Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
51/14.8T8VFL.G1
Relator: LINA CASTRO BAPTISTA
Descritores: ESCRITURA PÚBLICA
FORÇA PROBATÓRIA
ÓNUS DA PROVA
DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O preço e respetivo pagamento só estão cobertos pela força probatória plena da escritura pública de compra e venda se o notário tiver atestado esse facto através da sua perceção, ou seja, se tal pagamento tiver sido feito na sua presença.

II - Numa outra perspetiva, a mesma escritura pública pode constituir prova plena quanto ao conteúdo das declarações dela constantes, desde que as mesmas constituam confissão de um facto que seja desfavorável ao confitente, como sucede quando o vendedor declara que já recebeu o preço do negócio e dele dá a competente quitação.

III - Esta declaração reveste força probatória plena relativamente ao facto confessado, isentando os compradores da prova do pagamento do preço.

IV - É ao vendedor que incumbe o ónus da prova da inveracidade desta declaração confessória. Tal prova está, no entanto, limitada em termos probatórios, não podendo ser feita exclusivamente com base em prova testemunhal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

M. C., residente na Rua …, Candoso, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra J. F. e mulher M. J., residentes na Estrada …, Candoso, pedindo que se declare o Réu como único e exclusivo culpado do incumprimento contratual e que se lhe reconheça o direito de resolução do contrato, com as inerentes consequências.
Subsidiariamente, pede que se condene o Réu a pagar-lhe o preço convencionado pela compra e venda do prédio em causa, no valor de € 18 000.00 (dezoito mil Euros), acrescido de juros de mora legais desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alega, em síntese, que, por escritura pública de compra e venda outorgada em 27/07/2012, no Cartório Notarial, declarou vender ao Réu-marido e este declarou comprar-lhe um prédio rústico constituído por terra para batata, centeio, pastagem, com castanheiros bravos, sito na freguesia de Valtorno, inscrito na matriz predial sob o artigo 111 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 444. Especifica que nessa escritura as partes declararam que o valor da venda era de € 800,00 e que, por sua vez, ela declarou, ainda, já ter recebido o referido valor.
Afirma que, na realidade, o valor de venda acordado entre as partes foi de € 18 000,00 e que o Réu não lhe pagou tal quantia monetária.
Diz que, entretanto, perdeu o interesse na prestação do Réu, porquanto a venda do prédio em questão apenas se justificava para fazer face a algumas despesas, as quais, atento o inadimplemento do Réu, teve que solver, recorrendo a outras vias.
Os Réus vieram contestar, aceitando a outorga da escritura pública e aceitando expressamente que aquele negócio foi acordado entre si e a Autora pelo valor de € 18 000,00.
Impugnam a demais factualidade constante da Petição Inicial e contrapõem que este valor de € 18 000,00 foi integralmente pago por si na data da escritura pública. Acrescentam que, todavia, e por imposição da Autora, esse pagamento foi efetuado em numerário, como forma de a Autora evitar declarar na sua declaração de IRS o valor recebido pela venda.
Acrescentam que a própria Autora confessa já ter recebido o preço acordado em carta enviada pelo seu ex mandatário aos Réus e que constitui o Doc. n.º 2 junto à Petição.
Mais alegam que a Autora intentou a presente ação contra si, quando sabia que inexistem os fundamentos que alega para resolver o contrato de compra e venda em causa, alterando a verdade dos factos e omitindo um pagamento que a própria confessa num documento por si junto aos autos. Dizem que ficaram incomodados e chocados com o alegado na Petição Inicial e que esta situação os obrigou a recorrer aos serviços de uma Advogada para contestar a presente ação e a suportar diversas despesas.
Concluem pedindo que a exceção perentória de pagamento seja julgada provada e procedente e que, em consequência, sejam absolvidos dos pedidos formulados. Também que a presente ação seja julgada totalmente improcedente, por não provada, com as legais consequências.
Pedem igualmente que a Autora seja condenada, enquanto litigante de má fé, em multa exemplar e numa indemnização a seu favor, não inferior a € 1 500,00, a fixar nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 543.º do Código de Processo Civil(1).
Realizou-se tentativa de conciliação, em que não foi possível obter acordo quanto à resolução do presente litígio.
Em sede de Audiência Prévia proferiu-se despacho saneador, definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os Temas da Prova.
Na sequência de requerimento apresentado pela Autora, determinou-se o desentranhamento dos Doc. n.º 2 e 3 juntos com a Petição Inicial, com fundamento em violação do segredo profissional do Advogado subscritor dos mesmos.
Realizado o julgamento, proferiu-se sentença, que julgou a acção totalmente improcedente, com a absolvição dos Réus do peticionado, e fixou em € 1 500,00 o montante da indemnização devida pela Autora aos Réus, a título de condenação por litigância de má fé, acrescida de multa de 5 UC.
Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso, terminando com as seguintes

CONCLUSÕES (que se resumem):

1. A douta sentença recorrida, ao considerar válida a decisão da matéria de facto, relativo ao ponto 5). a qual consubstancia o pagamento do preço da venda do valor de dezoito mil Euros com o fundamento exclusivo nos depoimentos testemunhais, viola gravemente as regras de admissibilidade da prova vinculada;
2. Com efeito, não obstante a prova testemunhal ser admissível em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada, se a declaração negocial, por disposição da lei ou por estipulação das partes houver de ser reduzida a escrito, ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível a prova testemunhal;
3. No caso sub iudice as partes determinaram-se por um contrato de compra e venda, mediante escritura pública, que não sofreu qualquer impugnação, no qual a aqui recorrente deu a quitação do valor de 800,00€- quando na verdade o valor acordado entre a Recorrente e os Recorridos foi o do valor de 18.000,00€ , pelo que a demonstração do cumprimento dessa obrigação tem que ser por prova documental, seja pela apresentação de um documento de quitação, nos termos do artigo 787º do C.Civil ou através de transferência bancária em beneficio da Recorrente (art.º 394.º e 395.º do C.Civil).
4. Apenas é admitida a produção da prova testemunhal nas seguintes circunstâncias excepcionais:Quando exista um começo ou principio de prova por escrito; Quando se demonstra ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita, e em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova;
5. Os RECORRIDOS, como lhes competia não alegaram qualquer uma daquelas excepções para que pudessem produzir prova testemunhal idónea a fim de provar o pagamento.
6. Assim, a douta sentença recorrida estava legalmente impedida de admitir prova testemunhal relativa aos factos que consubstanciam o pagamento violando as normas legais supra referidas.
7. Ainda que improcedesse as conclusões que antecedem – o que se admite sem conceder- jamais nos poderíamos conformar com a decisão sobre a matéria de facto consignada: a)- no ponto 5) dos Factos Provados:“O Réu procedeu ao pagamento do montante de € 18.000,00”; b) - no ponto b) dos Factos não provados: “O Réu afirmou perante a Autora que não procederá ao pagamento do preço pela compra do dito terreno”; c)- no ponto e) dos Factos não provados: “ A Autora interpelou o Réu para efectuar o pagamento dos € 18.000,00”pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640º do C.P.Civil ficam impugnados.
8. Conforme o depoimento das testemunhas: Declarações de parte da A. M. C., cujas declarações ficaram gravadas no sistema áudio/digital em uso no Tribunal. No dia 1.06.2016 das 10:47:39 ás 11:18: 06 e transcrito dos 00:00:00 até 00:30:26; J. C., cujas declarações ficaram gravadas no sistema áudio/digital em uso no Tribunal. No dia 1.06.2016 das 11:19:03 ás 11:26: 29 e transcrito dos 00:00:00 até 00:07:24; L. V., cujas declarações ficaram gravadas no sistema áudio/digital em uso no Tribunal. No dia 01.06.2016 das 11:28:10 ás 11:43: 04 e transcrito dos 00:00:00 até 00:14:53; A. F., cujas declarações ficaram gravadas no sistema áudio/digital em uso no Tribunal. No dia 1.06.2016 das 11:43:53 ás 12:08:23 e transcrito dos 00:00:00 até 00:24:29; Declarações do Réu J. F., cujas declarações ficaram gravadas no sistema áudio/digital em uso no Tribunal. No dia 1.06.2016 das 12:42:09 ás 13:20:29 e transcrito dos 00:00:00 até 00:38:20.
9. Os depoimentos testemunhais prestados e arrolados pelos réus e a declaração de parte do réu, ora recorridos, transcritos integralmente e cujo teor se dá por reproduzido, para além de comprovadamente falsos, são contraditórios, pouco consistentes e inverosímeis.
10. Da análise dos mesmos depoimentos jamais se poderia concluir que o réu tenha pedido oito mil euros à testemunha A. F. e, posteriormente, no dia da realização da escritura ambos tenham entregue á A. nas circunstâncias rocambolescas descritas dois sacos, onde estavam dois envelopes com a alegada quantia de dezoito mil euros;
11. A sentença desvalorizou o documento que foi junto oficiosamente pelo Banco A e que consta a fls. do dia 28 de Julho de 2016 , no qual atesta e prova que o réu tinha no dia 7 de Dezembro de 2012,- data da escritura pública- o saldo bancário do valor de quarenta e um mil cinquenta e sete euros e trinta e oito cêntimos, sendo este documento essencial para destronar quer o depoimento da testemunha A. F. como as declarações do Réu, porquanto, aquela testemunha afirmou que emprestou dinheiro ao réu porque este não dispor de saldo bancário.
12. Assim, no julgamento da matéria de facto em causa o Tribunal ad quo não poderia deixar de atender à relevância deste documento pela sua importância vital para descredibilizar aqueles depoimentos e dar como provado que o réu não procedeu ao pagamento dos dezoito mil euros.
