edifício, 43 fissuras no revestimento exterior do edifício destinado a habitação; 49 fissuras do revestimento exterior da laje do telhado do edifício destinado a habitação; 4 fissuras do revestimento interior dos mosaicos da cozinha e moldura de gesso; 1 fissura no tecto do WC, porquanto no documento em causa foi assinalada uma; 1 fissura do revestimento interior do tecto do WC privativo de um quarto.
Décima segunda – Todas, elas, surgidas entre a data de elaboração do referido documento, 16 de Junho de 2009, e a data de elaboração do documento que as autoras juntaram com a petição inicial no âmbito dos autos apensos como doc. 3 elaborado em 27 de Julho de 2011, seja durante o período de execução das obras onde foram efectuados os rebentamentos. Logo.
Décima terceira – todas elas novas, porquanto a sua existência não constava do referido documento 90.
Décima quarta – quer dos documentos juntos aos autos, quer dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos, quer dos depoimentos das testemunhas ouvidas, ficou meridianamente demonstrado que quer a derrocada do palheiro da autora Maria, quer os danos que surgiram na casa de habitação tiveram origem nos rebentamentos levados a cabo pelas rés no período compreendido entre 30/06/2010 e 22/06/2011.
Décima quinta – quer dos documentos juntos aos autos, quer dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos, quer dos depoimentos das testemunhas ouvidas, ficou igualmente demonstrado que as fissuras que já se verificavam nos prédios das autoras aquando da elaboração do documento junto pela Ré Y, doc 90, se agravaram por via das vibrações causadas pelos rebentamentos levados a cabo pelas rés no período compreendido entre 30/06/2010 e 22/06/2011
Décima sexta – Rebentamentos que, considerando apenas aqueles que a Ré Y identifica como sendo os mais próximos da casa das recorrentes foram no dito período 44. E,
Décima sétima – Em 13 foram detonados mil ou mais de mil quilos de explosivos.
Décima oitava – A única ocorrência que aconteceu no local em causa, capaz de fazer surgir os danos que se verificam nos prédios das autoras, foram os rebentamentos levados a efeitos pelas rés.
Décima nona – Nenhuma outra se verificou, nomeadamente comportamento dos materiais.
Vigésima - Tal verificar-se-á até uma certa idade do edifício, não sendo o caso do das recorrentes que em 2010 tinha já 22 anos de existência, conforme atesta o doc. 2 junto com a p.i. porquanto foi inscrito na matriz em 1988.
Vigésima primeira - Estava, pois, já, consolidado não sendo passível de haver retracção ou dilatação dos materiais, sendo ainda, no mínimo estranho que tal tivesse acontecido coincidentemente no período em que as rés levavam a efeito as obras e os rebentamentos.
Vigésima segunda – Do documento junto aos autos pela Ré Y, doc 4, não se pode retirar a conclusão de que não foram ultrapassados os valores constantes da N. P. 2074 de 1983. De facto,
Vigésima terceira - No dito documento verifica-se que existe pelo menos um rebentamento em que os valores não foram medidos.
Vigésima quarta - Aconteceu no dia 28/10/2010.
Vigésima quinta - Na coluna destinada ao registo da velocidade, a ré fez constar “bateria”.
Vigésima sexta - Facto, no modesto entendimento das recorrentes, relevantíssimo e por si só impeditivo de se dar como provado que nunca foram ultrapassados os valores permitidos pela referida norma.
Vigésima sétima - Também é evidente que a ré pode manipular o dito documento, já que no mesmo pôde escrever, na coluna destinada ao valor da vibração o que bem entendeu, como por exemplo “bateria”. E,
Vigésima oitava - Certamente não lhe terá sido difícil ter procedido a rebentamentos não registados.
Vigésima nona - Se o tribunal julga que determinado documento e ou depoimento não foi convincente, deverá fundamentar tal juízo que faz. Ora,
Trigésima - Na douta sentença, não conseguem as recorrentes vislumbrar tal fundamentação, nomeadamente a análise crítica seja do documento, orçamento para reparação do palheiro, que julgou não convincente, seja o depoimento da testemunha Vítor, também julgado não convincente, assim se mostrando violado o disposto no artº 607º nº 4 do Código do Processo Civil.
Trigésima primeira – Atenta toda a prova carreada para os autos, não restava ao julgador outro caminho senão o de dar como assentes que os danos verificados nos prédios das autoras tiveram origem nas vibrações causadas pelos rebentamentos.
Trigésima segunda – O tribunal recorrido não apreciou a prova, toda a prova, como deveria, violando o disposto no artº 607º nº 4 do Código do Processo Civil.
Trigésima terceira – Foi feita prova suficiente para que o tribunal desse como provado o nexo de causalidade entre o dano e o facto que o causou.”
*
Nessa sequência, pretenderão – apesar de não o referirem expressamente – que a matéria de facto seja alterada no seguinte sentido:

Ponto 21-B da matéria de facto provado: Na sequência dos factos referidos no ponto anterior (rebentamento das ditas cargas explosivas, foram provocadas projecções de pedras, bem como o estremecimento das construções existentes nas imediações) o palheiro ruiu;
Ponto 26-B da matéria de facto provada: A reparação do prédio referido no ponto 1, palheiro custa 7.500 € e por não ter sido reparado em devido tempo, custa agora mais 5.000 €; (cfr. ponto 7 das alegações);
*
Ponto 27 da matéria de facto provada:

O prédio identificado em 10.º e as construções referidas em 19.º, apresentam:
- Fissuras do revestimento do muro da entrada principal;
- Fissuras do revestimento exterior do anexo;
- Fissuras do revestimento interior da laje do tecto do anexo;
- Fissuras do revestimento interior da laje do chão do anexo;
- Fissuras do revestimento interior das paredes do anexo;
- Fissuras do revestimento interior do tecto da cozinha/salão do anexo;
- Inúmeras fissuras no revestimento exterior do edifício destinado a habitação;
- Fissuras do revestimento exterior da laje do telhado do edifício destinado a habitação;
- Fissuras do revestimento interior dos mosaicos da cozinhe e moldura de gesso;
- Fissuras do revestimento interior em mosaico do wc e também do tecto da mesma dependência;
- Fissuras do revestimento interior da parede da sala;
- Fissuras do revestimento da parede e tecto de um quarto;
- Fissuras do revestimento interior do tecto do wc privativo de um quarto;
- Fissuras do revestimento interior do tecto do quarto referido no item anterior;
- Fissuras, mossas e quebras do mosaico hidráulico dos passeios e escadas exteriores, tubo de queda e lancis envolventes da habitação;
- Fissuras nas paredes, quebra das lajetas de granito e tijolos refractários da churrasqueira;
- Fissuras das paredes da casa das máquinas;
- Telhado da casota do cão partido;
- Diversas telhas partidas e outras degradadas no telhado do armazém;
- Diversas fissuras nos alçados laterais do armazém;
- Fissuras nas paredes e diversas picadas na cobertura do estábulo;
- Rede do galinheiro danificada, com diversos furos.
*
28.º - Os danos referidos em 27.º foram causados pela utilização das cargas explosivas referidas em 20.º.
29.º - Para reparação dos danos referidos em 27.º e 28.º, as Autoras têm necessidade de gastar a quantia de 83.610, 38 € quantia a que acrescerá IVA à taxa legal em vigor.
*
Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:

“…Motivação
(…)
Sob o artigo 21.º, exceptuando a matéria conclusiva, a matéria de facto, admitida por acordo, alegada no primeiro artigo 13.º da petição apresentada no processo principal e no artigo 16.º da petição apresentada no processo apenso.

Por se tratar de matéria de direito e conclusiva, também não resultou provada a matéria alegada nos artigos 16.º, 17.º e 22.º da petição apresentada no processo principal, e a do 19.º da dos autos apensos.
Por se não mostrar suficientemente justificada, pois o documento n.º cinco, junto com a petição inicial, e o depoimento da testemunha que o elaborou não foram convincentes, não se considerou provada a matéria alegada nos artigos 20.º e 21.º da petição apresentada no processo principal, mas apenas a matéria que, sob o artigo 26.º, foi considerada provada.

(…)
Por efeito da inspecção judicial, resultou provada, sob os artigos 24.º e 25.º, com excepção da conclusiva, a matéria alegada nos artigos 18.º e 19.º da petição apresentada no processo principal; e, não se tendo apurado, por falta de prova, o respectivo custo de reparação, sob o artigo 26.º, considerou parcialmente provada a matéria alegada no artigo 21.º da petição.

Sob os artigos 27.º e 28.º, resultou parcialmente provada a matéria alegada no artigo 17.º da petição apresentada no processo apenso, ou seja: o prédio e as construções em causa apresentam os danos (fissuras, mossas, furos, etc.) identificados por efeito da realização da inspecção judicial (cfr. auto de 2017-06-29, referência 204744239), mas, exceptuando o “telhado da casota do cão partido, as diversas telhas partidas no telhado do armazém, as diversas picadas na cobertura do estábulo e a rede do galinheiro danificada com quatro furos”, cuja reparação a Ré Y se propôs realizar (cfr. fls. 204), não resultou provado o nexo de causalidade entre a utilização das cargas explosivas e os identificados danos, até porque é indefectível a prova da existência de quase todos os danos em data anterior à das explosões, como está documentado no auto de vistoria assinado pela Autora Maria (cfr. documento n.º 90 apresentado com a contestação da Ré Y), o que também é assinalado pelos Senhores Peritos, que, visualizando o vídeo de 16-07-2009 (junto a fls. 288 dos autos apensos), por um lado, constataram “a existência de fissuras nas construções referidas em 13 [é dizer, no estábulo, armazém, casa das máquinas e anexo com dois pisos referidos no artigo 13.º da petição] e, por outro, apenas, insegura e evasivamente, referiram “no entanto poderá ter havido alguma progressão com a execução dos trabalhos” e, outrossim, “Relativamente ao prédio identificado em 2” [artigo 2 da petição inicial dos autos apensos], “o vídeo identifica patologias (fissuras) no tecto da casa de banho, parede da sala e nas cornijas do telhado, no local constatou-se a existência de fissuras localizadas no revestimento exterior de granito, em paredes interiores e em dois tectos, podendo a sua origem ser devida à execução dos trabalhos ou ao comportamento dos materiais (retracção e dilatação de materiais)” (sublinhado nosso) (cfr. relatório pericial, fls. 374, apresentado em 2015-05-13, sob a referencia 272633),

Também, admitindo os Senhores Peritos, por um lado, a existência de danos resultantes das projecções de fragmentos de rocha (v. g., os furos na cobertura do estábulo e na rede do galinheiro) – que houve projecção de pedras que atingiram os anexos da habitação das Autoras e causaram danos no telhado da casota do cão, que ficou partido, em duas telhas e duas chapas de zinco, também partidas e/ou danificadas no telhado do armazém e na rede do galinheiro, danificada com diversos furos, foi admitido pela Ré Y, nos artigos 32.º e 35.º da sua contestação –, explicitaram, por outro, que “no que diz respeito às vibrações não há certeza” (sublinhado nosso) (idem, fls. 374), o que é bem plausível, pois, face ao documento n.º 4 (cfr. fls. 114 e 115 dos autos apensos), concluíram que os valores nele constantes “são conformes para o tipo de rocha apresentada e com os valores habitualmente aplicados no desmonte de rocha com recurso a explosivos” (idem, fls. 374) e, esclareceram que “segundo os documentos apresentados (cfr. documentos 3 e 4 juntos com a contestação da Ré X e 2 a 87 (registos sismográficos) juntos com as contestação da Ré Y, nos presente autos; e 2 a 87, com a contestação da Ré Y, nos autos apensos) não foram ultrapassados os valores limites de vibração impostos pela N.P. 2074 de 1983…” (referido documento 87, cuja exacta denominação é “(...) (1983) - Avaliação da influência em construções de vibrações provocadas por explosões ou solicitações similares”, aprovada pela Portaria 457/83, de 19 de Abril).