13. A douta decisão recorrida desvalorizou os depoimentos prestados pela testemunha J. C. e L. V. e as declarações da A. as quais atestam, inelutavelmente, que a A. contactou, por diversas vezes, os Réus para que lhe fosse pago o preço de dezoito mil euros pela compra do terreno, e que esse valor não lhe foi pago pelos Réus.
14. E desse modo devia a douta Sentença dar como provado :“O Réu não procedeu ao pagamento do montante de € 18.000,00” ; “O Réu afirmou perante a Autora que não procederá ao pagamento do preço pela compra do dito terreno” e provado que “ A Autora interpelou o Réu para efectuar o pagamento dos € 18.000,00”.
15. No julgamento da matéria de facto em causa o Tribunal a quo não poderia deixar de atender a toda a envolvência do conflito entre a recorrente e os recorridos, a litigiosidade que tal pressupõe e ter em consideração as regras da experiência e da normalidade dos comportamentos em situações correntes da vida em sociedade. Na verdade, é latente nas declarações de parte do Recorrido e da Recorrente, reforçado pelos depoimentos das testemunhas que entre eles existe o conflito referente ao primeiro negócio feito entre ambos que envolveu a compra e venda de dois prédios. O recorrido no seu depoimento alude ao facto de ter comprado dois prédios à recorrente que afinal não eram aqueles que quis comprar por não reunir as características que pretendia e por sua vez a recorrente defende-se que quando lhe vendeu aqueles prédios o recorrido conhecia e sabia o que estava a comprar. Ora, posteriormente é feita a escritura de compra e venda de outro prédio, cujo pagamento agora se discute, e é neste momento que o Recorrido vem pôr em causa que os dois prédios anteriores não reúnem as condições que pretendia, o que não deixa de ser surpreendente. Ora, como supra alegado, a atitude do Recorrido de não proceder ao pagamento do valor de dezoito mil euros não foi mais de que uma chantagem feita à recorrida por esta lhe ter vendido dois prédios que afinal o recorrido se arrependeu de os ter comprado. E, é da forma mais vil que o Recorrido em conluio com a testemunha A. F. armaram um embuste à Recorrida fazendo crer ao Tribunal que lhe foi pago em numerário o valor de dezoito mil euros, quando é manifestamente falso.
16. Ainda que a sentença não decidisse pela inconsistência, inverdade ou falsidade da prova testemunhal produzida pelos Recorridos e das declarações do Recorrido, o Tribunal não pode deixar de assumir uma posição de dúvida relativamente à matéria em causa.
17. E quando haja dúvida sobre a veracidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova, resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, sendo que o respectivo ónus competia, sem dúvida aos recorridos – artigos 342º do C.Civil e 416º do C.P.Civil.
18. Tendo em consideração o exposto nas conclusões que antecedem, deverá a douta decisão da matéria de facto relativa às alíneas: No ponto 5) dos Factos Provados: “O Réu procedeu ao pagamento do montante de € 18.000,00”, ser alterada, decidindo-se considerar não provada a factualidade desta alínea; No ponto b) dos Factos não provados: “O Réu afirmou perante a Autora que não procederá ao pagamento do preço pela compra do dito terreno”, ser alterada, decidindo-se considerar provada a factualidade desta alínea; No ponto e) dos Factos não provados: “ A Autora interpelou o Réu para efectuar o pagamento dos € 18.000,00” ,ser alterada, decidindo-se considerar provada a factualidade desta alínea.
19. Face ao supra exposto não estão reunidos os pressupostos legais do artigo 542º e 543º do C.P.Civil para a sentença condenar a A. como litigante de má-fé, no valor de mil e quinhentos euros acrescido de 5UC pois, toda a prova produzida pela Recorrida em audiência, como se deixou explanado nestas conclusões resulta que, quem litigou de má fé foram os Recorridos pelas falsidades e inconsistências dos depoimentos das testemunhas, as quais habilidosamente desvirtuaram a realidade fáctica. A A. fez uso consciente e leal do processo para que lhe fosse feito Justiça.
20. Assim, não tendo decidido a douta sentença do Tribunal a quo, foram violadas as disposições legais acima mencionadas.