A incerteza de que os elencados danos tenham sido provocados pelos rebentamentos e consequentes vibrações é ainda denunciada pela correspondência junta a fls. 204 e 205 (documentos números 88 e 89 apresentados pela Ré Y com a sua contestação nos autos apensos), trocada entre a Autora Maria e a Ré Y), porquanto mostra que a Ré Y, em 06-07-2011, se responsabilizou pela reparação dos danos em barracões anexos à habitação da Autora Maria, nomeadamente em duas telhas, duas chapas de zinco, dois mosaicos de pavimento e uma rede de galinheiro e, quando se propôs efectuar a reparação foi impedida pela Autora (carta junta a fls. 204) o que esta confirmou, com argumento distinto do usado pela Ré Y na sua carta – esta afirmara ter sido impedida de proceder às reparações em razão de a sua seguradora não ter dado resposta favorável sobre derrocadas e/ou fissuras alegadamente provocadas pela Ré Y noutra construção e noutras datas –, antes, em razão de as reparações que os técnicos da Ré Y pretendiam levar a efeito resultavam tão só na colocação de umas chapas de zinco e uma ou duas telhas no telhado, quando os danos que se verificavam eram de monta bem diferente, pois o telhado em causa encontrava-se deslocado por via das vibrações, as paredes estavam todas fissuradas, o telhado por se ter deslocado metia água (carta junta a fls. 205, com data de 02-08-2011) – extensão de danos estes, que, note-se, não foi alegada nos autos do processo apenso –, e, no entanto, na citada correspondência, a Autora nada referiu, relativamente aos danos que teria sofrido na sua casa de habitação e demais anexos, o que se nos afigura indelével sintoma de que nenhum dano lhe teria sido efectivamente causado, até porque, entretanto, já diligenciaria pela inventariação desses “danos”, pois, em 08-07-2011, o seu Perito privado, o Senhor Engenheiro F. F., teria fotografado todos os danos peticionados nos autos apensos e, em 27-07-2011, já relatara, embora infundadamente, que “a origem de todas as patologias descritas e observadas estão sobretudo relacionadas com os rebentamentos com recurso a fogo” (cfr. documento n.º 3, fls. 40 a 88, junto com a petição apresentada nos autos apensos, maxime, pp. 50 e 78).

Face ao exposto, não nos pareceu credível o depoimento da testemunha V. C., companheiro da Autora Maria, que, entre o mais, veio dizer que se queixava todos os dias…, que todos os dias havia projecção de pedras…, uma vez passou uma pedra aí de 20 ou 30 Kg, passou, assobiou e foi bater nas batatas (episódio que nos parece ter sido preparado com a testemunha J. E., a quem a testemunha V. C. teria dito “sai daí que ainda levas com uma pedra na cabeça e, a seguir, houve um rebentamento e caíram “pedras”…, a “pedra” caiu nas batatas e foi por ali abaixo”)…, que foi apresentar queixa à polícia, que não paravam de dar danos…, que foi verificando as fissuras ao longo dos arrebentamentos…, as pedras foram projectadas a 800 metros…

E, bem assim, as declarações da Autora Maria, que, entre outras inconsistências e exageros, afirmou que as projecções de pedras lhe mataram três galinhas (dano não peticionado) …, no armazém à beira de casa chove lá como no meio da rua…, algumas telhas estão partidas, a maior parte…, o granito que reveste as paredes da sua casa de habitação sofreu “várias rachadelas”…, cada vez que faziam rebentamentos havia projecção de pedras…

Outrossim, em consequência do exposto, não resultou provado que os danos tivessem sido provocados pelas explosões ocorridas em 19/7/10 pelas 18:55h; 20/7/10 pelas 18:53h; 21/7/10 pelas 11:58h; 23/7/10 pelas 11:56h; 26/7/10 pelas 12:18h; 27/7/10 pelas 17:30h; 4/8/10 pelas 17:46h; 10/8/10 pelas 12:28h; 12/8/10 pelas 11:54h; 16/8/10 pelas 16:15h; 23/8/10 pelas 11:58h; 26/8/10 pelas 17:57h; 31/8/10 pelas 12:34h; 3/9/10 pelas 12:06h; e 8/9/10 pelas 12:29h – factos alegados na petição aperfeiçoada em 2013-09-23 (cfr. referência 678622) –, nem que tivesse havido agravamento dos danos verificados no prédio das Autoras, à data de realização do Relatório de Patologias, ou a emergência de outros, causados pelas explosões ocorridas na mesma área em 31/1/11 pelas 12:05h; 1/2/11 pelas 12:21h; 1/2/11 pelas 12:16h; 9/2/11 pelas 17:13h; 10/2/11 pelas 17:44h; 15/3/11 pelas 18:09h; 28/4/11 e 25/5/11 – factos alegados na dita petição aperfeiçoada.

Também por se não ter provado o exigível nexo de causalidade entre o facto (rebentamentos, projecções de pedras e estremecimentos) e os danos (derrocada do prédio (“palheiro”) identificado no processo principal), não resultou provada a matéria alegada no segundo artigo 13.º da petição apresentada nesse processo.

É certo, a testemunha V. C. veio dizer que, no dia 8 de Julho de 2010, por volta do meio-dia, a testemunha A. R. telefonou… – antes do telefonema tinha havido dois rebentamentos… –, a informar que o “palheiro” tinha caído e foi lá a casa (de habitação da Autora Maria) “explicar como é que foi”.
Mas a explicação da testemunha A. R. é inverosímil, além de que entrou em contradição com o depoimento da testemunha V. C..

Na verdade, “explicou” que, por volta do meio-dia, estava na cozinha da sua casa, e o neto, com cerca de nove anos, estava à janela, esta, virada na direcção do palheiro, altura em que houve um arrebentamento (explosão), a janela tremeu e o neto assustou-se e começou a gritar “avô, avô, avô”, e, indo ter com ele para o acalmar, houve um segundo rebentamento, foi coisa de segundos, uma coisa rápida, nunca pensou que fosse um rebentamento (o mais forte foi o último), tamanho estoiro…, aquilo foi mesmo como uma trovoada…, um estoiro tão grande…, viu o palheiro cair abaixo…, a casa dele tremeu também…, caiu a parte do tecto o telhado foi todo abaixo…, não tinha telefone à mão…, e foi estar com a Maria, a contar-lhe.

Assim, a testemunha V. C. teria recebido um telefonema da testemunha A. R., que, no entanto, não tinha telefone à mão, e ambas as testemunhas sentiram ou ouviram excessivamente (“dois rebentamentos”), pois os registos sismográficos relativos ao dia 8 de Julho de 2010, mostram que, pelas 12h00, apenas houve um único rebentamento e, como bem referiu a Ré Y (cfr. requerimento a que corresponde a referência 681169), esse rebentamento causou uma vibração de apenas 1.3mm por segundo, valor muito distante dos limites dentro dos quais a testemunha A. R. poderia sentir e ver a terra, e as casas e as janelas, tremer e o “palheiro” cair, por efeito do rebentamento ocorrido a mais de 300 metros de distância (cfr. documento n.º 1, junto a fls. 444 dos autos principais).

Por falta de prova fiável, pois o documento 3 que a Autora juntou com a petição inicial, para prova do alegado, padece das incongruência apontadas no artigo 76.º da contestação apresentada pela ré X e os Senhores Peritos responderam que “para reparação dos danos ou patologias constatadas, o valor de 83.610,83€, é exagerado” e “as soluções preconizadas em 3 [ou seja no requerimento apresentado pela Autora em 2013-06-19, sob a referência 660291], são viáveis, no entanto existem muitas outras soluções no mercado, igualmente viáveis para as patologias descritas” (cfr. relatório pericial de 2015-05-13, sob a referência 272633), resultou restritivamente provada, sob o artigo 29.º, a matéria alegada no artigo 18.º da petição apresentada nos autos apensos.

(…)
Atento o teor dos documentos juntos aos autos apensos, designadamente, a fls. 108 a 200, 263 a 286 e 443 a 534, e a opinião dos Senhores Peritos (cfr. relatório pericial, fls. 374, apresentado em 2015-05-13, sob a referencia 272633), sob os artigos 32.º e 33.º, resultou provada a matéria alegada nos artigos 6.º e 7.º da contestação da Ré Y apresentada nos autos apensos,

Continuando a considerar a opinião dos Senhores Peritos, os referidos documentos, o teor do documento junto a fls. 289 a 307 e os depoimentos das testemunhas arroladas pelas Rés, que participaram ou acompanharam os trabalhos de desmonte das rochas com explosivos, sob os artigos 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, e 45.º, resultou provada, com excepção da conclusiva (“correspondendo a formulação desses valores ao expresso na …”; “por uma questão de maximização da segurança”), a matéria alegada nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 11.º2, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 26.º e 27.º da mesma contestação.

A matéria deste artigo 11.º da contestação da Ré Y foi impugnada pelas autoras, aquando da réplica, assim como o documento n.º 4 adrede apresentado para prova do alegado. No entanto, mais tarde, seria com base nos registos constantes desse documento que as Autoras aperfeiçoariam a sua petição.
Ainda com a opinião dos senhores Peritos, sob o artigo 43.º, resultou provada a parte substantiva da matéria alegada no artigo 24.º da contestação em referência.
Por se tratar de factos, mas considerações de ordem científica ou técnica, não foi considerada a matéria alegada nos artigos 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 25.º e 29.º.
Por se tratar de mera impugnação, não se considerou a matéria alegada nos artigos 30.º, 53.º, 54.º, 55.º e 56.º e correspectivas respostas do relatório pericial.
Os documentos juntos a fls. 263 a 287 motivaram a resposta dada à matéria alegada nos artigos 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º da contestação que a Ré X apresentou nos autos apensos, que resultou provada sob os artigos 46.º, 47.º, 48.º, 49.º e 51.º; e, bem assim, a provada sob o artigo 50.º.
Os documentos juntos a fls. 374 a 388 (idem, fls. 281 a 295 dos autos principais) e teor dos artigos 1.º e 11.º da Contestação da Ré Z nos autos apensos e 1.º e 17.º dos autos principais motivaram a resposta dada à matéria alegada pela Ré Y, nos artigos 47.º dos autos principais e 59.º dos autos apensos, que resulto provada sob o artigo 52.º”.
*
Conforme decorre do exposto, a factualidade aqui questionada contende essencialmente com a eventual afirmação da existência de um nexo de causalidade entre os factos praticados pelas Rés e os danos alegados pelas AA., tendo o Tribunal respondido de uma forma restritiva a essa questão, considerando que apenas alguns dos danos considerados provados foram provocados pela actividade construtiva das Rés.

Além disso, questiona-se que o Tribunal tenha considerado que os custos das reparações dos invocados danos não tenham sido concretamente apurados.

As Recorrentes fundamentam a sua posição nas seguintes considerações:

- a prova invocada pelo Tribunal Recorrido parece que só se cingiu ao relatório pericial elaborado por dois engenheiros civis e um geólogo;
- não existe qualquer incongruência nos depoimentos das testemunhas V. C. e A. R.;
-o tribunal efectuou um exercício de raciocínio de difícil compreensão pois que dá como provado certos danos quando os locais atingidos são contíguos;
- todas as fissuras constatadas são novas ou foram agravadas por comparação às que comprovadamente pré-existiam;
- o nexo de causalidade entre os danos ocorridos e os rebentamentos levados a cabo pelas Rés mostra-se demonstrado pelos documentos juntos aos autos, pelos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos, e pelos depoimentos das testemunhas ouvidas;
-a única ocorrência que aconteceu no local em causa, capaz de fazer surgir os danos que se verificam nos prédios das autoras, foram os rebentamentos levados a efeito pelas Rés. Nenhuma outra se verificou, nomeadamente comportamento dos materiais.
- do documento nº 4 junto aos autos pela Ré Y não se pode retirar a conclusão de que não foram ultrapassados os valores constantes da N. P. … de 1983.
- Se o tribunal julga que determinado documento e ou depoimento não foi convincente, deverá fundamentar tal juízo que faz: as recorrentes não conseguem vislumbrar tal fundamentação, nomeadamente a análise crítica seja do documento, orçamento para reparação do palheiro, que julgou não convincente, seja o depoimento da testemunha Vítor, também julgado não convincente.
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Cumpre decidir.

Compulsada a prova produzida (e invocada) pelas Recorrentes e a fundamentação apresentada pelo Tribunal Recorrido, importa dizer que se julga que as Recorrentes não têm qualquer razão na crítica que fazem ao julgamento de facto realizado, já que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, não existe qualquer erro no julgamento que o Tribunal Recorrido efectuou sobre cada um dos pontos da matéria de facto que se julga ter sido impugnada.

Na verdade, em face da prova produzida, destacando-se aqui a prova documental junta aos autos, a prova pericial (e os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos) e a Inspecção judicial realizada (em duas ocasiões), não podemos deixar de concordar com o julgamento efectuado pelo Tribunal Recorrido, pois que o mesmo se mostra plenamente fundamentado, denotando a fundamentação apresentada uma exemplar análise crítica de todos os meios de prova produzidos nos autos.

Com efeito, como resulta do atrás exposto, importa ter em atenção que a alteração da matéria de facto pretendida pelas Recorrentes só deverá ser efectuada quando este Tribunal, depois de proceder à (re)avaliação de toda a prova produzida, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que aquela aponta em direcção diversa daquela que vingou na primeira Instância.

Ora, importa dizer que é patente - tendo em conta, também, a fundamentação apresentada pelo Tribunal Recorrido - que as Recorrentes não têm razão quando pedem (?) a alteração da matéria de facto constante da decisão aqui posta em crise, pois que os elementos probatórios invocados e os raciocínios lógicos que tentam efectuar não conduzem à verificação de qualquer erro de julgamento que tenha sido cometido pelo Tribunal Recorrido.

Comecemos por apreciar as alterações pretendidas na factualidade que contende com a alegada existência de nexo de causalidade entre os factos praticados pelas Rés e os danos alegados (e que foram considerados provados pelo Tribunal Recorrido).

Quanto aos danos propriamente ditos, surgem como elemento probatórios principais a prova pericial realizada (porque tem subjacente a si um juízo técnico-científico que não foi infirmado por qualquer outro meio de prova) e as Inspecções ao local realizadas pelo Tribunal, ocorridas na sessão da Audiência final de 29.6.2017 – resultado constante da acta de fls.668 (29.6.2017) e de 16.10.2017 (Nova Inspecção judicial realizada restrita ao palheiro).

Além disso, não se pode deixar de reconhecer a relevância probatória da constatação de que os prédios em causa já tinham, em data anterior à realização da actividade construtiva que foi levada a cabo pelas Rés, significativas patologias construtivas.
Além da parcial admissão desses factos, tal decorre também da prova pericial (e dos elementos consultados pelos Srs. Peritos – por exemplo vídeo) e da prova documental junta aos autos (v. o documento n.º 90 junto com a contestação da Ré Y).
Ora, por força desta constatação, no caso concreto, exigia-se às AA. que demonstrassem que os aludidos danos não coincidiam com aquelas patologias construtivas previamente existentes e que, portanto, tais danos eram realidades novas ou que eram o resultado do agravamento daquela realidade pré-existente.

Importa, aqui, salientar que no caso concreto, tratando-se de um caso de responsabilidade civil extracontratual (arts. 483º e ss. do CC), o ónus da prova dos pressupostos da sua afirmação (com a nuance a que mais à frente nos referiremos, quanto ao pressuposto da culpa) recaía sobre as AA. .

Nessa medida, e no que concerne ao preenchimento do requisito da existência de nexo de causalidade entre os factos praticados pelas Rés e os danos, incumbia inequivocamente às AA. o ónus da sua prova (art. 487º do CC).
Ora, colocada assim a questão, julga-se que a verdade é que as AA. soçobraram no cumprimento do ónus de prova deste requisito que sobre elas recaía- como bem entendeu o Tribunal Recorrido.
Como se referiu, exigia-se às AA. que demonstrassem que os aludidos danos não coincidiam com aquelas patologias construtivas previamente existentes e que, portanto, demonstrassem que tais danos ou eram realidades novas ou que eram o resultado do agravamento daquela realidade pré-existente.
Como se pode constatar, tal esforço probatório envolvia primordialmente um juízo técnico científico, surgindo, pois, como elemento probatório principal, a prova pericial (sendo que os Srs. Peritos na realização da mesma tiveram acesso aos demais elementos probatórios constantes dos autos).
Ora, as respostas constantes do relatório pericial (fls. 374) não se mostram conclusivas, não tendo os Srs. Peritos logrado, com base nos elementos probatórios que consultaram e nos seus conhecimentos técnico-científicos, apurar a existência do aludido nexo de causalidade.

Na verdade, e conforme resulta do relatório pericial, após a análise do vídeo que se mostrava acessível, os Srs. Peritos concluíram que existiam “fissuras nas construções referidas em 13” (ou seja, no estábulo, armazém, casa das máquinas e anexo com dois pisos referidos no artigo 13.º da petição), tendo concluído apenas que “no entanto poderá ter havido alguma progressão com a execução dos trabalhos”- fls. 374.

E depois apenas acrescentam que: “Relativamente ao prédio identificado em 2, (processo apenso) o vídeo identifica patologias (fissuras) no tecto da casa de banho, parede da sala e nas cornijas do telhado, no local constatou-se a existência de fissuras localizadas no revestimento exterior de granito, em paredes interiores e em dois tectos, podendo a sua origem ser devida à execução dos trabalhos ou ao comportamento dos materiais (retracção e dilatação de materiais). A rede de galinheiro apresenta danos (furos)”.

Logo de seguida em resposta ao quesito 19º esclarecem que “Nalguns danos são responsáveis (projecções de fragmento de rochas) no que diz respeito às vibrações não há certeza”- fls. 374 – sendo que quanto aqueles primeiros danos indicam por ex. os furos na cobertura do estábulo e na rede do galinheiro (e daí que o Tribunal Recorrido tenha incluído esses danos no ponto 28).

Da mesma forma, em resposta aos quesitos formulados pela Ré, os Srs. Peritos limitam-se a referir que “alguns danos poderão ter ocorrido devido aos trabalhos executados” (quesito 56).
Aliás, como bem refere o Tribunal Recorrido: “que houve projecção de pedras que atingiram os anexos da habitação das Autoras e causaram danos no telhado da casota do cão, que ficou partido, em duas telhas e duas chapas de zinco, também partidas e/ou danificadas no telhado do armazém e na rede do galinheiro, danificada com diversos furos, foi admitido pela Ré Y, nos artigos 32.º e 35.º da sua contestação”.

Finalmente, tendo sido apresentada reclamação pelas AA., os Srs. Peritos ainda vieram esclarecer, de uma forma unânime, o seguinte: “pela análise do local verifica-se que a mesma se encontra num estado de degradação avançado, não se podendo concluir que a derrocada tenha relação/efeito com as explosões da obra”- fls. 393.
Mais à frente referem ainda que “os furos na cobertura do estábulo presume-se que devam ter ocorrido pelas projecções das pedras de xisto (referidas) na resposta anterior” (o que foi também foi devidamente ponderado pelo Tribunal Recorrido no ponto 28).

Esclarecem ainda os Srs. Peritos (de uma forma unânime) que: “os furos na rede de cobertura do galinheiro e as telhas (placas de fibrocimento) da cobertura do estábulo, foram danificadas pelas projecções de fragmentos de rochas, provenientes do desmonte da rocha, a rede do galinheiro terá que ser totalmente substituída as placas serão as que tiverem danificado” (fls. 393 v.) - tudo factos que foram plenamente acolhidos pelo Tribunal Recorrido no aludido ponto 28 da matéria de facto dada como provada

Nas alegações apresentadas, as Recorrentes fazem apelo apenas aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito E. P. (únicos esclarecimentos que transcrevem), perito que foi por si indicado para a realização da prova pericial.