Os Réus apresentaram contra-alegações, terminando com as seguintes

CONCLUSÕES (que se resumem):
a. O raciocínio que a recorrente faz na motivação do recurso vale, precisamente, contra si e contra a prova que produziu em sede de Audiência de Julgamento.
b. A Autora propôs-se demonstrar que não é verdadeira a declaração feita perante a Exma. Sr.ª Conservadora de que já recebeu o preço do comprador e dele deu quitação, exclusivamente através das suas declarações de parte e da prova testemunhal por si arrolada.
c. A Autora não juntou nenhuma prova documental que pudesse constituir um princípio de prova de que a declaração por si feita na escritura pública de compra e venda de que tinha recebido o preço era falsa.
d. A A. apenas juntou à petição Inicial uma carta - Doc. 2, que, face à Contestação dos Réus e ao conteúdo da carta, a própria A. veio depois pedir o seu desentranhamento dos Autos.
e. A Autora, nas suas declarações de parte, referiu que enviou ao Réu uma carta a solicitar o pagamento do preço que diz que o réu não pagou, mas, apesar de requerido pelos Réus, a A. não procedeu à junção da Carta, nem do respetivo registo dos Correios.
f. A escritura pública de compra e venda junta aos Autos como Doc. 1 é um documento autêntico, conforme se encontra definido pelo n.º 2 do art.º 363 do CC.
g. A declaração de recebimento do Preço e quitação efetuada pela Autora na escritura constitui uma confissão extrajudicial feita em documento autêntico perante o réu. “trata-se de uma confissão extrajudicial, em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente (faz prova plena de que, nesse ato, o vendedor declarou já ter recebido o preço) – cf. Art.s 355.º, n.º 1 e 4 e 358.º, n.º 2 do CC.
h. Os termos da declaração confessória feita pelo vendedor – nomeadamente, o recebimento do preço, só podem ser postos em causa com a invocação da falsidade do documento, ou com base no erro, vício de vontade ou simulação, o que a A. não invocou.
i. A prova testemunhal, tendo por objeto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos Autênticos ou de documentos particulares, é admissível quando haja um começo de prova escrita e como complemento desta. - Prof. Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 101, pág. 269 a 272 e pelos Acórdãos do S.T.J de 09.10.2017 e de 16.04.97.
j. Ao abrigo do disposto no artigo 394.º do CC não era admissível a produção de prova testemunhal contra aquilo que a A. declarou e confessou na escritura pública de compra e venda.
k. Os Réus estavam dispensados de provar que efetuaram o pagamento, pertencendo à A. o ónus de provar a inveracidade do facto objeto de confissão na escritura pública, o que não logrou fazer
l. Ainda assim, aos Réus era admissível o recurso à prova testemunhal e às de declarações de parte para demonstrar que a declaração contida naquela escritura corresponde à verdade dos factos, porquanto, não tinham como objetivo provar qualquer facto contrário ao conteúdo da escritura pública, mas sim que a mesma é verdadeira.
m. Da diferença entre o valor declarado e o real, não se pode retirar que a declaração efetuada pela A. quanto ao recebimento do valor de 800,00 Euros não seja também verdadeira quanto ao preço real acordado e recebido porquanto, diz a experiencia comum que, quando o vendedor declara que já recebeu o preço declarado na escritura é porque já recebeu o preço real.
n. Quando celebram a escritura de compra e venda e nela a A. declarou que o valor da venda era de 800,00 Euros, que já recebera do comprador e dela deu quitação, ambas as partes sabiam e tinham plena consciência no ato da escritura de que o preço constante da escritura não correspondia ao preço real e a A. efetuou as suas declarações tendo presente esse valor real.
o. A declaração da A., estando a mesma ciente de que o valor real era de 18.000,00 Euros e não 800,00 Euros, constitui por si um princípio de prova bastante do pagamento o que, torna admissível a prova complementar desse pagamento mediante prova testemunhal e mediante declarações de parte do Réu. - - AC do S.T.J de 09.07.2014 – Proc. 28252/10.0T2SNT.L1.S1
p. Além desta declaração, há um conjunto de circunstâncias que tornam verosímil o pagamento de 18.000,00 efetuado pelos Réus à A. e reforçam a admissibilidade da prova testemunhal desse pagamento admitida a complementar aquilo que já se mostra circunstanciado nos Autos.
q. Nenhuma das testemunhas da A. assistiu ao negócio ou à escritura pelo que, nenhuma delas declarou ter conhecimento direto e pessoal de que o Réu não lhe pagou o preço; Minutos 01:22 e 07:00 do depoimento da testemunha J. C.; Minutos 01:22 do depoimento da testemunha L. V..
r. O Recorrido fez prova bastante da entrega do dinheiro em mão à A./Recorrente no dia da escritura. A testemunha A. F. conta, de forma credível, como o Réu lhe foi pedir emprestado 8.000,00 Euros e este lhe entregou o dinheiro junto à Conservatória à frente da A: Minutos 02:05, 04:19, 07:24 do depoimento da testemunha A. F.
O presente recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
I. Violação do princípio da prova vinculada e modificabilidade da decisão de facto;
II. Eventual reapreciação da matéria de direito e do incidente de condenação da Autora como litigante de má fé.
*
III - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROVA VINCULADA E MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO

A Recorrente invoca – nas respetivas alegações de recurso – que a sentença recorrida, ao considerar válida a decisão da matéria de facto, relativo ao ponto 5), a qual consubstancia o pagamento do preço da venda do valor de dezoito mil Euros, com o fundamento exclusivo nos depoimentos testemunhais, viola gravemente as regras de admissibilidade da prova vinculada.