No entanto, e não obstante este Sr. Perito ter respondido aos quesitos formulados de uma forma unânime com os demais peritos, a verdade é que os esclarecimentos prestados em sede de Audiência final, como é pacífico em termos jurisprudenciais, devem ser cautelarmente valorados, atenta a sua parcialidade – devendo, nesse sentido, ser atribuída maior relevância ao Sr. Perito indicado pelo Tribunal (por se lhe reconhecer maior isenção).

Quanto aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito (indicado pelo Tribunal) - sessão 18.11.2016 - importa salientar o seguinte quanto à factualidade aqui em discussão:

Referiu o Sr.. Perito que:

“só tendo havido uma monitorização das fendas é que era possível saber isso (se houve agravamento) (…) Perguntado o que quiseram dizer na resposta 17 do relatório pericial quando aí afirmam que “poderá ter havido alguma progressão com a execução dos trabalhos”, respondeu que (isso significa) “que não se consegue medir; como é que se consegue medir, tendo um vídeo sem ter lá nada e depois passar para a realidade; mesmo que se veja o vídeo … e, logo a seguir, não se sabe qual é a dimensão” (… e mais à frente) “não consigo responder se houve agravamento dessas fissuras ou não” (…) – posição que manteve ao longo dos seus esclarecimentos (por exemplo, mais à frente referiu que: “ (confrontado com o segundo parágrafo da resposta dada ao quesito 17) como está aí algumas foram de certeza absoluta devido à retracção e outras poderão ser devidas às explosões… (quais foram as que foram devidas à retracção?) ”(referiu mais à frente) “… as explosões podem ter tido (responsabilidade), eu não disse que não foram…” “as placas de granito pela sua dimensão podem rachar por estarem aplicadas daquela forma” , mas “pode ser devido à retracção, mas também pode ser devido à explosão” (…) “não, não consigo identificar isso”).

Nesta conformidade, como decorre do exposto, e dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito, indicado pelo Tribunal, também não se pode acolher aqui a argumentação apresentada pelas Autoras fundada nos esclarecimentos do “seu” Perito.

Insurgem-se ainda as Recorrentes quanto à não valoração do depoimento de parte da Autora Maria (29.4.2015) e dos depoimentos das testemunhas por si arroladas.

Ora, compulsados os respectivos depoimentos, fica patente que as observações críticas formuladas pelo Tribunal têm plena aplicação, pois estes revelaram-se parciais (até pela descrição exagerada dos factos ocorridos) e, nessa medida, não merecem a credibilidade desejada pelas Recorrentes.

Além disso, como bem refere o Tribunal Recorrido, é patente a existência de contradições assinaláveis, não só nos próprios depoimentos, mas também no confronto do que cada um disse, sendo ainda de referir que parte dos depoimentos prestados mostra-se mesmo contraditada pela prova documental junta aos autos (conforme se mostra já explicitado na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto).

Finalmente, importa salientar a realização da Inspecção judicial e a sua relevância probatória.

Como decorre dos autos, o Tribunal Recorrido não se inibiu de se deslocar ao local por duas vezes, demonstrando, assim, o seu empenho na efectiva apreensão da factualidade aqui em discussão (Inspecção judicial 29.6.2017 – resultado constante da acta de fls.668 (29.6.2017); Nova Inspecção judicial restrita ao palheiro (16.10.2018)).

Ora, apesar de ter realizado, de uma forma pertinente, essas duas diligências, também não se pode retirar das mesmas qualquer elemento probatório que permita concluir que os danos constatados (e que se mostram mencionados, em conformidade com o resultado da Inspecção realizada, no ponto 27) tenham sido causalmente provocados pelos factos imputáveis às Rés, aqui em discussão.

Nesta conformidade, só nos resta, pois, concluir, com o Tribunal Recorrido, que não decorre da prova produzida, aqui revisitada, que se possa dar como provado qualquer um dos factos aqui em discussão, cuja prova, como já se referiu, incumbia às AA., tendo estas soçobrado integralmente no cumprimento do ónus de prova que sobre elas recaía (art. 342º, nº 1 do CC; cfr. arts. 483º e ss., em especial, art. 487º do CC).

Aqui chegados e não existindo qualquer alteração nesta matéria de facto que contende com o nexo de causalidade, fica obviamente prejudicada a pronúncia do presente Tribunal sobre a eventual alteração pretendida pelas Recorrentes quanto aos pontos da matéria de facto respeitantes ao custo das reparações dos danos efectivamente dados como provados.

Na verdade, mesmo que se procurasse atender à prova documental invocada pelas Recorrentes e aos depoimentos testemunhais que sobre esta matéria de facto se pronunciaram, dada a restrição dos danos apurada, nunca o Tribunal Recorrido (nem o presente Tribunal) poderia ter dado como provado o concreto custo das reparações dos danos efectivamente apurados.

Nesta conformidade, mantendo-se o âmbito dos danos considerados causalmente provocados pela actividade construtiva das Rés, exactamente com a mesma extensão definida pelo Tribunal Recorrido, a resposta que o presente Tribunal poderá também dar a essa factualidade é justamente a de relegar o apuramento desse custo para o competente incidente de liquidação.

Improcede, pois, esta parte da Impugnação (por prejudicada a pronúncia pela não alteração da factualidade respeitante ao nexo de causalidade).
*
Aqui chegados, e tendo-se efectuado a exigida análise crítica da prova produzida, e tendo-se ponderado, nomeadamente, os (mesmos) elementos probatórios que fundamentam o Recurso interposto pelas Recorrentes, ponderados os seus argumentos, julga-se que a decisão de Primeira Instância deve ser, pois, integralmente mantida.

Na verdade, efectuando, também, como nos era imposto, a referida análise crítica dos meios de prova produzidos, não há dúvidas que o Julgamento de facto efectuado pelo Tribunal Recorrido se deve manter.

Com efeito, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas pelas ora Recorrentes, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados, um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.

Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.

Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, tendo em conta as regras do ónus da prova, não podem restar dúvidas que os aludidos factos constantes da matéria de facto devem manter-se inalterados, confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade

Em consequência, mesmo que não se tivesse rejeitado a impugnação da matéria de facto com os fundamentos atrás expostos, sempre esta teria que ser julgada improcedente.
*
Aqui chegados, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelas Recorrentes, se deve manter a apreciação de mérito proferida pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.

Ora, ponderando essa questão, é evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, o enquadramento jurídico efectuado, quanto às pretensões que haviam sido deduzidas pelas AA., deve-se manter inalterado, já que as alterações de mérito pretendidas por aquelas dependiam da modificação da matéria de facto.

Na verdade, sempre ter-se-ia que dizer que, dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, e não tendo as Recorrentes logrado tal sucesso, ficaria necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, nº 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, do mesmo diploma.

De qualquer forma, importa dizer que, no que concerne à pronúncia sobre a pretensão das AA., em face da matéria de facto considerada como provada, não se pode deixar de subscrever integralmente o que se refere na sentença de Primeira Instância

Improcede, pois, o Recurso das AA. /Recorrentes.
*
Sucede que as Recorrentes/ RR. levantam outras questões jurídicas que poderão ter influência no âmbito subjectivo da decisão condenatória proferida pelo Tribunal Recorrido.

Comecemos por analisar a questão levantada no Recurso interposto pela Recorrente Y, Empresa de Demolições, Lda.

Como se referiu, trata-se de saber se a sentença recorrida violou o caso julgado formal formado no presente processo quanto à aplicação do regime da intervenção principal provocada.

Na verdade, o Tribunal Recorrido, depois de ter admitido a intervenção principal provocada da Z - Companhia de Seguros, S.A. - na sequência da convolação do requerimento que havia sido apresentado pela Ré no sentido de essa intervenção ser efectuada a título acessório – veio a proferir a seguinte decisão final:

Embora, por efeito do contrato de seguro celebrado com a Ré Y, seja evidente a responsabilidade contratual da Interveniente Z, Companhia de Seguros, S. A., não pode a mesma ser condenada na presente acção, porque não é sujeito da relação jurídica que intercede entre as Autoras e as Rés, é dizer, as Autoras não têm, a seu favor, qualquer direito que habilite uma condenação desta Interveniente, que apenas fica vinculada, em regra, a aceitar os factos dos quais derivou a condenação da Ré Y, provocadora do chamamento, estendendo-se-lhe os efeitos do caso julgado da sentença final (cfr., por todos, acórdão do TRC de 20-12-2016, in sítio da Net do IGFEJ).
(e na sequência omite qualquer referência à Interveniente na decisão proferida) “
*
Como decorre desta fundamentação o Tribunal Recorrido, julgando que a referida Companhia de Seguros ocuparia a posição de Interveniente acessória, decidiu – e bem, se fosse o caso – que aquela não poderia ser condenada, já que, nestes casos é aplicável o disposto no art. 323º, nº 4 do CPC.

Sucede que, certamente por manifesto lapso, o Tribunal Recorrido não atendeu a que a posição processual assumida pela aludida Companhia de Seguros era a de Interveniente Principal – e não Interveniente Acessória – tal como decorria da decisão anteriormente proferida em 21.06.2012 (apenso):

“De acordo com o princípio da estabilidade da instância, plasmado no art.º 268.º do Código de Processo Civil (CPC), após a citação do réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as excepções legalmente previstas. Uma de tais excepções é a possibilidade de intervenção de novas partes através de algum dos incidentes de intervenção de terceiros, previstos nos arts. 320.º e ss. (art.º 270.º, alínea b) do CPC). A intervenção principal (passiva, que é a que aqui interessa) serve para chamar à acção alguém que é titular da relação material controvertida, de modo a que possa (também) ser atingido pela pretensão formulada pelo autor. Já a intervenção acessória tem como finalidade chamar alguém que tenha interesse em auxiliar o réu na defesa a apresentar, por poder posteriormente ser responsável perante o réu para o compensar ou indemnizar pelo prejuízo que lhe advenha da perda da demanda. Atenta esta específica posição do interveniente, em caso de procedência da acção apenas o réu (e não o interveniente acessório) será condenado no pedido formulado pelo autor, ficando o interveniente apenas “vinculado, em regra, a aceitar os factos dos quais derivou a condenação do primitivo réu propriamente dito, isto é, o que implementou o chamamento” (Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 130).