Especifica que, no presente caso, as partes determinaram-se por um contrato de compra e venda, mediante escritura pública, que não sofreu qualquer impugnação, no qual a aqui recorrente deu a quitação do valor de 800,00€- quando na verdade o valor acordado entre a Recorrente e os Recorridos foi o do valor de 18.000,00€ , pelo que a demonstração do cumprimento dessa obrigação tem que ser por prova documental, seja pela apresentação de um documento de quitação, nos termos do artigo 787º do C.Civil ou através de transferência bancária em beneficio da Recorrente (art.º 394.º e 395.º do C.Civil).
Defende que a douta sentença recorrida estava legalmente impedida de admitir prova testemunhal relativa aos factos que consubstanciam o pagamento violando as normas legais supra referidas.
Por outro lado, já em sede de reapreciação da prova testemunhal, advoga que a douta decisão recorrida desvalorizou os depoimentos prestados pela testemunha J. C. e L. V. e as suas declarações as quais atestam, inelutavelmente, que ela contactou, por diversas vezes, os Réus para que lhe fosse pago o preço de dezoito mil euros pela compra do terreno, e que esse valor não lhe foi pago pelos Réus.
Foram os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:
1) Por escritura pública de compra e venda outorgada em 7-12-2012, no cartório notarial, a autora declarou vender ao réu marido e este declarou comprar um prédio rústico constituído por terra para batata, centeio, pastagem, com castanheiros bravos, sito na freguesia de Valtorno, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 111 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Flor sob o número 444
2) Na referida escritura as partes declararam que o valor da venda era de oitocentos euros;
3) Na referida escritura a Autora declarou já ter recebido o referido valor e dele deu respectiva quitação;
4) O valor de venda, efetivamente, acordado entre as partes foi de dezoito mil euros;
5) O Réu procedeu ao pagamento do montante de € 18.000,00.
Na respetiva fundamentação de facto, fez-se constar o seguinte: “Relativamente aos factos 1. a 4. cumpre dizer que a respetiva factualidade encontra-se provada por acordo entre as partes, tendo em conta que tais factos não foram expressamente impugnados, nem se encontram em oposição com a matéria alegada pelas partes, constando, inclusivamente, do documento de fls. 9 a 13 (escritura pública de compra e venda). Relativamente ao restante, cumpre afirmar que o cerne do litígio prende-se com o apuramento do pagamento do preço de € 18.000,00. Sobre tal factualidade apenas se debruçaram, de forma direta, as declarações das partes, Autora e Réu, bem como a testemunha A. F.. As restantes testemunhas apenas revelaram um conhecimento indireto sobre tal matéria.”
Vejamos: quanto à força probatória dos documentos autênticos, a disposição legal-base é a constante do art.º 371.º, n.º 1, do C.Civil, segundo a qual: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles tenham sido atestados com base nas perceções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.”
Assim, como já explicava Manuel de Andrade (2) “O documento faz prova plena quanto à materialidade (prática, efetivação) de tais atos e declarações; mas não quanto à sua sinceridade, à sua veracidade ou à falta de qualquer outro vício ou anomalia.”
Exatamente no mesmo sentido, referem Pires de Lima e Antunes Varela (3) que “O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo (ex.: procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante o disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante, ou que esta não tenha sido viciada por erro, dolo ou coacção, ou que o ato não seja simulado.”
A jurisprudência tem repetidamente defendido esta mesma posição. Cita-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/06/2005, tendo como Relator Ferreira de Almeida (4), onde se refere, no mesmo sentido: “As escrituras públicas como documentos autênticos que são (art.º 371.º do CC) fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora. Tal força probatória não se estende, porém, à veracidade ou verosimilhança das declarações dos outorgantes-intervenientes.”
Tendo esta teoria por assente, é manifesto que o preço e respetivo pagamento só estão cobertos pela força probatória plena da escritura pública de compra e venda se o notário tiver atestado esse facto através da sua perceção, ou seja, se tal pagamento tiver sido feito na sua presença.
No entanto, numa outra perspetiva, a mesma escritura pública pode constituir prova plena quanto ao conteúdo das declarações dela constantes, desde que as mesmas constituam confissão de um facto que seja desfavorável ao confitente, como sucede quando o vendedor declara que já recebeu o preço do negócio e dele dá a competente quitação.
A confissão, como se sabe, consiste no reconhecimento pela parte da realidade de um facto que a desfavorece e que favorece a parte contrária (cf. art.º 352.º do C.Civil) e a declaração de recebimento do preço enquadra-se precisamente nesta definição legal.