Resulta das posições assumidas pelas partes nos articulados apresentados que as ambas as chamadas são também titulares da relação material controvertida; a VA. & Filhos, por força do contrato de subempreitada celebrado com a ré X, relativo aos trabalhos alegadamente causadores dos prejuízos reclamados pelas autoras; a segunda por força do contrato de seguro celebrado com a Ré Y, Lda, em que assume, em nome da segurada, a responsabilidade pelo ressarcimento a terceiros dos prejuízos causados com a actividade de explosivos desenvolvida por esta. Na verdade, discutindo-se nos autos a efectivação da responsabilidade civil decorrente de responsabilidade extracontratual, que foi assumida por empresa seguradora, decorre da própria lei a necessidade quer da intervenção da Companhia de Seguros em causa, quer da subempreiteira (cfr. artigo 28.º do CPC). Posto isto, admite-se a intervenção principal provocada da sociedade VA. & Filhos, SA e da Companhia de Seguros Z”.
*
Desta decisão não foi interposto qualquer recurso (cfr. art. 644º, nº 1, al. a) do CPC), pelo que transitou em julgado.

Entende a Recorrente, nesta sequência, que se terá formado caso julgado formal sobre a questão que constituiu o objecto da decisão e, nessa medida, o Tribunal Recorrido, na sentença proferida, não podia proceder a outro enquadramento jurídico, no sentido de atribuir à Companhia de Seguros, afinal, a posição de Interveniente Acessória (arts. 321º e ss. do CPC).

Julga-se que a Recorrente tem razão.

Na verdade, ao ter proferido, no âmbito do incidente de intervenção de terceiros oportunamente deduzido pelas partes, a aludida decisão, não podia o Tribunal Recorrido, neste mesmo processo, alterar o sentido da sua decisão no sentido de entender que a Z - Companhia de Seguros, S. A. devia assumir a posição de Interveniente Acessória.

Com efeito, como bem refere a Recorrente, a isso se opõe o caso julgado formal formado por aquela primeira decisão.

Senão vejamos.

Conforme decorre do disposto no art. 613º do CPC proferida uma sentença (ou um despacho – cfr. nº 3 do mesmo preceito legal) “… fica imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria da causa…”.

Isto significa que “um dos efeitos da sentença consiste no esgotamento do poder jurisdicional do juiz que a profere - quer conclua com a absolvição a instância, quer condene no pedido ou dele absolva, o juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida…” (16).

O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no citado art. 613º do CPC, significa que o “juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.

Ainda que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção que errou, não pode emendar o suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível.” (17).
Este princípio justifica-se por uma razão doutrinal.

O juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se.

Justifica-se também por uma razão pragmática. Consiste esta na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.” (18).

Por outro lado, importa ter em atenção que, noutra perspectiva, o trânsito em julgado, conforme decorre claramente do art. 628º do CPC, ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário.

Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.

Segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cfr. art. 620º, nº 1 do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art. 619º do CPC.

Do caso julgado decorrem, como é também sabido, dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo - e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado (19).

Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art. 625º nº 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide nº 2 do preceito).

Da transcrição das decisões aqui em causa resulta claro que, quando o Tribunal Recorrido na sentença alterou a posição processual da Interveniente Companhia de Seguros, de Principal para Acessória, estava implicitamente a pronunciar-se sobre a questão concreta que já havia sido decidida em sede própria, ou seja, no incidente de intervenção de terceiros que havia sido oportunamente deduzido e que havia já sido decidido, por decisão transitada em julgado.

Como se referiu, de acordo com o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art. 620º, nº 1 do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art. 619º do CPC.

Na verdade, se uma decisão se pronuncia sobre uma questão processual de determinada forma e, podendo ser impugnada, não é objecto de reclamação ou de recurso ordinário, forma-se sobre essa questão caso julgado formal que obsta a que, mais tarde, se emita nova decisão sobre ela no mesmo processo

Com efeito, de harmonia com o que, sob a epígrafe “Caso julgado formal”, prevê-se no art. 620º do CPC - excluídos os que versam as decisões previstas no art. 630º do CPC, de que não é admissível recorrer - os despachos (e as sentenças), que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

Assim, se, em determinado processo, já tiver sido proferida decisão sobre determinada questão processual, que transitou em julgado, e vem a ser proferida posteriormente, no mesmo processo, uma nova decisão sobre a mesma questão concreta da relação processual que foi objecto dessa 1ª decisão e que também transita, diz-nos o art. 625º do CPC, que se cumprirá a decisão que passou em julgado em primeiro lugar.
Esta disposição legal reforça a ideia de que o caso julgado formal previsto no 620º do CPC se refere à vinculação do Tribunal ao julgamento que fez sobre uma questão concreta da relação processual.

Ora, como se referiu, o Tribunal Recorrido ao alterar a posição processual da Interveniente Principal, Z - Companhia de Seguros, S. A. não deu obediência ao caso julgado formal que já se havia formado no presente processo sobre a aludida posição processual.

Nessa medida, não podia o Tribunal “rever a decisão proferida” por se ter esgotado o poder jurisdicional.

Aqui chegados, importa retirar as consequências desta constatação.

Como se referiu, o Tribunal Recorrido na sentença proferida, considerando que a Interveniente Z, Companhia de Seguros, S. A. assumiria a posição de Interveniente acessória, entendeu - e bem, se fosse esse o caso (20) - que não a podia condenar (cfr. artigo 323.º, n.º 4, do CPC) não obstante ter apurado ser “evidente a responsabilidade contratual da interveniente”.

Ora, como a alteração da posição processual da referida Interveniente já não era processualmente admissível, importa concluir que as pretensões das partes deverão ser julgadas em função da posição processual que a Z - Companhia de Seguros, S. A. assumia nos presentes autos, ou seja, a posição de Interveniente Principal – independentemente de averiguar se tal decisão era bem fundada, pois que tal questão não constitui objecto do presente recurso.

Com efeito, como resulta da factualidade dada como provada, a Ré Y havia transferido para a Interveniente Principal, Z, Companhia de Seguros, S. A., a sua responsabilidade por danos causados a terceiros no exercício da sua actividade, nomeadamente com a utilização de explosivos, até ao limite máximo de € 1 250 000 (um milhão e duzentos e cinquenta mil euros) de indemnização por sinistro e anuidade, com a franquia de € 1 000, 00 (mil euros), pela apólice de responsabilidade civil n.º … 01, pelo que, por força do contrato de seguro, assumiu solidariamente com o seu segurado a responsabilidade pelos referidos danos.

Aqui chegados, conclui-se, pois, que a Interveniente Principal, assumindo a qualidade de Seguradora, e por efeito do contrato de seguro celebrado, tem de ser responsabilizada, em termos solidários, com o seu Segurado, nos termos do art. 497º, do CC, beneficiando, no entanto, da franquia contratualmente estipulada (1.000,00 €) - montante pelo qual a Interveniente não responde naqueles termos solidários.

Nesta conformidade, importa julgar procedente esta parte do Recurso e, em consequência, alterar a decisão proferida no seguinte sentido:

“ a) Condenar as Rés X, Y e a Interveniente VA. & Filhos, S. A. a pagarem solidariamente às Autoras o valor dos danos ocorridos no telhado da casota do cão (partido), nas telhas do telhado do armazém (partidas), nas paredes (fissuras) e cobertura do estábulo (picadas) e na rede do galinheiro (danificada com furos), a liquidar em execução de sentença.
b) Condenar ainda a Interveniente Principal, Z- Companhia de Seguros, S. A., a pagar, solidariamente com a Ré Y, o valor dos aludidos danos especificados na alínea anterior, sem prejuízo da franquia contratual de 1.000,00 € (mil euros) estabelecida a seu favor nos termos expostos.
c) Absolver as Rés e as Intervenientes do demais peticionado“.
*
- quanto ao recurso da Interveniente Principal VA. & Filhos, S. A.

A questão que a Interveniente coloca é a de saber se se pode aplicar à Recorrente a presunção de culpa estabelecida no art. 493º, nº 2 do CC, uma vez que a mesma foi mera intermediária no que aos trabalhos de desmonte com recurso a explosivos releva - que não foram por ela executados, mas sim pela Ré Y, subcontratada da Recorrente -, não tendo sido ela quem, por facto próprio, causou os danos sofridos pelas AA..

Não foi esse o entendimento do Tribunal Recorrido.

Com efeito, como ficou referido na sentença, considerou o Tribunal quanto a esta questão o seguinte (citando o ac. do STJ de 25.3.2010 (21)):

Estas considerações conduzem-nos à conclusão de que a solução do litígio terá de ser encontrada no âmbito do instituto da culpa presumida, nos termos do art. 493.º do CC.

A primeira via possível para responsabilizar o empreiteiro pelos danos culposamente causados a terceiro pelas actividades construtivas realizadas no imóvel a que se reporta a empreitada é a que decorre do enquadramento do caso no n.º 1 do referido art. 493.º, considerando-se que, mesmo no caso de subempreitada, o empreiteiro mantém sobre o imóvel onde decorrem as obras poderes de direcção e controle que caracterizam um dever de guarda e vigilância, fundamentador da presunção de culpa aí consagrada é, aliás, esta a caracterização normativa do pleito, feita na decisão recorrida, em consonância com a orientação seguida no Ac. do STJ de 14/4/05, no p. 04B3741, onde se afirma:

Mas o empreiteiro, mesmo naqueles casos em que deu a obra de subempreitada, continua obrigado à vigilância, da dita obra, porque continua a impender sobre ele o dever de supervisão técnica da sua feitura, sendo, por isso, de considerar que, em alguma medida mantém, mesmo na hipótese de subcontratação, os referidos poderes de controle e direcção. O que leva a considerar que o dever de vigilância não transita para o subempreiteiro, sem prejuízo de sobre este impender idêntico dever.

Por outras palavras, havendo subempreitada, o empreiteiro não tem apenas o direito de fiscalização, tal como, nos termos do artº 1209.º do C. Civil, tem o dono da obra, ou seja, o direito de verificar se ela corresponde ao acordado com este último.
Para além disso e ao contrário do dono da obra, a quem a autonomia do empreiteiro não permite uma fiscalização técnica, incumbe-lhe fazer, face ao trabalho do seu subempreiteiro, este tipo de fiscalização.
A autonomia do subempreiteiro não pode prevalecer sobre o cumprimento do dever do empreiteiro de realizar a obra segundos os seus critérios técnicos e funcionais.

Aliás, isto é mais nítido num caso frequente, que é o de existirem diversos subempreiteiros, ou da subempreitada ser parcial. Aqui a necessária coordenação técnica das obras parciais, tem de forçosamente pertencer ao contratador principal.