A este propósito, seguimos de perto a doutrina constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2014, tendo como Relator Paulo Sá (5), do seguinte teor: “A escritura pública de compra e venda não faz prova plena do pagamento do preço ao vendedor. Porém, a declaração do vendedor perante o notário de já ter recebido o preço, tem este valor, porquanto implica o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, o que o art.º 352.º do CC qualifica de confissão. Trata-se de uma confissão extrajudicial, em documento autêntico, feito à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente (faz prova plena de que, nesse ato, o vendedor declarou já ter recebido o preço) – cf.- art.º s 355.º, n.º 1 e 4 e 358.º, n.º 2, do CC.”
Tal como é pacificamente aceite, do contrato de compra e venda emergem tipicamente três efeitos essenciais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação do pagamento do preço (cf. art.º 879.º do C.Civil).
Trata-se, portanto, de um contrato bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida umas das outras e todas elas com esforço económico.
Quanto à obrigação de pagamento do preço, é manifesto que se trata da obrigação principal do comprador (cf. art.º 874.º e 879.º, alínea c), ambos do C.Civil). Trata-se, como é intuitivo, da obrigação de pagamento, em dinheiro, do valor da coisa, nos termos fixados entre as partes.
Em termos de ónus da prova, a regra geral é a de que é aquele que invoca um direito que cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito que invoca (cf. art.º 342.º, n.º 1, do C.Civil). Assim, em tese geral, é ao comprador que compete provar que fez o pagamento do preço da compra e venda, por se tratar do facto extintivo da sua obrigação.
É precisamente esta a situação dos presentes autos: na escritura pública de compra e venda dos autos a Autora declarou já ter recebido o referido valor e dele deu respetiva quitação.
Esta declaração reveste força probatória plena relativamente ao facto confessado, isentando os Réus/Recorridos da prova do pagamento do preço. Entendemos, portanto, não assistir qualquer razão à Recorrente na tese por si exposta em sede de alegações, no sentido de que incumbia aos Réus/Recorridos a demonstração do cumprimento dessa obrigação, designadamente através de prova documental.
Aliás, e tal como referido por estes nas contra-alegações, o raciocínio que a Recorrente faz na motivação do recurso vale, precisamente, contra si e contra a prova que produziu em sede de Audiência de Julgamento.
Efetivamente, a prova do recebimento integral do preço já se tem por assente, por efeito da confissão. Por contraponto, a força probatória plena da confissão extrajudicial apenas podia ser destruída pela prova do contrário. Isto é, a prova da inveracidade da declaração de recebimento integral do preço cabe à Autora, enquanto confitente.
A circunstância confessada por ambas as partes de o preço declarado ser inferior ao preço real não prejudica esta conclusão. Tal como referem os Recorridos, resulta da experiência comum que, quando o vendedor declara que já recebeu o preço declarado na escritura, é porque já recebeu o preço real.
A Recorrente alega – em termos supletivos – que a decisão recorrida desvalorizou os depoimentos prestados pela testemunha J. C. e L. V. e as suas declarações as quais atestam, inelutavelmente, que ela contactou, por diversas vezes, os Réus para que lhe fosse pago o preço de dezoito mil euros pela compra do terreno, e que esse valor não lhe foi pago pelos Réus.
Entendemos não lhe assistir razão igualmente neste ponto, por questões de direito probatório substantivo.
A prova da inveracidade da declaração de recebimento integral do preço poderia ter sido feita no âmbito de uma ação em que fosse invocada a falsidade da escritura ou a nulidade e/ou anulabilidade da confissão, designadamente com base na existência de falta ou vícios na formação da vontade, com total liberdade probatória.
Mas, nos casos, como o dos autos, em que a vendedora se limita a alegar que o valor real fixado a título de preço, diverso do indicado na escritura, não chegou a ser pago, impendem sobre si relevantes limitações em sede de direito probatório.
Com efeito, resulta, desde logo, da disposição legal do art.º 393.º, n.º 2, do C.Civil que não é admitida prova testemunhal quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória legal, designadamente por confissão.
Por outro lado, resulta, da mesma forma, da disposição legal do art.º 394.º, n.º 1 e 2, do C.P.Civil que a prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado, quanto invocados pelos simuladores, não admitem prova por testemunhas (6).
Bem se compreende que assim seja, atendendo à natural volatilidade e subjetividade da prova testemunhal. No entanto, a interpretação destes preceitos legais tem sido feita pela doutrina e pela jurisprudência, reiteradamente, de forma restritiva, entendendo-se que tais restrições não são aplicáveis quando existe um “princípio de prova” documental.
Esta interpretação começou a ser feita por Vaz Serra (7), defendendo que “afigura-se razoável que se permita a prova por testemunhas contra ou além do conteúdo de documento quando essa prova seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção que com ela se quer demonstrar, afastando-se assim os perigos que a simples prova testemunhal implicaria.”
Também Mota Pinto (8) advoga que “A interpretação do art.º 394.º impor, com efeito, alguma maleabilidade, sob pena de a rigidez de interpretação desta norma conduzir nalguns casos a graves iniquidades. Por razões de justiça, entendemos que a existência dum princípio de prova por escrito, tal como é definido e aplicado nos sistemas jurídicos francês e italiano, poderá permitir o recurso à prova testemunhal.”