Adere-se inteiramente a este entendimento, particularmente adequado à fisionomia dos casos, como o dos autos, que envolvem actividades construtivas de grande dimensão, que alteram radicalmente a estrutura da imóvel onde são levadas a cabo, originando várias subempreitadas parcelares e a implementação e cumprimento de rigorosos planos de segurança e acompanhamento próximo e fiscalização da obra em curso – não podendo seguramente a empresa que, na qualidade de empreiteira, assumiu o compromisso de realização global da obra de construção civil desvincular-se desse dever de acompanhamento da respectiva realização, mesmo naquela parte em que certos trabalhos, especializados e parcelares, foram por ela adjudicados, mediante subempreitada, às empresas que escolheu. (…)

Bem pelo contrário, numa interpretação funcionalmente adequada da norma constante do n.º 1 do art. 493.º,a circunstância de, em certo imóvel, estarem a decorrer obras de construção civil, profundas e de grande amplitude, alterando radicalmente a própria configuração e estrutura do prédio, terá necessariamente de reforçar o dever de vigilância da coisa que incide sobre o seu detentor – e nunca afrouxar ou isentar de tal obrigação quem deve supervisionar tecnicamente a profunda transformação em curso.

Saliente-se que estas considerações se situam no plano normativo – e não no da matéria de facto apurada no caso concreto: no entendimento que se deixou expresso, recai sobre o empreiteiro que passou a deter determinado imóvel, para o fim de nele levar a efeito obra construtiva de grande amplitude, envolvendo a adopção de planos de segurança e supervisão técnica, um dever de vigilância, quer da obra, quer do próprio prédio onde a mesma decorre, inferível do n.º 1 do citado art. 493.º (independentemente de tal dever ter sido consagrado nos contratos celebrados e de ter ou não sido efectiva e realmente assumido pelo obrigado). Ou seja: no nosso entendimento, e perante obras da natureza e dimensão das que subjazem ao presente litígio, a «autonomia técnica» dos subempreiteiros nunca poderá ser, no plano normativo, total, sendo necessariamente mitigada pelo dever de supervisão e vigilância que o empreiteiro – que assumiu a detenção do imóvel para o transformar de modo absoluto e radical – necessariamente terá de exercer sobre as obras em curso, coordenando-as e assegurando o cumprimento dos critérios técnicos e funcionais adequados.

[7.] Considera-se, por outro lado, que a situação dos autos seria identicamente enquadrável no âmbito do n.º 2 do mesmo artigo 493.º do CC, por se entender que a actividade perigosa, geradora de culpa presumida, é todo o processo construtivo, globalmente levado a efeito com determinado meio dotado de elevada potencialidade para causar danos – rebentamentos de rochas com explosivos – e não apenas cada uma dessas detonações, atomisticamente considerada, levada materialmente a cabo pela subempreiteira: ora, não tendo a R. [X] demonstrado ser absolutamente estranha a tal opção construtiva (22), dotada de elevada apetência para causar danos às edificações próximas, não pode naturalmente eximir-se à responsabilidade pelos danos provocados pela via técnica escolhida, considerando a referida opção por um processo construtivo dotado de elevada «agressividade» para as construções vizinhas como «res inter alios»…

Note-se que, em rigor, no caso dos autos a «culpa» das entidades que levaram a cabo o empreendimento cuja construção causou os danos no imóvel (…) não consistiu apenas na negligência ou inadequação no manuseamento e detonação dos explosivos, ou na violação das regras regulamentares que condicionam a feitura dos rebentamentos – mas antes e fundamentalmente em terem optado por um meio construtivo particularmente idóneo para abalar construções implantadas nas proximidades (…).

Ora, não se tendo provado que a empreiteira [Ré X] era totalmente estranha à opção por tal técnica construtiva (…) (23), tal empresa é, em rigor, chamada a responder por um facto próprio – e não apenas por um comportamento culposo da subempreiteira, ao realizar materialmente cada uma das detonações que provocaram os danos no imóvel (…)”- (fim de citação do Acórdão).

Finalmente, restará dizer que a transcrita doutrina é exactamente aplicável à responsabilidade da subempreiteira, a interveniente VA. & Filhos, S. A., que deverá ser igualmente condenada a indemnizar as Autoras.

Portanto, as Rés Y e X e a Interveniente Principal VA. & Filhos, S. A. são solidariamente responsáveis pelos danos (cfr. artigo 497.º, n.º 1, do Código Civil), obviamente, sem prejuízo de, por força dos contratos firmados “inter partes”, acertarem e dividirem as responsabilidades entre si”.
*
Insurge-se a Recorrente, no entanto, quanto a esta fundamentação, alegando que foi mera intermediária, no que aos trabalhos de desmonte com recurso a explosivos releva - que não foram por ela executados, mas sim pela Ré Y, subcontratada da Recorrente -, não tendo sido ela quem, por facto próprio, causou os danos sofridos pelas AA..

Para tanto, argumenta que os poderes que a Ré X (empreiteira) detinha de direcção, controle e fiscalização sobre o imóvel em causa não lhe podem ser considerados extensivos, já que assumia a qualidade de subempreiteira, e a opção construtiva com recurso a explosivos é apenas imputável à ré X - e nunca poderia ser imputável à vontade da ora Recorrente, que celebrou contrato de subempreitada, no qual vinham já expressamente previstos tais trabalhos de desmonte com recurso a explosivos.

Assim, alega que estava obrigada perante a Ré X ao desmonte com recurso a explosivos, opção e técnica que não foi definida pela Recorrente, nem estava na sua disponibilidade alterar, estando fora da sua autonomia técnica a escolha de outros meios técnicos ou opções.

Por outro lado, alega que os referidos trabalhos não foram executados pela Recorrente, mas sim pela Ré Y, subcontratada da Recorrente, não exercendo a Recorrente uma actividade perigosa, sendo mera intermediária no que aos trabalhos em causa diz respeito, não se lhe podendo aplicar a invocada norma do artigo 493º, nº 2, do CC, e a presunção de culpa aí prevista, por não ter sido aquela, além do mais, por facto próprio, a causadora de quaisquer danos.

Alega, finalmente, que tal factualidade também não resulta da matéria de facto provada.

Cumpre apreciar esta argumentação da Recorrente.

Ora, ponderados os argumentos apresentados, julga-se que os mesmos já se mostram respondidos na fundamentação atrás transcrita e expendida no Acórdão do STJ que sustentou a posição do Tribunal Recorrido.

Na verdade, como aí ficou dito, em casos como o concreto em que estamos “perante obras de natureza e dimensão que assumem alguma complexidade” e em que intervêm na obra, além do empreiteiro, diversos subempreiteiros, não pode aquele, nem podem estes, eximir-se à sua responsabilidade inerente ao dever que sobre eles recai de proceder ao acompanhamento e de supervisão técnica da respectiva realização.

Por assim ser é que, nestas situações, em que a obra (a empreitada) se desdobrou em mais do que uma subempreitada, não só o empreiteiro (geral) continua obrigado à vigilância e supervisão técnica da dita obra, como tal dever se impõe a cada um dos subempreiteiros (24).

Ou seja, nestes casos, em que a obra assume alguma complexidade, não se pode impor aos lesados que averigúem, no meio da “ teia inextricável de relações contratuais e subcontratos, de problemático acesso e aleatória interpretação”, quem pode ser responsabilizado pelo evento danoso efectivamente verificado no seu património.

É dentro deste enquadramento geral que devem ser apreciados os argumentos da Recorrente (e à luz do qual o Tribunal Recorrido proferiu a decisão aqui posta em crise).

Julga-se que, em face da factualidade dada como provada, surge como inequívoca a configuração da presente acção no âmbito da responsabilidade civil extracontratual pela prática de factos ilícitos (arts. 483 e ss. do CC).
Como é sabido, o empreiteiro (e o subempreiteiro) pode ser responsável não só pela violação dos deveres emergentes do contrato de empreitada (e de subempreitada), mas também por, no exercício dessa sua actividade, desrespeitar ilicitamente e com culpa direitos de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios (art. 483º, nº 1 do CC).

Assim, a violação de deveres emergentes do negócio jurídico faz incorrer o empreiteiro (e o subempreiteiro) em responsabilidade contratual.

Diferentemente, o desrespeito, no exercício da sua actividade de empreiteiro (e de subempreiteiro), dos direitos de outrem (por exemplo, direitos dos proprietários de prédios vizinhos daquele onde se executa a obra, ou direitos absolutos de terceiros), ou de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, “dá origem a responsabilidade extracontratual” (25).

Assim, os danos alegados na presente acção pelas AA. integram-se na categoria dos chamados danos extra rem, dado tratar-se de danos causados no património de um “terceiro” relativamente às partes do contrato de empreitada (e de subempreitada).

Já os danos causados no objecto da prestação são danos circa rem, aos quais se aplicam as regras da responsabilidade contratual.

Quanto aos danos ou prejuízos causados pelo empreiteiro (ou subempreiteiro) a qualquer terceiro são danos extra rem.

Ora, quanto a estes últimos danos, a responsabilidade tem natureza extracontratual, sendo os danos sofridos pelo” terceiro” indemnizáveis nos termos dos arts. 483º e ss. do CC (26).

Como decorre do exposto, tanto a responsabilidade contratual, como a extracontratual fazem parte de um todo: a responsabilidade civil, cuja consequência consiste, normalmente, no dever de indemnizar, ou seja, colocar o lesado sem dano, uma vez que estejam verificados os respectivos pressupostos.

A Recorrente parece pôr em causa, apenas, a verificação do pressuposto culpa.

Simplesmente, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, a regra é a de que a culpa do lesante (no caso da Recorrente/ subempreiteira) tem de ser provada pelo lesado, como resulta do art. 487º, nº 1 do Cód. Civil.

Só não será assim, nas situações de presunção legal de culpa previstas, designadamente, nos arts. 492º e 493º do citado Código.

Entendeu o Tribunal Recorrido que, no caso concreto, era aplicável o disposto no nº 2 do art. 493º do CC, pois que “não oferece qualquer dúvida a qualificação da actividade construtiva, de grande dimensão e envolvendo o recurso a explosivos, como actividade perigosa, nos termos e para os efeitos de accionamento da presunção de culpa prevista no nº 2 do art. 493º do CC”.
Ora, importa dizer que subscrevemos, também aqui, integralmente esta fundamentação, já que nela bem se pondera o regime jurídico aplicável.

Senão vejamos.

Em face da leitura do citado artigo, pergunta-se, desde logo: o que deve entender-se por actividade perigosa?

A norma do art. 493º, nº 2 do CC supõe “o dever de não expor os outros a mais riscos ou perigo de dano do que aqueles que são, em princípio, inevitáveis” (27).
Por isso, devem ser qualificadas como “perigosas” as actividades “que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades” (28).
Enquanto no nº 1 do art. 493º do CC se realça a coisa móvel ou imóvel, o nº 2 do mesmo normativo permite considerá-los como elementos enquadrados no exercício de uma actividade (29).
Numa aproximação conceitual, sustenta o Prof. Almeida Costa (30) que deve tratar-se de uma actividade que, mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral”.