No mesmo sentido, expõe-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2015, tendo como Relator Abrantes Geraldes (9), que “Nos termos do art.º 347.º do CC, recai sobre o confitente o ónus da prova da inveracidade da declaração confessória, defrontando-se com as limitações ao nível do direito probatório material no que concerne à apresentação de prova testemunhal ou ao uso de presunções judiciais (art.ºs 393.º, n.º 2, e 351.º do CC). Tais limitações apenas cedem quando exista outro meio de prova, máxime prova documental, que torne verosímil a inveracidade da declaração, servindo, então, a prova testemunhal ou o recurso a presunções judiciais como complemento dessa prova indiciária.”
Ainda no mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão do mesmo Tribunal Superior de 09/07/2014, já acima citado, que “Se o vendedor alega que não recebeu o preço, impunha-se-lhe alegar a falsidade do aludido documento autêntico ou fazer prova da falta ou vícios da vontade que inquinaram a declaração constante desse documento. Fora destes casos, só quando existir um princípio de prova escrita suficientemente verosímil, fica aberta a possibilidade de complementar, mediante testemunhas, a prova do facto contrário à constante da declaração confessória, ou seja, de demonstrar não ser verdadeira a afirmação consciente e voluntariamente produzida mediante o documentador.” (10)
Ora, no caso em apreciação, e tal como realçam os Recorridos, a Autora não juntou nenhuma prova documental que pudesse constituir um princípio de prova de que a declaração por si feita na escritura pública de compra e venda de que tinha recebido o preço era falsa
Aliás, esta apenas juntou à Petição Inicial a escritura de compra e venda e uma carta, sendo que tal carta acabou por ser desentranhada dos autos, na sequência de requerimento apresentado pela própria Autora, invocando quebra de sigilo profissional de Advogado.
Depois, nas suas declarações de parte, a Autora referiu que enviou ao Réu uma carta a solicitar o pagamento do preço. No entanto, notificada para a juntar aos autos, não o veio fazer.
Consequentemente, e em face das restrições probatórias acima enunciadas, a Autora não podia, em sede de audiência de julgamento, fazer prova da inveracidade da sua declaração confessória exclusivamente com base em prova testemunhal. Paralelamente, não pode em sede de recurso pretender obter a modificabilidade da matéria de facto unicamente com base em prova testemunhal, como agora pretende.
Poderia equacionar-se, inclusivamente, a exclusão dos factos provados do Item 5) em que se considerou que o Réu procedeu ao pagamento do montante de € 18 000,00, por supérfluo. No entanto, como veremos a seguir esta factualidade é relevante em sede apreciação do incidente de condenação como litigante de má fé.
É quanto basta para se concluir pela improcedência deste fundamento de recurso.
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IV – REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO E DO INCIDENTE DE CONDENAÇÃO DA AUTORA COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ

A reapreciação do julgamento de direito dependia - nos termos constantes das alegações de recurso - das alterações pretendidas ao julgamento da matéria de facto.
Mantendo-se os factos provados e não provados tal como elencados na decisão recorrida, fica prejudicada a apreciação deste fundamento do recurso.
Mantém-se, por inerência, a decisão de direito da decisão recorrida e os respetivos fundamentos dela constantes.
Importa, no entanto, fazer uma referência ao incidente de condenação da Autora como litigante de má fé.
Como se referiu acima, os Réus alegaram na Contestação que a Autora intentou a presente ação contra si, quando sabia que inexistem os fundamentos que alega para resolver o contrato de compra e venda em causa, alterando a verdade dos factos e omitindo um pagamento que a própria confessa num documento por si junto aos autos. Dizem que ficaram incomodados e chocados com o alegado na Petição Inicial e que esta situação ou obrigou a recorrer aos serviços de uma Advogada para contestar a presente ação e a suportar diversas despesas.
Pedem que a Autora seja condenada, enquanto litigante de má fé, em multa exemplar e numa indemnização a seu favor, não inferior a € 1 500,00, a fixar nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 543.º do Código de Processo Civil
A sentença recorrida condenou a Autora nos termos pretendidos, aí se referindo – a este propósito – que “In casu, o comportamento da Autora assume considerável censurabilidade, por referência ao comportamento que seria exigível a um litigante medianamente diligente e sagaz, atuando segundo parâmetros de seriedade, lealdade e probidade processuais. Efetivamente, a Autora alegou factos que sabia não corresponderem à verdade, ao ter asseverado que não recebera qualquer pagamento dos Réus, o que se demonstrou ter acontecido. Quanto às despesas, em concreto, reclamadas pelos Réus, considera-se que as quantias despendidas para remunerar o patrocínio judiciário levado a cabo nos presentes autos devem ser reembolsadas, nos termos do artigo 543.º1 alínea a) do Código de Processo Civil, revelando-se o valor de € 1.500,00, aduzido pelos Réus, como adequado ao valor da Acão, à sua tramitação e complexidade. Já os montantes pagos a título de taxa de justiça pelos Réus serão restituídos no âmbito das custas de parte, pelo que não deverá a Autora ser condenada, nesta sede, ao seu pagamento, sob pena de um locupletamento ilegítimo por parte dos Réus.”
Apesar de, com base nas considerações acima feitas, se dever considerar que não se deveria ter produzido prova testemunhal sobre o pagamento do preço da compra e venda, é certo que tal prova testemunhal se justificava em sede de apreciação deste incidente de condenação da Autora como litigante de má fé.
Ouvida a prova testemunhal produzida nos autos a esta luz, verifica-se que a Autora prestou declarações de forma muito confusa, baralhando várias questões, ainda que repetidamente tenha dito que os Réus não lhe pagaram os € 18 000,00, e que o Réu prestou declarações de forma mais clara e consistente, relatando que acordou com a Autora comprar-lhe uns terrenos “para fazer um armazém” (sic). Disse que combinaram o preço de € 18 000,00, para a compra do imóvel dos autos, mas declarar apenas um valor inferior “por causa do IMT” (sic). Declarou que, no dia anterior ao da escritura, a Autora lhe telefonou a dizer que pretendia que ele lhe pagasse “em dinheiro” (sic). Disse que, por só ter cerca de € 10 000,00 em numerário em casa, foi pedir o remanescente emprestado a A. F., que lhos foi entregar no ato e local da escritura.
Por seu turno, a testemunha A. F. (vizinho e amigo dos Réus) prestou um depoimento objetivo e convincente, declarando – em síntese – que o Réu, um certo dia, o procurou, pedindo-lhe € 8 000,00 em numerário emprestados, justificando que a Autora não aceitava que lhe efetuasse o pagamento do preço do imóvel dos autos através de cheque. Disse que, nessa sequência, apareceu “à entrada da escritura” (sic), trazendo o dinheiro em notas. Acrescentou que presenciou, logo a seguir, o Réu a contar o dinheiro que lhe entregou e um outro maço que ele trazia consigo à frente da Autora e inclusivamente a afirmar “Quer voltar a contar? Acho bem que não vale a pena” (sic). Bem como a entregar a totalidade das notas à Autora. Disse ainda que, alguns dias depois, o Réu lhe pagou integralmente a quantia emprestada.
Consigna-se que, em nosso entendimento, o teor do documento obtido junto do “Banco A” (junto a fls. 199) não invalida esta prova, por do mesmo somente resultar que “(…) o saldo bancário existente à data de 7 de Dezembro de 2012 em todas as contas abertas no Banco A titulados por J. F., era de € 41 057,38.” e atendendo a que o Réu não alegou, em nenhuma ocasião, ter ido pedir dinheiro emprestado por não ter saldo disponível no Banco.
As demais testemunhas ouvidas em julgamento, J. F. C. (vizinho do local), L. V. (genro da Autora), J. A. (colega de trabalho do Réu), M. D. (amigo dos Réus) e A. M. (amigo dos Réus) não demonstraram ter qualquer conhecimento direto da matéria em litígio.
Com base nas declarações de parte do Réu, e principalmente no depoimento da testemunha A. F., concordamos com a consideração da efetivação do pagamento por parte daquele, nos mesmos termos efetuados na sentença recorrida. Considerando, por outro lado, justificada a quantia arbitrada para reembolso dos honorários ao seu mandatário, entendemos ser de manter a condenação da Autora como litigante de má fé, tal como constante da decisão recorrida.
A conclusão final é, portanto, a da total improcedência do presente recurso.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso da Autora, ainda que com fundamentos parcialmente diversos, confirmando-se a sentença dos autos.
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Custas pela Apelante - art.º 527.º do C.P.Civil.
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Notifique e registe.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Guimarães, 14 de setembro de 2017

(Lina Castro Baptista)
(Alexandra Maria Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)
1. Doravante designado apenas por C.P.Civil.
2. In Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Almedina, pág. 227.
3. In Código Civil Anotado, Volume I, 1987, 4ª edição, Coimbra Editora, pág, 327.
4. Proferido no Processo n.º 05B1417 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
5. Proferido no Processo n.º 28252/10.0T2SNT.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt ma data do presente Acórdão.
6. O mesmo ocorrendo quanto à prova por presunção judicial, em face da disposição legal do art.º 351.º do C.Civil.
7. In R.L.J., Ano 107º, pág. 312.
8. In Coletânea a de Jurisprudência, Ano X, 1985, Tomo 3º, pág. 11 e ss.
9. Proferido no Processo n.º 940/10.9TVPRT.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.
10. Veja-se igualmente no mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/02/2010, tendo como Relator Alves Velho, proferido no Processo n.º 566/06.1TVPRT.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt na data do presente Acórdão.