Por sua vez, os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (31) defendem que “apenas se admite, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade (...) ou da natureza dos meios utilizados (...). É matéria, pois, a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias”.

O que significa que a perigosidade de uma actividade deve aferir-se segundo as regras da experiência, pelo que será perigosa uma actividade que, segundo aquelas regras, envolve uma propensão para ocorrência de danos. Note-se que a perigosidade deve ser entendida objectivamente, deixando-se de lado meros temores pessoais de uma potencial vítima (32).

O que determinará, assim, a qualificação de uma actividade como perigosa será a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados (33).

Refira-se, ainda, que “o carácter perigoso da actividade (causadora dos danos) pode resultar, como no texto legal se explicita, ou da própria natureza da actividade (fabrico de explosivos, confecção de peças pirotécnicas, navegação aérea, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamento médico com ondas curtas ou com raios X, corte de papel com guilhotina mecânica, tratamento dentário com broca, etc.) ” (34).

Sem afastar a natural apreciação casuística, Ribeiro de Faria (35) qualifica como perigosas certas actividades que impliquem o emprego de substâncias radioactivas, manipulação de líquidos corrosivos ou fabricação de explosivos.

A jurisprudência, por seu lado, vem entendendo que, em certos casos concretos, ocorre perigosidade na actividade desenvolvida, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados, como sucede, por exemplo: na abertura de uma vala numa rua de uma cidade; na utilização de armas de fogo; na utilização de energia eléctrica de alta tensão; no lançamento de foguetes; na utilização de um termo-ventilador industrial alimentado por duas botijas de gás; no armazenamento e manuseamento de resinas naturais; na abertura de um tanque de condensados com o uso de uma rebarbadeira eléctrica; na actividade de uma escavadora no sopé de uma encosta com acentuado declive; no emprego de um compressor com ponteiro de aço na demolição e perfuração de estruturas de cimento e ferro; no funcionamento de um catterpilar; uma prova de desporto motorizado (motocross), a actividade de limpeza de uma auto-bomba, a actividade de reparação e mudança de tubagens de gás; a actividade parcelar que envolve a utilização de auto-gruas telescópicas pesadas para remoção e alteamento de cofragens conexas com a betonagem de estruturas da barragem (36).

Em contrapartida, a jurisprudência tem também sustentado que não constituem actividades perigosas a condução de água para abastecimento público através de conduta resguardada; a actividade de secagem de madeiras feita por um conjunto composto de uma caldeira, um gerador eléctrico e uma estufa a funcionar em circuito fechado; a actividade de restauração em geral (cozinha com fogão e fritadeira do tipo industrial), uma viagem de barco de recreio em pleno Verão com mar sereno e a prática de futebol (37).

No que especificamente respeita à actividade de construção civil e obras, tem-se entendido que a mesma, por si só e abstraídos os meios utilizados, não é uma actividade que revista perigo especial para terceiros e, consequentemente, não constitui actividade perigosa.

E isto porque “a variedade de obras e a diversidade de circunstâncias que podem coexistir” impede a “emissão de um generalizado juízo de perigosidade, reflectido na afirmação da presunção de culpa em relação aos danos causados” (38).

No entanto, como já se referiu – e como bem entendeu o Tribunal Recorrido – a concreta actividade de construção realizada nos presentes autos não pode deixar de ser enquadrada casuisticamente como uma actividade perigosa como decorre claramente do exposto.

Com efeito, o uso de explosivos na actividade de construção realizada não pode deixar de ser enquadrada no conceito de “actividade perigosa” - que procuramos agora definir - designadamente nos termos e para os efeitos de accionamento da presunção de culpa prevista no nº 2 do art. 493º do CC.

Vejamos então de que forma esta presunção legal de culpa se torna operativa nestas situações em que a responsabilidade extracontratual emerge da prática de factos (ilícitos) ocorridos no âmbito de uma actividade perigosa como é aquela que aqui foi desenvolvida pela Ré e Intervenientes (obra de construção civil com trabalhos de desmonte com recurso a explosivos).

Como se referiu, o nº 2 do art. 493º do CC contempla uma situação de presunção legal de culpa, abarcando justamente os casos de danos resultantes de actividades perigosas, onde, como se acaba de explicitar, se integram as actividades construtivas realizadas pela Ré e Intervenientes.

De acordo com este dispositivo legal: “quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.

Assim, resulta deste preceito legal que o lesante, para poder ilidir essa presunção de culpa, tem que ter demonstrado ter efectuado “todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir (aos danos) ” (parte final do citado preceito legal).

Neste âmbito, “para que o lesante se exima da responsabilidade que, por via da presunção de culpa agravada que decorre do art. 493º, nº 2 do CC, que o onera é necessário que demonstre que agiu sem culpa e que prove que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir os danos” (39).

Acresce que, como se refere no ac. do STJ de 16.10.2014 (40), “é insuficiente para afastar a presunção de culpa… a alegação de que a Recorrente B, subempreiteira se limitou a cumprir as ordens e direcções da empreiteira”- conclusão que, aliás, já decorre do que se expôs atrás.

Ora, foi justamente essa a prova que a Recorrente não logrou efectuar, já que decorre da factualidade dada como provada que os danos causados ao património das AA. ocorreram por causa da violação das regras inerentes ao aludido dever de vigilância e supervisão técnica da actividade perigosa desenvolvida na obra, não tendo a Recorrente (tal como a Ré e a Interveniente principal, Y) logrado ilidir a presunção de culpa que sobre ela(s) recaía, ou seja, que tenha(m) efectuado todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos que vieram a produzir-se na esfera jurídico-patrimonial das AA..

Saliente-se, aliás, que, na apreciação da existência do pressuposto culpa neste âmbito, o pressuposto geral de actuar com a diligência de um bom pai de família (art. 487º, nº 2 do CC) deve ser aferido tendo, além do mais, em conta que, ao realizar uma obra, o executante deve respeitar as regras de arte vigentes naquele domínio.

Como as regras da arte não constituem verdadeiras normas jurídicas, a sua violação não conforma uma ilicitude, mas antes um caso de actuação negligente ou dolosa (41).

Ora, no caso concreto, a Ré e as Intervenientes, na realização da obra a que estavam adstritos, ao actuarem da forma como o fizeram, não lograram demonstrar que respeitaram as referidas regras da arte da construção civil, nomeadamente se tivermos em consideração que aquela tinha que ser executada com o recurso a explosivos.

Por outras palavras: antes de realizar as “obras de construção civil com trabalhos de desmonte com recurso a explosivos”, aquelas deviam ter tomado as necessárias e aconselháveis técnicas, de que tinham conhecimento e de que eram capazes, já que a sua actividade tinha por objecto, precisamente, a construção civil.

Em suma: não pode deixar de concluir-se que a Recorrente (tal como a Ré e a Interveniente Y) agiu (agiram) com culpa (presumida), sendo a sua conduta, pois, reprovável, na medida em que, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, a Recorrente (também) podia e devia ter agido de outro modo.

Por conseguinte, estão reunidos todos os pressupostos que permitem afirmar a responsabilidade civil extracontratual da Recorrente pelos danos sofridos pelas Autoras, nos termos do art. 483º do CC.

Nesta conformidade, a Recorrente não tem razão quando defende que foi uma mera intermediária no que aos trabalhos em causa diz respeito, pois que sobre ela, enquanto subempreiteira, incidia o cumprimento dos aludidos deveres inerentes às regras da arte, independentemente de se ter socorrido da Interveniente Y para concretizar a obra que lhe tinha sido incumbida pela X.

Na verdade, e conforme decorre do exposto, a Recorrente, tal como a Ré e a Interveniente, tendo em conta a actividade perigosa de construção civil, que se tinha(m) obrigado a realizar no âmbito do(s) contrato(s) que havia(m) celebrado, tinha(m) que demonstrar que adoptou (adoptaram) todas e as necessárias e aconselháveis técnicas, de que tinham conhecimento e de que eram capazes, para prevenir os danos que vieram a ocorrer na esfera jurídica das AA. (42).

E como se referiu, para afastar a presunção de culpa, não era suficiente a alegação das Intervenientes de que se limitaram a cumprir as ordens e direcções da empreiteira (Ré).

Nesta conformidade, em face da matéria de facto considerada provada, é patente que o esforço que lhe(s) incumbia, de ilidir a presunção de culpa estabelecida no citado nº 2 do art. 493 do CC, não logrou ser efectuado pela Recorrente (nem pela Ré e pela Interveniente Y).
Nesta sequência, e por todo o exposto, não se pode, pois, acolher aqui a argumentação da Recorrente.
Pelo exposto, julga-se improcedente esta parte do Recurso.
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:

A)- o Recurso interposto pelas Autoras/Recorrentes totalmente improcedente;
*
B)- o Recurso interposto pela Ré Y, Empresa de Demolições, Lda. parcialmente procedente e, em consequência, decide-se alterar a decisão proferida no seguinte sentido:

a) Condenar as Rés X, Y e a Interveniente VA. & Filhos, S. A. a pagarem solidariamente às Autoras o valor dos danos ocorridos no telhado da casota do cão (partido), nas telhas do telhado do armazém (partidas), nas paredes (fissuras) e cobertura do estábulo (picadas) e na rede do galinheiro (danificada com furos), a liquidar em execução de sentença.
b) Condenar ainda a Interveniente Principal, Z- Companhia de Seguros, S. A., a pagar, solidariamente com a Ré Y, o valor dos aludidos danos especificados na alínea anterior, sem prejuízo da franquia contratual de 1.000,00 € (mil euros) estabelecida a seu favor nos termos expostos.
c) Absolver as Rés e as Intervenientes do demais peticionado.
*
C) o Recurso interposto pela Interveniente Principal VA. & Filhos, S. A. improcedente.
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Custas pelas AA./Recorrentes e pela Interveniente Principal VA. & Filhos, S. A. (artigo 527.º nº 1 do CPC).
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Guimarães,17 de Dezembro de 2018

Pedro Alexandre Damião e Cunha
Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Moreira Dias


1. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140;
2. In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
3. In Dgsi.pt (relator: Ribeiro Cardoso).
4. V. neste sentido também, o ac. da RG de 15.12.2016 (relator: Maria João Matos- que aqui intervém como Juíza Adjunta) onde se refere: “… quando no art. 640º, nº 1, al. a) do C.P.C. se exige que o impugnante da decisão sobre a matéria de facto indique «os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados», pretende-se que o faça por remissão para o elenco de factos estabelecidos - como provados, ou como não provados - na sentença recorrida, ou por remissão para os factos oportunamente alegados e ali indevidamente desconsiderados, ou para os factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza”, in dgsi.pt.
5. Deduz-se esta conclusão da afirmação genérica que as Recorrentes efectuam nas conclusões 4ª, 9ª e 31ª.
6. Importa dizer que é também relevante salientar que, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito Vide, neste sentido, por todos, A. Geraldes, págs. 141. No mesmo sentido, o ac. do Stj de 27.10.2016 citado. Nesta conformidade, apesar das deficiências atrás salientadas, estas não podem ser supridas por um eventual despacho convite que fosse formulado nesse sentido.
7. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;
8. v. Ac. do STJ de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
9. Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
10. Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
11. De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
12. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
13. Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
14. Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
15. Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “.
16. Lebre de Freitas, in “CPC anotado”, Vol II (em anotação ao art. 666º do anterior CPC), pág. 697.
17. Cf. José Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 126;
18. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 127.
19. Segundo o Prof. Alberto dos Reis, in “CPC anotado”, vol. III, págs. 92-93, o caso julgado exerce uma função positiva, quando faz valer a sua força e autoridade (princípio da exequibilidade), e uma função negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal.
20. Como é sabido, relativamente à intervenção de terceiros, a lei faz uma distinção essencial entre intervenção principal e intervenção acessória. Na intervenção principal, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja, a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (art. 312º do CPC), podendo apresentar articulados próprios (art. 314º do CPC) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efectuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (art. 320º do CPC). Na intervenção acessória, o terceiro é chamado a assumir na lide uma posição com estatuto de assistente (art. 323º, nº 1 do CPC) e por isso a sua intervenção circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento (art. 321º, nº 2 do CPC) e a sentença final não aprecia a acção de regresso mas constitui caso julgado às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, com as limitações do art. 332º do CPC (artigo 323º, nº 3 do CPC).
21. (Relator: Lopes do Rego), in Dgsi.pt onde se concluiu o seguinte:” 1. O interveniente acessório provocado não tem legitimidade para recorrer autonomamente da decisão condenatória da parte que, invocando o direito de regresso, requereu o chamamento, podendo, todavia, alegar no âmbito do recurso interposto pela parte principal, completando ou coadjuvando a respectiva argumentação.2. Configura-se como actividade perigosa, geradora da presunção de culpa prevista no art. 493º do CC, a que se consubstancia na realização de obra de construção civil de grande amplitude, visando a edificação de uma central termoeléctrica, cuja implantação é precedida de rebentamentos de rocha com explosivos.3.O empreiteiro, incumbido da parte de construção civil de obra de grande amplitude e envolvendo alteração radical da estrutura e configuração do prédio, mantém um dever de vigilância, controlo e supervisão, quer do imóvel que, para tal fim, passou a deter, quer da actividade construtiva que nele decorre, mesmo no caso de ter contratado com outras empresas, mediante subempreitadas, certas operações técnicas parcelares, no qual se fundamenta a respectiva culpa presumida pelos danos causados a terceiros.4. Não pode eximir-se à responsabilidade pelos danos causados a terceiros a sociedade empreiteira que não provou ser absolutamente estranha à opção técnica por determinado procedimento construtivo, realizado materialmente pela subempreiteira e envolvendo perigosidade agravada para os prédios situados nas imediações, persistindo-se na mesma técnica construtiva mesmo após serem conhecidas ou cognoscíveis as reclamações dos lesados, envolvendo a consumação dos receados danos”.
22. (nota de rodapé 7 da sentença) Cfr. artigo 51.º dos factos provados.
23. (nota de rodapé 8 da sentença) Pelo contrário, no presente caso, a cláusula 5.ª do contrato de subempreitada celebrado com a subempreiteira VA. & Filhos, Lda. – “1. O X reserva-se o direito de fiscalizar, por si ou através de entidade terceira (o “Representante do X”) todo os trabalhos e verificar o cumprimento do presente Contrato. 2 A existência de fiscalização não exclui nem diminui a responsabilidade do Subempreiteiro, único responsável pela perfeita execução das obras e serviços, fornecimento de materiais e equipamentos. 3. No âmbito das suas competências, o representante do X dispõe de podres bastantes e encontra-se devidamente habilitado para tomar decisões, dar instruções e resolver todas as questões que lhe sejam colocadas pelo Subempreiteiro para os efeitos do normal prosseguimento dos trabalhos” – mostra que a Ré X tinha amplos poderes de controlo, direcção e fiscalização.
24. V. no mesmo sentido, o ac. do STJ de 14.4.2005 (relator: Bettencourt Faria), in dgsi.pt onde se refere que: “o empreiteiro, mesmo naqueles casos em que deu a obra de subempreitada, continua obrigado à vigilância, da dita obra, porque continua a impender sobre ele o dever de supervisão técnica da sua feitura, sendo, por isso, de considerar que, em alguma medida mantém, mesmo na hipótese de subcontratação, os referidos poderes de controle e direcção. O que leva a considerar que o dever de vigilância não transita para o subempreiteiro, sem prejuízo de sobre este impender idêntico dever”.
25. Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações (Parte Especial) – Contratos “, pág. 429.
26. Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, págs. 264/271
27. Brandão Proença, in “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual”, pág. 467.
28. Vaz Serra, in BMJ, 85, pág. 278
29. Ac. da RL de 19/03/2002, CJ, t. II, pág. 80.
30. In “Direitos das Obrigações”, pág. 511.
31. In “CC Anotado”, vol. Iº, pág. 495.
32. Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, in “ Lições de Responsabilidade Civil”, pág. 243.
33. Cfr. Ac. RP de 13.09.2016 (relator Rodrigues Pires), in dgsi.pt
34. Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 606.
35. In “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 480
36. Cfr., neste sentido, respectivamente, os Acs. do STA de 29/06/72 (sumariado no BMJ, 220, pág. 197), e do STJ de 15/11/90 (Relator: Cardona Ferreira ), de 30/06/98 (BMJ, 478, pág. 310), de 05/06/96 (CJSTJ, t. 2º, pág. 119), de 04/11/2003 (Relator : Azevedo Ramos ), de 05/11/2002 (Relator : Fernandes Magalhães ), de 28/02/2002 (CJSTJ, t. 1º, pág. 114), de 20/02/2001 (Relator : Pinto Monteiro), de 18/01/2000 (CJSTJ, t. 1º, pág. 39 ), de 06/04/95 (BMJ, 446, pág. 217), de 12/12/95, CJSTJ, t. 3º, pág. 153, de 1/4/2014 (sumário disponível no CC anotado de Abílio Neto, pág. 520), de 1/7/2014 (sumário disponível no CC anotado de Abílio Neto, pág. 520) de 24/2/2015 (sumário disponível no CC anotado de Abílio Neto, pág. 522), de 9/7/2015 (relator: Abrantes Geraldes), in dgsi.pt.
37. Cfr. os Acs. do STJ de 06/02/96 ( BMJ, 454, pág. 697 ), e da RP de 02/05/91 (Relator : Mário Cancela), in dgsi.pt, de 8.5.2014 (relator: Ezaguy Martins), in dgsi.pt, de 29.1.2015 (sumário disponível no CC anotado de Abílio Neto, pág. 522), da RL de 9.7.2015 (relator: Pimentel Marcos), in dgsi.pt
38. Cfr., neste sentido, os Acs. da RL de 20/03/2001, CJ, t. 2º, pág. 83, e de 19/03/2002, CJ, t. 2º, pág. 80, do STJ de 19/01/77, BMJ, 263, pág. 255, e de 12/02/2004, (Relator: Araújo de Barros).
39. Como concluiu o ac. do STJ de 30.10.2014 (sumário disponível no CC anotado de Abílio Neto, pág. 521). No mesmo sentido, v. o ac. do STJ de 28.10.2014 (sumário disponível no CC anotado de Abílio Neto, pág. 521): “O nº 2 do art. 493º do CC impõe aos lesantes a prova de terem agido sem culpa e não que os lesados provem que aqueles não foram suficientemente diligentes”.
40. Sumário disponível em CC anotado de Abílio Neto, pág. 521 (sendo que este Acórdão pronuncia-se justamente sobre uma actividade perigosa similar à do caso concreto, ou seja, a construção de uma auto-estrada, com recurso a explosivos, considerando esta como uma actividade perigosa e entendendo ser aplicável a presunção de culpa do nº 2 do art. 493º do CC)
41. Cfr. Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações (Parte Especial) – Contratos”, pág. 431.
42. V.,além dos Acórdãos já citados, também neste sentido, o ac. do STJ de 9.7.2015 (relator: Abrantes Geraldes), in dgsi.pt onde se concluiu o seguinte: “1. Independentemente da natureza perigosa da actividade de construção civil que tenha por objecto estruturas para aproveitamento hidráulico, como aconteceu com a construção da Barragem do Alqueva, é de considerar perigosa pela sua própria natureza e ainda pela natureza dos meios utilizados, para efeitos do disposto no art. 493º, nº 2, do CC, a actividade parcelar que envolve a utilização de auto-gruas telescópicas pesadas para remoção e alteamento de cofragens conexas com a betonagem de estruturas da barragem. 2. Contratada pelo Agrupamento Complementar de Empresas - que se associou para a construção de uma barragem - o fornecimento, por uma terceira entidade, das auto-gruas telescópicas que seriam manobradas por trabalhadores especificamente destacados para o efeito por esta fornecedora, sobre a mesma recai a presunção legal de culpa constante do art. 493º, nº 2, do CC, relativamente a danos causados por sinistros com intervenção dessas auto-gruas. 3. A elisão de tal presunção não se basta com o exercício do ónus de contraprova relativamente às causas do sinistro, exigindo a prova de factos que, pela positiva, permitam concluir que a empresa fornecedora das auto-gruas empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir a ocorrência de danos. 4. Entre o Agrupamento Complementar de Empresas e a empresa com quem foi celebrado o contrato de fornecimento e de manipulação das auto-gruas verifica-se uma relação de comissão, nos termos e para efeitos do disposto no art. 500º, nº 1, do CC. 5. Independentemente dos acordos internos de repartição da responsabilidade civil pela ocorrência de sinistros, ambas as entidades respondem solidariamente perante o lesado que foi vítima de acidente na ocasião em que se efectuava uma manobra de deslocação da cofragem com utilização de uma das auto-gruas. 6. Não é excessiva a indemnização arbitrada no valor de € 250.000,00 pelos danos não patrimoniais do lesado que, por via do acidente, sofreu uma lesão na coluna cervical que o deixou insensibilizado abaixo da zona da cintura”.